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AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
CAUSA PREJUDICIAL
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
HABILITAÇÃO
Sumário
1. O juízo valorativo negativo feito pela 1ª instância, tendo por objeto o recurso (bem como o seu regime de subida) interposto pela parte vencida e/ou pedido de ampliação do objeto do recurso feito pelo recorrido convocando o disposto no art.º 636.º do CPC, deve ser sindicado pela parte afetada por via de reclamação (art.º 643.º do CPC); só o juízo positivo pode ser sindicado no âmbito da tramitação do próprio recurso (art.º 641.º, n.º 5 do mesmo diploma).
2. Com a paralisação do prosseguimento de uma das ações (a causa dependente) ao abrigo do disposto no art.º 272.º, n.º 1 do CPC, pretende-se salvaguardar o risco de incompatibilidade entre as decisões a proferir nas duas causas, risco que o prosseguimento de ambas potenciaria; como a jurisprudência vem repetidamente assinalando, a razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial é a economia e coerência dos julgamentos
3. Na generalidade das situações, o que se discute são questões de fundo, de cariz substantivo: a referência que consta da norma citada (art.º 272.º, n.º 1 do CPC) à “decisão da causa” e ao “julgamento de outra já proposta” remete-nos para esse tipo de análise; tendemos, pois, a considerar que o texto da lei não consente que o juiz suspenda a instância com fundamento em prejudicialidade relativamente a hipóteses que se possam colocar no âmbito da aferição ou análise da verificação dos pressupostos processuais, nomeadamente os relativos às partes, ainda que se afigure não podermos avançar, em abstrato e de forma descontextualizada do caso, para a formulação de um juízo genérico de inadmissibilidade.
4. Concluindo-se que nos casos de habilitação incidental regulada no art.º 354.º, n.º2 do CPC, foi consagrada solução normativa que não passa pela suspensão da instância em virtude da existência de ação em que se discute, já não a título incidental mas a título principal, questão atinente à delimitação dos herdeiros do de cujus mas, ao invés, pela tramitação do incidente a par da tramitação daquela ação então, por identidade de razões, tem de entender-se que nas situações em que o demandante, na petição inicial, aduz os factos pertinentes a justificar a sua posição, em substituição do de cujus e como sucessor, na posição jurídica do falecido (habilitação-legitimidade ), igualmente não se justifica a suspensão da causa por prejudicialidade, em face da constatação da pendência de ação tendente à anulação do testamento (causa prejudicial), ao abrigo do disposto na primeira parte do número 1 do art.º 272.º do CPC.
5. Efetivamente, não faria sentido que se adotasse solução jurídica diferenciada para situações que, materialmente, são similares porquanto o interesse jurídico protegido é o mesmo, a saber, em caso de óbito do titular do direito ou da obrigação, assegurar que o processo judicial seja instaurado e/ou prossiga com os intervenientes que têm legitimidade para tal, na aceção que decorre do art.º 30.º do CPC.
(Da responsabilidade da relatora (art.º 663.º, nº7 do CPC))
Texto Integral
Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I. RELATÓRIO Ação
Declarativa com forma de processo comum [ [1] ].
Autora/apelante
IN.
Ré/apelada
M…, Unipessoal, Lda.
Pedido
a) A condenação da ré no pagamento à herança aberta por óbito de FN do montante de € 239.694,17 (duzentos e trinta e nove mil, seiscentos e noventa e quatro euros e dezassete cêntimos), a título de reembolso de suprimentos, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento; e, sendo caso disso,
b) Deve ser fixado prazo à ré para efetuar o pagamento desse montante e, neste caso, ser a Ré também condenada no pagamento dos referidos juros de mora à taxa legal, sobre esse montante, caso não efetue o pagamento dentro do prazo que lhe for fixado, mas contados somente a partir do término desse prazo, tudo com as legais consequências.
Causa de pedir
Em síntese, a autora suportou os pedidos na existência de suprimentos do sócio falecido FN, por entregas de dinheiro à ré, num montante global de € 339.060,00, que aquele efetuou entre os anos de 2011 e 2018, a pedido do outro sócio-gerente, o seu filho, para pagamento de despesas da sociedade ré.
Sob a epígrafe “A – Da ré e da autora” alega, no que ora interessa, como segue:
“1.º - A ré é uma sociedade comercial por quotas com sede na Rua …, Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva …. e o capital social de €280.000,00, anteriormente denominada “M…, Lda” (cfr. certidão permanente do registo comercial, de registos e documentos, com o código de acesso …, doravante abreviadamente designada como a “certidão permanente”, cuja impressão se junta como doc. n.º 1).
2.º - Da versão do texto do contrato de sociedade da ré datada de 31 de março de 2017, intitulada “ESTATUTOS ACTUALIZADOS” (cfr. doc. n.º 2, que aqui se dá por integralmente reproduzido, consultável através da certidão permanente), constavam, entre outros, os seguintes artigos:
“(…)
Artigo Quarto
O capital social, inteiramente subscrito e realizado em dinheiro, é de duzentos e oitenta mil euros, e corresponde à soma de duas quotas iguais de cento e quarenta mil euros, tituladas cada uma delas em nome de cada um dos sócios FN e RN.
Artigo Quinto
Serão exigidas prestações suplementares de capital, além disso, os sócios poderão fazer à sociedade os suprimentos de que ela carecer, mediante os juros e condições que deliberarem e constarem da ata para o efeito elaborada.
(…)
Artigo Sétimo
A gerência e representação da sociedade, em juízo ou fora dele, ativa e passivamente, fica a cargo dos sócios FN e RN, desde já nomeados gerentes, com ou sem remuneração, conforme for deliberado em Assembleia Geral, sendo sempre necessárias as assinaturas conjuntas dos dois sócios gerentes a obrigar a sociedade em todos os seus atos e contratos.
(…).
Assim,
3.º - FN e seu filho (cfr. doc. n.º 3), RN (doravante abreviadamente designado por “RN”), eram os únicos sócios e gerentes da ré, com quotas de igual valor nominal, ou seja, de €140.000,00 cada (cfr. doc.ºs n.ºs 1 e 2).
4.º - O sócio FN faleceu em 2 de dezembro de 2020, com 89 anos de idade (cfr. doc. n.º 4).
5.º - Tendo-lhe sucedido, como seus únicos herdeiros, a sua filha, ora autora, a sua Mulher, MN, e o seu filho, RN (cfr. habilitação de herdeiros de 11/02/2021, que se junta como doc. n.º 5, consultável através da certidão permanente).
6.º - Por testamento lavrado em 1 de agosto de 2019 (cfr. doc. n.º 5, em anexo à habilitação de herdeiros), a autora foi nomeada por seu Pai, o referido FN, sua testamenteira, “(…) com as atribuições previstas na lei e, ainda, designando-a como representante comum dos herdeiros, por minha morte, ao abrigo do disposto no artigo 223.º, números 1 a 6, do Código das Sociedades Comerciais, podendo essa exercer perante a sociedade todos os poderes inerentes à quota indivisa, incluindo poderes de disposição, podendo, assim, praticar atos que importem a extinção, alienação ou oneração da dita quota, aumento de obrigações e renúncia ou redução dos direitos dos sócios.”(negrito nosso).
7.º - Por ter sido nomeada testamenteira de seu Pai, a autora exerce, também, as funções de cabeça de casal, uma vez que a sua Mãe tem uma deficiência motora incapacitante e mais de 70 anos e, por isso, declarou escusa do cargo (cfr. doc.ºs n.ºs 5 e 6).
8.º - Por email e por carta registada com aviso de receção recebidos em 21 de dezembro de 2020 (cfr. doc.ºs n.ºs 7 a 9), a autora comunicou ao gerente da ré, o seu irmão RN, o seguinte:
“Venho por este meio, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 222.º, n.ºs 1 e 2, e 223.º, n.ºs 4 a 6, do Código das Sociedades Comerciais, comunicar-te que, por testamento público outorgado no dia 1 de agosto de 2019, fui nomeada pelo nosso falecido Pai, Sr. FN, sua testamenteira e representante comum dos herdeiros contitulares da sua quota na sociedade M…, Lda, com o valor nominal de 140.000 euros, cabendo-me, assim, exercer perante a sociedade todos os poderes inerentes a essa quota indivisa, incluindo poderes de disposição, e devendo todas as comunicações e declarações da sociedade que interessem aos contitulares ser-me dirigidas”.
