INSOLVÊNCIA CULPOSA
PRESUNÇÃO JURIS ET DE JURE
ADMINISTRADOR DE FACTO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I- O apuramento de factualidade integradora do previsto nas alíneas d), h) e i) do nº 2 – e nas demais alíneas desse normativo - consubstancia presunção inilidível ou presunção jure et de jure, da qualificação da insolvência como culposa, sem necessidade de prova do nexo de causalidade entre o facto e a insolvência ou o seu agravamento.
II- Naturalmente que esta presunção não determina que o afectado fique impedido de alegar e provar que não se verificaram os factos que a lei, pela sua gravidade, ali associa à existência de uma insolvência culposa, estando dessa forma garantido o direito previsto constitucionalmente a um processo equitativo.
III- Por sua vez, o nº 3 do mesmo art.º 186º consagra uma presunção “juris tantum” de culpa grave, pelo que para que se possa qualificar a insolvência como culposa é necessário ainda concluir-se que os comportamentos omissivos aí previstos criaram ou agravaram a situação de insolvência, ou seja, é necessário provar-se o nexo causal entre a conduta gravemente culposa do devedor ou administrador e a criação ou agravamento do estado de insolvência.
 IV- Nos termos do disposto no art.º 189º, nº 2, alínea a), do C.P.Civil, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve identificar as pessoas, nomeadamente administradores, de direito ou de facto, afectadas pela qualificação, fixando, sendo o caso, o respectivo grau de culpa; 
V- É administrador de facto quem, sem título bastante, exerce, directa ou indiretamente e de modo não subordinado, funções próprias de administrador de direito na sociedade;
VI- A responsabilização dos afectados pela insolvência para efeitos da condenação na indemnização estabelecida na alínea e) do nº 2 e nº 4 do mesmo artigo 189º do CIRE, deve ser efectuada de acordo com os pressupostos gerais da responsabilidade civil, de natureza ressarcitória, limitada pelo montante máximo dos créditos não satisfeitos.
(elaborado pela relatora)

Texto Integral

Acordam as Juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa [1]
*
I - Relatório
Por sentença proferida em 09/05/2019 foi declarada a insolvência de L. Fish, SA.
Por requerimento de 24/07/2029, Frutos do Mar de AA, Lda, requereu a abertura do incidente de qualificação da insolvência, invocando o incumprimento dos deveres de prestação de contas, de informação e de colaboração, de apresentação à insolvência, existência de contabilidade fictícia, dissipação de bens, celebração de negócios ruinosos para a insolvente, com afectação dos administradores BB (Presidente do Conselho de Administração), CC (Vogal) e DD (administrador de facto).
O Ministério Público apresentou requerimento de abertura do incidente, nos termos e com os fundamentos que dele constam, mais concretamente, com fundamento no disposto no art.º 186.º, n.º 1, e n.º 2, als. b), d), e), g) e i), e n.º 3, al. a), do CIRE.
Por despacho de 25-11-2019, foi declarado aberto o Incidente de Qualificação da Insolvência, com carácter pleno.
O Sr. Administrador da Insolvência emitiu o seu Parecer e pronunciou-se pela qualificação da insolvência como culposa, com fundamento, em síntese, na existência de rubricas na contabilidade sem justificação documental, contabilidade desorganizada e incompleta, incluindo documentos bancários em falta, saídas de dinheiro em centenas de milhares de euros da insolvente injustificadas, omissão do dever de colaboração e de informação, com afectação dos administradores BB e DD.
O Ministério Público emitiu o seu Parecer e pronunciou-se no sentido da qualificação da insolvência como culposa, com fundamento na verificação do disposto no art.º 186.º, n.º 1, n.º 2, als. b), d), e), g), e i), e n.º 3, al. a), do CIRE, com afectação dos administradores BB e DD (administrador de facto).
Alegou, em síntese, que inexistiu colaboração efectiva para com o Sr. Administrador da Insolvência, tendo sido prestadas informações pouco claras, com omissões e sem suporte documental; as contas foram depositadas até 2016; as dívidas acumularam-se e totalizam de € 2.302.959,29, sem que se tivesse apresentado à insolvência, que veio a ser requerida; os créditos tributários estão em dívida desde Julho de 2018, os créditos do ISS, IP, desde Setembro de 2017 e os créditos laborais desde Julho de 2018; na contabilidade, no agregado de “outras contas a receber” está incluído o pagamento adiantado para compra de um terreno no montante de € 404.000,00, sem documento justificativo; foram retiradas quantias da insolvente sem explicação ou fundamento ou suporte documental, tendo delas beneficiado terceiros, incluindo a administradora BB.
Notificada, a Requerida sociedade não deduziu oposição.
Citada, a Requerida BB deduziu Oposição.
Alegou, em síntese, que apenas teve acesso à documentação da insolvente a partir de Julho de 2018, data em que DD saiu da empresa e a partir de então diligenciou pela recuperação da empresa, tendo celebrado acordos de rescisão contratual com trabalhadores e de arrendamento com o MARL; a sociedade apresentou-se à insolvência em 09-04-2019, porém, fê-lo no Tribunal de Sintra, por lapso, vindo a desistir do pedido ao ter conhecimento da insolvência requerida pelos trabalhadores; apenas reconhece duas contas bancárias do Banco BPI, agência de ..., abertas a pedido do pai, DD, desconhecendo a terceira conta indicada; nunca teve acesso às credenciais bancárias das contas, sendo o seu pai e a esposa que as movimentavam e que beneficiaram das quantias que para as mesmas foram transferidas; até Julho de 2018, foi mera administradora de direito e sem acesso à informação da sociedade, concluindo pela absolvição do pedido contra si formulado.
Citado, o Requerido DD também deduziu Oposição.
Alegou, em síntese, que a Requerida BB, sua filha, era a administradora de direito e de facto da insolvente e que o próprio era mero trabalhador, que, por essa razão, não tinha acesso às contas bancárias ou à contabilidade da insolvente, concluindo pela absolvição do pedido contra si formulado.
Notificados das Oposições, o Ministério Público e o Sr. Administrador da Insolvência não apresentaram Resposta.
Por despacho de 26-05-2023, foi admitida a desistência da instância, pela credora Requerente, relativamente a CC.
Por despacho de 26-05-2023, foi dispensada a realização da audiência prévia, feito o saneamento do processo, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, sem reclamações.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, em duas sessões de 28-06- 2023 e de 05-07-2023, conforme se alcança das respectivas actas.
Foi proferida sentença que:
A) Qualificou como culposa a insolvência de L. Fish, S.A., NIPC …, com sede no Lugar …, São Julião do Tojal;
B) Declarou afectada pela referida qualificação, BB, NIF …, residente na Rua …, Lisboa;
C) Declarou afectado pela referida qualificação, DD, NIF …, com residência Rua …, Lisboa;
D) Decretou a inibição de BB, para administrar patrimónios de terceiros por um período de 4 (quatro) anos;
E) Decretou a inibição de DD, para administrar patrimónios de terceiros por um período de 5 (cinco) anos;
F) Declarou BB inibida para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 4 (quatro) anos;
G) Declarou DD inibido para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 5 (cinco) anos;
H) Determinou a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos;
I) Condenou BB e DD a indemnizarem os credores da sociedade devedora declarada insolvente, mediante montante a liquidar em execução de sentença, nos termos do n.º 4 do art.º 189.º do CIRE, até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos e considerando a força dos respectivos patrimónios, sendo tal responsabilidade solidária entre ambos.
*
Inconformada, BB interpôs recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
a) Foi o Requerido DD que praticou os actos de administração diária da empresa insolvente, actos de direcção de topo, ditando a orientação comercial e financeira da sociedade.
b) Negociava com os clientes e fornecedores a compra e venda de bens, em absoluta autonomia estratégica.
c) A Recorrente realizava tarefas de cariz administrativo - pagamentos de salários, outros pagamentos e acompanhava a área financeira (factos provados sob nn).
d) A Recorrente desconhecia a movimentação a débito das contas bancárias sediadas no Banco BPI com o IBAN: PT …264 e IBAN PT …167. (factos provados sob rr).
e) Tomou várias medidas para recuperar a empresa - cessação dos contratos de trabalho, de arrendamento existentes com o MARL e apresentou a empresa à insolvência (factos provados sob UU).
f) As insolvências referidas em ww e yy dos factos provados motivaram a que o Requerido DD não fizesse parte da Administração de Direito da insolvente (factos provados sob ZZ).
g) O Requerido DD tinha o “know how” do negócio.
h) As suas funções transcendiam a “parte comercial”, sendo o centro da empresa e com um papel preponderante (vertentes contabilística, financeira, logística e estratégica).
i) A Recorrente BB passava os recibos de ordenado, sendo que quem dava as instruções e ordens aos trabalhadores era o Requerido DD, seu Pai.
j) O Requerido tomava as decisões sobre quantas contas bancárias abrir, quanto financiamento pedir, negociou com o avaliador do imobilizado uma avaliação necessária ao processo de financiamento (motivação exarada na Sentença, página 12).
k) As dúvidas ou divergências nos lançamentos contabilísticos e nas reconciliações bancárias, eram reportadas e resolvidas directamente com o Requerido DD, que era quem dava instruções, estando a Recorrente BB presente apenas no final da sua contratação (página 12 da motivação).
l) A Recorrente BB entrou na empresa para ajudar o Pai, porquanto este estava impedido, porque uma outra empresa sua, a Pescaviva, havia sido declarada insolvente (factos provados e motivação).
m) A Recorrente não tinha acesso às credencias das contas bancárias por si tituladas e abertas a pedido de seu Pai.
n) Visto que o Requerido havia sido declarado insolvente e não podia ter contas bancárias em seu nome, havendo temor reverencial Pai/Filha (contexto histórico/familiar, expressivo de alguma “simbologia idiossincrática” de situações reais da vida, já bem conhecida dos Tribunais).
o) As transferências bancárias da insolvente eram efectuadas pela Recorrente e pela administrativa EE (acto de execução material) mediante um plano de pagamentos apresentado pelo Requerido DD, e sob o seu controlo (por determinação e ordem deste).
p) A condenação nos termos do artigo 189º, nºs 2 e 4 CIRE afigura-se-nos, injusta, por manifestamente desproporcionada à medida da culpa da Recorrente.
q) A fixação do montante previsto na alínea e) do nº 2 do artigo 189º do CIRE deverá ser feita em função do grau de culpa e de ilicitude nos factos determinantes dessa qualificação legal (função ressarcitória de penalização pela culpa).
r) A alteração legislativa da lei 9/2022, de 11 de Janeiro, na alínea e) do número 2 do artigo 189º, usando a expressão “até ao montante máximo”, clarificou que o montante da indemnização pode ser fixado em valor concreto inferior ao dos créditos não satisfeitos.
s) Numa visão normativa axiológica, a fixação do quantum indemnizatório só poderá ser realizada através da apreciação das circunstâncias do caso concreto e à ponderação a levar a cabo pelo Juiz.
t) O documento 4 junto à oposição da Recorrente (email de 12/11/2016) é demonstrativo de que esta era tão só um veículo nas mãos do Pai, patente na frase “a empresa tem um timoneiro que sou eu, no entanto, pelas razões que conheces quem dá a face pela Lfish és tu (…).
u) Não vislumbra, a Recorrente, onde radica a sua culpa pelos actos de gestão danosa praticados pelo Requerido, seu Pai e que determinaram a insolvência da Lfish, originando o incidente de qualificação.
v) Não foi a conduta da Recorrente que conduziu ao prejuízo dos credores, tendo resultado, ao invés, sido exclusivamente a conduta do Requerido e seu Pai que determinou o que se evidencia nestes autos.
w) Não se alcança, também, e neste específico conspecto, a bondade da decisão de condenar, solidariamente e até ao limite dos créditos reconhecidos, ambos os Requeridos, a indemnizarem os credores na força dos respetivos patrimónios.
x) Inexiste nexo causal entre a “administração” da Recorrente e o resultado de um maior prejuízo para os credores.
y) A própria Meritíssima Juiz a quo, na Sentença posta em crise, determina diferentes períodos de inibição aos Requeridos (4 anos para a Recorrente e 5 anos para o Requerido DD).
z) A indemnização arbitrada pela Mma. Juiz a quo, consubstancia um acto sancionatório excessivo, em viés paradoxal relativamente à factualidade provada, à motivação exarada e às molduras inibitórias aplicadas.
aa) sendo pretensão normativa que a indemnização corresponda ao montante dos danos causados pelo comportamento do devedor.
 bb) Não resulta provado que a Recorrente tenha feito desaparecer o património do devedor.
cc) Nem que tenha agravado artificialmente o passivo da insolvente.
dd) A compra e revenda das mercadorias a crédito não proveio dos actos de gestão pela Recorrente praticados, mas sim de actos de gestão do Requerido e seu Pai, que comandava a empresa a todos os níveis.
ee) Não prosseguiu a Recorrente os seus interesses ou benefícios pessoais, não tendo sido beneficiária dos valores transferidos para as contas por si tituladas.
ff) O esvaziamento do activo da insolvente não se deveu à actuação da Recorrente.
gg) O critério estabelecido na Sentença posta em crise, revestindo de uma mera comodidade decisória, albergou, de forma genérica, abstracta e desproporcional, a corresponsabilidade dos Requeridos pelo pagamento das quantias em dívida.
hh) A Sentença proferida violou os artigos 189º, nº 2 CIRE, nas dimensões normativas atinentes aos princípios da confiança, proporcionalidade e proibição do excesso, por violação dos artigos 18º, nº 2, 202, nº 2 e 266º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
Terminou peticionando que seja concedido provimento ao Recurso, impetrando-se a redução da sanção civil a que a recorrente foi condenada, até ao montante máximo e global de 10.000,00 (dez mil euros) do total dos créditos reclamados e, caso assim não se entenda que se determine tal sanção civil em critérios, numéricos ou percentuais, não solidários, consentâneos com os princípios constitucionais da proporcionalidade e de proibição do excesso.