Oposição
A ré contestou a ação e, além do mais, suscitou e requereu que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 272.º do Código de Processo Civil, seja determinada a suspensão da instância em virtude de prejudicialidade das seguintes ações judiciais:
- Processo n.º 4453/21.5T8LSB (pendente no Juízo Central Cível de Lisboa, Juiz 19);
- Processo n.º 8187/21.2T8LSB (pendente no Juízo do Comércio de Lisboa, Juiz 5);
- Processo n.º 5722/20.7T8LSB (pendente, sob recurso de revista da sua sentença, no Supremo Tribunal de Justiça, vindo do Juízo do Comércio de Lisboa, Juiz 4);
- Processo n.º 11062/21.7T8LSB (pendente no Juízo do Comércio de Lisboa, Juiz 5).
Resposta
Em 13-09-2022 a autora respondeu alegando que não existe fundamento legal para a pretendida suspensão da instância, propugnando pelo seu indeferimento.
Decisão recorrida
Em 16-03-2024 o tribunal proferiu decisão com o seguinte segmento dispositivo:
“Destarte, o Tribunal ordena a suspensão da presente instância até se encontrar definitivamente julgada a ação no âmbito do Processo n.º 4453/21.5T8LSB, pendente no Juízo Central Cível de Lisboa (Juiz 19), com trânsito em julgado, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 269.º, n.º 1, al. c), e 272.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil; e indefere a suspensão da instância no tocante às restantes ações (por não prejudiciais).
Notifique.
*
Com periodicidade semestral, solicite ao identificado processo informação sobre o respetivo estado e se foi aí proferida sentença, com eventual nota do trânsito em julgado”.
Recurso
Não se conformando, a autora apelou, formulando as seguintes conclusões: “1.ª – A norma do n.º 2 do artigo 354.º do C.P.C. é aplicável, por identidade de razão, à habilitação-legitimidade, porquanto, como ensinava o Prof. Alberto dos Reis, a única diferença entre a habilitação incidental e aquela é que uma ocorre no início da causa e a outra na sua pendência, sendo o respetivo fim o mesmo: colocar o sucessor na posição processual do falecido. 2.ª – Essa norma aplica-se ao representante comum dos herdeiros contitulares de quota por interpretação extensiva (a referência a herdeiro deve ser interpretada como incluindo a categoria mais ampla de sucessor). 3.ª – A necessidade de obstar à paralisação da instância verifica-se tanto na habilitação incidental como na habilitação-legitimidade. 4.ª – As partes têm o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, do C.P.C. e 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. 5.ª – Cumpre, pois, aplicar a norma do n.º 2 do art.º 354.º do C.P.C. à habilitação-legitimidade dos presentes autos, com as necessárias adaptações. 6.ª – A ação de anulação de testamento n.º 4453/21.5T8LSB não é causa prejudicial da presente ação, porquanto a procedência daquela não fará desaparecer o fundamento ou a razão de ser desta. 7.ª - Em caso de procedência da aludida ação de anulação de testamento, a autora será substituída por curador especial nomeado à herança e a presente ação prosseguirá. 8.ª – Não há fundamento para a suspensão da instância na presente ação, nem por pendência de causa prejudicial, nem por outro motivo justificado. 9.ª – Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou as normas dos artigos 2.º, n.º 1, 272.º, n.º 1, e 354.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, normas essas que devem ser interpretadas e aplicadas com o sentido que resulta das conclusões anteriores. Termos em que deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente e, portanto, ser o despacho recorrido revogado e substituído por douto acórdão que determine o prosseguimento dos autos, com as legais consequências, assim se fazendo Justiça”.
A Ré apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões: “1.ª Conforme alegações da petição inicial, a Autora, aqui Recorrente, suportou os pedidos na alegada existência de suprimentos do sócio falecido FN, por entregas de dinheiro à Ré, alegadamente num montante global de € 339.060,00, que aquele efetuou entre os anos de 2011 e 2018, a pedido do outro sócio gerente, o seu filho, para pagamento de despesas da sociedade Ré. 2.ª A Ré, aqui Recorrida, apresentou contestação à ação, e ainda, suscitou e requereu que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 272.º do Código de Processo Civil, seja determinada a suspensão da instância, com as legais consequências, em virtude de prejudicialidade das ações judiciais seguintes: Processo n.º 4453/21.5T8LSB (ação em que se discute, além do mais, a validade do testamento e, consequentemente, os poderes conferidos à Autora neste documento, pendente no Juízo Central Cível de Lisboa, Juiz 19); Processo n.º 8187/21.2T8LSB (ação de impugnação de deliberações sociais, pendente no Juízo do Comércio de Lisboa, Juiz 5); - Processo n.º 5722/20.7T8LSB (Ação Especial de Inquérito Judicial , pendente, sob recurso de revista da sua sentença, no Supremo Tribunal de Justiça, vindo do Juízo do Comércio de Lisboa, Juiz 4); - Processo n.º 11062/21.7T8LSB (Ação Especial de Liquidação de Participações Sociais, pendente no Juízo do Comércio de Lisboa, Juiz 5), concluindo no artigo 72.º que, "os factos que se discutem naquelas ações, máxime Ação especial de Inquérito á Sociedade e Ação Especial de Liquidação de Participação Sociais, poderá prejudicar ou, pelo menos, condicionar a apreciação da presente causa, em especial os factos tendentes a justificar ou a demonstrar a existência de suprimentos e a sua conversão em prestações suplementares" e no artigo 73.º que "afigura-se que a decisão das referidas ações precedentes, pendentes neste Tribunal de Comércio, é, em parte, prejudicial da decisão a proferir na presente ação e, por esse motivo, é de todo conveniente que a decisão daquelas ações, precedam a decisão a proferir nesta ação, razão pela qual pretende a Ré que o Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 272º do CPC, determine a suspensão da presente instância até a decisão final com trânsito em julgado a preferir nas duas ações especiais". 3.ª Sucede, porém, que no despacho em crise, de 26 de março de 2024, entendeu-se que apenas a ação de anulação de testamento n.º 4453/21.5T8LSB é causa prejudicial da presente ação. Não se conformando com a decisão final proferida pelo douto Tribunal a quo, a 26 de março de 2024, a Recorrente interpôs o presente recurso de apelação e, motivou o seu recurso utilizando, os argumentos sintetizados no ponto 12 das alegações de recurso, para onde se remete. Andou bem o Tribunal a quo ao decidir conforme decidiu quanto ao mencionado Processo n.º 4453/21.5T8LSB, tendo, inclusive, em consideração, os fundamentos em que suportou a decisão, não assistindo razão à Recorrente, uma vez que existe de forma evidente uma causa prejudicial, ao nível da legitimidade, devendo, neste segmento do despacho, manter-se a decisão conforme o decidido, conforme se defende nos pontos 16 a 43 das presentes alegações de recurso, para onde se remete. 4.ª No entanto, na aludida decisão o Tribunal a quo veio a entender que não há prejudicialidade em relação aos outros processos. O facto é que há outos fundamentos de suspensão da instância, pelo que é aqui requerida a ampliação do objeto do recurso nos termos do artigo 636.º do CPC. 5.ª Atendendo à pluralidade de fundamentos da suspensão da instância, impõe-se impugnar a decisão quanto ao não acolhimento das outras causas de suspensão da instância, devendo tais causas ser também reconhecidas. Assim, 6.ª Relativamente à Ação de Impugnação de Deliberações Sociais, Processo n.º 8187/21.2T8LSB: uma leitura atenta dos articulados principais da aludida ação permite concluir que os suprimentos que a aqui Recorrente vem alegar como existentes foram convertidos em prestações suplementares, tendo tal conversão sido facto relevante para a amortização da quota. Veja-se os artigos 16.º e 22.º (com o título “C - Dos suprimentos efetuados à ré pelo sócio FN) a 40.º da petição inicial (vd ainda artigo 140.