*
Frutos do Mar de AA, SA, contra-alegou, CONCLUINDO:
A. A sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer juízo de censura, devendo manter-se integralmente.
B. Andou bem o Tribunal a quo ao ter decidido que ficou demonstrado que, para além de administradora de direito, a Recorrente era também administradora de facto da empresa devedora (facto provado nn)).
C. O Tribunal a quo apreciou de forma exímia as declarações prestadas pela própria Apelante, tendo concluído, e bem, que a Recorrente, diversamente do que alega na sua oposição, geria a empresa de facto, ainda que limitada a uma componente mais burocrática e administrativa.
D. As declarações prestadas pela própria Recorrente reforçam a convicção formanda pelo Tribunal a quo, uma vez que a Recorrente reconheceu que lhe cabia assinar os contratos de financiamento bancário e os contratos com os trabalhadores, bem com realizar os pagamentos das contas da insolvente, chegando a estar presente, juntamente com o seu pai, o Requerido DD, em reuniões com gestores financeiros e com contabilistas na sede na empresa insolvente.
E. Da factualidade exposta e julgada como provada, o Tribunal a quo decidiu, e bem, pela verificação do preenchimento de cinco ilícitos pela Recorrente, que justificam a medida da culpa imputada à Apelante e aqui Recorrente e, por conseguinte, o montante indemnizatório àquela aplicado.
F. O Tribunal a quo decidiu, e bem, que se consideram verificadas as previsões normativas das alíneas a) e d) do Art.º 186.º, n.º 2, do CIRE, na medida em que a Recorrente fez desaparecer património da empresa devedora e dispôs de bens da empresa devedora em proveito pessoal, dado que ficou demonstrado nos Autos que foram feitas várias transferências bancárias, efetuadas pela Apelante e aqui Recorrente, sem suporte documental e sem justificativo, que conduziram ao esvaziamento do activo da insolvente.
G. O Tribunal a quo decidiu, e bem, que se encontra igualmente preenchida a alínea h) do Art.º 186.º, n.º 2, do CIRE, na medida em que verificou-se a ausência de contabilidade a partir de Junho de 2018 e a existência de contabilidade irregular e desorganizada, fictícia, sem suporte documental, pelo menos, nos anos de 2017 e 2018 (Junho), tendo ficado demonstrado nos Autos que a contabilidade encontra-se muito incompleta, dispersa, desorganizada e desordenada, tendo sido possível detectar movimentos bancários realizados pela administração da empresa devedora, com sucessivas transferências, tendo como beneficiários a Recorrente.
H. Também a alínea i) do Art.º 186.º, n.º 2, do CIRE foi julgada preenchida pelo Tribunal a quo, que considerou que a Apelante e aqui Recorrente incumpriu, de forma reiterada, o dever de informação, apresentação e colaboração previstos no Art.º 83.º do CIRE, uma vez que as respostas apresentadas pela Recorrente apresentaram-se insuficientes e parcas, “limitando-se a “atirar” a responsabilidade para o Requerido DD.”.
I. Face à factualidade dos autos, o Tribunal a quo decidiu que o dever de apresentação à insolvência já se havia perfectibilizado em data anterior à imposta pela alínea a) do n.º 3 do Art.º 186.º do CIRE, considerado, e bem, que “não tendo a indicada apresentação a virtualidade de considerar cumprido com tal dever, sendo manifestamente extemporâneo, sequer como facto excludente de culpa grave na não apresentação à insolvência, posto que posterior.”
J. Não deverá, pois, colher, a tese apresentada pela Recorrente no presente recurso, uma vez que os fundamentos apresentados pela Recorrente não são suficientes para ilidir a presunção de culpa grave da Apelante e aqui Recorrente, enquanto administradora de direito e de facto da empresa insolvente e do nexo de causalidade entre a conduta da Apelante e aqui Recorrente e a criação/agravamento da situação da insolvência.
K. Bem andou, portanto, o Tribunal recorrido, ao declarar afectada pela qualificação como culposa da insolvência de L. Fish, S.A., NIPC …, a Recorrente BB, e, em consequência, ao decretar a inibição da aqui Apelante para administrar patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de 4 (quatro) anos, e, ainda, ao condenar a aqui Apelante a indemnizar os credores da sociedade devedora declarada insolvente, mediante montante a liquidar em execução de sentença, até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos e considerando a força dos respectivos patrimónios.
Terminou peticionando que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença.
*
O Ministério Público também respondeu ao recurso, CONCLUINDO:
1. - O Recurso interposto recai sobre a douta sentença, proferida a 07.07.2023, que julgou procedente o incidente de qualificação da insolvência e, em consequência, qualificou como culposa a insolvência de L. Fish, S.A., NIPC …, e declarou/decretou afectada pela referida qualificação, BB, e afectado pela referida qualificação, DD, NIF …; com as inerentes consequências legais.
2. - Insurge-se a Recorrente contra a sentença no segmento em que a condenou a indemnizar, solidariamente com o seu Pai, Requerido, administrador de facto, DD, os credores da sociedade devedora declarada insolvente, mediante montante a liquidar em execução de Sentença, nos termos do nº 4 do artigo 189º do CIRE, até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos e considerando a força dos respectivos patrimónios.
3. - O Ministério Público concorda com o teor da douta sentença recorrida, não merecendo a mesma qualquer reparo, não assistindo assim qualquer razão à Recorrente, pois, o Tribunal a quo procedeu a uma adequada valoração da prova e, em consequência, procedeu a uma correcta decisão ao nível do montante indemnizatório fixado.
4. - Alega a Recorrente “que tal condenação se afigura injusta, por manifestamente desproporcionada à medida da culpa da Recorrente.”, porém, não lhe assiste razão!
5. - Tendo por base a factualidade provada e não provada, em sede de sentença, e não impugnada, nos pontos nn); ss); 4.); 5.) e 6.), bem andou o Tribunal a quo ao ter decidido como decidiu.
6. - Na verdade, ficou provado que a Recorrente era administradora de direito e de facto da insolvente L. Fish, S.A., NIPC e, concludentemente, o Tribunal a quo decidiu pela qualificação como culposa da insolvência da Requerida L. Fish, S.A. em consequência da actuação (culpa grave e não diminuta) dos Requeridos BB e DD, propostos como afectados por essa qualificação.
7. - No caso concreto a qualificação da insolvência como culposa ocorreu por violação do disposto no art.º 186.º, n.º 2, als. a); d); h) e i) e n. 3.º, al. a) do CIRE, todos preenchidos pela conduta da Recorrente.
8. - Basta uma leitura atenta da sentença, agora colocada em crise, para se constatar o raciocino lógico e escorreito que o Tribunal a quo realizou quanto à matéria de facto que deu como assente, e que não foi impugnada, e a sua correcta subsunção ao Direito, tendo em conta que as previsões elencadas nas diversas alíneas do citado n.º 2 do artigo 186.º do CIRE correspondem a condutas que integram uma presunção iuris et de iure, da existência de insolvência culposa.
9. - In casu, não foram violados quaisquer princípios constitucionais da proporcionalidade e da proibição do excesso, como alegado, pois que o montante indemnizatório determinado pelo Tribunal a quo, por ponderado, revela-se ajustado à medida da culpa da Recorrente, não sendo a culpa da Recorrente diminuta.
10. – Nenhum reparo que nos afigura tecer à decisão do Tribunal a quo, porque correcta, fundamentada e conforme à Lei.
11. – Logo, deverá improceder o recurso.
Terminou peticionando que o recurso seja julgado totalmente improcedente e mantida a sentença recorrida na sua integralidade.
*
DD também recorreu, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1 – O presente recurso versa sobre a impugnação de factualidade dada como provada e não provada, mas sobretudo pela evidente insuficiência da matéria de facto dada como provada para permitir concluir que a insolvência da sociedade “L. Fish, S.A.” se deveu a alguma concreta conduta do ora recorrente e respectivo nexo causal.
2 - O recorrente impugna os seguintes pontos da matéria de facto dada como provada: “mm) O Requerido DD praticava os actos de administração diária da empresa e competiam-lhe actos típicos de direcção de topo no que respeita à orientação comercial e financeira da sociedade, com autonomia decisória, de forma permanente e sistemática, sendo quem negociava com os clientes e fornecedores a compra e venda de bens, incluindo da actividade da credora Requerente Frutos do Mar.”.
3 - O tribunal deu como provados factos conclusivos / conceitos jurídicos que, aliás, nem sequer foram referidos por qualquer testemunha com a formulação adoptada.
4 - Com efeito, impõe-se a audição da prova testemunhal e donde resulta uma violação do princípio da livre apreciação da prova, pois as testemunhas inquiridas referiram, de facto, um conhecimento profundo da actvidade de compra e venda de peixe fresco pelo recorrente e uma conduta de liderança derivada da sua experiência e prática comercial intensa.
5 - Nenhuma testemunha indicou qualquer conduta típica de administração diária
ou de direcção financeira e esta é que pode influir na análise e verificação causal de condutas conducentes à insolvência culposa da sociedade “L. Fish, S.A.”.
6 - E tanto assim é que em “ss)” se deu justamente como provado que “o Requerido DD não tinha acesso ou controlo da movimentação das contas
bancárias da insolvente, sendo a funcionária EE e a Requerida BB que procediam às transferências bancárias.”.
7 - Assim, é evidente que não resultou provada qualquer factualidade que respeite à orientação financeira da empresa.
8 - As declarações do recorrente foram inequívocas no sentido que se sustenta, não foram infirmadas e tal resulta evidente:
- das declarações de parte de DD, prestadas em 05/07/2023, com
início em 13:45:52 e fim em 14:21:43;
9 - Como tal, a factualidade vertida em “mm)” deve ser alterada e sendo apenas dado como provado que: “mm) O Requerido DD praticava os actos típicos de direcção de topo no que respeita à orientação comercial da sociedade, com autonomia decisória, de forma permanente e sistemática, sendo quem negociava com os clientes e fornecedores a compra e venda de bens, incluindo da actividade da credora Requerente Frutos do Mar.”;
10 - O recorrente impugna como ponto da matéria de facto dado como não provado o ponto n.º 14: “14. O Requerido DD saiu da empresa, por discordar do rumo seguido pela administração da empresa e pelo acumular de salários em atraso, tendo resolvido o contrato laboral com justa causa, apesar da sua entidade patronal lhe ter movido um processo disciplinar.”
11 - Foi produzida prova bastante e inequívoca de que o recorrente era trabalhador da insolvente “L. Fish, S.A.”, de que lhe foi movido um processo disciplinar e que este tenha resolvido o seu contrato em virtude da falta de pagamento de vencimentos.
12 - Existe prova documental junta aos autos (cfr fls.).
13 - As declarações do recorrente foram inequívocas e nem sequer foram controvertidas quanto a tal como resulta:
- das declarações de parte de DD, prestadas em 05/07/2023, com
início em 13:45:52 e fim em 14:21:43;
- das declarações de parte de BB, prestadas em 05/07/2023, com
início em 14:23:34 e fim em 15:33:27;
- das declarações prestadas pela testemunha FF, prestadas em 28/06/2023, com início em 16:07:21 e fim em 16:34:37;
14 - Aliás, o próprio tribunal recorrido não deixou de apreender e considerar justamente as declarações desta testemunha quanto ao vínculo laboral existente. E esta testemunha era só o contabilista da empresa…
15 - Com efeito, do corpo da decisão recorrida podemos verificar que ficou expendido pelo julgador de primeira instância que: “(…) a testemunha FF, contabilista da empresa, ter “frisado” a ideia do papel preponderante do Requerido na parte comercial, e que este teria um contrato de trabalho (por conta de outrem) e auferia um salário”.
16 - A sentença recorrida carece de factualidade dada como provada que permita
indicar uma concreta conduta do recorrente que, de forma lógica e causal, tenha contribuído para a insolvência culposa da sociedade “L. Fish, S.A.”.
17 - A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada só existe quando o tribunal, podendo fazê-lo, deixou de investigar um ou mais factos com relevância, de tal forma que a matéria de facto dada como provada não permite a adequada decisão de direito.
18 - Ora, no caso concreto, da factualidade provada não resulta nenhum facto respeitante ao recorrente que possa ser subsumida a uma conduta culposa.
19 - Tais condutas, aliás, encontram-se tipificadas no art.º 186.º, n.º 2 do CIRE que
inclusivamente e com especial relevo ao caso concreto forma assinalados a negrito na decisão ora posta em crise e que não se resiste em transcrever:
“Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor, que não seja uma pessoa
singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
b) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor; (…)
e) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros; (…)
h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;”
20 - São, pois, estas as alíneas que as alegadas condutas do recorrente são subsumíveis.
21 - No que ao recorrente importa, considerou-se o seguinte (na sentença recorrida):
“O Requerido DD, não sendo administrador de direito por não integrar o conselho de administração da devedora, era, porém, administrador de facto, como resultou demonstrado (facto mm)).
E, a este respeito, não oferece dúvida a intenção de responsabilização do administrador de facto por parte do legislador, quando o prevê no n.º 1 do art.º 186.º e na al. a), do n.º 2, do art.º 189.º, ambos do CIRE.
Pelo que ser-lhe-ão imputadas as alíneas acima identificadas, als. a), d) – tratando-se de saídas de numerário da insolvente através de transferências bancárias, sendo que os pagamentos eram por si controlados - e h) do n.º 2 do CIRE.”
22 - Vejamos, pois, de per si, cada uma das situações sendo que no que respeita à alínea a) = “Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor”, não foram dados como provados factos que possam permitir a subsunção de condutas do recorrente a esta alínea pois é requisito essencial que por parte do agente tenha sido feito desaparece de forma considerável o património do devedor e, repita-se, jamais foi dada como provada qualquer factualidade sobre tal.
23 - E não se diga que as quantias transferidas e recebidas na conta bancária do ora recorrente representam uma parte considerável do património da sociedade quando estão em causa 3.430,33€, aliás, quantias recebidas a título de créditos salariais e ajudas de custos.
24 – No que respeita à alínea d) = Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros”, o apelante não dispôs de quaisquer bens da sociedade insolvente
em seu proveito pessoal ou de terceiros e isso resulta justamente da matéria de facto dada como provada sob pena de contradição insanável entre a mesma.
25 - Foi dado como provado que:
- o recorrente recebeu na sua conta bancária um total de 3.430,33€;
- o recorrente “não tinha acesso ou controlo da movimentação das contas bancárias
da insolvente, sendo a funcionária EE e a Requerida BB que procediam às transferências bancárias.” (cfr. alínea ss) da matéria de facto dada como provada;
26 - Ou seja: inexistem factos que possam sustentar que os valores recebidos, aliás, de valor insignificante e respeitantes a créditos salariais e despesas de representação respeitam a uma qualquer conduta reprovável ou censurável do ora recorrente que possa ter contribuído para a situação de insolvência da sociedade.
27 - Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito, ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adoptada designadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objecto do processo, relevante para a decisão e cujo apuramento conduziria à solução legal.
28 – Por último, no que tange à alínea h) = Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;” a conduta típica descrita na alínea h) não existe qualquer facto dado como provado em relação ao apelante que possa sustentar uma conduta com nexo causal à prática lesiva dos interesses da sociedade.
29 - É mesmo um zero redondo e, como tal, são despiciendas considerações sobre
tão evidente situação.
30 - Inexistem, pois, factos que permitam sustentar a decisão tomada no que respeita à supra referida alínea h).
31 – A decisão recorrida padece ainda de erro na aplicação do direito, mormente
no que respeita à necessidade de demonstração do nexo causal entre as alegadas condutas do recorrente e o seu contributo para a insolvência.
32 - A sensibilidade judicativa que fundamenta a sentença apelada é decepcionante pois, com efeito, a Exma. Sra. Juíza de Direito junto da primeira instância seguiu a jurisprudência mais antiga e ultrapassada que sustenta uma presunção de nexo causal.
33 - Recuperemos o que se deixou escrito na decisão recorrida:
“Nas diversas alíneas do n.º 2, enunciadas taxativamente, estabelece-se uma presunção inilídivel, jure et de jure, de culpa e de nexo de causalidade: as situações aí previstas determinam, necessariamente, a atribuição de carácter culposo à insolvência e a existência de causalidade entre a actuação dos administradores do devedor e a criação ou agravamento do estado de insolvência (Carvalho Fernandes, A Qualificação da Insolvência, Themis, Edição Especial, 2005, pág. 81 e segts. e, a título de exemplo, o acórdão do STJ de 15-02-2018, proc. n.º 7353/15.4T8VNG- A.P1.S1, www.dgsi.pt).
34 - Ora, tal entendimento é errado e não respeita o mais recente entendimento
jurisprudencial.
35 - A decisão recorrida violou, assim, o art.º 186.º, n.º 2 do CIRE.
36 - Com efeito, por não saber dizer melhor, o ora recorrente, socorre-se do que se deixou escrito, entre tantos outros doutos arestos, no Proc. n.º 370/14.3TJCBR-A.C1, proferida em 12/07/2017, pelo Tribunal da Relação de Coimbra:
“II - De acordo com o n.º 2 deste mesmo artigo considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de facto ou de direito, tenham praticado algum dos factos previstos nas diversas alíneas desse número. O que significa que neste n.º 2 se consagram presunções de insolvência culposa.
III - Por força da exigência plasmada no nº 1 do art.º 186º do CIRE, quer as situações que se encontram prevenidas nas alíneas a), b), c), d), e), f) e g) do n.º 2 desse artigo, quer as situações descritas nas alíneas do seu nº 3 – v.g., a falta de apresentação tempestiva à insolvência e a omissão das obrigações discriminadas na al. b), atinentes às contas - embora fazendo presumir a culpa (grave, nos casos que se enquadrem no aludido nº 3) dos administradores, só autorizam a qualificar a insolvência como culposa se se evidenciar a existência de nexo de causalidade entre essas faltas e o estado de insolvência.
IV - As presunções ilidíveis estabelecidas no aludido nº 3, não abarcam o nexo causal entre as actuações omissivas aí previstas e a situação da verificação da insolvência ou do seu agravamento, pelo que, embora dispensando-se, na aludida norma, a demonstração do nexo causal entre o comportamento (presumido) gravemente culposo do devedor ou dos seus administradores e o surgimento ou o agravamento da situação de insolvência, é necessário, nas situações aí abarcadas, verificar se os aí descritos comportamentos omissivos criaram ou agravaram a situação de insolvência, não bastando a simples demonstração da sua existência e a consequente presunção de culpa que sobre os administradores recai.
IX - Conclui-se, assim, que, por falta de factualidade provada idónea a esse desiderato – v.g., a do prejuízo que, da falta de apresentação tempestiva à insolvência, decorreu para os credores -, não é possível, no caso “sub judice”, dar como verificada a situação que permitiu qualificar como culposa a insolvência da Requerida/recorrente, não sendo possível dar como preenchida a previsão (das alíneas referidas na sentença apelada) (parêntesis da peça).
37 – A sentença apelada deve, pois, ser revogada e substituída por uma outra que
absolva totalmente o recorrente.
*
Frutos do Mar de AA, SA, respondeu ao recurso interposto por DD, CONCLUINDO:
A. A sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer juízo de censura, devendo manter-se integralmente.
B. Andou bem o Tribunal a quo ao ter decidido que ficou demonstrado que o Recorrente praticava actos de administração diária da empresa insolvente, bem assim como actos típicos de direcção de topo, no que respeita à orientação comercial e financeira da sociedade insolvente, com autonomia decisória, de forma permanente e sistemática (facto provado mm)).
C. O Tribunal a quo apreciou de forma correcta as declarações do legal representante da empresa aqui Apelada, bem assim como o depoimento das testemunhas FF, GG, HH e II, os quais revelaram-se verosímeis, seguros e unanimes no que respeita ao papel preponderante do Recorrente na parte comercial, administrativa e contabilística da empresa insolvente.
D. As declarações prestadas pelo próprio Recorrente reforçam a convicção formada pelo Tribunal a quo, na medida em que o Recorrente reconheceu que sugeria ou aconselhava a Requerida BB na contratação de trabalhadores ou de uma empresa de contabilidade, que acompanhou a contratação dos responsáveis financeiros e que esteve presente em reuniões com o contabilista.
E. Andou bem o Tribunal a quo ao ter decidido que ficou demonstrado que o Recorrente, não sendo administrador de direito, por não integrar o Conselho de Administração da empresa insolvente, era, porém, administrador de facto da empresa insolvente.
F. Andou igualmente bem o Tribunal a quo ao considerar como não provada a matéria de facto do ponto 14. dos factos não provados, uma vez que não foi produzida prova bastante nesse sentido, porquanto a alegada existência de vínculo laboral entre o Recorrente e a empresa insolvente foi apenas mencionada pelo próprio Apelante, em declarações de parte, e, muito subtilmente, pela Requerida BB e pela testemunha FF.
G. O Tribunal a quo decidiu, e bem, que se consideram verificadas as previsões normativas das alíneas a), d) e h) do Art.º 186.º, n.º 2, do CIRE, na medida em que o Recorrente fez desaparecer património da empresa devedora e dispôs de bens da empresa devedora em proveito pessoal, dado que ficou demonstrado nos Autos que foram feitas várias transferências bancárias, sob o controlo do Recorrente, sem suporte documental e sem justificativo, que conduziram ao esvaziamento do activo da insolvente.
H. O Recorrente não logrou fazer prova bastante e inequívoca da sua tese, segundo a qual os € 3.430,33 em causa respeitam a quantias recebidas a título de créditos salariais e ajudas de custos.
I. Considerando o papel proeminente do Recorrente na empresa insolvente (factos provados mm)) e o poder por si exercido sobre a Requerida BB, dificilmente se poderá concluir que o aqui Recorrente não tenha beneficiado das transferências em causa.
J. Não deverá, pois, colher, a tese apresentada pelo Recorrente no presente recurso, uma vez que os fundamentos apresentados pelo Recorrente não são suficientes para ilidir a presunção de culpa grave do Recorrente, enquanto administrador de facto da empresa insolvente, e do nexo de causalidade entre a conduta do Recorrente e a criação/agravamento da situação da insolvência.
K. Bem andou, portanto, o Tribunal recorrido, ao declarar afectado pela qualificação como culposa da insolvência de L. Fish, S.A., NIPC …, ao Recorrente DD, e, em consequência, ao decretar a inibição do Recorrente para administrar patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de 5 (cinco) anos, e, ainda, ao condenar o Recorrente a indemnizar os credores da sociedade devedora declarada insolvente, mediante montante a liquidar em execução de sentença, até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos e considerando a força dos respetivos patrimónios.
Peticionou que seja mantida a sentença, negando-se provimento à apelação.
*
O Ministério Público também respondeu a este recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:  
1. - O Recurso interposto recai sobre a douta sentença, proferida a 07.07.2023, que julgou procedente o incidente de qualificação da insolvência e, em consequência, qualificou como culposa a insolvência de L. Fish, S.A., NIPC …, e declarou/decretou afectada(o) pela referida qualificação BB e DD, com as inerentes consequências legais.
2. - O Ministério Público concorda com o teor da douta sentença recorrida, não merecendo a mesma qualquer reparo, não assistindo assim qualquer razão ao Recorrente, pois, o Tribunal a quo procedeu a uma adequada valoração da prova e, em consequência, procedeu a uma correcta decisão ao ter qualificado como culposa a insolvência da sociedade L. Fish, S.A., NIPC …, e, ao declarar como afectado, pela qualificação, o ora Recorrente, DD.
3. - Impugna o Recorrente o ponto mm), da matéria de facto dada como provada e o ponto n. 14 da matéria de facto dado como não provada. Porém, sem razão!
4. - O Tribunal a quo fez uma correcta apreciação da prova, como transparece do exame crítico da mesma, alicerçada no princípio da livre apreciação da prova, inexistindo, in casu, como alegado, qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova.
5. - Realça-se que, atendendo ao disposto no artigo 11.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e no artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, não está o Tribunal a quo vinculado aos factos alegados pelas partes, podendo indagar outros, nem quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras do direito.
6. - Verifica-se assim que a Meritíssima Juiz julgou segundo a sua livre e prudente consciência a respeito de cada facto e removeu, sempre que possível, a nuvem que prejudica a visibilidade do facto. 7. - Para o efeito, socorrendo-se da força da impressão que lhe causaram todas as provas, isoladamente ou no seu conjunto, numa análise prudente face à normalidade dos fenómenos, como se extrai do teor da sentença.
8. - Ressalta da sentença proferida pelo Tribunal a quo, ao nível da motivação da decisão de facto, que a sua convicção resultou de uma exaustiva análise realizada a toda a prova documental constante nos autos e demais elementos probatórios, in casu, existentes.
9. - No caso concreto, não é verdade, como alegado, que “A sentença recorrida carece de factualidade dada como provada que permita indicar uma concreta conduta do recorrente que, de forma lógica e causal, tenha contribuído para a insolvência culposa da sociedade “L. Fish, S.A.”.
10. - Os factos provados e não provados estão em plena consonância com toda a prova constante dos autos e produzida em audiência e isso mesmo resulta da fundamentação da Meritíssima Juíza que proferiu a decisão em crise.
11. - Não é verdade, como alegado, que da factualidade provada não tenha resultado nenhum facto respeitante ao recorrente que possa ser subsumida a uma conduta culposa.
12. - No caso concreto a qualificação da insolvência como culposa ocorreu por violação do disposto no art.º 186.º, n.º 2, als. a); d) e h) do CIRE.
13. - Basta uma leitura atenta da sentença, agora colocada em crise, para se constatar o raciocino lógico e escorreito que o Tribunal a quo realizou quanto à matéria de facto que deu como provada e não provada, e a sua correcta subsunção ao Direito, tendo em conta que as previsões elencadas nas diversas alíneas do citado n.º 2 do artigo 186.º do CIRE correspondem a condutas que integram uma presunção iuris et de iure, da existência de insolvência culposa.
14. – Da leitura da sentença recorrida ressalta a enorme clareza do texto e do sentido da decisão, daí que o texto da sentença se mostre integralmente lógico, bem estruturado e devidamente fundamentado, não padecendo de nenhum vício, erro ou nulidade.
15. - Nenhum reparo que nos afigura tecer à decisão do Tribunal a quo, porque correcta, fundamentada e conforme à Lei.
16. - Logo, deverá improceder o recurso.
Terminou peticionando que o recurso seja julgado totalmente improcedente e mantida a sentença recorrida na sua integralidade.
*
A Mmª Juíza a quo proferiu despacho admitindo os recursos, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
*
Foram colhidos os vistos das Exmªs Adjuntas.
*
II – Questões a decidir:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações do recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente importa analisar e decidir o seguinte:
A- da impugnação da decisão da matéria de facto e
B- da verificação dos pressupostos considerados na sentença recorrida para qualificação da insolvência como culposa e para a afectação dos ora apelantes e, concluindo-se pela afectação, da responsabilidade em termos de indemnização dos credores e respectivo quantum indemnizatório.