º e seguintes da contestação da ora Recorrida). Dai que a referida ação, ao tratar dos suprimentos como questão fundamental tem conexão com a presente ação. Isto porque, como se vê, os alegados suprimentos foram convertidos em prestações suplementares e é exatamente este o ponto que a aqui Recorrente discute naquela outra ação. é evidente que não pode a questão dos suprimentos ser avaliada naquela outra ação como inexistentes e, eventualmente, a mesma questão vir a ser decidida de forma diferente nesta ação, de forma que as duas ações tem mais do que conexão entre si; a ação de anulação de deliberações sociais é de facto prejudicial a esta ação. 7.ª Relativamente à Ação Especial de Inquérito Judicial, Processo n.º 5722/20.7T8LSB, não se pode concordar com o entendimento do tribunal a quo. Em primeiro lugar, o facto de a decisão de 1.ª instância estar em recurso não retira a possibilidade de suspensão da instância, porquanto não há trânsito em julgado da decisão. Em segundo lugar, pese embora a recusa injustificada seja causa de pedir em ação da natureza da referida, o facto é que a informação visada tem um conteúdo específico que é relevante. E é exatamente aqui que se encontra a conexão entre as duas ações. Isto porque, o apuramento da matéria essencial que está em causa nos presentes autos – existência, ou não de suprimentos; conversão ou não de suprimentos em prestações suplementares – é também matéria daquela ação e objeto próprio e específico da mesma. 8.ª Relativamente à Ação Especial de Liquidação de Participações Sociais, Processo n.º 11062/21.7T8LSB, o Tribunal a quo também entendeu que a referida ação não tem conexão, não está em relação de prejudicialidade com a presente ação. Não assiste razão. Apesar de numa leitura rápida se poder defender que aquela ação não tem qualquer prejudicialidade sobre a decisão a proferir na presente ação, o facto é que a avaliação de uma quota tem, necessariamente, a ver com os direitos e montantes que emergem da qualidade de sócio e de detentor de uma quota social, entre os quais o direito à devolução dos suprimentos. Acresce que nesta ação também é invocada e discutida a questão dos alegados suprimentos que a Recorrente insiste em defender existir, quando não mais existem porque foram convertidos em prestações suplementares. Quer numa, quer na outra ação, será necessário fazer análise acurada das contas da sociedade e, eventualmente, perícia, o que de resto é requerido na presente ação. E, se for proferida decisão de liquidação da quota, antes da decisão final a proferir nesta ação, a presente ação se verá confrontada com uma inutilidade superveniente da lide. Quanto ao facto de a Ação de Liquidação de Participação Social estar suspensa, também se entende que não pode dar azo à não suspensão da instância por esta razão. Isto porque, vindo, eventualmente, a ser levantada aquela suspensão, não sendo decretada a suspensão da presente instância, poderá existir contradição de decisões sobre a questão dos alegados suprimentos, o que não se pode consentir. 9.ª Em todos estes casos deve ser decretada a suspensão da instância da presente ação e há erro de julgamento por estar a ser violado o disposto no Artigo 272.º do CPC Termos em que, com o douto suprimento de V. Exªs, Venerandos Desembargadores e nos demais de direito aplicáveis, a) Deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão proferida na parte relativa à decretação da suspensão da instância por prejudicialidade da ação de processo n.º 4453/21.5T8LSB (pendente no Juízo Central Cível de Lisboa, Juiz 19) na presente ação. b) Deve ainda ser admitida a ampliação do objeto do recurso, devendo, a final, ser julgado procedente a suspensão da instância, por prejudicialidade das ações de processos n.ºs 8187/21.2T8LSB (pendente no Juízo do Comércio de Lisboa, Juiz 5), 5722/20.7T8LSB (pendente, sob recurso de revista da sua sentença, no Supremo Tribunal de Justiça, vindo do Juízo do Comércio de Lisboa, Juiz 4); e, 11062/21.7T8LSB (pendente no Juízo do Comércio de Lisboa, Juiz 5), na presente ação, nos termos do artigo 272º do CPC Assim decidindo, V. Exas. farão, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!”
A autora apresentou resposta às contra-alegações, formulando as seguintes conclusões: “1.ª – O pedido de suspensão da instância foi parcialmente indeferido, no que respeita a três ações, pelo que a ré ficou parcialmente vencida, nos termos do n.º 1 do art.º 631.º do C.P.C. 2.ª – Não se conformando com essa improcedência parcial do seu pedido de suspensão da instância, cabe-lhe recorrer e não ampliar o objeto do recurso interposto pela autora. 3.ª – Todavia, a decisão que indefira a suspensão da instância não é autonomamente recorrível, nos termos do art.º 644.º, n.º 2, al. c), a contrario, e n.º 3, do C.P.C. 4.ª – Assim, a ampliação do âmbito do presente recurso a requerimento da ré, ora recorrida, é inadmissível. 5.ª – As ações n.ºs 8187/21.2T8LSB, 5722/20.7T8LSB e 11062/21.7T8LSB não são causas prejudiciais da presente ação, nem a sua pendência constitui motivo justificado para que seja ordenada a suspensão da instância. Termos em que se conclui, como na alegação de recurso, pela procedência da presente apelação”.
Em 17-06-2024 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Resposta de 27.05.2024:
Assiste razão à Autora quando refere e pugna ser processualmente inadmissível o pedido de ampliação do âmbito do recurso interposto.
Com efeito, o requerimento de suspensão da instância foi parcialmente indeferido no respeitante a três ações judiciais alegadamente prejudiciais, pelo que a Ré ficou parcialmente vencida, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 631.º do Código de Processo Civil.
Não se conformando com essa improcedência parcial do seu pedido de suspensão da instância, incumbe-lhe recorrer, mas não ampliar o objeto do recurso interposto pela Autora. Sucede, todavia, e efetivamente, que a decisão que indefere a suspensão da instância não é autonomamente recorrível, nos termos e à luz do preceituado no artigo 644.º, n.º 2, al. c), a contrario sensu, e n.º 3, do Código de Processo Civil. Por regra, só pode ali haver apelação autónoma da decisão que – pela positiva – “(…) decrete a suspensão da instância”, mas não o seu inverso (cfr., no mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume I, Almedina, 2.ª edição, pág. 805, anotação 17).
Daí que a ampliação do âmbito do presente recurso, sob requerimento da Ré, se revele como processualmente inadmissível – o que, agora, se declara.
Alegações de 16.04 e 07.05.2024:
Por legal, tempestivo, a Autora ter legitimidade e a decisão de 26 de março de 2024 ser recorrível, o Tribunal admite o recurso interposto para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, o qual é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. artigos 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 638.º, n.º 1, parte inicial, 644.º, n.º 2, al. c), 645.º, n.º 1, al. b), e 647.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil).
Nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 306.º, n.º 3, e 641.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, fixamos o valor da causa em € 239 694,17.
Subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
Notifique”.
Cumpre apreciar.
2. FUNDAMENTOS DE FACTO
O tribunal de primeira instância deu por provada, com interesse para a decisão sobre a questão suscitada pela ré, a seguinte factualidade:
1. FN e seu filho, RN, eram os únicos sócios e gerentes da sociedade Ré, com as quotas de igual valor nominal, ou seja, de € 140.000,00 cada (cfr. documentos n.ºs 1 a 3 da petição inicial).
2. O sócio FN faleceu no dia 2 de dezembro de 2020, com 89 anos de idade (cfr. documento n.º 4 da petição inicial).
3. Sucederam-lhe, como seus únicos herdeiros, a sua filha, ora Autora, o seu cônjuge, MN, e o seu filho RN (cfr. habilitação de herdeiros de 11 de fevereiro de 2021, junto como documento n.º 5 da petição inicial).