*
III - Fundamentação
A) Na sentença sob recurso foi considerada como provada a seguinte factualidade:
a) A Requerida insolvente L. Fish, S.A. é uma sociedade comercial anónima, constituída, inicialmente como sociedade por quotas, em 26-04-2013, com o NIPC … e sede, a partir de 18-12-2018, no Lugar …, São Julião do Tojal.
b) Tem por objecto social “Comércio por grosso e a retalho e indústria de pescado”.
c) Tem o capital social de € 250.400,00, realizado em 250.400 acções nominativas, com o valor nominal de € 1,00 cada.
d) Desde 11-05-2016 e até à actualidade, que BB integra o Conselho de Administração, com o cargo de Presidente, sendo que, desde essa data, e até 15-09-2016, CC igualmente o integrou com o cargo de Vogal.
e) A sociedade obriga-se com a intervenção do presidente do conselho de administração, conjunta dos vogais do conselho de administração, de um procurador.
f) A última prestação de contas depositada reporta-se ao ano de 2016 e data de 07-08-2017.
g) Mediante petição inicial entrada em juízo em 11-01-2019, JJ e LL, representados pelo Ministério Público, requereram a insolvência da requerida, alegando serem detentores de um crédito laboral global de € 16.126,66 e que a requerida não tem actividade ou activos suficientes para solver os seus débitos.
h) No processo de insolvência, a Requerida foi citada e não deduziu Oposição.
i) Por sentença de 10-05-2019, transitada em julgado, a Requerida foi declarada em estado de insolvência.
j) Foram reconhecidos créditos no total de € 2.302.959,29, incluindo à Autoridade Tributária, no montante de € 68.730,26 (IUC, IRS), vencido de Junho de 2018 a Novembro de 2018; ao ISS, IP, no montante de € 90.331,90 (contribuições), vencido de Setembro de 2017 a Novembro de 2018; e a, nomeadamente, trabalhadores, créditos vencidos em Julho, Agosto e Outubro de 2018 e Janeiro e Fevereiro de 2019.
k) Para a massa insolvente foram apreendidos os seguintes bens: 1) Bens móveis (máquinas/mobiliário) (produto da venda - € 600,00); 2) Veículos automóveis com as matrículas ..-..-PU (Volvo); ..-CH-.. (MercedesBenz) (produto da venda global - € 6.800,00); 3) Saldo bancário (€ 2.901,39), encontrando-se a liquidação finda.
l) Das IES de 2015 e 2016, consta, respectivamente, o activo de € 3.756.157,51 e de € 4.262.168,72, o capital próprio de € 554.173,48 e de € 791.309,99 e o passivo de € 3.201.984,03 e € 3.470.858,73.
m) A insolvente entregou ao Sr. Administrador da Insolvência, através da administração, os balancetes de 2017 e 2018, embora nestes não estejam contemplados os movimentos de encerramento de contas do exercício.
n) No ano de 2018, a insolvente apresentava um activo fixo de € 314.923,76, quando apenas foram apreendidos os bens referidos em k).
o) No balancete de Junho de 2018, no agregado de contas de “outras contas a receber” com saldo de € 1.222.587,69, está reconhecido na contabilidade um pagamento adiantado para compra de um terreno no montante de € 404.000,00, conta da contabilidade “27.8.8.022”.
p) Existem saídas de valores da sociedade, valores emprestados ou adiantados a terceiros, sem justificação documental: conta “27.8.8.016 – despesas a regularizar” com saldo de € 126.303,69, conta “27.8.8.020 – adiantamentos a regularizar” com saldo de € 100.922,20; conta “27.8.8.022 – adiantamento da compra de terreno” com saldo € 404.000,00.
q) A contabilidade existente em arquivo (“diário de bancos”) encontra-se muito incompleta, dispersa, desorganizada e desordenada, tendo sido possível detectar movimentos bancários realizados pela administração da devedora, com sucessivas transferências, tendo como beneficiários os Requeridos, sem o respectivo documento de suporte.
r) Assim, da conta titulada pela insolvente no Novo Banco, S.A., n.º …123 foi transferida para a conta …264, do Banco BPI, tendo como beneficiário BB, em 10-05- 2017, a quantia de € 14.000,00; em 12-05-2017, a quantia de € 1.200,00; em 23-05-2017, a quantia de € 1.000,00; em 30-05-2017, a quantia de € 6.000,00; em 31-05-2017, a quantia de € 1.040,00; em 04-07-2017, a quantia de € 3.000,00; em 14-07-2017, a quantia de € 1.700,00; em 03-08-2017, a quantia de € 1.500,00, no total de € 29.440,00.
s) Da mesma conta do Novo Banco, S.A., foi transferida para a conta …167, tendo como beneficiário BB, em 03-07-2017, a quantia de € 3.800,00; em 27-07-2017, a quantia de € 1.130,00, no total de €4.930,00.
t) Da mesma conta do Novo Banco, S.A., foi transferida para a conta …743, tendo como beneficiário BB, em 31-05-2017, a quantia de € 1.500,08; em 04-07-2017, a quantia de € 1.500,08, no total de € 3.000,16.
u) Da mesma conta do Novo Banco, S.A., foi transferida para a conta …241, tendo como beneficiário BB, em 03-07-2017, a quantia de € 500,00.
v) Da mesma conta do Novo Banco, S.A., foi transferida para a conta …167, tendo como beneficiário DD, em 17-08-2017, a quantia de € 1.600,00; e em 24-08-2017, a quantia de € 1.000,00, no total de € 2.600,00.
w) Da conta titulada pela insolvente no Millenium BCP n.º …805 foi transferida para a conta …264, do Banco BPI, tendo como beneficiário BB, em 10-05- 2017, a quantia de € 1.700,00; em 20-07-2017, a quantia de € 16.000,00, e, novamente, em 01-08-2017, a quantia de € 16.000,00, no total de € 33.700,00.
x) Da mesma conta do Millenium BCP, foi transferida para a conta ..743, tendo como beneficiário BB, em 04-08-2017, a quantia de € 1.000,00.
y) Da mesma conta do Millenium BCP, foi transferida para a conta …167, do Banco BPI, tendo como beneficiário DD, em 01-08-2017, a quantia de € 830,33.
z) Da conta titulada pela insolvente no Banco Popular Portugal, S.A. n.º …859, foi transferida para a conta …264, do Banco BPI, tendo como beneficiário BB, em 31-07-2017, a quantia de € 1.000,00.
aa) Da conta titulada pela insolvente no Montepio n.º …931-1, foi transferida para a conta …264, do Banco BPI, tendo como beneficiário BB, em 18-07-2017, a quantia de € 1.000,02.
bb) As referidas transferências totalizam, € 74.570,18, tendo como beneficiário BB e € 3.430,33, tendo como beneficiário DD.
cc) Por carta datada de 15-05-2019, recebida a 17-05-2019, o Sr. Administrador da Insolvência solicitou à administradora da insolvente, BB, que lhe fossem facultados documentos contabilísticos e prestadas informações diversas sobre a insolvente.
dd) Por mail de 28-05-2019, endereçado pelo Sr. Administrador da Insolvência à Il. Mandatária da administradora BB, o Sr. Administrador reiterou lhe fossem prestadas as informações solicitadas na referida carta.
ee) Por carta datada de 05-07-2019, recebida a 08-07-2019, o Sr. Administrador da Insolvência solicitou à administradora da insolvente, BB, que lhe fossem prestados esclarecimentos sobre os valores constantes na conta de outros valores a receber, os créditos a cobrar e a localização de um veículo automóvel, ..-NN-... ff) Idêntica informação foi solicitada à Il. Mandatária da administradora BB através de mail remetido na mesma data.
gg) Idêntica informação foi solicitada ao contabilista certificado que, por mail de 07-07-2019, esclareceu tratar-se de valores e lançamentos contabilísticos fornecidos pela administração da insolvente.
hh) Por mail de 15-10-2019, endereçado ao Sr. Administrador da Insolvência, a Il. Mandatária da administradora BB informou que até Julho de 2018 não participava da administração, desconhecendo a existência de qualquer contrato-promessa de compra a venda e que a conta por si titulada e à qual não tinha acesso, era usada pelo requerido, seu pai, DD e pela sua esposa.
ii) Em resposta, através de mail de 16-10-2019, o Sr. Administrador da Insolvência reitera o pedido de esclarecimento, nomeadamente quanto à conta bancária a que se referiu e às transferências efectuadas e aos beneficiários destas.
jj) Em resposta, através de mail de 27-10-2019, endereçado ao Sr. Administrador da Insolvência, a Il. Mandatária da administradora BB informou que os esclarecimentos pretendidos poderiam ser obtidos junto do requerido DD.
kk) Por mail de 31-10-2019, o Sr. Administrador da Insolvência reitera o pedido de informação quanto aos beneficiários das transferências “de milhares de euros” da conta da insolvente, para além da própria BB, tendo ficado sem resposta.
ll) A insolvente encerrou a sede social em Agosto de 2018 e não possui qualquer estabelecimento aberto ao público, embora alguns trabalhadores tivessem permanecido em funções em teletrabalho até Outubro de 2018.
mm) O Requerido DD praticava os actos de administração diária da empresa e competiam-lhe actos típicos de direcção de topo no que respeita à orientação comercial e financeira da sociedade, com autonomia decisória, de forma permanente e sistemática, sendo quem negociava com os clientes e fornecedores a compra e venda de bens, incluindo da actividade da credora Requerente Frutos do Mar.
nn) A Requerida BB realizava as tarefas de cariz administrativo, nomeadamente, realizando pagamentos de salários a trabalhadores e outros, e ainda acompanhava a área financeira e contabilística da empresa.
oo) Foi contratado um Director (LL) para assessorar a Requerida BB na tomada de decisões.
pp) A Requerida BB tirou uma pós-graduação na Universidade Católica para enriquecer os seus conhecimentos na gestão e administração da sua empresa.
qq) A Requerida BB é titular da conta PT50 …743 do Montepio.
rr) A Requerida BB desconhecia a movimentação a débito das contas bancárias sediadas no Banco BPI com o IBAN PT50 …26 4 e IBAN PT50 …16 7, que foram abertas em seu nome a pedido deste.
ss) O Requerido DD não tinha acesso ou controlo da movimentação das contas bancárias da insolvente, sendo a funcionária EE e a Requerida BB que procediam às transferências bancárias.
tt) Em Julho de 2018, o Requerido DD saiu da empresa.
uu) A partir de Julho de 2018, data em que o Requerido DD saiu da sociedade, a Requerida BB tomou várias medidas para recuperar a empresa, como cessação dos contratos de trabalho, de arrendamento existente com o MARL e apresentou a empresa à insolvência.
vv) O Requerido DD foi Presidente do Conselho de Administração da sociedade Pescaviva – Comércio e Indústria de Pescado, S.A., constituída em 20-10-1993, com sede no MARL, Largo …, São Julião do Tojal, com o objecto social “comércio por grosso de produtos alimentares não especificados. Comércio e indústria de pescado, bem como a importação e exportação do mesmo. Preparação de produtos da pesca e da aquicultura”.
ww) A referida sociedade foi declarada insolvente por sentença de 21-02-2012, proferida no processo 261/12.2TYLSB, do 4.º Juízo do extinto Tribunal de Comércio de Lisboa.
xx) O Requerido DD nasceu em 05-09-1959 e é casado.
yy) O Requerido DD foi declarado insolvente por sentença de 17-11-2014, proferido no processo 3173/14.1T8SNT, do Juiz 1 da Secção de Comércio, Instância Central, de Sintra, que foi declarado encerrado e decretada a exoneração do passivo restante, por despacho transitado em 07-12-2022.
zz) As insolvências referidas em ww) e yy) motivado a que o Requerido DD não fizesse formalmente parte da Administração de direito da insolvente.
aaa) A Requerida BB nasceu em 15-12- 1984, está divorciada e é filha do Requerido DD.
bbb) A Requerida BB foi declarada insolvente por sentença proferida em 12-02-2020, em processo do Juiz 4 do Juízo de Comércio de Lisboa, correndo o incidente de exoneração do passivo restante.
ccc) A insolvente, representada pela requerida BB, apresentou-se à insolvência mediante petição inicial apresentada em juízo em 03-04-2019, que deu origem ao processo 5768/19.8T8SNT, do Juiz 5 do Juízo de Comércio de Sintra e que findou por sentença que declarou a incompetência territorial do Tribunal de Sintra, proferida em 11-04-2019, transitada em julgado em 23-04-2019.
ddd) O Sr. Administrador da Insolvência apresentou o parecer de qualificação da insolvência em 13-12-2019, ref.ª 9131634.
*
Foram considerados Não Provados os seguintes factos:
1. A insolvente é proprietária de três veículos, desconhecendo-se o respectivo paradeiro.
2. Nos últimos meses de actividade, a clientela da insolvente foi desviada para a sociedade comercial Blue Tradition – Fish Products, Unipessoal, Lda., NIPC ….
3. E o Requerido DD vendia pescado para Itália à consignação, abaixo do respectivo custo de aquisição, o que causava um prejuízo para a insolvente, recebendo o Requerido DD o valor remanescente em contas bancárias que mantém no estrangeiro.
4. O Requerido DD apresentava-se como “dono” da insolvente.
5. Até Julho de 2018, a Requerida BB era mera administradora de direito, que não tinha acesso à informação, sendo controlada pelo Requerido DD.
6. Entre o Requerido DD e a insolvente existia uma relação laboral, em que aquele estava sujeito aos poderes de direcção e disciplina da sua entidade patronal, sem poderes de comando, decisão ou representação e com funções de angariação de clientela, a qual cessou em Julho de 2018.
7. O Requerido, no desempenho das suas funções, melhorou a margem em 7% e sendo clientes sem sinistralidade de crédito.
8. Os destinos e decisões da empresa eram completamente alheios ao Requerido.
9. A contabilidade, advogados e demais assessores eram da exclusiva responsabilidade e escolha da Requerida BB.
10. Era na conta referida em qq) que a Requerida BB recebia o seu vencimento, total ou parcial.
11. A Requerida BB desconhece a existência da conta PT50 …024.
12. A Requerida BB desconhecia as movimentações a crédito nas contas bancárias sediadas no Banco BPI com o IBAN PT50 …26 4 e IBAN PT50 …16 7, onde era creditado o vencimento do Requerido DD, não tendo acesso às respectivas credenciais bancárias. 
13. Todas as transferências bancárias para as contas do Banco BPI foram efectuadas no proveito e benefício do Requerido DD e seu agregado familiar.
14. O Requerido DD saiu da empresa, por discordar do rumo seguido pela administração da empresa e pelo acumular de salários em atraso, tendo resolvido o contrato laboral com justa causa, apesar da sua entidade patronal lhe ter movido um processo disciplinar.
15. Na qualidade de trabalhador e não raras vezes com atrasos - a sociedade insolvente, através da Requerida BB, efectuava pagamentos ao Requerido por conta dos seus créditos salariais.
16. A Requerida BB continuou a actividade da empresa após a saída do Requerido.
17. A Requerida BB foi accionista da sociedade Pescaviva Comércio e Indústria de Pescado, S.A..
*
B) Da Impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto
Nos termos do artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil:
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
No que toca à especificação dos meios probatórios: «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).
Citando o Sr. Conselheiro Abrantes Geraldes, «Estabelecendo o paralelismo com a petição inicial, tal como esta está ferida de ineptidão quando falta a indicação do pedido, também as alegações destituídas em absoluto de conclusões são “ineptas”, determinando a rejeição de recurso (art.º 641º, nº 2, al. b), sem que se justifique a prolação de qualquer despacho de convite à sua apresentação.(…) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.(…)» – cfr Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., p. 122 e 132.
Como consequência, segundo o mesmo autor, impõe-se a rejeição do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto nas seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam alguns dos elementos referidos - Ob. cit, pág. 135.
Verificou-se a existência de divergência jurisprudencial no que concerne a saber se os requisitos do ónus impugnatório previstos no artigo 640º, nº 1, devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões sob pena da rejeição do recurso (cf. Artigos 635º, nº 2 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil). O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se nos seguintes termos: No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.2.2015, Cons. Tomé Gomes, 299/05, afirma-se que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.»
No Acórdão de 11.4.2016, relatora Cons. Ana Luísa Geraldes, 449/410, defendeu-se que servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, deverão nelas ser identificados com precisão os pontos de factos que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos do ónus impugnatório, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. As conclusões do recurso não têm de reproduzir todos os elementos do corpo da alegação – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Cons. Clara Sottomayor, 1060/07.
O AUJ n.º 12/2023, relatora Cons. Ana Resende, Processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 2023-11-14, páginas 44 – 65, disponível também em www.dgsi.pt, pronunciou-se expressamente no sentido que: «Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações».
Defendeu-se no Acórdão do mesmo Tribunal de 29.10.2015, Cons. Lopes do Rego, 233/09, que se a falta de indicação exacta das passagens da gravação não dificulta, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, nem o exame pelo Tribunal da Relação, a rejeição do recurso com tal fundamento constituirá solução excessivamente formal e sem justificação razoável.  O ónus imposto ao recorrente na al. b) do nº1 do artigo 640º do Código de Processo Civil não se satisfaz com a simples afirmação de que a decisão devia ser diversa, antes exige que se afirme e especifique qual a resposta que havia de ser dada em concreto a cada um dos diversos pontos da matéria de facto controvertida e impugnados, pois só desta forma se coloca ao tribunal de recurso uma concreta e objetiva questão para apreciar – cfr Acórdão da Relação do Porto de 16.5.2005, Desemb. Cunha Barbosa, 0550879.
De igual modo, não cumpre o ónus do aludido artigo 640º, nº 1, do C.P.Civil, o recorrente que faz uma transcrição integral dos depoimentos que culmina com uma alegação genérica de erro na decisão da matéria de facto - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.7.2015, Cons. Abrantes Geraldes, 961/10.
É também entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do STJ, que o recorrente não cumpre o ónus de especificação imposto no art.º 640º, nº 1, al. b), do CPC, quando procede a uma mera indicação genérica da prova que, na sua perspectiva, justifica uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal de 1.ª Instância, em relação a um conjunto de factos, sem especificar quais as provas produzidas quanto a cada um dos factos que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, fazendo a apreciação crítica das mesmas – cfr  Acórdãos do STJ de 20-12-2017 e 5-09-2018, respectivamente, nos processos nºs 299/13.2TTVRL.C1.S2 e 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponíveis em www.dgsi.pt.
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art.º 607º, n.º 5 do Código de Processo Civil, segundo o qual: “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
Assim, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. art.º 371º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr a este respeito Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV vol., Coimbra Editora, 1987, pág. 566 e seg. e Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 660 e seg.).
In casu, o apelante DD impugnou a decisão da matéria de facto, tendo, no essencial, dado cumprimento ao estabelecido no supra referido nº 1 do art.º 640º, pelo que cumpre decidir:
Invocou que, contrariamente ao que consta da alínea mm) dos Factos Provados, não foi feita qualquer prova que o mesmo tinha intervenção na orientação financeira da sociedade insolvente, pelo que, atento o declarado por si aquando da prestação de declarações de parte, a factualidade vertida na referida alínea deve ser alterada, sendo apenas dado como provado que: “mm) O Requerido DD praticava os actos típicos de direcção de topo no que respeita à orientação comercial da sociedade, com autonomia decisória, de forma permanente e sistemática, sendo quem negociava com os clientes e fornecedores a compra e venda de bens, incluindo da actividade da credora Requerente Frutos do Mar”.
Diz ainda que o tribunal deu como provados factos conclusivos/conceitos jurídicos.
Consta da aludida alínea dos factos provados:
“O Requerido DD praticava os actos de administração diária da empresa e competiam-lhe actos típicos de direcção de topo no que respeita à orientação comercial e financeira da sociedade, com autonomia decisória, de forma permanente e sistemática, sendo quem negociava com os clientes e fornecedores a compra e venda de bens, incluindo da actividade da credora Requerente Frutos do Mar”.
Relativamente a esta matéria, a Mmª Juíza da 1ª instância fez constar que formou a sua convicção com base nas declarações de parte da credora, na pessoa do seu legal representante MM e nos depoimentos das testemunhas FF, GG, HH, II e KK.
Fez constar na respectiva motivação que: “Todas as testemunhas coincidem, em função das respectivas razões de ciência e de forma que não permite ao Tribunal duvidar da respectiva credibilidade (mesmo no caso do depoimento da testemunha mais próxima da Requerida BB, KK), no papel-chave desempenhado pelo Requerido DD, não apenas na parte comercial, mas também financeira, administrativa e contabilística da empresa”.
Ouvidos os depoimentos referidos na íntegra, não restam dúvidas, face ao declarado pelas testemunhas e também pelo legal representante da credora, que, tal como o apelante aceita, era o mesmo quem tomava as decisões comerciais na devedora, quem negociava com os clientes e fornecedores a compra e venda de bens, mas GG, que trabalhou para a devedora durante cerca de dois anos, tendo deixado de trabalhar para a mesma por volta de 2019, referiu que era o apelante quem dava instruções e ordens aos trabalhadores e HH, que foi responsável administrativo e financeiro da insolvente desde Fevereiro de 2017 a Agosto de 2017, declarou que era o requerido quem tomava as decisões sobre as contas bancárias a abrir e o financiamento a pedir. Disse que foi o requerido que negociou com o avaliador do imobilizado uma reavaliação necessária a processo de financiamento. II, que foi o interlocutor da empresa de contabilidade contratada pela insolvente entre 2015 e Agosto/Setembro de 2016, e, nessa qualidade, ia todas as manhãs à sede da devedora, onde trabalhava através do sistema informático instalado, competindo-lhe fazer os lançamentos contabilísticos e as reconciliações bancárias. Disse que, quando existiam divergências, era com o Requerido DD que resolvia, que era este quem dava instruções e se encontrava, normalmente, na empresa e que a Requerida BB só ali passou a estar na parte final da contratação. KK, ex-cônjuge e actual companheiro da Requerida BB, referiu que a ideia desta entrar na empresa era para ajudar o pai, porque este estava impedido, uma vez que outra empresa sua, a Pescaviva, havia sido declarada insolvente, tendo, inclusivamente, a Requerida BB tirado um curso de gestão.
Se assiste razão ao apelante quanto à natureza conclusiva do segmento “O requerido DD praticava actos de administração diária da empresa”, mas também no que respeita ao plasmado igualmente na aludida alínea mm) dos factos provados “competiam-lhe actos típicos de topo no que respeita à orientação comercial”, não restam dúvidas que da conjugação dos elementos probatórios supra referidos, os quais as declarações prestadas pelo requerido não permitem infirmar, resulta provado que, enquanto se manteve na empresa, ou seja, até Julho de 2018, era este quem dava ordens aos trabalhadores da insolvente, quem decidia os financiamentos a contratar por esta e era quem, permanentemente, decidia e orientava o giro comercial, negociando com os clientes e fornecedores a compra e venda de bens, incluindo com a credora requerente Frutos do Mar.
Assim, considerando a prova produzida e de forma a expugnar as expressões de natureza conclusiva que ficaram a constar da supra referida alínea dos factos provados, decide-se que a mesma passará a ter a seguinte redacção:
mm) Enquanto se manteve na empresa, era o requerido quem dava ordens aos trabalhadores da insolvente, quem decidia os financiamentos a contratar por esta, quem permanentemente, decidia e orientava o giro comercial, negociando com os clientes e fornecedores a compra e venda de bens, incluindo com a credora requerente Frutos do Mar.
Sustentou ainda o recorrente que das declarações por si prestadas, das prestadas pela requerida/apelante BB e ainda pela testemunha FF, resulta provada a matéria constante do artigo 14º dos Factos Não Provados.
Não obstante o mesmo não ter indicado concretamente as passagens das gravações dos depoimentos de que diz resultar demonstrada a factualidade referida, entende-se que, estando em causa apenas três depoimentos, que não são extensos, a falta de indicação exacta das passagens não dificulta, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, nem o exame pelo Tribunal da Relação, pelo que se conhecerá da mesma.
FF, que exerceu as funções de contabilista da devedora, referiu que o apelante teria um contrato de trabalho por conta de outrem e auferia um salário. Por sua vez, o apelante referiu que auferia um salário, ao que julga de € 1.500,00 mensais e que a empresa pagava a renda da casa onde vivia no valor também de € 1.500,00. Disse que saiu da empresa em Julho de 2018 porque não lhe foi pago, ao que se recorda, o último vencimento, que apresentou uma carta de resolução e que tinha celebrado um contrato de trabalho, ao que julga, por escrito.
A apelante BB declarou que o pai saiu da empresa por volta de Junho de 2018, porque “em Maio de 2018 a empresa já não estava bem” e não “conseguia ter actividade”. Diz que o pai pretendia fazer mais um empréstimo bancário e que a mesma se opôs, sendo por causa desta situação e por o requerido não concordar que a situação da empresa ficasse reflectida nas contas, ao que a mesma se opôs e ainda por a empresa estar sem actividade, que o requerido “saiu” da empresa. Diz que pensa que lhe foi instaurado um processo disciplinar, mas que não sabe precisar.
Contrariamente ao referido pelo apelante, os elementos probatórios referidos não permitem a prova da factualidade plasmada no ponto 14. dos factos não provados, não permitindo o declarado pela testemunha e pelas partes, a prova que o requerido tenha “saído” da empresa “por discordar do rumo seguido pela administração” e “pelo acumular de salários em atraso”. Isto não foi referido por qualquer dos declarantes – o requerido apenas referiu que, ao que julga, não lhe terá sido pago o último vencimento, mas nem mesmo esta factualidade foi corroborada por qualquer outro meio de prova. Não se encontra junta carta de resolução, nem tão pouco documentos comprovativos do invocado processo disciplinar. O apelante limita-se a referir que “existe prova documental junta aos autos (cfr fls.)”, não sendo identificados os documentos em causa.
*
Aqui chegados, cumpre referir o seguinte:
Consta da alínea ss) dos Factos Provados:
“ss) O Requerido DD não tinha acesso ou controlo da movimentação das contas bancárias da insolvente, sendo a funcionária EE e a Requerida BB que procediam às transferências bancárias”.
Conforme resulta da motivação da sentença, o tribunal a quo consignou que a matéria em causa resultou provada “em função das declarações prestadas pelos Requeridos em audiência de julgamento que, nesta parte, convergiram, tendo, porém, a Requerida mencionado que todas as transferências bancárias eram efectuadas mediante um plano de pagamentos apresentado pelo Requerido DD, com o seu controlo, o que logrou convencer o Tribunal face ao contexto funcional e relacional entre os Requeridos”. 
Da conjugação crítica das declarações prestadas por ambos os requeridos resulta, efectivamente, que o requerido DD não tinha acesso directo à movimentação das contas bancárias da insolvente, sendo a funcionária EE e a Requerida BB que procediam às transferências bancárias, sob indicação do requerido. Isto mesmo foi referido pela requerida, a qual esclareceu que o requerido efectuava o respectivo plano de pagamentos – aos fornecedores, aos trabalhadores, … - em folhas escritas à mão e a própria e a funcionária EE efectuavam as transferências bancárias.  
A redacção da referida alínea dos factos provados não se encontra em consonância com a prova produzida e com base na qual o próprio tribunal a quo fundamentou a decisão, pelo que, ao abrigo do disposto no art.º 662º, nº 1, do C.P.Civil, decide-se alterar a redacção da aludida alínea dos factos provados, passando a constar o seguinte:
ss) A movimentação das contas bancárias da insolvente era efectuada pela funcionária EE e a Requerida BB, de acordo com as indicações do requerido DD.