4. Por testamento público lavrado a 1 de agosto de 2019, a Autora foi nomeada por seu pai, o referido FN, sua testamenteira, “(…) com as atribuições previstas na lei e, ainda, designando-a como representante comum dos herdeiros contitulares da quota do testador na sociedade «M… Ld.ª», NIPC …, por minha morte, ao abrigo do disposto no artigo 223º, números 1 a 6, do Código das Sociedades Comerciais, podendo essa exercer perante a sociedade todos os poderes inerentes à quota indivisa, incluindo poderes de disposição, podendo, assim, praticar atos que importem a extinção, alienação ou oneração da dita quota, aumento de obrigações e renúncia ou redução dos direitos dos sócios” (cfr. documento n.º 5 da petição inicial).
5. Por ter sido nomeada testamenteira de seu pai, a Autora exerce, de igual sorte, as funções de cabeça de casal na herança indivisa, uma vez que a sua mãe tem uma deficiência motora incapacitante e mais de 70 anos e, por isso, declarou escusa do cargo (cfr. documentos n.ºs 5 e 6 da petição inicial).
6. Por comunicação eletrónica e por carta registada com aviso de receção recebidas em 21 de dezembro de 2020, a Autora comunicou ao gerente da sociedade Ré, o seu irmão RN, o seguinte:
“Venho por este meio, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 222.º, n.ºs 1 e 2, e 223.º, n.ºs 4 a 6, do Código das Sociedades Comerciais, comunicar-te que, por testamento público outorgado no dia 1 de agosto de 2019, fui nomeada pelo nosso falecido Pai, Sr. FN, sua testamenteira e representante comum dos herdeiros contitulares da sua quota na sociedade M…, Lda., com o valor nominal de 140.000 euros, cabendo-me, assim, exercer perante a sociedade todos os poderes inerentes a essa quota indivisa, incluindo poderes de disposição, e devendo todas as comunicações e declarações da sociedade que interessem aos contitulares ser-me dirigidas” (cfr. documentos n.ºs 7 a 9 da petição inicial).
7. No âmbito do Processo n.º 4453/21.5T8LSB, pendente no Juízo Central Cível de Lisboa, Juiz 19, peticiona-se que seja anulado o testamento público outorgado no dia 1 de agosto de 2019 por FN, a favor da aqui Autora, por ter sido determinado por dolo da beneficiária e por coação moral; alega-se, entre o mais, que a declaração do testador a favor da ré foi determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração; ou seja, o testador fez o seu testamento a favor da ré através de uma declaração determinada por coação moral (cfr. artigos 255.º e 2201.º do Código Civil) – informação obtida por consulta.
8. O mencionado litígio resume-se, essencialmente, à questão da validade do testamento outorgado no dia 1 de agosto de 2019 pelo falecido FN, a favor da ré, alegadamente por ter sido determinado por dolo desta e por coação moral (informação obtida por consulta).
9. A referida ação judicial deu entrada em juízo no dia 21 de fevereiro de 2021, tendo a ré (aqui Autora) sido citada para os seus termos no dia 17 de março de 2021.
10. (…) E a dita ação judicial aguarda a marcação/agendamento da audiência final, uma vez que a ré ofereceu contestação e foram enunciados os respetivos temas da prova (informações obtidas por consulta).
*
Mais consignou que “[c]om relevância para a suspensão, inexistem factos não provados”.
III. FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº3.
No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar da verificação dos pressupostos para a suspensão da presente instância com base em prejudicialidade (art.º 272.º, n.º 1, primeira parte), tendo por referência o processo n.º 4453/21.5T8LSB pendente no Juízo Central Cível de Lisboa (Juiz 19).
Assinala-se que não há que apreciar da ampliação do objeto de recurso deduzida pela ré/apelada nas contra-alegações de recurso, convocando o disposto no art.º 636.º, atento o despacho de indeferimento proferido pela 1ª instância, com fundamento em que a situação não configura uma hipótese subsumível ao citado preceito, justificando-se, ao invés, que a apelada, porque igualmente parte vencida quanto à pretendida suspensão da instância por prejudicialidade relativamente a outros processos, interponha (a final) recurso.
É que se entende que esse despacho, a que supra se aludiu, só pode ser sindicado por via da reclamação prevista no art.º 643.º, à semelhança do que acontece com o despacho de indeferimento do recurso e do despacho que retenha a sua subida, nos termos do art.º 641.º, n.º 7 e por similitude de razões, tendo o legislador fixado um procedimento autónomo para apreciação dessas situações.
Ao invés, a admissão do recurso pela 1ª instância, bem como a fixação da sua espécie e efeito não vincula o tribunal superior (art.º 641.º, n.º 5) pelo que pode ser apreciada em sede de tramitação do próprio recurso; o mesmo acontece, entende-se, nas situações em que, tendo o apelado deduzido, nas contra-alegações de recurso, pedido de ampliação convocando o disposto no art.º 636.º, o tribunal de 1ª instância admite a pretensão de ampliação, a par da admissão do recurso ou, até, admite o recurso mas nada diz quanto à pretensão de ampliação [ [2] ].
Em suma, o juízo valorativo negativo feito pela 1ª instância, tendo por objeto o recurso (bem como o seu regime de subida) interposto pela parte vencida e/ou o pedido de ampliação do objeto do recurso feito pelo recorrido convocando o disposto no art.º 636.º, deve ser sindicado pela parte afetada por via de reclamação (art.º 643.º); só o juízo positivo pode ser sindicado no âmbito da tramitação do próprio recurso (art.º 641.º, n.º 5).
2. Nos termos do art.º 272º, nº1 o tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
“O nexo de prejudicialidade ou de dependência define-se assim: estão pendentes duas acções e dá-se o caso de a decisão dum poder afectar o julgamento a proferir na outra. Aquela acção terá o carácter de prejudicial em relação a esta” [ [3] ]. Com a paralisação do prosseguimento de uma das ações (a causa dependente) pretende-se salvaguardar o risco de incompatibilidade entre as decisões a proferir nas duas causas, risco que o prosseguimento de ambas potenciaria; como a jurisprudência vem repetidamente assinalando, a razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial é a economia e coerência dos julgamentos [ [4] ].
Na generalidade das situações, o que se discute são questões de fundo, de cariz substantivo: a referência que consta da norma citada à “decisão da causa” e ao “julgamento de outra já proposta” remete-nos para esse tipo de análise [ [5] ]. Tendemos, pois, a considerar que o texto da lei não consente que o juiz suspenda a instância com fundamento em prejudicialidade relativamente a hipóteses que se possam colocar no âmbito da aferição ou análise da verificação dos pressupostos processuais, nomeadamente os relativos às partes, ainda que se afigure não podermos avançar, em abstrato e de forma descontextualizada do caso, para a formulação de um juízo genérico de inadmissibilidade. Refira-se que, estando em causa questão atinente à competência do tribunal, o legislador, no Capítulo IV (“[d]a extensão e modificações da competência”) salvaguardou expressamente a hipótese de suspensão nos moldes previstos no art.º 92.º.
Acrescente-se que a determinação de suspensão pode igualmente ser feita a coberto de “outro motivo justificado” (parte final do número 1 do art.º 272.º), pelo que o juiz tem sempre esse mecanismo ao seu dispor, para obter o mesmo efeito, ainda que se trate de poder vinculado. Não tendo o legislador definido o conceito de motivo justificado, conceito de conteúdo indeterminado, compete ao juiz o seu preenchimento e será perante cada caso concreto que deve aferir-se da sua ocorrência. Como refere Alberto dos Reis, “[o]juiz pode ordenar a suspensão quando entenda que há utilidade ou conveniência processual em que a instância se suspenda” [ [6] ]. Em sede de fundamentação, lê-se na decisão:
“Descendo à situação concreta, adiantamos, desde já, que só parcialmente assiste razão à Ré no requerimento formulado para suspensão da presente instância declarativa, e no que concerne ao mencionado Processo n.º 4453/21.5T8LSB (atualmente pendente no Juízo Central Cível de Lisboa, Juiz 19); mas não quanto aos demais processos judiciais. (…)
Passemos, pois, ao primeiro processo judicial indicado e que, a nosso ver (salvo o respeito devido por entendimento diverso), ditará a suspensão da presente lide comum (Processo n.º 4453/21.5T8LSB, agora pendente no Juízo Central Cível de Lisboa, Juiz 19).