É isto, inclusive, que o próprio tribunal a quo fez consignar na fundamentação jurídica da sentença, referindo-se ali: “Apurou-se, também, que os pagamentos e transferências bancárias eram efectuados pela Requerida BB e pela funcionária EE, com o controlo do Requerido DD (factos nn) e ss))”  
Assim, decide-se:
a) julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, passando a alínea mm) dos Factos Provados a ter a seguinte redacção:
mm) Enquanto se manteve na empresa, era o requerido quem dava ordens aos trabalhadores da insolvente, quem decidia os financiamentos a contratar por esta, quem permanentemente, decidia e orientava o giro comercial, negociando com os clientes e fornecedores a compra e venda de bens, incluindo com a credora requerente Frutos do Mar.
No mais, como se disse supra, improcede a impugnação da matéria de facto;
b) alterar a redacção da alínea ss) dos Factos Provados, a qual passará a ser a seguinte:
ss) A movimentação das contas bancárias da insolvente era efectuada pela funcionária EE e a Requerida BB, de acordo com as indicações do requerido DD.
*
Decidida que se encontra a impugnação da decisão da matéria de facto, passemos a conhecer das questões suscitadas pelos requeridos/recorrentes em termos de Direito.
*
C) Verificação dos pressupostos de qualificação da insolvência como culposa
Conforme consta da sentença ora sob recurso, entendeu o tribunal a quo que, face aos factos provados, se encontra preenchido o disposto no art.º 186º, nº 2, alíneas a), d), h), i) e nº 3, alínea a), do CIRE e que assim não se pode deixar de concluir que a insolvência é culposa. Relativamente à alínea i), o incumprimento dos deveres de informação, apresentação e colaboração, bem como de apresentação à insolvência – nº 3, alínea a) do artigo em referência - é imputado à requerida BB e a prática dos actos integradores do previsto nas demais alíneas é imputado a ambos os requeridos. 
O artigo 185º indica claramente a finalidade do incidente de qualificação da insolvência: averiguar as razões que conduziram à situação de insolvência para qualificá-la numa das categorias tipificadas na lei.
Desta forma, a insolvência pode ser culposa ou fortuita.
Estabelece o artigo 186.º, n.º 1, do CIRE, que: “A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.”
São, assim, requisitos da insolvência culposa:
1) o facto inerente à actuação, por acção ou omissão, do devedor ou dos seus administradores, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência;
2) a culpa qualificada (dolo ou culpa grave);
3) e o nexo causal entre aquela actuação e a criação ou o agravamento da situação de insolvência.
Por sua vez, estabelece o n.º 2 deste artigo que se considera sempre culposa a insolvência do devedor quando os seus administradores tenham incorrido em algum dos comportamentos elencados nas suas diversas alíneas.
Como referem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris – Sociedade Editora, 2015, pág. 680, o legislador veio estabelecer no nº 2 do mesmo artigo uma presunção inilidível que complementa a noção geral fixada no nº 1. O nº 3, mediante uma presunção ilidível, dá por verificada a existência de culpa grave quando ocorram determinadas circunstâncias ali previstas.
Continuam os mesmos autores que: “Segundo o nº 1, a insolvência culposa implica sempre uma atuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, determinados, estes, nos termos do art.º 6º. Essa atuação deve ter criado ou agravado a situação de insolvência em que o devedor se encontra.
Uma vez que o preceito nada dispõe, em particular, nessa matéria, as noções de dolo e de culpa grave devem ser entendidas nos termos gerais de Direito”.
A qualificação impõe que tenha ocorrido (pelo menos) uma conduta do devedor ou dos seus administradores, de facto ou de direito, na asserção do disposto no art.º 6º do CIRE que: 
- tenha criado ou agravado a situação de insolvência; 
- tal conduta seja dolosa ou com culpa grave, excluindo-se, assim, a culpa simples – neste sentido v.g., entre outros, Manuel Carneiro da Frada in “A responsabilidade dos administradores na insolvência”, ROA, Ano 66, Set. 2006, pág. 689;  
- tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, ou seja, nos três anos anteriores ao dia da entrada do requerimento inicial do processo de insolvência na secretaria do tribunal, relevando, para além desse prazo, todos os actos praticados entre aquele dia e a data de declaração de insolvência, nos termos previstos no art.º 4º, n.º 2, do CIRE.
A doutrina e a jurisprudência têm-se questionado sobre o alcance das presunções previstas nos nºs 2 e 3 do referido artigo 186º, nomeadamente, no que concerne a saber se é de presumir também o nexo de causalidade entre a conduta legalmente tipificada e a criação ou agravamento da situação de insolvência.
Relativamente às presunções previstas no n°2, tem sido entendimento maioritário que se tratam de presunções quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade.
Refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6/10/2011, P.46/07.8TBSVC-O.L1.S1, in www.dgsi.pt:
«1. A insolvência culposa implica sempre uma actuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores, a qual deve ter criado ou agravado a situação de insolvência em que o devedor se encontra.
2. O nº 2 do art.º 186.º do CIRE estabelece, em complemento da noção geral antes fixada no nº 1, presunções inilidíveis que, como tal, não admitem prova em contrário. Conduzindo, assim, necessariamente, os comportamentos aí referidos à qualificação da insolvência como culposa.
3. O nº 3 do mesmo art.º 186.º estabelece, por seu turno, presunções ilidíveis, que admitem prova em contrário, dando-se por verificada a culpa grave quando ocorram as situações aí previstas.
4. Não se dispensando neste nº 3 a demonstração do nexo causal entre o comportamento (presumido) gravemente culposo do devedor ou dos seus administradores e o surgimento ou o agravamento da situação de insolvência. Sendo, pois, necessário, nessas situações, verificar se os aí descritos comportamentos omissivos criaram ou agravaram a situação de insolvência, pelo que não basta a simples demonstração da sua existência e a consequente presunção de culpa que sobre os administradores recai. Não abrangendo tais presunções ilidíveis a do nexo causal entre tais actuações omissivas e a situação da verificação da insolvência ou do seu agravamento”. Esclarece-se igualmente no aresto em referência: “Definindo, assim, este preceito legal em que consiste a insolvência culposa, começando por fixar, para o efeito, uma noção geral no seu nº 1. Implica sempre, tal insolvência culposa, uma actuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores, a qual deve ter criado ou agravado a situação de insolvência em que o devedor se encontra. Deixando, contudo, tal actuação de ser atendida – devendo considerar-se as noções de dolo e de culpa grave, na falta de outro critério específico, nos termos gerais de Direito – para o efeito da qualificação da insolvência em análise, se não tiver ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. Estabelecendo, de seguida, em complemento da noção antes fixada, o seu nº 2, presunções inilidíveis, ou seja, presunções absolutas ou jure et de jure, não admitindo prova em contrário (cfr., ainda, art.º 350.º, nº 2 do CC). Conduzindo, assim, necessariamente, os comportamentos dos administradores aí referidos – sem prejuízo de se dever atender às circunstâncias próprias da situação de insolvência do devedor – à qualificação da insolvência como culposa.»
Aludindo ao Ac. do STJ supra citado, diz o Ac. da RG de 18/10/2018, relatora Maria Luísa Ramos, o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt: «Com efeito, como se deduz do preceito legal em referência - art.º 186º do CIRE que regulamente a “Insolvência Culposa”, e é cabalmente esclarecido no Ac. STJ citado, apenas nas situações previstas no nº 3 do indicado artigo, estabelecendo este presunções ilidíveis, relativas ou juris tantum, que assim podem ser ilididas por prova em contrário, se exige a demonstração do nexo causal entre o comportamento (presumido) gravemente culposo do devedor ou dos seus administradores e o surgimento ou o agravamento da situação de insolvência, não abrangendo esta presunção ilidível a do nexo de causalidade entre tais actuações omissivas e a situação da insolvência verificada ou do seu agravamento, e, já não nas situações previstas no nº2 do art.º 186º do CIRE, em que a lei estabelece presunções inilidíveis, ou presunções absolutas ou jure et de jure, que não admitem qualquer prova em contrário, conduzindo, assim, necessariamente, os comportamentos dos administradores referidos nas respectivas alíneas à qualificação da insolvência como culposa.
No mesmo sentido v. Luís Alberto Carvalho Fernandes e João Labareda C.I.R.E. Anot., Vol. II, Pags. 14 e 15. “... as previsões deste número 2, consubstanciam presunções jure et de jure de insolvência culposa, portanto em si mesmas definitivas, por não elidíveis”».
Como se refere no Ac. da Rel. de Guimarães de 09/04/2019, relatora: Margarida Almeida Fernandes, o qual também pode ser consultado in www.dgsi.pt: «Para facilitar a determinação de uma insolvência culposa o legislador optou estabelecer factos-índice da mesma, de diferente natureza, nos nºs 2 e 3 do citado preceito.
Da verificação de algum dos factos-índices previstos no nº 2 resulta sempre a insolvência culposa do devedor que não seja pessoa singular. Encontramo-nos nesta sede perante presunções absolutas, iuris et de iure ou inilidíveis (não admitem prova em contrário – art.º 350º nº 2 in fine do C.C.), quer da culpa grave, quer do nexo de causalidade entre a conduta e a criação ou agravamento da situação de insolvência.
Mas, da verificação dos factos-índices previstos no nº 3 resulta apenas, quanto a nós, uma presunção ilidível da violação, com culpa grave, de obrigações impostas aos administradores do insolvente exigindo-se a subsequente prova do referido nexo de causalidade.
Esta tese baseia-se na letra da lei, pois, enquanto no nº 2 se refere “Considera-se sempre culposa a insolvência” (sublinhado nosso), no nº 3 alude apenas a “Presume-se a existência de culpa grave” inexistindo aqui qualquer presunção quanto à verificação dos demais requisitos previstos no nº 1. A propósito do nº 3 do citado preceito refere-se no Ac. da R.G. de 12/07/2017 (Conceição Bucho), in www.dgsi.pt “este normativo é claro e inequívoco, no sentido de que não admite, com o apoio mínimo no texto da lei que o artigo 9º, nº 2 do Código Civil exige, uma interpretação mais abrangente, que inclua no âmbito da presunção estabelecida no nº 3 do artigo 186º do CIRE também o exigido nexo de causalidade entre a actuação descrita naquele preceito legal e o despoletar da situação de insolvência ou do seu agravamento.” Esta é a posição da jurisprudência largamente maioritária defendida, entre outros, também pelos Ac. do S.T.J. de 06/10/2011 (Serra Baptista), da R.L. de 26/04/2012 (Ezaguy Martins), R.C. de 10/07/2013 (Falcão de Magalhães), R.E. de 08/05/2014 (Francisco Xavier), R.G. de 01/06/2017 (Maria João Matos) e de 11/07/2017 (José Cravo) todos consultáveis no www.dgsi.pt. Cremos que a doutrina maioritária também o defende - vide, entre outros, Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª ed., Quid Juris, p. 680-681; A. Soveral Martins, in Um Curso de Direito da Insolvência, 2016 – 2ª ed. ver. e actual., Almedina, p. 423.» Após a alteração introduzida pela Lei nº 9/2022, de 11/01, ficou claro que as situações tipificadas no nº 3 do art.º 186º do CIRE constituem meras presunções de culpa grave, sem presunção de causalidade quanto à situação de insolvência.
Todavia, não é isto que se verifica, como se viu, relativamente às situações elencadas no nº 2 do mesmo normativo, o qual dispõe, no que ora releva:
 “2 - Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;
(…)
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
(…)
h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração previstos no artigo 83.º até à data da elaboração do parecer referido no n.º 6 do artigo 188.º
(…)”
Entendeu a Mmª Juíza da 1ª instância que, tendo ficado demonstrado que, no decurso do período relevante para efeitos de qualificação, entre Maio de 2017 e Agosto de 2017, foram transferidas diversas quantias das contas bancárias tituladas pela insolvente no Novo Banco, S.A., no Millennium BCP, no Banco Popular Portugal, S.A e no Montepio, no total de € 74.570,18, tendo como beneficiária BB e de € 3.430,33, sendo beneficiário DD, a factualidade em causa enquadra-se no disposto nas alíneas a) e d) do aludido normativo.
A acção de insolvência foi instaurada em 11-01-2019, vindo a sociedade a ser declarada insolvente por sentença de 10-05-2019, transitada em julgado (factos g) a i)). O período temporal relevante situa-se entre Janeiro de 2016 e Janeiro de 2019, com possibilidade de extensão a Maio de 2019, face ao disposto no art.º 4.º, n.º 2, do CIRE.
Conforme resulta das alíneas q) a bb) dos factos provados, as aludidas transferências bancárias foram efectuadas para as contas de cada um dos requeridos, respectivamente, no período temporal relevante para efeitos de qualificação, sem que exista qualquer documento de suporte.
A requerida é uma sociedade comercial, tendo, por força da lei, que se encontrar justificadas as transferências bancárias efectuadas a partir de contas bancárias tituladas pela mesma.
Conforme se escreveu no Ac. do TRL de 18/04/2023, Proc. nº 3146/20.5T8VFX-A.L1-1, em que foi relatora Amélia Sofia Rebelo e subscrito pela ora relatora na qualidade de 1ª adjunta, o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt: A diminuição patrimonial especificamente prevista pelo fundamento de qualificação da insolvência previsto pela al. a) do nº 2 do art.º 186º do CIRE distingue-se da diminuição patrimonial implícita à previsão da al. d) da mesma norma porque, diversamente do que aqui sucede, aquela pressupõe ou reporta a uma ação física sobre os bens, no sentido de diminuir o seu valor comercial (destruído ou danificado), de os tornar imprestáveis ou inoperacionais para o fim a que tendem (inutilizado), ou, através da não revelação do seu paradeiro ou da sua colocação em paradeiro desconhecido ou local geográfica ou espacialmente inacessível à sua apreensão, de os subtrair à possibilidade de serem localizados e/ou fisicamente apreendidos para ingressarem na disponibilidade fáctica do AI, do processo de insolvência e da liquidação que nele se cumpra (ocultado ou feito desaparecer)”.
Não está em causa, concretamente, a prática de uma acção física sobre bens da insolvente - destruição, inutilização ou ocultação -, mas sim a transferência de quantias monetárias de conta bancária da mesma para contas da titularidade dos requeridos, sem qualquer justificativo.
Não há dúvida que as aludidas transferências foram efectuadas para conta da titularidade da requerida.
Por sua vez, o requerido DD alegou que inexistem factos que possam sustentar que os valores recebidos, “aliás, de valor insignificante e respeitantes a créditos salariais e despesas de representação, respeitam a uma qualquer conduta reprovável ou censurável do ora recorrente que possa ter contribuído para a situação de insolvência da sociedade”.
Foram transferidos para a conta titulada pela requerida BB € 74.570,18 e para a conta do requerido € 3.430,33, sendo que este valor também não se pode considerar insignificante.
Não há, assim, dúvidas quanto ao preenchimento do disposto na alínea d) do nº 2 do art.º 186º - e não já na alínea a) do mesmo normativo -, o que dispensa, como se viu, a prova do nexo de causalidade entre o facto e a insolvência ou o seu agravamento.
Quanto à responsabilidade dos requeridos e susceptibilidade de serem afectados pela qualificação, oportunamente, será apreciado.
Passando a pronunciarmo-nos quanto ao disposto na alínea h) e conforme se referiu no Ac. da RL de 25/01/2022, relatora: Fátima Reis Silva e subscrito pela ora relatora na qualidade de 2ª adjunta, acórdão esse proferido no Proc. 15973/18.9T8SNT-A.L1 e ao que sabemos, não publicado: “As condutas das alíneas h) e i) do nº 2 do art.º 186º são de uma gravidade muito superior às previstas no nº 3, e radicam em fundamentos de diverso grau. As condutas da al. h), que se analisam, sinteticamente em não manutenção de contabilidade, contabilidade dupla ou fictícia e irregularidades graves na contabilidade, prejudicam a compreensão da situação do devedor a terceiros e aos que com ele interagem possibilitando, por exemplo, a manutenção no mercado, de empresas zombie, a continuação da concessão de crédito sem qualquer hipótese real de recuperação, entre muitas outras consequências – ou seja, são de molde a presumir que se lhe segue a impossibilidade total do cumprimento de obrigações vencidas”.
Esta alínea do nº 2 do art.º 186º do CIRE compreende três situações distintas:
a) Incumprir, em termos substanciais, a obrigação de manter contabilidade organizada, ou
b) manter uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade; ou
c) praticar irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor.
O prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor apenas é exigível no terceiro grupo de casos, dado que nestes há contabilidade, que não se encontra falseada, mas que tem irregularidades.
As irregularidades podem ser mais ou menos graves e prejudicar ou não a compreensão da situação do devedor.
Ficou demonstrado que foi apresentada a IES de 2016 (facto l)), mas nos balancetes de 2017 e 2018 não estavam contemplados os movimentos de encerramento de contas do respectivo exercício.
Ficou também demonstrado que existem saídas de valores da sociedade, que no balancete de Junho de 2018, no agregado de contas de “outras contas a receber” com saldo de € 1 222 587, 69, está reconhecido na contabilidade um pagamento adiantado para compra de um terreno no montante de €404.000,00, conta da contabilidade “27.8.8.022”, existem valores emprestados ou adiantados a terceiros, sem justificação documental: conta “27.8.8.016 – despesas a regularizar” com saldo de €126.303,69, conta “27.8.8.020 – adiantamentos a regularizar” com saldo de €100.922,20; conta “27.8.8.022 – adiantamento da compra de terreno” com saldo € 404.000,00 (facto p)), que a contabilidade existente em arquivo (“diário de bancos”) encontra-se muito incompleta, dispersa, desorganizada e desordenada, tendo sido possível detectar movimentos bancários realizados pela administração da devedora, com sucessivas transferências, tendo como beneficiários os Requeridos, sem o respectivo documento de suporte (facto q) e factos r) a bb)).
Considerando esta factualidade, temos que concluir pela ausência de contabilidade a partir de Junho de 2018, mas, sobretudo, pela existência de contabilidade irregular e desorganizada, fictícia, sem suporte documental, pelo menos nos anos de 2017 e 2018 (Junho), com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira da devedora.
Manter a contabilidade organizada é uma obrigação permanente que segue as regras do Sistema de Normalização Contabilística aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009 de 13/07 (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 67-B/2009 de 11/09), obrigatório para as sociedades comerciais (cfr. art.º 3º, nº 1, al. a) do referido Decreto-Lei).
Culmina com a obrigação anual de prestação de contas prevista no aludido art.º 65º do CSC e pressupõe a organização diária e regularidade de todas as tarefas.
Tal obrigação decorre ainda do estatuído nos artigos 1º e 17º, nº 3 do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e, para efeitos fiscais, destina-se a permitir a determinação e controlo do lucro tributável das pessoas colectivas. A contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo através do lançamento dos respectivos documentos de suporte nas contas a que respeitam, de modo a permitir, no final de cada exercício, o apuramento dos saldos de cada rubrica e a elaboração do balanço que integra as demonstrações financeiras do exercício a apresentar em sede de prestação e depósito de contas. Pretende-se que a contabilidade proporcione informação acerca da real posição financeira e dos resultados das operações da empresa, informações que são úteis aos investidores, fornecedores e trabalhadores, mas imprescindíveis também aos próprios administradores e aos credores.
Encontra-se, assim, também preenchido o previsto na aludida alínea h) do nº 2 do art.º 186º, sendo que a contabilidade não estava devidamente organizada e continha irregularidades, com influência na compreensão da situação patrimonial da sociedade.
Os actos supra referidos tiveram lugar no período relevante para efeitos de qualificação da insolvência.
Relativamente ao disposto na alínea i) do aludido nº 2 do art.º 186º, o devedor insolvente, os administradores do devedor, membros do seu órgão de fiscalização, empregados e os prestadores de serviços do devedor e as pessoas que tenham desempenhado as referidas funções nos dois anos anteriores ao processo de insolvência, estão obrigados a:
- fornecer todas as informações relevantes para o processo que lhe sejam solicitadas pelo administrador de insolvência, pela assembleia de credores, pela comissão de credores ou pelo tribunal;
- apresentar-se pessoalmente no tribunal, sempre que a apresentação seja determinada pelo juiz ou pelo administrador da insolvência, salva a ocorrência de legítimo impedimento ou expressa permissão de se fazer representar por mandatário;
- prestar a colaboração que lhe seja requerida pelo administrador de insolvência para efeitos do desempenho das suas funções – cfr art.º 83º, nºs 1, 4 e 5 do CIRE.
Estabelece o nº 3 deste mesmo artigo que a recusa de prestação de informações ou de colaboração livremente apreciada pelo juiz, nomeadamente para efeito da qualificação da insolvência como culposa.
Para este efeito exige o art.º 186.º, n.º 2, alínea i), que o incumprimento dos deveres de apresentação e colaboração seja reiterado, impondo-se uma interpelação sucessiva e efectiva por parte, no caso, do Administrador da Insolvência.
Ficou demonstrado que logo em Maio de 2019, o que se prolongou até Outubro e 2019, o Sr. Administrador da Insolvência solicitou, por diversas vezes, à Requerida insolvente, na pessoa da Requerida BB e também através de Il. Mandatária, por diversas vezes, através de correspondência dos CTT e electrónica, informação contabilística da insolvente, justificação sobre os valores constantes na conta de outros valores a receber, os créditos a cobrar e a localização de um veículo automóvel, ..-NN-.., transferências efectuadas e os beneficiários destas.
A requerida BB apenas veio a responder por mail de 15-10-2019, enviado pela sua Ilustre Mandatária e endereçado ao administrador da insolvência, declarando que até Julho de 2018 não participava da administração, que desconhecia a existência de qualquer contrato-promessa de compra e venda, que a conta por si titulada, à qual não tinha acesso, era usada pelo requerido DD e pela esposa. Por e-mail de 27-10-2019, a mesma Ilustre Mandatária informou que os esclarecimentos podiam ser obtidos junto deste último, não tendo sido apresentada resposta ao último mail de 31-10-2019, em que o Administrador da Insolvência reiterou o pedido de informação quanto aos beneficiários, para além da própria BB, das transferências “de milhares de euros” da conta da insolvente.
Como se diz na sentença recorrida, «as respostas dadas pela Requerida BB apresentam-se insuficientes, parcas e que não satisfazem o solicitado, quando remetem para o Requerido DD.
(…) ficou demonstrado que era a Requerida que, conjuntamente, com a funcionária EE, dava ordem para se processarem as transferências bancárias, pelo que, pelo menos quanto a estas, teria que estar na posse de outra e relevante informação que não disponibilizou quando interpelada para o efeito, limitando-se a “atirar” a responsabilidade para o Requerido DD. De modo que se considera incumprido, de forma reiterada, pela Requerida BB, o dever de informação, apresentação e colaboração, concluindo-se pela verificação da dupla presunção, inilidível (que não admite prova do contrário), de culpa grave e do nexo de causalidade entre a conduta e a criação/agravamento da situação da insolvência».
Não pode, assim, deixar de se considerar preenchido também o disposto na referida alínea i) do nº 2 do art.º 186º do CIRE.
Entendeu ainda o tribunal a quo que a insolvência deve também ser qualificada como culposa nos termos da alínea a) do nº 3 do mesmo artigo 186º, o qual estabelece que se presume unicamente a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência.  
Para que se possa qualificar a insolvência como culposa nos termos do nº 3, é necessário que se verifiquem os demais elementos do nº1 do art.º 186º do CIRE, nomeadamente, que a conduta tenha criado ou agravado a situação de insolvência – cfr., entre muitos outros, Acs. TRP de 19/11/2020, TRL de 18/04/2013, TRC de 12/07/2017, TRG de 24/09/2020 e TRE de 12/03/2015, todos disponíveis in www.dgsi.pt e ainda o Ac. desta RL de 25/01/2022, relatora: Fátima Reis Silva supracitado, onde se resumem as posições doutrinárias relativas a esta questão, concluindo-se pela necessidade de conferir sentido útil à diferença de redação entre o proémio do nº 2 e o proémio do nº 3 do art.º 186º, à luz da regra do nº1 do mesmo preceito.
Dispõe o artigo 18.º, n.ºs 1 e 3, do CIRE:
“1 - O devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la”,
(…)
3 - Quando o devedor seja titular de uma empresa, presume-se de forma inilidível o conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de obrigações de algum dos tipos referidos na alínea g) do n.º 1 do artigo 20.º”
Por sua vez, estabelece este artigo:
“1 - A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes factos:
a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
c) Fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo;
d) Dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos;
e) Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor;
f) Incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 218.º;
g) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos:
i) Tributárias;
ii) De contribuições e quotizações para a segurança social;
iii) Dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato;
iv) Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência;
h) Sendo o devedor uma das entidades referidas no n.º 2 do artigo 3.º, manifesta superioridade do passivo sobre o activo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado”.
Foram reconhecidos créditos no total de € 2.302.959,29, incluindo à Autoridade Tributária, no montante de € 68.730,26 (IUC, IRS), vencido de Junho de 2018 a Novembro de 2018, ao ISS, IP, no montante de € 90.331,90 (contribuições), vencido de Setembro de 2017 a Novembro de 2018 e a trabalhadores, créditos vencidos em Julho, Agosto e Outubro de 2018 e Janeiro e Fevereiro de 2019. O período de seis meses de incumprimento generalizado das dívidas tributárias ocorre em Dezembro de 2018, das dívidas ao ISS, IP, em Março de 2018 e das dívidas aos trabalhadores, em Janeiro de 2019 (art.º 20.º, n.º 1, al. g), i), ii), iii), do CIRE). A este período acrescem os três meses de presunção inilidível do conhecimento da situação de insolvência (art.º 18.º, n.º 3, do CIRE), isto é, pelo menos, em Junho de 2018 (dívidas ao ISS, IP), começou a correr o prazo de 30 dias para apresentação à insolvência, que findou, assim, em Julho de 2018 (art.º 18º, nº 1, do CIRE).
A insolvente, representada pela requerida BB, apenas se veio a apresentar à insolvência em 03-04-2019, o que deu origem ao processo 5768/19.8T8SNT, do Juiz 5 do Juízo de Comércio de Sintra.
No entanto, o dever de apresentação à insolvência já se encontrava incumprido desde Julho de 2018 e a partir dessa data continuaram a vencer-se créditos, tributários e do ISS, IP, até Novembro de 2018 e dos trabalhadores até Fevereiro de 2019, vindo a reconhecer-se o montante total de € 2.302.959,29. Torna-se, assim, evidente que se verificou-se um acumular de dívidas e juros que se foram vencendo.
É um problema de causalidade, o de se saber se o retardamento da apresentação à insolvência agravou o estado da empresa e atento o que ficou referido, o passivo acumulou-se em virtude da não apresentação atempada.
Atento o disposto na referida alínea a) do nº 3 do art.º 186º supracitado, presume-se a existência de culpa grave dos administradores da devedora, culpa essa que, face aos factos provados, não se encontra afastada e também não pode deixar de se concluir que se encontra demonstrado o nexo causal entre estes comportamentos (presumidos) gravemente culposos e o agravamento da situação de insolvência.