Referiu a Ré ter tomado conhecimento de que está em curso a dita ação judicial em que se discute, além do mais, a validade do testamento e, consequentemente, os poderes conferidos à Autora neste documento, inter alia, o de atuar como representante comum dos quotistas, que tem ou poderá ter reflexo na presente ação no que diz respeito à legitimidade da Autora para propor a presente ação, uma vez que a mesma o faz ao abrigo dos poderes e direitos que lhe foram conferidos no testamento público junto com o documento n.º 5 à petição inicial. Vindo a referida ação ser julgada procedente enquanto em curso a presente ação, em momento oportuno tal será invocado na presente contenda.
Pese embora a legitimidade processual ativa tenha como pressuposto a relação jurídica material controvertida tal como se mostra a mesma delineada pelo autor na petição inicial apresentada, porque os factos supervenientes podem ser atendíveis no momento da decisão, nos termos do disposto no artigo 611.º do Código de Processo Civil, tais factos podem ter repercussão no pressuposto processual da legitimidade das partes, caso o requerente perca a qualidade que o legitimava para propor a ação. Assim sendo, nada obsta a que venha a ser proferida decisão que julgue verificada a exceção dilatória de ilegitimidade ativa superveniente do autor de uma ação (cfr. nota 7 da contestação).
Analisando.
No âmbito do Processo n.º 4453/21.5T8LSB, atualmente pendente no Juízo Central Cível de Lisboa, Juiz 19, peticiona-se que seja anulado o testamento público outorgado no dia 1 de agosto de 2019 pelo de cuius, FN, a favor da aqui Autora (e ali, obviamente, ré), por ter sido determinado por dolo da beneficiária e por coação moral.
Diz-se, entre o mais, que a declaração do testador a favor da ré foi determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração. Ou seja, o testador fez o seu testamento a favor da ré através de uma declaração determinada por coação moral (cfr. artigos 255.º e 2201.º do Código Civil).
Na petição inicial da presente ação, em termos de legitimidade ativa, a Autora afirmou, e fundamentou-a, (n)o seguinte:
“57.º - A autora, além de ser herdeira do sócio falecido e de exercer o cargo de cabeça de casal da herança aberta por óbito do mesmo, foi nomeada por este como sua testamenteira e, ainda, por ele designada, no mesmo testamento, como representante comum dos herdeiros contitulares da quota do testador na sociedade ré, por morte deste, ao abrigo do disposto no artigo 223.º, números 1 a 6, do Código das Sociedades Comerciais (C.S.C.), podendo exercer perante a sociedade todos os poderes inerentes à quota indivisa, incluindo poderes de disposição, podendo, assim, praticar atos que importem a extinção, alienação ou oneração da dita quota.
58.º - Nos termos dos artigos 222.º, n.º 1, e 223.º, n.º 5, do C.S.C., os contitulares de quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum, o qual pode exercer perante a sociedade todos os poderes inerentes à quota indivisa.
59.º - A autora tem, por isso, legitimidade para intentar a presente ação, porquanto os artigos 222.º e seguintes do C.S.C. são normas especiais relativamente ao artigo 2091.º, n.º 1, do Código Civil (cfr., neste sentido, o acórdão do S.T.J. de 02-04-2019, disponível em www.dgsi.pt, Processo 246/08.3TYVNG.P1.S1, no qual se pode ler que: «Deve convocar-se, então, o regime geral da administração da herança (cfr. artigos 2079.º e s. do CC) e o regime da contitularidade da quota (cfr. arts. 222.º do CSC), que, por ser especial, prevalecerá, em princípio, sobre aquele.»)”.
Ora, com interesse para este efeito (o decretamento da suspensão da instância), encontram-se provados (e documentados) nos autos os factos seguintes: (…)
Ora, considerando o objeto da referida ação, estamos em crer que, se a mesma vier a ser julgada procedente, e tendo em linha de consideração a retroatividade da declaração de anulação (cfr. artigos 255.º, 289.º, n.º 1, e 2201.º, todos do Código Civil), o fundamento da presente lide deixa de subsistir, ao nível da legitimidade processual e substantiva da Autora, a qual, simultaneamente, perde a sua qualidade – dupla – de testamenteira e de cabeça de casal na herança aberta por decesso de FN.
Discutindo-se a validade do testamento em causa e, consequentemente, os poderes conferidos à Autora nesse mesmo documento, entre outros, o de agir como representante comum dos quotistas da Ré, que tem ou poderá ter reflexo na presente ação no que diz respeito à legitimidade da Autora para propor a presente ação (uma vez que a mesma o fez ao abrigo dos poderes e direitos que lhe foram conferidos no testamento público junto com o documento n.º 5 à petição inicial); e tendo, ainda, em linha de conta o alcance do artigo 573.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (a defesa superveniente e, inclusive, oficiosa); é imperioso observar que faz todo o sentido determinar a suspensão da presente instância até que se decida, com o selo da definitividade, o objeto da mencionada lide.
Conforme o assinalou a Ré, embora a legitimidade processual ativa tenha como pressuposto a relação jurídica material controvertida tal como se mostra delineada pelo autor na petição inicial, porque os factos supervenientes podem e devem ser atendíveis no momento da decisão, nos termos do disposto no artigo 611.º do Código de Processo Civil, tais factos podem ter repercussão no pressuposto processual da legitimidade das partes, caso o requerente perca a qualidade que o legitimava para intentar a ação. Assim sendo, nada obsta a que venha a ser proferida decisão que julgue verificada a exceção de ilegitimidade ativa superveniente do autor de uma ação (cfr., em sentido confluente, Ac. TRL de 28.06.2018, relatado por António Santos e com texto disponível em www.dgsi.pt).
Quanto à atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, postula o artigo 611.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, o seguinte (preceito legal que pode, perfeitamente, ser conjugado com o citado n.º 2 do artigo 573.º e com o artigo 588.º do mesmo código): (…)
Temos, face ao aduzido, que a legitimidade da Autora, processual e substantiva, está condicionada ao desfecho que vier a ter a mencionada ação declarativa, de natureza estritamente constitutiva (cfr. artigo 10.º, n.º 2 e n.º 3, al. c), do Código de Processo Civil).
Concluindo na peugada do entendimento perfilhado, e também com o suporte do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 27 de setembro de 2019 (relatado por Ramalho Pinto e com texto disponível em www.dgsi.pt): (…).
De novo com o devido respeito, consideramos que não tem cabimento chamar à colação a doutrina do artigo 354.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, preceito que, para além de incidental, se limita a regular a habilitação de herdeiros no caso de a legitimidade ainda não estar reconhecida (por decisão judicial transitada em julgado ou por escritura de habilitação notarial). Nada tem que ver, pois, com a matéria da debatida suspensão.
Por fim, não ocorre nenhum dos impedimentos a que alude o n.º 2 do artigo 272.º do Código de Processo Civil e que seriam obstativos a que fosse ordenada tal suspensão”.
Como decorre do exposto, o juiz transpôs o conceito de prejudicialidade para o campo dos pressupostos processuais e, já se referiu, tendemos a considerar que essa não é a melhor interpretação do art.º 272.º, n.º 1.
No que concerne, especificamente, à legitimidade das partes (legitimidade processual, que não legitimidade ad causam) [ [7] ] [ [8] ] esta deve aferir-se tendo em conta a relação material controvertida tal como ela é configurada pelo autor (art.º 30.º) [ [9] ], ponderando a data de instauração da ação e sem prejuízo de se admitir a relevância jurídica de facto(s) superveniente(s) tendo em vista aquilatar se se mantém, ao longo do processo, essa legitimidade, a tal não obstando o princípio da estabilidade da instância consagrado no art.º 260.º, que ressalva as “possibilidades de modificação consignadas na lei”, nesse ponto acompanhando-se as considerações expressas na decisão recorrida [ [10] ].
Ponderando a posição da autora expressa nos articulados e a factualidade dada por assente, pode sintetizar-se assim a dinâmica da relação estabelecida entre as partes: na sequência do óbito de FN, falecido antes da propositura da ação, os seus filhos (a autora e o gerente da sociedade ré) e cônjuge passaram a ser contitulares da quota do de cujus nessa sociedade, incumbindo à autora exercer os respetivos direitos sociais, na qualidade de representante comum, qualidade que lhe advém da designação feita por disposição testamentária daquele, à luz do que dispõem os arts. 222.º n.º 1 e 223.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais (CSC). Pese embora a autora se identifique como tal no cabeçalho da petição inicial, em cumprimento da exigência que decorre do art.º 552.º, n.º 1, alínea a), sem qualquer outra referência complementar, o certo é que é evidente, em face da petição inicial, que é naquela qualidade de representante comum que a autora interpõe a ação – cfr. os arts. 1.º a 8.º desse articulado – tanto assim que o pedido deduzido se reconduz à condenação da ré “no pagamento à herança aberta por óbito de FN” e não no reembolso dos suprimentos à autora, a título pessoal. Como se referiu no acórdão do TRC de 09-12-2008 [ [11] ], os articulados/requerimentos das partes, enquanto atos jurídicos, devem ser objeto de interpretação (art.º 295º do Cód. Civil), o que significa, por um lado, que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (art.º 236º, nº 1 do Cód. Civil) e, por outro, que essa declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art.º 238º, nº1 do mesmo diploma).
É neste contexto que se coloca a referência ao processo n.º 4453/21.5T8LSB, tendo o tribunal entendido, em síntese e secundando a posição expressa pela ré/apelada na contestação que, estando em causa nesse processo aferir da validade do referido testamento, em face do pedido de anulação aí formulado, a eventual procedência do mesmo acarretaria inexoravelmente a perda de legitimidade da autora para a prossecução dos presentes autos, assim motivando a suspensão da presente instância, por prejudicialidade, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir nesse processo.
Afigura-se-nos não ser essa a melhor solução.
Os intervenientes não discutem a outorga do testamento – negócio jurídico unilateral (art.º 2179.º, nº. 1, do Cód. Civil) – e que este está em vigor na ordem jurídica pelo que, até que seja judicialmente declarada a sua invalidade, com a retroatividade inerente a essa declaração (art.º 289.º do Cód. Civil) a autora tem legitimidade para a instauração da ação, nos moldes em que o fez e a que se aludiu, como tem legitimidade para o exercício dos direitos sociais inerentes à titularidade da quota que pertencia ao de cujus e na situação de representante comum. Levada a posição da 1ª instância às últimas consequências, estaria posto em causa o exercício desses direitos pela autora, nessa qualidade, dando-se na prática efetividade à pretensão de anulação formulada pela ré no referido processo, antes ainda do pronunciamento do tribunal e fora do quadro legal em que o legislador permite um pronunciamento provisório, isto é, no contexto dos procedimentos cautelares, mais precisamente, o procedimento cautelar comum (cfr. os arts. 362.º e 363.º), sendo que a ré nunca invocou ter deduzido pretensão nesse sentido, por via incidental, seja previamente à instauração daquele processo, seja na sua pendência, em ordem a acautelar juridicamente a sua posição.
Refere-se na decisão que com a procedência da pretensão formulada nesse processo “o fundamento da presente lide deixa de subsistir, ao nível da legitimidade processual e substantiva da Autora” (sublinhado nosso) o que não tem cabimento porquanto não se vislumbra que essa ação tenha a virtualidade de influenciar a apreciação do mérito do pedido formulado nestes autos, em que está em causa fundamentalmente apreciar (i) se o de cujus, entregou à sociedade quantias em dinheiro no montante global de €339.060,00, a pedido do outro sócio, (ii) se essas quantias foram entregues a título de suprimentos (e não de prestações suplementares) e (iii) se ficou acordado que as mesmas seriam restituídas ao sócio FN, não sendo acordado qualquer prazo para o seu reembolso – cfr. os arts. 22.º a 40.º da petição inicial.
Não se vislumbram razões para afirmar, como se faz na decisão recorrida, que a legitimidade substantiva da Autora que, insiste-se, se coloca no campo da procedência/improcedência do pedido formulado “está condicionada ao desfecho que vier a ter a mencionada ação declarativa”. O que aqui está em causa não é apreciar sobre os direitos da autora sobre a herança, enquanto herdeira legitimária do de cujus, logo co-titular da quota na sociedade, bem (em sentido amplo) que compõe o património hereditário, mas os direitos dos co-titulares da quota, grosso modo, à restituição das quantias alegadamente entregues a título de suprimentos [ [12] ].
Neste contexto, não tem justificação a convocação feita na decisão recorrida ao acórdão do TRC de 27-09-2019, porquanto a situação aí em análise em nada se assemelha à presente, sendo certo que as considerações aí expostas quanto à suspensão da instância por prejudicialidade não suscitam controvérsia, correspondendo o que aqui já se referiu ao que aí é indicado [ [13] ]. Como igualmente não tem fundamento o apelo da ré, nas contra-alegações de recurso, em abono da sua tese e com vista à pretendida confirmação da decisão recorrida, ao acórdão do TRP de 29-06-2010 sendo que, novamente, não se visualiza qualquer divergência conceptual quanto à delimitação da figura cuja aplicação ora está em discussão [ [14] ] [ [15] ].
É certo que a sorte dessa lide pode conflituar com a legitimidade processual da autora para a prossecução dos presentes autos, mas essa é questão que, se e quando colocada, será resolvida posteriormente tanto mais que, como é corretamente assinalado na decisão recorrida, em princípio, nada obsta à atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes (superveniência objetiva). Em todo o caso, não deve esta Relação, nesta fase do processo, efetuar a esse propósito qualquer juízo de antecipação e muito menos especular sobre os mecanismos processuais que, nesse caso, os intervenientes podem/devem utilizar.
Noutra linha de argumentação, refere-se na decisão recorrida que “não tem cabimento chamar à colação a doutrina do artigo 354.º, n.º 2 do Código de Processo Civil” e os intervenientes, em sede de recurso, incidem nesse ponto a sua atenção.
Novamente, afastamo-nos do entendimento expresso na decisão recorrida, sendo que as referências doutrinais feitas nas alegações de recurso da apelante (corpo das alegações) são particularmente impressivas a este propósito.
Vejamos.
Ocorrendo o óbito de algum dos intervenientes na causa, na pendência desta e salvos os casos, muito residuais, em que esse facto é suscetível de motivar a extinção da instância (art.º 269.º, n.º 3 e alínea e) do art.º 277.º) -, segue-se uma lide incidental, a habilitação, regulada nos arts. 351.º a 357.º.
O legislador distingue o tipo de procedimento a adotar consoante a legitimidade já esteja reconhecida noutro processo e/ou documento (escritura de habilitação de herdeiros, prevista nos arts. 82.º e 83.º do Código do Notariado), caso em que o procedimento é mais expedito (art.º 353.º) ou a legitimidade ainda não esteja reconhecida. Neste caso, o incidente corre por apenso aos autos principais e segue-se a tramitação prevista no art.º 354.º que, sob a epígrafe “[h]abilitação no caso de a legitimidade ainda não estar reconhecida”, preceitua:
“1 - Não se verificando qualquer dos casos previstos no artigo anterior, o juiz decide o incidente logo que, findo o prazo da contestação, se faça a produção de prova que no caso couber.
2 - Quando a qualidade de herdeiro esteja dependente da decisão de alguma causa ou de questões que devam ser resolvidas noutro processo, a habilitação é requerida contra todos os que disputam a herança e todos são citados, mas o tribunal só julga habilitadas as pessoas que, no momento em que a habilitação seja decidida, devam considerar-se como herdeiras; os outros interessados, a quem a decisão é notificada, são admitidos a intervir na causa como litisconsortes dos habilitados, observando-se o disposto nos artigos 313.º e seguintes.
3 - Se for parte na causa uma pessoa coletiva ou sociedade que se extinga, a habilitação dos sucessores faz-se em conformidade do disposto neste artigo, com as necessárias adaptações e sem prejuízo do disposto no artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais”.
Desta regulação decorre que mesmo na pendência de uma outra causa em que, a título principal, se discuta questão atinente à delimitação ou fixação da identidade dos herdeiros do de cujus, o julgador não pode suspender, com esse fundamento e constatado o óbito de um dos intervenientes, a tramitação da causa que corre perante si, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir naquele processo; ao invés, está obrigado a processar o incidente de habilitação, procedendo à produção da prova pertinente e decidindo em conformidade- n.º 2 do preceito.
Ora, como a apelante sustenta, é esta mesma ratio que deve aplicar-se a hipóteses como a que se nos depara, inserida nos chamados casos de habilitação-legitimidade, por contraponto aos casos de habilitação incidental, sendo que o art.º 54.º configura, tipicamente, no âmbito da ação executiva, um exemplo daqueles primeiros casos [ [16] ]. Como refere Alberto dos Reis, distinguindo entre a habilitação-legitimidade e a habilitação incidental:
“Finalmente, a habilitação-legitimidade aparece-nosquando na petição inicial duma acção ou duma execução se alega que o autor ou o réu, o exequente ou o executado, sucederam na posição jurídica que pertencia a outra pessoa. / A vem a juízo demandar B, para que este seja condenado a pagar-lhe determinada quantia que devia a C. Para demonstrar a sua legitimidade para a acção, A tem de começar por deduzir, na petição inicial, os factos tendentes a estabelecer que sucedeu a C na posição jurídica de credor; quer dizer, tem de se habilitar como sucessor do originário credor. A habilitação desempenha aqui o papel de elemento ou requisito da legitimidade do autor. (…). [A] habilitação-legitimidade, se surge na acção declarativa, integra-se no processo da acção: como requisito, que é, da legitimidade, não tem autonomia processual”.
E, mais adiante, conclui:
“A habilitação-legitimidade aproxima-se, sob o ponto de vista da função e alcance, da habilitação incidental, pois que o fim a que visa - colocar o sucessor na posição jurídica do falecido ou do cedente - diz respeito a determinado processo. A diferença é somente esta: a habilitação incidental ocorre na pendência de uma causa, ao passo que a habilitação-legitimidade apresenta-se no início da ação” [ [17] ] [ [18] ] [ [19] ].
Concluindo-se que, nos casos assinalados, de habilitação incidental regulada no art.º 354.º, n.º2 do CPC, foi consagrada solução normativa que não passa pela suspensão da instância em virtude da existência de ação em que se discute, já não a título incidental mas a título principal, questão atinente à delimitação dos herdeiros do de cujus mas, ao invés, pela tramitação do incidente a par da tramitação daquela ação então, por identidade de razões, tem de entender-se que nas situações em que o demandante, na petição inicial, aduz os factos pertinentes a justificar a sua posição, em substituição do de cujus e como sucessor, na posição jurídica do falecido (habilitação-legitimidade), igualmente não se justifica a suspensão da causa por prejudicialidade, em face da constatação da pendência de ação tendente à anulação do testamento (causa prejudicial), ao abrigo do disposto na primeira parte do número 1 do art.º 272.º [ [20] ]. Efetivamente, não faria sentido que se adotasse solução jurídica diferenciada para situações que, materialmente, são similares porquanto o interesse jurídico protegido é o mesmo, a saber, em caso de óbito do titular do direito ou da obrigação, assegurar que o processo judicial seja instaurado e/ou prossiga com os intervenientes que têm legitimidade para tal, na aceção que decorre do art.º 30.º.
Tudo em ordem a concluir que se impõe a revogação da decisão recorrida.
*
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogando a decisão recorrida, determina-se o normal prosseguimento dos autos, se a isso não obstar qualquer outro fundamento legal.
Custas pela apelada (art.º 525.º, n.º 1).
Notifique.
Lisboa, 10 de dezembro de 2024.
Isabel Maria Brás Fonseca
Ana Rute Costa Pereira
Amélia Sofia Rebelo
_______________________________________________________ [1] A petição inicial deu entrada em 08-03-2022. [2] Foi o que aconteceu na situação analisada pelo acórdão do TRP de26-04-2021, processo: 8512/17.0T8VNG.P1 (Relator: Jorge Seabra), a avaliar pelo relatório aí exposto; a Relação, apreciando da admissibilidade do pedido de ampliação, concluiu que “[a] parte vencida na sentença (ainda que apenas parcialmente) apenas pode obter a alteração da sentença na parte em que a mesma lhe é desfavorável através da interposição de recurso (autónomo ou subordinado) e não através do expediente de ampliação do objecto do recurso, sendo que essa ampliação, tal como configurada no artigo 636º, n.ºs 1 e 2 do CPC, não se destina ao atingimento daquele resultado”. Cfr. ainda, a este propósito, o acórdão do TRL de 25-02-2021, processo: 13644/12.9YYLSB-E. L1-2 (Relator: Carlos Castelo Branco), arestos acessíveis in www.dgsi.pt, como todos os demais a que aqui se fizer referência. [3] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, 1982, Volume I, Coimbra, Coimbra Editora, p. 384. [4] Na jurisprudência deste TRL cfr., entre muitos outros, o acórdão de 20-02-2024, processo: 3649/22.7T8LSB.L1-1 (Relator: Fátima Reis Silva). [5] Os exemplos habituais referenciados na doutrina e jurisprudência vão nesse sentido. Assim, a título exemplificativo:
- A ação para cumprimento de um contrato versus a ação em que se pede a declaração de invalidade do mesmo contrato (causa prejudicial) (Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2018, Volume 1.º, Coimbra, Almedina, pp.550-551);
- A ação em que se pede a dissolução por divórcio versus a ação tendente à anulação do casamento (causa prejudicial);
- Ação de demarcação versus um processo de inventário mortis causa no qual é relacionado imóvel doado pelo de cujus a um interessado (causa prejudicial da ação de demarcação por este instaurada relativamente a tal imóvel (acórdão do TRC de 11-06-2019, processo: 2555/18.4T8PBL.C1, Relator: Carlos Moreira);
- Ação pedindo que lhe seja reconhecido o direito de preferência na venda dos prédios rústicos versus a ação de impugnação de escritura de justificação notarial na qual se pretende obter a declaração de inexistência do direito de propriedade invocado pelo autor que pretende ver-lhe reconhecido aquele direito de preferência (causa prejudicial) (acórdão do TRG 12-01-2017, processo: 133/15.9T8VFL.G1, Relator: Maria Cristina Cerdeira). [6] Obr. e loc. citados. [7] Como referem A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 1984, Coimbra, Coimbra Editora, p.134, “[u]ma coisa é saber se as partes são os sujeitos da pretensão formulada, admitindo que a pretensão exista. Outra coisa, essencialmente distinta, é apurar se a pretensão na verdade existe, por se verificarem os requisitos de facto e de direito que condicionam o seu nascimento, o seu objecto e a sua perduração. A primeira indagação interessa à legitimidade das partes; a segunda à procedência da acção”. [8] “A legitimidade processual, constituindo uma posição do autor e do réu em relação ao objecto do processo, afere-se em face da relação jurídica controvertida, tal como o autor a desenhou. / A legitimidade material, substantiva ou “ad actum” consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa” (acórdão do STJ de 18-10-2018, processo: 5297/12.0TBMTS.P1.S2, relator: Bernardo Domingos). [9] Com a revisão do Cód. do Processo Civil, operada em 1995/1996 e a alteração do art.º 26º, nº3, veio o legislador tomar posição relativamente à velha querela entre os defensores da corrente subjetivista e os da corrente objetivista, como resulta do preâmbulo do D.L. 329-A/95 de 12/12.
Pode aí ler-se: “Decidiu-se, por outro lado, após madura reflexão, tomar posição expressa sobre a vexata quaestio do estabelecimento do critério de determinação da legitimidade das partes visando a solução legislativa proposta contribuir para pôr termo a uma querela juridico-processual que há várias décadas se vem interminavelmente debatendo na nossa doutrina e jurisprudência sem que se haja até agora alcançado consenso. Partiu-se, para tal, de uma formulação de legitimidade semelhante à adoptada no D.L. 224/82 (de 8/06) e assente, consequentemente, na titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor, próxima da posição imputada a Barbosa de Magalhães na controvérsia que historicamente o opôs a Alberto do Reis”. [10] Foi essa a posição que se adotou, ainda que noutro contexto, no acórdão do TRL de 14-11-2023, processo: 822/23.4T8VFX-A.L1-1 (Relatora: Isabel Fonseca), aí se aludindo, também, ao acórdão do TRL de 28-06-2018, processo: 78/18.0T8AGH-A. L1-6 (Relator: António Santos), igualmente referido na decisão recorrida. [11] Processo: 1449/07.3TBACB-F.C1. [12] “É caraterística essencial do contrato de suprimento (i) a qualidade das partes, porquanto o acordo só pode estabelecer-se entre a sociedade e um sócio seu e (ii) o carácter de permanência do crédito do sócio, o que não se confunde com a estipulação de prazo para a restituição ou ausência dele, relevando para essa aferição o disposto nos números 2 e 3 do art.º 243.º do CSC, que estabelecem índices do “carácter de permanência”, configurando presunções ilidíveis (art.ºs 349.º e 350.º do Cód. Civil)” (acórdão do TRL de 17-10-2023, processo: 13755/22.2T8SNT.L1-1). [13] Processo 8142/18.0T8CBR.C1 (Relator: Ramalho Pinto). Tratava-se aí de ação instaurada com vista à “condenação da ré no pagamento de diferenças salariais com fundamento na ilicitude da medida de redução temporária do período normal de trabalho, aplicada pela ré desde 1 de setembro de 2016 até 31 de agosto de 2017”, tendo a ré requerido a suspensão da instância “até decisão da ação nº ... que corre termos no tribunal administrativo e fiscal de Leiria”, invocando que nesta ação “discute-se a licitude/ilicitude do layoff aplicado pela ré que é também o objeto da presente ação”. A 1ª instância ordenou a suspensão, tendo o despacho sido revogado pela Relação que ordenou “o prosseguimento dos autos, se a isso não obstar qualquer outro fundamento legal”. [14] Proferido no processo: 229-N/1999.P2 (Relator: Henrique Antunes) e assim sumariado:
“I- O que importa à qualificação de causa como prejudicial é que ela tenha por objecto: uma questão que constitua um antecedente jurídico concreto da questão objecto da causa dependente, por postular que ele se resolva antes da decisão final da questão principal; uma questão autónoma, quer no seu objecto, quer mesmo na sua natureza; uma questão necessária à decisão da questão objecto da causa dependente, uma vez que o sentido da sua resolução é elemento condicionante do conhecimento e decisão da questão principal.
II- É suficiente para justificar a suspensão da instância uma prejudicialidade meramente parcial”.
O acórdão foi proferido no âmbito de uma oposição à execução para pagamento de quantia certa, tendo o tribunal de 1ª instância determinado a suspensão do processo, constando do relatório respetivo que “a Sra. Juíza de Direito, ponderando que estes autos não podem continuar a aguardar que seja enviada a certidão da decisão definitiva a julgar a validade ou não da expropriação e que essa decisão assume importância essencial para a decisão destes autos, decidiu, ao abrigo do disposto nos artºs 279 nº 1 do Código de Processo Civil, ordenar a suspensão da presente instância até que haja decisão definitiva no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela porquanto o julgamento desta causa encontra-se dependente do julgamento da acção proposta no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela”.
A Relação revogou a decisão e ordenou “o prosseguimento da instância da oposição à execução”. [15] O mesmo se diga do acórdão do TRE que a ré apelada também convoca (acórdão de 10-11-2022, processo: 1217/22.2YLPRT.E1, relator: Anabela Luna de Carvalho), proferido no âmbito de um procedimento especial de despejo. [16] Aludindo à figura da “[s]ubstituição processual”, cfr. os casos exemplificados por Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1982, Vol. III, Coimbra, Almedina, pp. 196 e 197. [17] Obr. cit., pp. 574-575. [18] Continua o autor, reportando-se à habilitação incidental e, especificamente, ao parágrafo 1º do artigo 378.º do Código de 1939, aprovado pelo Dec. 29.637 de 28-05-1939, com diferente redação, mais ainda assim equivalente, ao atual número 2 do artigo 354:
“O parágrafo foi escrito precisamente para prevenir as hipóteses de estar pendente ação de anulação de testamento ou de investigação de paternidade ilegítima e casos semelhantes. / Enquanto essas ações não forem julgadas o que deve fazer o juiz? / Nem pode admitir-se que o incidente de habilitação fique suspenso até que se julguem as ações; nem pode pretender-se que o juiz haja de atender, na decisão do incidente, ao pedido que se formula nas ações referidas. / A única solução aceitável é esta: o juiz decide o incidente em harmonia com o statu quo, quer dizer, atribui a qualidade de herdeiros às pessoas que no momento a têm, aos herdeiros instituídos em testamento, se há sucessão testamentária, aos herdeiros legítimos, se a sucessão é legítima. / Por outras palavras, o juiz abstrai dos pleitos que estejam pendentes e habilita como sucessores as pessoas que naquele momento devam ser considerados os herdeiros do falecido” (p. 596). Assinala-se que o referido parágrafo tinha a seguinte redação:
“§ I.º Quando a qualidade de herdeiro estiver dependente da decisão de alguma causa ou da solução de questões que devam ser resolvidas noutro processo, o tribunal julgará habilitadas as pessoas que estiverem na posse da herança ou que considerar herdeiros; e os outros interessados, a quem será notificada a decisão, serão admitidos a intervir na causa como litisconsortes dos habilitados, observando-se o disposto nos artigos 358.º e seguintes”. [19] Em anotação ao art.º 354.º, cfr. ainda António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. I, 2018, Coimbra, Almedina, p. 410, notas 3 e 4:
“Pode acontecer, porém, que a qualidade de sucessor esteja em discussão noutro processo ou dependa de decisão que aí seja proferida. Nestes casos, a fim de obstar à paralisação da instância, o juiz deve decidir a habilitação com base nos elementos de que dispuser, sem embargo das modificações que decorram do que vier a ser decidido noutro processo. / O regime do n.º 2 colhe a sua razão de ser na circunstância de, ao tempo da decisão do incidente de habilitação, estar pendente causa prejudicial de cuja decisão final depende a qualidade de herdeiro (v.g. anulação de testamento, investigação de paternidade), razão pela qual a decisão a proferir no incidente de habilitação será provisória até ao desfecho da causa prejudicial. Para acautelar os interessados sobre os quais persistirem dúvidas quanto à qualidade de herdeiros não superadas no incidente, a lei prevê a sua intervenção na ação principal como litisconsortes dos herdeiros habilitados. Mesmo que os interessados notificados não intervenham, deverá aplicar-se, por igualdade de razão, o disposto no art.º 320.º, no que tange à produção de efeitos de caso julgado (…) ". [20] O raciocínio é similar ao que é feito a propósito da analogia. Aludindo à “analogia e ratio legis, refere Miguel Teixeira de Sousa:
“A identidade de razões que integra a noção de analogia fornecida pelo art.º 10.º, n.º 2, CC leva a concluir que a consequência jurídica que é atribuída ao caso previsto deve ser igualmente adequada para o caso omisso. Assim, se a regra estabelecer a proibição, a obrigação ou a permissão de uma conduta, de um poder ou de um efeito, essa proibição, obrigação ou permissão tem de ser apropriada para o caso omisso; se a regra definir um desvalor jurídico, este desvalor tem de ser apropriado para o caso omisso” (Introdução ao Direito, 2013, Coimbra, Almedina, p. 405).