Tem, pois, que se concluir pela qualificação da insolvência nos termos do disposto nas alíneas d), h) i) do nº 2 do art.º 186º do CIRE e da alínea a) do nº 3 do mesmo artigo.
*
D) Da afectação dos apelantes e da responsabilidade dos recorrentes em termos de indemnização dos credores
Na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve:
a) Identificar as pessoas, nomeadamente administradores, de direito ou de facto, técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas, afectadas pela qualificação, fixando, sendo o caso, o respectivo grau de culpa;
b) Decretar a inibição das pessoas afectadas para administrarem patrimónios de terceiros, por um período de 2 a 10 anos;
c) Declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;
d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
e) Condenar as pessoas afectadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, considerando as forças dos respectivos patrimónios, sendo tal responsabilidade solidária entre todos os afectados – cfr nº 2 do art.º 189º do CIRE.
Ao aplicar o disposto na alínea e), o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efectuar em liquidação de sentença.
Na sentença recorrida entendeu-se declarar afectados pela insolvência ambos os requeridos/ora apelantes, tendo sido fixada a inibição da requerida em 4 anos e do requerido em 5 anos e ainda condenar ambos, solidariamente, a indemnizarem os credores da sociedade devedora declarada insolvente, mediante montante a liquidar em execução de sentença, nos termos do n.º 4 do art.º 189.º do CIRE, até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos e considerando a força dos respectivos patrimónios.
Entendeu-se ainda que são imputadas à requerida BB todas as alíneas com fundamento nas quais foi qualificada a insolvência como culposa - as alíneas a), d), h), i) do nº 2 e alínea a) do nº 3 do art.º 186º do CIRE - e que ao requerido DD, enquanto administrador de facto, são imputadas as alíneas a), d) e h) do nº 2.
Este requerido invocou os factos provados não permitem que se conclua que o mesmo tinha qualquer interferência na orientação financeira da empresa, não estando demonstrado que tenha contribuído para a insolvência culposa da sociedade L. Fish, SA.
Por sua vez, a apelante BB sustentou que a condenação nos termos do art.º 189º, nºs 2 e 4, do CIRE, é manifestamente desproporcionada à medida da culpa da mesma, que não existe fundamento para a condenação solidária de ambos os requeridos até ao limite dos créditos reconhecidos, uma vez que inexiste nexo causal entre a administração da recorrente e o resultado de um maior prejuízo para os credores.
Concluiu que a sentença viola o art.º 189º, nº 2, do CIRE, nas dimensões normativas atinentes aos princípios da confiança, proporcionalidade e proibição de excesso, por violação dos artigos 18º, nº 2, 202º, nº 2 e 266º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
Terminou peticionando a redução da “sanção civil” a que a recorrente foi condenada, até ao montante máximo de € 10.000,00 e que, caso assim não se entenda, que se determine “tal sanção civil em critérios numéricos ou percentuais, não solidários”.
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º do CIRE, são considerados como administradores aqueles a quem incumba a administração ou liquidação da entidade ou património em causa, designadamente os titulares do órgão social que para o efeito for competente.
Conforme definição aceite pela generalidade da doutrina e da jurisprudência, é administrador de facto quem, sem título bastante, exerce, directa ou indiretamente e de modo não subordinado funções próprias de administrador de direito na sociedade. Nas palavras de Soveral Martins, in Administração de Sociedades Anónimas e Responsabilidade dos Administradores, Almedina, p. 201 “[p]ara que um sujeito seja considerado como administrador de facto é necessário que atue da mesma forma que os administradores de direito.
Resultou provado que desde 11-05-2016 e até à actualidade, BB integra o Conselho de Administração, com o cargo de Presidente, mas também ficou demonstrado que enquanto se manteve na empresa, ou seja, até Julho de 2018, era o requerido quem dava ordens aos trabalhadores da insolvente, quem decidia os financiamentos a contratar por esta, quem permanentemente, decidia e orientava o giro comercial, negociando com os clientes e fornecedores a compra e venda de bens, incluindo com a credora requerente Frutos do Mar e ainda que a movimentação das contas bancárias da insolvente era efectuada pela funcionária EE e pela Requerida BB, sob indicações do requerido DD. Foi devido ao facto de ele próprio, bem como uma sociedade da qual era presidente do conselho de administração, já terem sido declarados insolventes, que o mesmo não fazia formalmente parte da administração da devedora – cfr alíneas mm), ss) e zz) dos factos provados. 
Não há dúvidas que este requerido actuava, efectivamente, como administrador de facto da sociedade, reportando-se o art.º 186º, nº 2, tanto aos administradores de direito como de facto.
Deste modo, contrariamente ao alegado pelo apelante, o mesmo não pode deixar de ser responsabilizado quer pela disposição de bens – quantias monetárias – da sociedade a favor dos requeridos, quer pelo incumprimento da obrigação de manutenção da contabilidade organizada, sendo que, pelos fundamentos que supra ficaram referidos, no entender deste tribunal, não existe fundamento para a qualificação da insolvência pela alínea a) do nº 2 do referido artigo 186º.
Dado que pelo recorrente nada mais foi invocado como fundamento de recurso, resta concluir pela improcedência da apelação por si interposta.
No que respeita ao invocado pela requerida BB, de acordo com o que resulta da nova redacção do nº 2, alínea e) do art.º 189º, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve condenar as pessoas afectadas pela qualificação da insolvência a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, considerando as forças dos respectivos patrimónios, sendo tal responsabilidade solidária entre todos os afectados.
Comparando com a redacção anterior, onde antes constava “condenar as pessoas afectadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos…” consta agora “condenar as pessoas afectadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos…
Consta da exposição de motivos da proposta de lei n.º 115/XIV/III, que deu origem à Lei n.º 9/2022, a alteração foi descrita como uma aclaração do âmbito da condenação patrimonial.
Ao dizer-se agora que o montante dos créditos não satisfeitos é o montante máximo da condenação, quis deixar-se claro que os afectados não são condenados necessariamente no montante dos créditos não satisfeitos e assim sendo, o critério da medida da indemnização não é apenas este.
Como se decidiu no Ac. do STJ de 12/12/2023, Proc. nº 3146/20.5T8VFX-B.L1.S1, relatora: Cons. Maria Olinda Garcia, a indemnização em causa trata-se de uma “responsabilidade extracontratual, a apurar na medida da verificação dos respetivos pressupostos gerais, cujo montante tem como limite máximo o valor dos créditos graduados.”
Diz-se no Ac. TRL de 27/04/21 (Isabel Fonseca – 540/19): “Em suma, diremos que o regime legal plasmado no art.º 189.º, quanto à indemnização devida aos credores da insolvência, deve ser interpretado, com base numa leitura integrada do texto vertido no seu número 2, alínea e) e número 4 e a exigência de uma leitura conforme ao princípio da proporcionalidade, no sentido de que a indemnização devida pela entidade afetada pela qualificação deverá, em princípio e tendencialmente, corresponder à diferença entre o valor global do passivo e o que o ativo que compõe a massa insolvente logrou cobrir, salvaguardando-se, no entanto, que esse valor possa ser fixado em montante inferior sempre que o comportamento da pessoa afetada pela qualificação justifique essa diferenciação, mormente por ser diminuta a medida da sua contribuição para a verificação dos danos patrimoniais em causa, assim mitigando o recurso àquele critério exclusivamente aritmético e que, por isso, em determinadas circunstâncias, pode ser redutor.”
São estes os critérios com base nos quais deve ser fixada a indemnização.  
Nos casos previstos nas alíneas do nº 2 do art.º 186º do CIRE que se alicerçam na prática de actos de disposição de bens ou na sua ocultação, destruição ou inutilização, o nexo de causalidade entre o facto voluntário, ilícito e culposo e o dano sofrido pelos credores é relativamente simples de estabelecer. Como se refere no Ac. TRL de 13/09/24 (Amélia Sofia Rebelo – 17285/21), “Concedendo que a afetação pela qualificação da insolvência contém em si mesma a demonstração e verificação da ilicitude do facto fundamento da qualificação, bem como do juízo de censurabilidade que pelo mesmo é passível de ser dirigido ao afetado, no caso o nexo de causalidade entre o ato de disposição de bens que fundamentou a qualificação da insolvência como culposa e o prejuízo sofrido pelos credores da insolvência resulta verificado na medida dos créditos que no âmbito da insolvência seriam pagos pelo valor daqueles bens.”
Todavia, in casu, a insolvência foi ainda qualificada pelas alíneas h), i) do nº 2 e alínea a) do nº 3 do art.º 186º do CIRE.
Foram reconhecidos créditos no total de € 2.302 959, 29, incluindo à Autoridade Tributária, no montante de € 68.730,26 (IUC, IRS), vencido de Junho de 2018 a Novembro de 2018; ao ISS, IP, no montante de € 90.331,90 (contribuições), vencido de Setembro de 2017 a Novembro de 2018; e a, nomeadamente, trabalhadores, créditos vencidos em Julho, Agosto e Outubro de 2018 e Janeiro e Fevereiro de 2019.
Para a massa insolvente foram apreendidos os seguintes bens: 1) Bens móveis (máquinas/mobiliário) (produto da venda - € 600,00); 2) Veículos automóveis com as matrículas ..-..-PU (Volvo); ..-CH-.. (Mercedes Benz) (produto da venda global - € 6.800,00); 3) Saldo bancário (€ 2.901,39), encontrando-se a liquidação finda.
Não há dúvidas, face ao disposto na alínea e) do nº 2 do art.º 189º do CIRE, que a responsabilidade dos requeridos é solidária e atentos os elementos que constam dos autos, não há fundamento que permita considerar, em termos de responsabilidade civil extracontratual, o grau de ilicitude da requerida inferior ao do requerido.
A requerida exercia as funções de Presidente do Conselho de Administração da devedora, era quem movimentava as contas bancárias da mesma – as transferências bancárias sem justificativo efectuadas para a conta da sua titularidade foram no valor de € 74.570,18 – valor muito superior àquele que foi transferido para a conta titulada pelo requerido, sendo que, como se viu, também lhe é imputável a falta de contabilidade organizada, o não fornecimento das informações solicitadas pelo AI e o não requerimento atempado da insolvência.
Também não se pode considerar, igualmente em termos de responsabilidade civil extracontratual e tendo em conta os fins da indemnização prevista na alínea e) do nº 2 do art.º 189º - o ressarcimento dos prejuízos sofridos pelos credores -, a culpa da requerida inferior à do requerido seu pai. A mesma podia e devia ter actuado de forma consentânea com as regras a que estava obrigada, na qualidade de presidente do conselho de administração da sociedade devedora.
Atendendo ao valor das transferências bancárias efectuadas a favor dos requeridos - € 78.000,51 -, o agravamento do passivo a partir de Julho de 2018, a irregularidade substancial da contabilidade, havendo aqui que considerar as despesas e adiantamentos a regularizar nos valores de € 126.303,69, € 100.922,20 e € 404.000,00 e no que respeita à expectativa de garantia patrimonial dos credores o valor do activo fixo de € 314.923,76 no ano de 2018, as consequências nefastas da violação do dever de colaboração com o Administrador da Insolvência e ainda o valor dos bens apreendidos para a massa insolvente, entende-se, com base num juízo de equidade,  ser  de fixar a indemnização da responsabilidade dos requeridos em € 1.200.000,00, indemnização essa que é proporcional à medida da sua culpa, estando igualmente demonstrado o nexo de causalidade entre a sua conduta e o prejuízo dos credores.
Como se disse, a responsabilidade de ambos os requeridos é, por força da lei, solidária e, em nosso entender, não se mostram violados nem o princípio constitucional da confiança, nem o da proporcionalidade, nem tão pouco o da proibição de excesso, que decorrem da própria ideia de Estado de Direito e que se encontram estabelecidos no art.º 18.º/2 da CRP, na parte em que se diz que devem “as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos”). A obrigação de indemnizar encontra-se estabelecida de acordo com o grau de culpa dos afectados e com a gravidade da ilicitude - contribuição do comportamento da pessoa afetada para a criação ou agravamento da insolvência.
Pelo exposto, o recurso interposto pela recorrente BB deve ser julgado parcialmente procedente no que respeita ao valor da indemnização fixada.
Atento o disposto no art.º 634º, nº 2, c), do C.P.Civil, o recurso interposto pela mesma aproveita ao recorrente DD, pelo que há que revogar a sentença relativamente a ambos os recorrentes na parte em que os condenou a indemnizarem os credores da sociedade devedora declarada insolvente, mediante montante a liquidar em execução de sentença, nos termos do n.º 4 do art.º 189.º do CIRE, até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos e condená-los a indemnizarem os credores da devedora até ao limite máximo de € 1.200.000,00.
No mais, mantém-se a sentença recorrida.
*
IV – Decisão
Em face do exposto acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar:
I- o recurso interposto pelo recorrente DD totalmente improcedente e
II- o recurso interposto pela recorrente BB parcialmente procedente e, em consequência:
a) revogam a sentença na parte em que condenou os apelantes a indemnizarem os credores da sociedade devedora declarada insolvente, mediante montante a liquidar em execução de sentença, nos termos do n.º 4 do art.º 189.º do CIRE, até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos;
b) condenam ambos os recorrentes a indemnizarem os credores da devedora no montante dos créditos não satisfeitos até ao limite máximo de € 1.200.000,00 e considerando as forças dos respectivos patrimónios, sendo a responsabilidade de ambos solidária e
c) No mais, mantêm a sentença proferida.
*
Custas do recurso interposto pelo apelante DD a cargo do mesmo e do interposto pela apelante BB a cargo desta na proporção de 3/4 - art.º 527º, nº 1, do C.P.Civil.
Registe e Notifique.                                      

Lx, 10/12/2024
Manuela Espadaneira Lopes
Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo
_______________________________________________________
[1] Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem.