Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
EFEITO COMINATÓRIO SEMI-PLENO
DIREITO DE RETENÇÃO
Sumário
Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do CPC) 1. O art.º 908.º do CPC consagra o efeito cominatório semi-pleno para a falta de dedução de oposição, conduzindo tão só à confissão dos factos alegados no requerimento de prestação de caução, cabendo ao julgador decidir se tais factos são ou não bastantes para a procedência do pedido, o que no caso teve lugar quando foi apreciado e decidido o pedido de prestação de caução, avaliada a possibilidade de substituição do direito de retenção por caução, e ponderada a idoneidade e suficiência da caução oferecida, de acordo com as normas jurídicas que indicadas, interpretadas e consideradas aplicáveis. 2. O art.º 756.º al. d) do C.Civil vem prever a possibilidade de exclusão do direito de retenção através da prestação de caução suficiente, o que decorre do facto de estarmos perante um direito real de garantia, de natureza provisória, admitindo a substituição de uma garantia por outra equivalente que, a ocorrer, vai fazer cessar o direito do credor reter o bem, o que apenas lhe é permitido com o objetivo de assegurar o pagamento do seu crédito resultante de despesas ou danos por ele causados. 3. A aquisição do direito de retenção resulta diretamente da lei, uma vez verificados os requisitos previstos no art.º 754.º do C.Civil, sendo que quando a outra parte preste caução suficiente, não há direito de retenção, que fica excluído, como estabelece o art.º 756.º al. d) do C.Civil, sendo irrelevante o facto de tal direito estar judicialmente reconhecido e o crédito estar definido, sendo o elemento relevante a aferição da suficiência da caução com base no pressuposto da existência desse crédito. 4. A prestação de caução suficiente que faz cessar o direito de retenção do credor, admitindo por essa via a entrega do imóvel, por se fundamentar em facto posterior que inutiliza aquele direito, não viola a autoridade do caso julgado da decisão proferida no Acórdão do TRL, não contrariando a revogação da condenação da R. a entregar o imóvel por não ter sido ainda apreciado o direito de crédito invocado pela R. na reconvenção, suscetível de lhe conferir o direito de retenção, cuja satisfação apenas passa a estar garantido por outro meio, não obviando ao prosseguimento da ação para determinação de tal crédito. 5. A R. na formulação dos pedidos reconvencionais que apresentou na sua contestação, para o caso da ação vir a proceder, pede: na al. b) que se declare o direito de retenção sobre o imóvel arrendado para garantia do pagamento da indemnização peticionada em a); na al. a) a condenação da A. a pagar a quantia de € 200.000,00 acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. 6. Assim, a quantia de € 275.000,00 oferecida como caução pela A., é uma quantia que só não tem correspondência com o crédito reclamado pela R. que visa garantir – de € 200.000,00 acrescida de juros à taxa de 4% desde a citação - por ser substancialmente superior a esse montante, tal como considerou a decisão recorrida, apresentando-se por isso como suficiente ou bastante para fazer cessar o direito de retenção.
Texto Integral
Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
Vem a A …, S.A. intentar ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra B …, Ld.ª, pedindo que seja declarada a caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre a A. e a R. e ordenada a entrega do imóvel pela R. nas condições de conservação e limpeza em que o mesmo lhe foi entregue aquando da celebração do contrato de arrendamento.
Alega, em síntese, que correu termos anterior ação judicial que identifica, intentada pela aqui R. contra a aqui A., em que a mesma pediu que fosse reconhecida como arrendatária do imóvel em questão; que se considerasse que a carta de oposição à renovação do contrato de arrendamento é contrária à lei, mantendo-se o contrato de arrendamento em vigor, ou caso assim não se entenda, que seja considerada ineficaz por não ter sido respeitado o prazo legal para o seu envio. Em tal ação foi proferida sentença, transitada em julgado, que a julgou totalmente improcedente. Conclui que a R. não tem qualquer título que a habilite a ocupar o imóvel, recusando-se a devolver o mesmo, não obstante o contrato de arrendamento tenha caducado em 30 de novembro de 2018.
A R. veio contestar por exceção e por impugnação concluindo pela improcedência da ação e formula pedido reconvencional contra a A. nos seguintes termos:
“a) para o caso de a ação vir a proceder (o que não se admite), deve condenar-se a Reconvinda (Autora) a pagar à Reconvinte (Ré) a quantia de 200 000,00 €, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4 % ao ano, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
b) para o caso de a ação vir a proceder (o que não se admite), deve declarar-se que assiste à Reconvinte (Ré) o direito de retenção do arrendado, para garantia do pagamento da indemnização peticionada na al. a) do pedido reconvencional;
c) independentemente do desfecho da ação, deve condenar-se a Reconvinda (Autora) a pagar à Reconvinte (Ré) a quantia de 10 000,00 €, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4 % ao ano, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
d) independentemente do desfecho da ação, deve condenar-se a Reconvinda (Autora) a pagar à Reconvinte (Ré), por força da factualidade alegada nos arts. 216.º a 222.º deste articulado, indemnização ilíquida, a liquidar em execução de sentença ou, caso assim se não entenda, a fixar em decisão ulterior, de valor equivalente ao montante que a Reconvinte deixar de auferir, a título de apoio, concedido pelo Estado Português a fundo perdido, ao pagamento de rendas, após a instauração da presente ação, à razão de 2 000,00 € mensais.”
A A. veio replicar, respondendo às exceções e pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
Foi proferido despacho saneador, tendo o tribunal conhecido das exceções suscitadas, decidindo pela regularidade da lide, mais considerando que os autos dispunham de todos os elementos necessários para conhecer do mérito da ação, tendo declarado a caducidade do contrato de arrendamento celebrado e ordenado a entrega do imóvel pela R. à A. nas condições de conservação e limpeza em que o mesmo lhe foi entregue aquando da celebração do contrato de arrendamento, assim julgando procedentes os pedidos da A. Mais decidiu pelo prosseguimento dos autos, para apreciação do pedido reconvencional.
Não se conformando com esta decisão, na parte que julgou procedente a ação e determinou a entrega do imóvel, interpôs a R. recurso de apelação, sustentando que deve ser julgada procedente a apelação e, consequentemente, revogada a decisão recorrida.
Foi proferido Acórdão pelo TRL a 23-03-2023, transitado em julgado que julgando procedente o recurso, revogou a decisão recorrida, determinando o prosseguimento da ação para apreciação da reconvenção e decisão do pedido de entrega do locado em conformidade com o que vier a ser decidido na reconvenção.
Com interesse para o presente recurso, transcreve-se a parte final da fundamentação de direito do acórdão em questão, onde se refere o seguinte: “c) Da nulidade do despacho saneador-sentença. Na tese da Recorrente o despacho saneador-sentença padece de vício de nulidade, por ocorrer "ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível", porquanto, por um lado, determinou o prosseguimento dos autos, para apreciação dos pedidos reconvencionais, entre os quais se encontrava o reconhecimento do direito de retenção do arrendado, a favor da ora Ré, e, por outro, condenou a Ré a entregar o arrendado à Autora. As nulidades da decisão encontram-se taxativamente enumeradas no art.º 615º, nº 1, do C.P.C. que estabelece: “É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c)Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.” d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.” A Apelante entende que o despacho recorrido é nulo por ocorrer "ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível", conforme previsto na parte final, da al. c), do n.º 1, do art.º 615.º, do CPC. Uma decisão é ambígua quando da mesma se puder concluir em mais que um sentido e é obscura quando da mesma não ser retira sentido algum, cf. Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, I. página. 83. Estamos perante decisão ambígua quando a mesma se presta a interpretações de sentido diferentes e mesmo até de sentido oposto. Perante uma decisão ambígua duvida-se qual é o sentido correto que ela quis afirmar. Estamos perante decisão obscura quando o sentido da mesma é ininteligível, isto é, não se alcança o que o juiz quis dizer. Ora, diga-se, desde já, que face ao teor da decisão recorrida não se vislumbra a alegada ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Com efeito, a decisão em crise é do seguinte teor: “Por tudo quanto exposto fica, decide-se julgar a acção procedente e, em consequência, declarar a caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre autora e ré e ordenar a entrega do imóvel pela ré à autora nas condições de conservação e limpeza em que o mesmo lhe foi entregue aquando da celebração do contrato de arrendamento. Custas, na acção, pela ré. Notifique. Da reconvenção Como se referiu a acção prosseguirá para apreciação do pedido reconvencional na medida em que este é legalmente admissível.” Donde, facilmente se conclui que a decisão em crise, na parte posta em causa no recurso, não é ambígua, nem obscura. Com efeito, da mesma não se pode concluir em mais que um sentido, só tem um sentido, condenou a apelante na entrega do imóvel à autora nas condições de conservação e limpeza em que o mesmo lhe foi entregue aquando da celebração do contrato de arrendamento e ordenou o prosseguimento da ação para apreciação do pedido reconvencional, nem, seriamente, se pode afirmar que a mesma é ininteligível, que não se alcança o que o juiz quis dizer. O juiz quis dizer o que disse e deixou expressamente escrito: - Condenar a apelante a entregar o imóvel à autora e determinar o prosseguimento da ação para apreciação do pedido reconvencional. Improcede, pois, a alegada nulidade do saneador-sentença. Porém, pese embora não padecer o saneador-sentença do vício de nulidade que lhe foi apontado pela apelante, o despacho em crise não pode ser mantido pelas razões que se passam a expor. No despacho recorrido foi decidido condenar a apelante a entregar o imóvel à autora e determinar o prosseguimento da ação para apreciação do pedido reconvencional. Ora, na reconvenção são formulados, entre outros, os seguintes pedidos: a) para o caso de a ação vir a proceder (o que não se admite), deve condenar-se a Reconvinda (Autora) a pagar à Reconvinte (Ré) a quantia de 200 000,00 €, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4 % ao ano, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento; b) para o caso de a ação vir a proceder (o que não se admite), deve declarar-se que assiste à Reconvinte (Ré) o direito de retenção do arrendado, para garantia do pagamento da indemnização peticionada na al. a) do pedido reconvencional; Ou seja, na contestação/reconvenção a Ré, ora apelante, invocou o direito de retenção como garantia do seu crédito por benfeitorias. Estabelece o art.º 754.º do Código Civil. “O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.” Tem vindo a caracterizar-se o direito de retenção como « (…) um direito a se, que não se integra no direito de crédito como um seu atributo ou faculdade, antes lhe acresce como uma prerrogativa complementar que, por claras razões de justiça e equidade, a lei concede ao credor para robustecer a sua posição», por outro lado, apresenta a fisionomia de uma garantia real direta, permitindo ao retentor realizar o seu crédito através do produto da venda do objeto, com prioridade sobre os credores restantes.” Cf. Galvão Telles, “O direito de retenção no contrato de empreitada”, in, O Direito, 119, 1987, págs. 15 a 17. Como se decidiu no Acórdão do STJ, de 04.10.2005 (processo nº 05A2158), in www.dgsi.pt, tratar-se de «um direito real de garantia - que não de gozo -, em virtude do qual o credor fica com o poder sobre a coisa de que tem a posse, o direito de a reter, direito que, por resultar apenas de uma certa conexão eleita pela lei, e não, por exemplo da própria natureza da obrigação, representa uma garantia direta e especialmente concedida pela lei. No saneador-sentença determinou-se o prosseguimento da ação para apreciação, nomeadamente, do invocado crédito por benfeitorias e do direito de retenção mas, do mesmo passo, o tribunal “a quo” condenou a apelante, a entregar o locado, sobre o qual invocou o direito de retenção à Autora. Ora, existe incompatibilidade substantiva entre a condenação imediata da Ré a entregar o locado e dizer que se vai apreciar o crédito e respetivo direito de retenção sobre o locado, para garantia do crédito por causas das alegadas benfeitorias, invocados pela Ré. Tal decisão esvazia o direito de retenção. Se a apelante entregar o locado, sobre o qual invocou o direito de retenção, nada tem para reter como garantia, donde, que utilidade terá apreciar e decidir se a apelante goza ou não do direito de retenção? Nenhuma utilidade. Tendo invocado a Ré, como fundamento de defesa, o direito de retenção e implicando o mesmo a retenção do locado para garantia do alegado crédito, não podia o tribunal “a quo” apreciar e decidir acerca da questão da entrega do locado sem simultaneamente ter apreciado e decidido se a apelante goza ou não do direito de retenção. Ao decidir condenar a Ré a entregar o imóvel, sem antes ter apreciado se a apelante goza ou não do direito de retenção, a decisão em crise violou o disposto no art.º 754.º do Cód. Civil, o que impõe a sua revogação. Procedem, nesta parte, as conclusões da apelante, e consequentemente o recurso, ficando prejudicada a apreciação das restantes questões.”
Devolvidos os autos à 1ª instância, após não ter sido admitido pelo STJ o recurso de revista excecional interposto de tal acórdão, veio a A. deduzir incidente de prestação de caução, ao abrigo dos art.º 913.º e 915.º do CPC e 623.º n.º 1 do C.Civil, pedindo que seja admitida a prestar caução por meio de garantia bancária on first demand emitida por instituição bancária à ordem do processo, no valor de € 275.000,00, assim acautelando a função de garantia subjacente ao direito de retenção, decretando-se em consequência a imediata entrega do locado.
Por despacho de 27.09.2024 foi determinada a notificação da R. para impugnar, no prazo de 15 dias, o valor ou idoneidade da garantia.
Em 24.10.2024 veio a R. apresentar requerimento ao processo, tendo sido considerado o mesmo inadmissível e ordenado o seu desentranhamento por extemporâneo.
A 31.10.2024 foi proferido o seguinte despacho que se reproduz: “Foi a R. notificada em 30.09.2024 para deduzir oposição no prazo de 15 dias, o qual terminou em 15.10.2024. Assim, o requerimento apresentado em 24.10.2024 mostra-se extemporâneo. Alega a R. que tal requerimento não é uma oposição. Não o sendo, o prazo legal para o exercício do contraditório é de 10 dias e, como tal, também se afigura extemporâneo enquanto pronúncia ao requerido pelo A. Assim, mostra-se o requerimento legalmente inadmissível, determinando-se o seu desentranhamento, e bem assim dos requerimentos subsequentes de 29.10.2024 e 30.10.2024, já que dele decorrentes. Notifique. *** Nos autos principais foi proferido despacho saneador que julgou a ação procedente e, em consequência, declarou a caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre autora e ré e ordenou a entrega do imóvel pela ré à autora nas condições de conservação e limpeza em que o mesmo lhe foi entregue aquando da celebração do contrato de arrendamento. Tendo tal decisão sido objeto de recurso, veio o Tribunal da Relação de Lisboa a entender que o tribunal não podia ter conhecido do pedido de entrega do locado, considerando o direito de retenção invocado pela R. em sede de reconvenção e ainda não apreciado. Razão pela qual determinou o prosseguimento da ação para apreciação da reconvenção e decisão do pedido de entrega do locado em conformidade com o que vier a ser decidido na reconvenção. A A. deduziu o presente incidente de prestação de caução alegando que a não entrega do locado provoca à A. um prejuízo de, pelo menos, € 65.000,00 mensais, correspondente ao valor das rendas que não pode auferir por impossibilidade da A. entregar o imóvel ao promitente arrendatário, impedindo a celebração do contrato definitivo. Pretende, por isso, prestar a caução a que alude o artigo 756.º, al. d) do Código Civil, no valor de € 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros), por meio de garantia bancária on first demand a prestar por instituição bancária, a ser prestada à ordem dos presentes autos, no prazo de 10 dias. A R. não deduziu impugnação no prazo de 15 dias. Cumpre apreciar: O direito de retenção constitui uma garantia especial das obrigações que permite ao devedor, que disponha de um crédito contra o seu credor, não entregar certa coisa a que estava obrigado se o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados. Existem, no entanto, casos em que tal direito é excluído, encontrando-se elencados no artigo 756.º do Código Civil, de acordo com o qual não há direito de retenção quando a outra parte preste caução suficiente. Assim, se o credor a quem deveria ser entregue a coisa prestar caução suficiente para garantir o pagamento das despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados, cessa o direito de retenção. Sendo autorizado por lei a prestar caução, sem que o legislador tenha designado a respetiva espécie, o credor pode fazê-lo por meio de depósito de dinheiro, títulos de crédito, pedras ou metais preciosos, por penhor, hipoteca ou fiança bancária, conforme previsto no artigo 623.º, n.º 1 do Código Civil. Cabe ao tribunal apreciar a idoneidade da caução, sempre que não haja acordo dos interessados. A garantia bancária “on first demand” constitui uma garantia emitida por uma instituição bancária, que opera de forma automática ou à primeira solicitação, não cabendo ao garante apreciar da existência ou não de incumprimento, ou sequer, de fundamento no seu acionamento. Esta característica evidencia a autonomia deste tipo de garantia, bem como a sua independência face à obrigação que lhe subjaz, não podendo o garante invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa que advenham do contrato que deu origem à garantia. Mostra-se, por isso um meio idóneo para prestação de caução. No que respeita à sua suficiência, propõe-se a A. prestar caução no valor de € 275.000,00, por entender que tal valor cobre todo o pedido reconvencional deduzido pela R. Analisada a reconvenção deduzida, verifica-se que ali foi peticionado, para o caso de a ação vir a proceder – como efetivamente veio – o pagamento de € 200.000,00, acrescido de juros de mora, a título de obras e benfeitorias realizadas no locado e suportadas pela R.. Foi no âmbito desta matéria que, inclusivamente, a R. invocou o seu direito de retenção sobre o imóvel (artigo 191.º da reconvenção). Para além deste valor, peticiona ainda a R. o pagamento de uma indemnização por se ter visto impedida de concorrer aos benefícios a fundo perdido previstos no art. 8.º-C da Lei n.º 75-A/2020, de 30 de Dezembro, que contabiliza em € 10.000,00 até à dedução da reconvenção. Este valor não foi integrado pela R. como um crédito sobre a A. que lhe confere direito à retenção do locado, mas antes um prejuízo sofrido pela falta de entrega pela A. dos recibos de renda, facto que não constitui despesa com o locado ou um dano por este provocado. Assim, para aferir da suficiência da caução oferecida, importa atender aos valores peticionados a título de despesas feitas no locado. Sendo estes de montante bastante inferior ao valor da caução proposta, que ainda abarca um valor de juros de € 75.000,00, conclui-se pela sua suficiência. Assim, julga-se suficiente e idónea a prestação de caução no valor de € 275.000,00, por meio de garantia bancária “on first demand” emitida por instituição bancária à ordem do processo, no prazo de 10 dias. Notifique.”
É com esta decisão que a Requerida não se conforma e dela vem interpor recurso, pedindo a sua revogação, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1. Vem o presente recurso interposto da Douta Decisão que, pondo termo ao incidente de prestação de caução, julgou suficiente e idónea a prestação de caução no valor de 275 000,00 €, por meio de garantia bancária “on first demand” emitida por instituição bancária à ordem do processo, no prazo de 10 dias.
2. A atribuição de um efeito cominatório pleno em sede de incidente de prestação de caução, para além de contrariar o elemento histórico da evolução jurídico-processual, enquanto factor incontornável da interpretação jurídica (vide António Castanheira Neves, Interpretação Jurídica, in Digesta), constitui também uma clara violação do princípio da igualdade, previsto no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente, quando comparado com o regime aplicável ao processo declarativo comum previsto no actual Cód. Proc. Civil.
3. Entendimento contrário, ao conduzir à aplicação de efeito cominatório pleno, sempre corresponderia a uma interpretação da lei que violaria, como viola, a disposição do art. 13.º da Constituição da República Portuguesa - inconstitucionalidade que, desde já, se invoca -, por pressupor um tratamento diferenciado e injustificado entre o processo comum e o incidente de prestação de caução.
4. A idêntica conclusão se chega pela simples aplicação do direito positivo consagrado no Cód. Proc. Civil., já que, se o art. 293.º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil determina que “A falta de oposição no prazo legal determina, quanto à matéria do incidente, a produção do efeito cominatório que vigore na causa em que o incidente se insere” e se, de acordo com o disposto no art.567.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, no âmbito do processo declarativo comum vigora a regra do efeito cominatório semipleno, terá de ser este, e não outro, o efeito a atribuir à falta de apresentação de oposição em sede de incidente de prestação de caução.
5. A decisão recorrida violou as normas dos arts. 293.º, n.º 3 e 567.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil.
6. Daí que, desde logo por aí, se imponha a revogação da douta decisão recorrida.
7. Sem que a questão do direito de retenção seja definitivamente decidida, por decisão final transitada em julgado, não poderia falar-se em substituição desse direito por outro direito de garantia.
8. E isso era o bastante para determinar a improcedência da pretensão da requerente deste incidente.
9. A douta decisão recorrida violou a norma do art. 756.º, al. d) do Cód. Civil, a contrario, por ter decidido pela substituição do direito de retenção sem que haja qualquer decisão judicial a declarar constituído este direito na esfera jurídica da Recorrente.
10. Daí que se imponha julgar procedente o recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que julgue improcedente o incidente de prestação de caução deduzido pela requerente deste incidente.
11. A requerente deste incidente não dispõe, por ora, de qualquer título executivo que lhe permita forçar a entrega judicial do arrendado.
12. Num tal quadro, pretender-se obter a entrega do arrendado através de um incidente de prestação de caução quando tal entrega não foi judicialmente decidida, corresponderia atribuir ao incidente de prestação de caução um efeito que o mesmo manifestamente não tem – a antecipação do desfecho da causa principal.
13. A admissão da substituição do invocado direito de retenção por garantia bancária à primeira solicitação sempre teria subjacente uma violação da autoridade de caso julgado do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no apenso A, pois, na prática, implicaria que o imóvel fosse entregue à requerente deste incidente quando aquele Tribunal já decidiu que tal só deveria suceder aquando da pronúncia sobre o mérito do pedido reconvencional, como resulta do dispositivo dessa decisão: “Em face do exposto, acordam neste coletivo da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa julgar procedente o recurso e, em consequência, revogam a decisão recorrida e determinam o prosseguimento da ação para apreciação da reconvenção e decisão do pedido de entrega do locado em conformidade com o que vier a ser decido na reconvenção.”
14. Ao decidir em sentido inverso, a douta decisão recorrida violou a norma do art. 580.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, o que impõe a procedência do recurso, com a consequente revogação da douta decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que julgue improcedente o incidente de prestação de caução deduzido pela requerente deste incidente.
15. Num cenário em que os autos não dispõem, por ora, de elementos que permitam apurar, sequer por aproximação, qual o valor do direito indemnizatório da Reconvinte, a fixação de um valor para prestação de caução sempre seria nula, por se pronunciar sobre matéria que, à data, não é, ainda, passível de quantificação – a qual só será possível finda a instrução da causa.
16. E o Tribunal recorrido também não dispõe de elementos que lhe permitam fixar validamente essa caução, por se mostrar controvertido, ainda, no processo principal, o valor do direito a indemnização por benfeitorias que a Reconvinte invoca.
17. Isso significa que, ao decidir em sentido inverso, a douta decisão recorrida violou a norma do art. 623.º, n.º 1 do Cód. Civil, o que impõe a procedência do recurso, com a consequente revogação da douta decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que julgue improcedente o incidente de prestação de caução deduzido pela requerente deste incidente.
Mais requer a Recorrente que seja fixado ao recurso o efeito suspensivo, oferecendo caução, através da constituição de depósito autónomo, ou de outro modo de garantia que o Tribunal entenda mais adequado ou que prossiga as necessidades de garantia visadas pelo n.º 4 do art.º 647.º do CPC, no valor de € 30 000,00 alegando que a imediata execução da decisão é suscetível de lhe causar prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação.
A Requerente vem responder ao recurso, pronunciando-se quer pela improcedência do pedido de fixação do efeito suspensivo a recurso, quer pela improcedência do recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, mais requerendo a condenação da Recorrente como litigante de má fé, em multa e indemnização, por alterar a verdade dos factos, bem sabendo da falta de cabimento da sua pretensão quando requer que seja fixado o efeito suspensivo ao recurso.
Por despacho de 29.11.2024 foi admitido o recurso de apelação interposto pela Requerida, com efeito devolutivo.
II. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da falta de oposição ao incidente nos termos do art.º 908.º do CPC não ter o efeito cominatório pleno mas apenas semi-pleno;
- da (im)possibilidade de substituição do direito de retenção por caução, de acordo com o art.º 756.º al. d) do C.Civil, por inexistência de decisão judicial a reconhecer aquele direito do R.;
- da substituição do direito de retenção por caução com a consequente entrega judicial do imóvel à A. violar a autoridade do caso julgado do acórdão do TRL;
- da nulidade da caução a prestar por falta de elementos para o tribunal poder fixar o seu valor;
- da litigância de má fé da Recorrente.
III. Fundamentos de Facto
Os factos provados com interesse para a decisão do recurso são os que constam do relatório elaborado e ainda os que foram considerados provados pelo Acórdão do TRL transitado em julgado, remetendo para a decisão do tribunal de 1ª instância sobre essa matéria, atenta a falta de impugnação da matéria de facto pela Recorrente, que se reproduzem:
A) A Autora é dona e legítima proprietária da loja, correspondente ao rés-do-chão, com entrada pelos números 5 e 6, destinada a comércio, a qual faz parte do prédio urbano composto por loja, três andares, águas furtadas e sótão, situado na Praça D. …, números …, …, …, …, … e …, na Praça …, n.º …, …, …, …, …, … e … e na Rua …, n.ºs …, …, …, …, …, …, … e …, da Freguesia de Santa Maria Maior, do concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número … da, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, conforme documentos juntos a fls. 17 a 32.
B) Em 16 de Setembro de 1976, foi celebrado, através de escritura pública, entre a sociedade “D …” e a sociedade aqui Ré, um contrato de trespasse, através do qual os primeiros trespassaram à identificada sociedade, o estabelecimento que funciona no prédio identificado no artigo primeiro da presente petição inicial, conforme documento junto a fls. 114 a 119 cujo teor se dá por reproduzido.
C) Por escritura pública de compra e venda, celebrada em 30 de Dezembro de 2016, a aqui Autora adquiriu a propriedade plena do imóvel dado de arrendamento, tendo, a partir dessa data, assumido a qualidade de senhorio no contrato celebrado objeto de trespasse em 16 de Setembro de 1976, conforme documento junto a fls. 121 a 125, cujo teor se dá por reproduzido.
D) Na sequência da referida aquisição, comunicou a Autora à Ré a sua qualidade de senhoria, sendo que todos os assuntos relacionados com o contrato de arrendamento celebrado deveriam ser com esta tratados, bem como a renda deveria ser depositada, a partir daquela data na conta indicada pela aqui Autora, conforme documento junto a fls. 126 a 128, cujo teor se dá por reproduzido.
E) O arrendamento em causa foi celebrado com prazo certo, pelo período inicial de 7 (sete) meses, com início no dia 01 de Dezembro de 1938 e término 30 de Junho de 1939, considerando-se prorrogado por períodos sucessivos de 6 (seis) meses, nos termos da lei.
F) Em 25 de Setembro de 2013, através de carta registada com aviso de receção, a anterior proprietária do imóvel, “Casa da Sorte – Organização C …”, comunicou à Ré a sua intenção de que o contrato celebrado transitasse para o regime do Novo Regime do Arrendamento Urbano, bem como que iria actualizar o valor da renda, conforme documento junto a fls. 129 a 131, cujo teor se dá por reproduzido.
G) Em 21 de Outubro de 2013, a aqui Ré respondeu à anterior proprietária informando que aceitava o valor anual da renda proposta, mas não aceitava a duração e o contrato proposto, tendo informado que pretendia que a duração do contrato fosse estipulada em 15 (quinze) anos, renovável por períodos de 5 (cinco) anos, sem que justificasse o motivo pelo qual apresentava tal discordância, conforme documento junto a fls. 132 a 134, cujo teor se dá por reproduzido.
H) Assim, em 22 de Outubro de 2013, a anterior proprietária comunicou à Ré que o contrato iria transitar para o Novo Regime do Arrendamento Urbano, pelo prazo de 5 (cinco) anos, renovável por período de 2 (dois) anos, conforme documento junto a fls. 135/136, cujo teor se dá por reproduzido.
I) A aqui Autora, em 10 de Julho de 2018, através de carta registada com aviso de recepção, recebida pela Ré, comunicou a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento em causa, tendo informado a Ré de que deveria entregar o imóvel no dia 30 de Novembro de 2018, conforme documento junto a fls. 137/138, cujo ter se dá por reproduzido.
J) A esta carta respondeu a Ré, nos termos constantes do documento junto a fls. 139 a 141, cujo teor se dá por reproduzido.
L) Nessa sequência, respondeu a aqui Autora, mantendo a sua posição quanto à legalidade da oposição à renovação do contrato, bem como ao facto de o contrato de arrendamento celebrado entre as partes ter transitado para o Novo Regime de Arrendamento Urbano, conforme documento junto a fls. 142/143, cujo teor se dá por reproduzido.
M) Por não concordar com a extinção do contrato de arrendamento, a Ré propôs uma acção contra a Autora, que correu termos pelo Juiz … do Juízo Central Cível de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o número de processo …/….
N) Ora, na ação referida, a Ré peticionava o seguinte:
1) Que fosse a Autora condenada a reconhecer que a Ré é arrendatária do imóvel;
2) Que fosse considerado que a carta de oposição à renovação do contrato de arrendamento é contrária à lei substantiva vigente, devendo ser julgada ilegal, nula, inoperante e ineficaz, mantendo-se o contrato de arrendamento em vigor; ou
3) Caso assim não se entendesse, sempre se devia julgar a carta de oposição à renovação ilegal e eficaz por não ter sido respeitado o prazo legal para o seu envio, tudo como melhor consta do documento junto a fls 33 a 58 dos autos.
O) Na sequência da citação, a aqui Autora deduziu a sua Contestação,
P) Tendo, findos os articulados, sido agendada data para realização de Audiência Prévia.
Q) No decurso da Audiência Prévia foram as partes notificadas de que o Tribunal pretendia decidir sem realização de audiência de julgamento e que, por esse motivo, dispunham o prazo de 10 dias para se pronunciarem.
R) Nessa sequência, as partes demonstraram a sua posição quanto à prolação de sentença sem produção de prova, tendo o Tribunal proferido a sentença julgando, a final:
“Decisão
Atento o exposto, o Tribunal julga a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolve a ré A …, S.A. da totalidade do pedido, não havendo lugar a qualquer condenação como litigante de má fé.”, conforme certidão da sentença e de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que se junta a fls. 59 a 113 dos autos.
S) Na sentença, já transitada em julgado, é ainda possível ler-se o seguinte:
“A questão fundamental aqui colocada à apreciação do Tribunal consiste em saber se a ré se poderia opor à renovação do contrato de arrendamento aqui em causa da forma e condições em que o fez. Sem necessidades de grandes elaborações jurídicas atenta a linearidade da questão, entende-se que sim, que a ré podia comunicar à autora a não renovação do contrato de arrendamento.”. […] “Aliás, resulta da sua própria alegação na petição inicial e dos documentos com ela juntos que não lhe assiste razão pelo que, a autora não se limitou a não fazer prova do seu direito; com a sua alegação e junção dos documentos supra referida, conseguiu fazer a “não prova” dos elementos que constituiriam o direito que alega pertencer-lhe.”
T) Prosseguindo na sua parte final para a apreciação do incumprimento do prazo de envio da carta de oposição à renovação, onde se lê: “A autora, alega, sem qualquer explicação ou exposição, ainda que sumária, que mesmo que se considere como “boa” a comunicação de não renovação do contrato de arrendamento, a mesma não respeitou o prazo legal. No entanto, e salvo o devido respeito, dos elementos que constam dos autos e uma vez que a autora também não o explicita, tal não resulta. Ao invés, decorre do alegado e documentado, que a antecedência legal de 120 dias foi cumprida.”.
U) Da sentença parcialmente transcrita, interpôs a Ré recurso, este que também não mereceu provimento, conforme cópia do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa já junta como documento n.º 4.
V) A Ré ainda não procedeu à entrega do imóvel, recusando-se a devolver o mesmo à aqui Autora.
IV. Razões de Direito - da falta de oposição ao incidente nos termos do art.º 908.º do CPC não ter o efeito cominatório pleno
Alega a Recorrente, que o art.º 908.º do CPC tem apenas um efeito cominatório semi-pleno, conduzindo tão só à confissão dos factos alegados no requerimento de prestação de caução, cabendo ao julgador decidir se tais factos são ou não bastantes para a procedência do pedido, concluindo que a não apresentação de oposição não pode conduzir à automática procedência do pedido.
Não se alcança qual a razão de ser e relevância desta questão suscitada pela Recorrente, na medida em que a decisão do tribunal de 1ª instância que decidiu a prestação de caução requerida pela A. não fez funcionar qualquer efeito cominatório pleno, como manifestamente resulta da sua simples leitura, já que não se limitou a julgar procedente o incidente por falta de oposição.
O art.º 908.º n.º 1 do CPC invocado pela Recorrente estabelece: “Se o réu contestar a obrigação de prestar caução, ou se, não deduzindo oposição, a revelia for inoperante, o juiz, após a realização das diligências probatórias necessárias, decide da procedência do pedido e fixa o valor da caução, aplicando-se o disposto nos art.º 294.º e 295º.º”.
O art.º 913.º do CPC que rege sobre o incidente de prestação espontânea de caução, estabelece no seu n.º 3: “Se o citado não deduzir oposição, devendo a revelia considerar-se operante, é logo julgada idónea a caução oferecida, no caso contrário aplicam-se com as necessárias adaptações, o disposto no art.º 908.º e 909.º”, acrescenta o n.º 4 deste artigo: “Quando a caução for oferecida em substituição de hipoteca legal, o devedor além de indicar o valor dela e o modo de a prestar, formula e justifica na petição inicial o pedido de substituição e o credor é citado para impugnar também este pedido, observando-se, quanto à impugnação dele, o disposto no número anterior relativamente à impugnação do valor e idoneidade da caução.”
Quando o pedido de prestação de caução se reporta a uma causa pendente, o processo corre por apenso, sendo a requerida notificada em vez de ser citada, como dispõe o art.º 915.º do CPC.
O art.º 567.º do CPC que rege sobre os efeitos da revelia, determina que a falta da contestação do réu, quando tenha sido regularmente citado, implica tão só a confissão dos factos articulados pelo autor – n.º 1, decidindo depois o juiz conforme o direito- n.º 2.
É pacífico, como se diz claramente no Acórdão do STJ de 26-11-2015 no proc. 7256/10.9TBCSC.L1.S4 inwww.dgsi.pt que: “O efeito cominatório semi-pleno, decorrente da situação de revelia operante da R./demandada, apenas determina que se devam ter por confessados os factos efectivamente alegados pelo demandante – cabendo ao juiz sindicar da suficiência e concludência jurídica da factualidade assente por confissão ficta, em termos do preenchimento ou não da fattispecie subjacente subjacente ao pedido deduzido.”
A falta de dedução de oposição determina tão só que se tenham como provados os factos alegados que o admitiam, sendo o pedido julgado conforme for de direito, nos termos previstos no n.º 2 do art.º 567.º do CPC, do que não decorre necessariamente a sua procedência, o que configura o chamado efeito cominatório semi-pleno associado à revelia- neste sentido vd. ainda Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 630.
Se se atentar na decisão sob recurso, reproduzida no relatório do acórdão, já se vê que não foi atribuído qualquer efeito cominatório pleno à falta de oposição da R., na medida em que aí foi apreciado e decidido do pedido de prestação de caução, avaliada a possibilidade de substituição do direito de retenção por caução, bem como a idoneidade e suficiência da caução oferecida, de acordo com as normas jurídicas que se indicam, interpretam e se consideram aplicáveis.
O tribunal não determinou a realização de quaisquer diligências prévias, nem se vislumbra quais é que poderiam ser necessárias, o que a Recorrente também não refere, não só em face da falta de oposição da R., mas também na constatação dos factos que já estão assentes no processo principal, não se apresentando como controvertidos, e que constituem o pressuposto da decisão de mérito do incidente, partindo o tribunal do próprio pedido reconvencional apresentado pela R. e dos alegados danos por ela contabilizados.
Sem necessidade de maiores considerações, resta concluir que a decisão recorrida não fez uso de qualquer efeito cominatório pleno. - da (im)possibilidade de substituição do direito de retenção por caução, de acordo com o art.º 756.º al. d) do C.Civil, por inexistência de decisão judicial a reconhecer aquele direito do R.
A questão suscitada está em saber se a circunstância do direito de retenção ainda não ter sido decidido nem fixado por qualquer decisão judicial constitui um obstáculo à sua substituição por caução, com a consequente cessação daquele.
O direito de retenção constitui um direito real de garantia, previsto no art.º 754.º do C.Civil, artigo que com a epígrafe “quando existe”, estabelece: “O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.”.
A este respeito ensina L. Miguel Pestana de Vasconcelos, in Direito das Garantias, pág. 315: “No art.º 754.º estão, em termos gerais, previstos os três requisitos necessários para o credor adquirir o direito de retenção: “a detenção licita de uma coisa que deve ser entregue a outrem (art.º 756.º al. a)); ser o detentor credor da pessoa com direito à entrega; resultar o crédito do detentor da coisa de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados (conexão direta e material entre o crédito e a coisa).”
É o art.º 756.º do C.Civil que vem elencar as situações que levam à exclusão do direito de retenção, prevendo que tal acontece, designadamente, quando a outra parte preste caução suficiente, como previsto na al. d).
O legislador veio aqui prever a exclusão do direito de retenção através da prestação de caução suficiente, o que decorre precisamente do facto de estarmos perante um direito real de garantia, de natureza provisória, sendo por esta via admitida a substituição de uma garantia por outra equivalente que, a ocorrer, vai fazer cessar o direito do credor reter o bem, o que apenas lhe é permitido com o objetivo de assegurar o pagamento do seu crédito resultante de despesas ou danos por ela causados.
Diz-nos com toda a clareza Ana Taveira da Fonseca, em anotação ao art.º 756.º, in Comentário ao Código Civil, da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, pág. 1015: “A prestação de caução constitui igualmente causa deste direito. O direito de retenção, ao contrário do que sucede com a exceção do não cumprimento (artigo 428.º, n.º 2), pode ser afastado mediante a prestação de uma caução. Esta diferença de regime auxilia, de forma relevante, o intérprete-aplicador na tarefa de delimitação do âmbito de aplicação destes dois institutos. O facto do direito de retenção poder ser afastado mediante a prestação de uma caução permite concluir que a função do direito de retenção não é tanto a de assegurar o cumprimento simultâneo de obrigações, como sucede com a exceção do não cumprimento, mas sobretudo a de garantir de que o retentor não ficará obrigado a restituir a coisa retida sem receber a prestação a que tem direito. Ainda que se aceite que o direito de retenção possa ser um meio de compelir a contraparte a cumprir, esta solução não pode deixar de nos conduzir à conclusão de que o direito de retenção tem, sobretudo, uma função de garantia.”
A aquisição do direito de retenção resulta diretamente da lei, uma vez verificados os requisitos previstos no art.º 754.º do C.Civil, sendo que quando a outra parte preste caução suficiente, não há direito de retenção, que fica excluído, como estabelece o art.º 756.º al. d) do C.Civil.
Pode ler-se no sumário do Acórdão do TRP de 12-10-2009 no proc. 2379/09.0TBMTS.P1 inwww.dgsi.pt: “I- A prestação de caução prevista no art.º 756.º al. d) do CC, além de prefigurar um pressuposto negativo do reconhecimento do direito de retenção, configura, também, uma forma de extinção desse direito, mesmo quando já reconhecido judicialmente. II- O processo especial de prestação de caução é o meio processual adequado para operar a cessação do direito de retenção.”
É irrelevante o facto de estar ou não judicialmente reconhecido o direito de retenção de quem tem a detenção do bem, com o consequente direito a recusar sua entrega, desde que a caução prestada seja suficiente para garantir o crédito resultante das despesas com a coisa que o direito de retenção visa acautelar. É questão que não interfere com o regime jurídico do direito de retenção, neste aspeto, sendo o elemento relevante a aferição da suficiência da caução, com base no pressuposto a existência do crédito.
No caso, a Recorrente parece querer conferir ao direito de retenção um âmbito que o mesmo não tem, já que enquanto direito real de garantia a sua finalidade é a de assegurar que quem detém a coisa possa vir a ser ressarcido das despesas que realizou no bem, não constituindo um direito real de gozo, nem tudo se passando como se o contrato de arrendamento ainda estivesse vigente.
Resta concluir que o direito de retenção pode ser substituído por caução, nos termos previstos no art.º 756.º al. d) do C.Civil, ainda que não tenha sido judicialmente reconhecido, ficando dessa forma excluído, o que se justifica pelo facto do credor passar a dispor de outra garantia para o seu crédito, ainda que este não esteja definido e permaneça controvertido. - da substituição do direito de retenção por caução com a consequente entrega judicial do imóvel à A. violar a autoridade do caso julgado do acórdão do TRL
Alega a Recorrente que a substituição do direito de retenção por garantia bancária constitui uma violação da autoridade de caso julgado, perante o Acórdão do TRL, por implicar que o imóvel seja entregue à Requerente, quando ali foi entendido que tal só devia suceder quando o pedido reconvencional fosse apreciado.
Não obstante estar em causa exceção sobre a qual a decisão recorrida não se pronunciou, por não ter sido suscitada, uma vez que se trata de exceção de conhecimento oficioso procede-se à sua apreciação.
A questão está em saber se o Acórdão do TRL proferido nestes autos constitui obstáculo a que seja pedida e prestada caução com a finalidade de excluir o direito de retenção sobre o imóvel arrendado.
Diz-nos o art.º 580.º do CPC, sobre os conceitos de litispendência e do caso julgado, que estes pressupõem a repetição de uma causa, verificando-se a exceção do caso julgado quando uma causa se repete depois da primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.
O caso julgado, tal como a litispendência, tem como objetivo evitar que o julgador seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior, tal como dispõe o n.º 2 do mesmo artigo, ao que estão subjacentes razões de confiança e segurança dos cidadãos nas decisões judiciais, também no sentido de que uma vez decidida a questão a mesma fica definitivamente resolvida.
Como nos dizem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, pág. 302: “Para sabermos se há ou não repetição da ação, deve atender-se não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a ação) fixada e desenvolvida no artigo, 498.º, mas também à diretriz substantiva traçada no artigo 497.º onde se afirma que a exceção da litispendência (tal como a do caso julgado) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.”
O art.º 619.º do CPC rege sobre o valor da sentença transitada em julgada prevendo no seu n.º 1 que transitada em julgado a sentença que decida o mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos limites fixados pelos art.º 580.º e 581.º sem prejuízo do disposto nos art.º 696.º a 702.º que regulam o recurso de revisão .
Sobre os efeitos do caso julgado pronuncia-se com clareza o Acórdão do STJ de 28-03-2019 no proc. 6659/08.3TBCSC.L1.S1 inwww.dgsi.pt nos seguintes termos: “No respeitante à eficácia do caso julgado material, desde há muito, quer a doutrina quer a jurisprudência têm distinguido duas vertentes: a) – uma função negativa, reconduzida a exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura; b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais. A repetição de causas que se pretende evitar por via da exceção do caso julgado material requer sempre, segundo entendimento unânime, a verificação da tríplice identidade hoje estabelecida no artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir.”.
Salienta o Acórdão do STJ de 11-07-2019 no proc. 13111/17.4T8LSB.L1.S1 inwww.dgsi.pt : A excepção do caso julgado e a autoridade do caso julgado distinguem-se, grosso modo, pelo seguinte: enquanto a excepção é invocada para impedir que seja proferida uma nova decisão (art. 580 do CPC), a autoridade do caso julgado é invocada como decisão de um pressuposto de uma nova decisão. Como diz Lebre de Freitas: "pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito", enquanto "a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida" (CPC Anotado. com Isabel Alexandra, vol. Io. pág. 544. e vol. 2o. 2' ed.. p. 354. agora 599 da 3.a edição, Almedina. 2017).”.
Uma coisa é a exceção do caso julgado na vertente do impedimento da repetição de ações, outra algo diferente é a autoridade de caso julgado de uma decisão, nos termos previstos no mencionado art.º 619.º do CPC, com referência à repercussão que uma sentença pode vir a ter em processos posteriores. O caso julgado em qualquer uma das suas dimensões, pressupõe a existência de uma decisão judicial anterior transitada em julgado.
Ensina Lebre de Freitas no artigo que assina na ROA III-IV 2019 “Um Polvo Chamado Autoridade do Caso Julgado”, disponível inwww.portal.oa.pt a pág. 692-693 : “(…) uma vez conformadas, pela sentença, as situações jurídicas das partes, elas passam a ser indiscutíveis. esta indiscutibilidade manifesta-se de dois modos: — Entre as mesmas partes e com o mesmo objeto (isto é, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir), não é admissível nova discussão: o caso julgado opera negativamente, constituindo uma exceção dilatória que evita a repetição da causa (efeito negativo do caso julgado); — Entre as mesmas partes mas com objetos diferenciados, entre si ligados por uma relação de prejudicialidade, a decisão impõe-se enquanto pressuposto material da nova decisão: o caso julgado opera positivamente, já não no plano da admissibilidade da ação, mas no do mérito da causa, com ele ficando assente um elemento da causa de pedir (efeito positivo do caso julgado).”
Como se refere no Acórdão do TRL de 28-02-2019 no proc. 11362/18.3T8LSB.L1-6 inwww.dgsi.pt “a ratio da excepção da autoridade do caso julgado entronca com a compreensível e necessária imposição de a decisão de determinada questão essencial não poder, uma vez resolvida por decisão judicial insusceptível de impugnação, voltar a ser discutida num processo posterior, isto é, desde que concreta questão essencial foi decisiva para a procedência ou improcedência de uma primeira acção, qualquer outro tribunal em acção subsequente encontra-se obrigado a respeitar a autoridade do julgado com referência à mesma e referida questão, estando-lhe de todo vedado julgá-la em sentido contrário e/ou conflituante, e ainda que a causa de pedir seja diferente.”
Diz-nos ainda o Acórdão do STJ de 27-09-2018 no proc. 10248/16 inwww.dgsi.pt : “Para alguns, entre os quais Alberto dos Reis, a função negativa (exceção de caso julgado) e a função positiva (autoridade de caso julgado) são duas faces da mesma moeda, estando uma e outra sujeitas àquela tríplice identidade. Porém, segundo outra linha de entendimento, incluindo a maioria da jurisprudência, a autoridade do caso julgado não requer aquela tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado.”
É à luz destes ensinamentos que importa avaliar se no caso em presença pode dizer-se que o Acórdão do TRL transitado em julgado, proferido no âmbito da presente ação, inviabiliza a prestação de caução em substituição do direito de retenção, por esta contrariar os efeitos do decidido.
O Acórdão do TRL proferido na ação principal apresenta o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, acordam neste coletivo da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa julgar procedente o recurso e, em consequência, revogam a decisão recorrida e determinam o prosseguimento da ação para apreciação da reconvenção e decisão do pedido de entrega do locado, em conformidade com o que vier a ser decidido na reconvenção.”
Foi ali decidido como questão fundamental que a R. não podia ser condenada desde já a entregar o imóvel, revogando a decisão que a condenava a tal entrega, em razão do pedido reconvencional que apresentou ainda não ter sido apreciado, precisamente por ter invocado o direito de retenção como garantia do pagamento do crédito que alegou ter sobre a A. e cujo reconhecimento requer, por obras realizadas no imóvel.
Constata-se que o acórdão em questão não decidiu do mérito da causa nesta parte, apenas revogou a decisão do tribunal de 1ª instância que determinou a entrega do imóvel, afirmando que tal decisão só podia ter lugar com a apreciação do pedido reconvencional, relativo ao direito de crédito reclamado pela R. suscetível de lhe conferir o direito a reter o imóvel até ao seu pagamento.
A respeito da interpretação das decisões judiciais, diz-nos o Acórdão do STJ de 03-02-2011 no proc. 190-A/1999.E1.S1 inwww.dgsi.pt : “Como tem vindo a ser salientado, não se tratando de um verdadeiro negócio jurídico, a decisão judicial não traduz uma declaração pessoal de vontade do julgador, antes exprimindo “uma injunção aplicativa do direito, a vontade da lei”, no caso concreto, correspondendo ao “resultado de uma operação intelectual que consiste no apuramento de uma situação de facto e na aplicação do direito objectivo a essa situação” (ac. STJ, de 5/11/98, proc. 98B712, ITIJ, citando Rosenberg e Schwab). Importa, assim, ter em consideração, não só que o declarante se situa “numa específica área técnico jurídica”, investido na função de aplicador da lei, que, por sua vez, está obrigado a interpretar, em conformidade com as regras estabelecidas no art. 9º C. Civil, dirigindo-se outros técnicos de direito, como também a correlação lógica e teleológica entre a pretensão em apreciação, os fundamentos de facto e de direito em que assenta o dispositivo decisório e este, tudo á luz da sua estrita conexão, desenvolvimento e interdependência (cfr. ac. STJ de 28/01/97, CJ V-I-83). (…) Por outro lado, a interpretação da sentença não pode assentar exclusivamente na análise do sentido da parte decisória, tendo naturalmente que considerar os seus antecedentes lógicos, toda a fundamentação que a suporta, sem deixar de ter em conta outras circunstâncias relevantes, mesmo posteriores à respectiva elaboração – cfr. ac. de 8/6/10, proferido pelo STJ no p. 25.163/05.5YYLSB.L1.S1.”
Considerando que o segmento decisório de um acórdão representa como que a conclusão que é retirada de todo o percurso de avaliação de facto e jurídica que a precede, a fundamentação que suporta a decisão assume-se como absolutamente relevante quando seja necessário apurar o sentido daquela.
A importância deste elemento na interpretação da sentença é evidenciada por Castro Mendes, in Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, pág. 255 que, na consideração de que o ato jurídico se presume regular, nos ensina: “(…) e como factor da regularidade (em certa medida até da validade) da sentença é a adequação da sentença ao pedido e à causa de pedir, e a adequação da sentença aos seus próprios fundamentos, daqui resulta que pedido, causa de pedir e fundamentos são importantes elementos de interpretação da sentença.”
Neste sentido, diz-nos ainda o Acórdão do STJ de 26-04-2012 no proc. 289/10.7TBPTB.G1.S1 inwww.dgsi.pt : “E sabe-se que, para o efeito, não basta considerar a parte decisória, cabendo tomar na devida conta a fundamentação (“é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado”, escrevem Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 1985, pág. 715, como se recorda no acórdão de 29 de Abril de 2010, www.dgsi.pt, proc. n 102/2001.L1.S1), o contexto, os antecedentes da sentença e outros elementos que se revelem pertinentes (acórdão de 8 de Junho de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 25.163/05.5YLSB.L1.S1). Para além disso, e porque se trata de um acto formal, aliás particularmente solene, cumpre garantir que o sentido tem a devida tradução no texto (cfr., com o devido desenvolvimento, o acórdão de 3 de Fevereiro de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 190-A/1999.E1.S1 e o acórdão de 25 de Junho de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 351/09.9YFLSB).”
No que interessa para o caso, a questão que a R. suscitou no recurso que veio a determinar a prolação do Acórdão em causa, prendeu-se com a invocada nulidade da decisão do tribunal de 1ª instância por ter determinado o prosseguimento dos autos para apreciação dos pedidos reconvencionais, entre os quais o direito de retenção da R., por ser incompatível com a decisão de condenação na imediata entrega do arrendado.
No Acórdão foi tida como improcedente a nulidade suscitada, por não existir ambiguidade na decisão. Entendeu-se, porém, existir uma incompatibilidade entre a condenação imediata da R. a entregar o locado e o prosseguimento dos autos para apreciação do crédito e direito de retenção sobre o locado, considerando-se que a primeira esvaziaria o direito de retenção, concluindo que “não podia o tribunal a quo apreciar e decidir acerca da questão da entrega do locado sem simultaneamente ter apreciado e decidido se o apelante goza ou não do direito de retenção.”
Sendo diversos os pedidos nas duas ações – na ação principal e no processo especial de prestação de caução – os mesmos apresentam conexão na mesma questão fundamental que respeita à entrega do imóvel, sendo que as partes e o tribunal estão vinculadas à decisão proferida pelo acórdão, que revogou a sentença do tribunal de 1ª instância que havia condenado a R. a tal entrega por não ter título bastante para permanecer no imóvel, em razão da cessação do contrato de arrendamento.
A revogação da decisão de entrega do imóvel pelas razões ali apontadas, não tem, no entanto, como pressuposto a manutenção do contrato de arrendamento entre as partes, que caducou no dia 30.11.2018, o que foi afirmado e não é controvertido, mas tão só a alegada existência de um direito de crédito da R. que a confirmar-se lhe confere o direito a reter o bem, como garantia do pagamento de tal crédito, o que ainda não foi apreciado e justifica o prosseguimento da ação para decisão dos pedidos reconvencionais.
Refere Rui Pinto em artigo publicado na Julgar on line, novembro de 2018, com o título “Exceção e autoridade do Caso julgado”, pág. 25: “O efeito positivo externo consiste na vinculação de uma decisão posterior a uma decisão já transitada em razão de uma relação de prejudicialidade ou de concurso entre os respetivos objetos processuais, ou, em termos mais simples, em razão de objetos processuais conexos.”
Não pode dizer-se que a ação principal se encontra numa relação de prejudicialidade com a ação especial de prestação de caução, que visa a constituição de uma garantia que faz cessar o direito de retenção. Esta ação coloca-se numa perspetiva diferente, na medida em que, embora inutilizando a apreciação do pedido de reconhecimento do direito de retenção – que fica excluído a partir do momento em que a caução é prestada, nos termos previstos no art.º 756.º al. d) do C.Civil – não inviabiliza o prosseguimento da ação para apreciação da reconvenção deduzida quanto ao crédito invocado.
Dito de outro modo: a prestação de caução suficiente que faz cessar o direito de retenção do credor, admitindo por essa via a entrega do imóvel, não viola a autoridade do caso julgado da decisão proferida no Acórdão do TRL em questão, nem está abrangida pelos seus efeitos, por se fundamentar em facto posterior que inutiliza aquele direito, não contrariando a decisão que revoga a condenação da R. a entregar o imóvel, nem pondo em causa o prosseguimento da ação para apreciação do direito de crédito invocado pela R. na reconvenção, cuja satisfação apenas passa a estar garantido por outro meio.
A ação especial de prestação de caução não vem submeter de novo ao tribunal a apreciação dos mesmos factos já julgados na primeira ação, antes parte da realidade que ali foi reconhecida – tendo como pressuposto o direito de retenção do imóvel pela R., pretendendo a sua cessação, apresentando-se a ação com um novo objeto, que não implica qualquer repetição da anterior ação, nem tão pouco um desrespeito do decidido.
O pedido e a causa de pedir não são os mesmos nas duas ações, que não visam a discussão dos mesmos factos, incidindo a segunda em factos posteriores à sentença proferida na primeira ação, dando como assente e partindo do que ali foi decidido e não contrariando. A nova ação não vem infirmar o que ficou decidido anteriormente, nem tão pouco a sentença proferida na segunda ação se apresenta como contraditória com a primeira.
Os factos alegados pela A. e o pedido que formula no processo especial de prestação de caução, não põem em causa, nem pretendem contrariar o facto da R. ter um direito de retenção sobre o imóvel, por crédito que tem de ser apreciado, com a necessidade do prosseguimento do processo, o que foi o decidido pelo acórdão proferido na ação principal, antes correspondem a factos novos que surgem mais tarde com a substituição de uma garantia por outra, não podendo dizer-se que não respeitam os seus efeitos.
Em conclusão, a decisão proferida no acórdão em causa não constitui um antecedente lógico necessário que obste ao conhecimento do direito de prestar caução que A. veio desta forma exercer, porque não a contraria, improcedendo a exceção suscitada. - da nulidade da caução a prestar por falta de elementos para o tribunal poder fixar o seu valor
Alega a Recorrente que não é possível fixar um valor para a caução, violando a decisão o disposto no art.º 623.º n.º 1 do CPC porque o pedido reconvencional que apresentou na al. a) de € 200.000,00 é um valor indicado por defeito, sempre o podendo ampliar até ao encerramento da discussão em 1ª instância.
A prestação de caução constitui uma garantia especial das obrigações que vem prevista nos art.º 623.º do C.Civil.
Como se diz no Acórdão do TRL de 07-06-2018 no proc. 4232/12.0TBCSC-A.L1-6 in www.dgsi.pt : “Constituindo a caução um meio de garantia especial das obrigações, deve a mesma assegurar o cumprimento da obrigação garantida.”
Atenta a sua finalidade, a caução a prestar deve ter por medida a obrigação que visa assegurar, de modo a que exista uma correspondência entre as mesmas, só assim ficando garantido o direito do credor.
No caso em presença, a obrigação que a caução visa e deve garantir é o crédito da R. resultante de despesas feitas no imóvel locado, por ser aquele que o direito de retenção também pretende acautelar, nos termos do art.º 754.º do C.Civil, já que se apresenta como substitutiva desta garantia, assegurando dessa forma o direito do credor.
A R. na formulação dos pedidos reconvencionais que apresentou na sua contestação, para o caso da ação vir a proceder, pede: na al. b) que se declare o direito de retenção sobre o imóvel arrendado para garantia do pagamento da indemnização peticionada em a); na al. a) a condenação da A. a pagar a quantia de € 200.000,00 acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Assim, a quantia de € 275.000,00 oferecida como caução pela A., é uma quantia que só não tem correspondência com o crédito reclamado pela R. que visa garantir – de € 200.000,00 acrescida de juros à taxa de 4% desde a citação - por ser substancialmente superior a esse montante, tal como considerou a decisão recorrida, apresentando-se por isso como suficiente ou bastante para fazer cessar o direito de retenção.
O único argumento que a Recorrente apresenta no presente recurso para considerar inválida a prestação de caução determinada pelo tribunal a quo, é o de que o art.º 265.º n.º 2 do CPC lhe permite ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em 1ª instância.
Esta é uma questão que a R. vem apenas suscitar agora em sede de recurso, configurando uma questão totalmente nova, não se reportando a qualquer discordância com a sentença recorrida que sobre ela não se pronunciou.
O recurso constitui uma forma de impugnação das decisões judiciais, conforme decorre do disposto no art.º 627.º n.º 1 do CPC e tem por isso em vista a alteração da decisão proferida pelo tribunal recorrido e não a tomada de posição sobre questões novas que anteriormente não foram suscitadas pelas partes e objeto de discussão e apreciação.
É jurisprudência pacífica, que os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões anteriormente apreciadas e decididas pelo tribunal a quo, e não a pronúncia sobre questões novas, a menos que se trate de matéria de conhecimento oficioso- vd. neste sentido, entre outros, Acórdão do TRL de 14-02-2013, no proc. 285482/11.6YIPRT.L1-2 inwww.dgsi.pt
A sentença proferida não tomou qualquer posição sobre esta questão, por tal não ter sido submetido à sua apreciação, não se tratando manifestamente de matéria de conhecimento oficioso, nem podia ter tomado pelo facto de não existir à data qualquer requerimento de ampliação do pedido reconvencional.
O tribunal decide com base nos elementos de que dispõe no momento da prolação da decisão, não podendo “adivinhar” futuros comportamentos processuais das partes, nem tão pouco decidir as questões com base em meras hipóteses, sendo que quando da prolação da decisão sob recurso, o facto relevante a considerar no âmbito da prestação de caução era o pedido de reconhecimento de um crédito da R. resultante do imóvel arrendado que a mesma liquidou em € 200.000,00 e juros sobre tal quantia a contar da citação.
Resta concluir que o valor da caução admitida é adequado e proporcional, por ser suficiente para garantir o invocado direito de crédito da R. que visa assegurar, sendo de confirmar a decisão que a admitiu, que não padece do vício reclamado. - da litigância de má fé da Recorrente
Vem a Recorrida requer a condenação da Recorrente como litigante de má fé, nos termos do art.º 542.º n.º 2 al. a), b) e d) do CPC, no pagamento de multa e indemnização correspondente às despesas que tem com os honorários de advogado para apresentação das contra alegações e acompanhamento da instância recursiva, bem como os decorrentes do atraso da entrega do imóvel, referindo que a mesma quando requer a fixação de efeito suspensivo ao recurso, invoca factos falsos e argumentos jurídicos que carecem de fundamento legal, não podendo deixar de saber da falta de cabimento da sua pretensão.
Com a interposição da apelação veio a R. requerer que fosse fixado o efeito suspensivo ao recurso, oferecendo caução no valor de € 30.000,00 a prestar por depósito autónomo.
A Recorrente fundamenta tal pedido, essencialmente, na alegação de que terá graves prejuízos de muito difícil ou impossível reparação se tiver de entregar o arrendado, por aí funcionar o seu estabelecimento, que é a sua única fonte de rendimento, tendo também trabalhadores que veriam extintos os seus postos de trabalho e perdendo clientela.
O tribunal a quo indeferiu a pretensão da Recorrente, fixando ao recurso o efeito devolutivo, o que fundamentou da seguinte forma: “Importa atentar que, por sentença proferida em 6.10.2022 foi declarada a caducidade do contrato de arrendamento, ocorrida em 30.11.2018. Tal declaração não foi revogada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, tendo sido apenas revogada a entrega do imóvel, uma vez que o Réu invocou o seu direito de retenção, que não foi ainda apreciado. Pretendendo fazer uso do previsto no artigo 756.º, al. d) do Código Civil, o Autor propôs-se prestar caução, a qual foi julgada suficiente e idónea por este tribunal, decisão da qual o R. agora recorre. Assim, a permanência do R. no imóvel locado não decorre de um contrato de arrendamento celebrado pelo A., já que este se mostra há muito caducado. Tal permanência decorre de um direito de garantia por este invocado, que visa assegurar o pagamento das benfeitorias ali realizadas. Esta garantia reconduz-se ao imóvel retido, e o seu valor advém da possibilidade do titular do direito de retenção executar o imóvel nos mesmos termos que um credor hipotecário e de obter preferência no pagamento – artigo 759.º do Código Civil. Donde, o direito de retenção não visa assegurar ao seu titular a possibilidade de fruir do imóvel como se dele fosse proprietário ou arrendatário, mas sim assegurar que o titular será ressarcido dos montantes despendidos com o imóvel e que venham a ser reconhecidos como sendo devidos. Desta forma, a perda ou cessação de atividade comercial por parte da Recorrente com a entrega do imóvel não constitui um prejuízo que caiba no seu direito de retenção, já que este apenas abrange os prejuízos decorrentes das obras realizadas no imóvel. Vindo o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa a entender que a caução proposta não é suficiente e/ou idónea, caberá à Recorrida entregar novamente à Recorrente o imóvel em causa, podendo esta fazer uso do seu direito de retenção e das prerrogativas que lhe são conferidas por lei. Como tal, inexiste qualquer prejuízo na execução da decisão recorrida e, nessa medida, indefere-se o requerido e fixa-se efeito devolutivo ao recurso, nos termos do artigo 647.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.”
A Relatora entendeu não haver erro quanto ao efeito do recurso fixado pelo tribunal a quo, daí não ter determinado a observação do disposto no art.º 654.º n.º 3 do CPC.
O acesso ao direito é constitucionalmente protegido e vem consagrado no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Por seu turno o art.º 2.º do CPC faz eco de tal princípio, com a epígrafe “garantia de acesso aos tribunais”, e vem estabelecer, no seu nº 1: “A proteção jurídica através dos tribunais implica o direito a obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie com a força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar.”
Contudo, o exercício destes direitos tem como corolário a existência de deveres de conduta para as partes que exercem o direito a propor uma ação ou o direito de defesa. Pode falar-se de abuso de direito quando a parte deduz pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar.
Desde logo os art.º 7.º e 8.º do CPC vêm impor um dever de colaboração estreita aos diversos intervenientes processuais, que devem agir de boa fé, sendo que o art.º 542.º n.º 2 do CPC sanciona a litigância de má fé não só quando a mesma é dolosa, mas também quando a conduta das partes revela negligência grave.
O instituto da litigância de má fé pretende levar as partes a cumprirem tais deveres, sancionando quem não o faça, na prossecução do que não pode deixar de considerar-se “uma boa administração da justiça”.
O art.º 542.º do CPC diz-nos no seu n.º 1: “Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir”; acrescenta o n.º 2: “Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Naturalmente que a litigância de má fé não se confunde com a manifesta improcedência da pretensão formulada pela parte, para isso antes se exige que a sua conduta processual seja dolosa, ou pelo menos gravemente negligente.
A este propósito refere o Acórdão do STJ de 18-02-2015 no proc. 1120/11.1TBPFR.P1.S1 inwww.dgsi.pt : “Não basta, assim, para que se conclua pela litigância de má fé por alguma das partes no processo, a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta: tal pode ter ocorrido por a parte se encontrar, embora incorretamente, convencida da sua razão ou de que os factos se verificaram da forma que os descreve, hipótese em que inexistirá má fé. Impõe-se, pois, para que haja litigância de má fé, que a parte, ao deduzir a sua pretensão ou oposição infundamentada ou ao afirmar factos não ocorridos, tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, ou encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.”
Quanto ao elemento subjetivo da litigância de má fé, diz-nos Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol II, pág 341: “o legislador deixou ainda clara a desnecessidade quanto à prova da consciência da ilicitude do comportamento e da intenção de conseguir objectivos ilegítimos (actuação dolosa), bastando que seja possível formular um juízo de censurabilidade.”
Vejamos então se pode dizer-se que a Recorrente litiga de má fé, como pretende a Recorrida, salientando-se que tal implica um comportamento doloso ou pelo menos gravemente negligente, elemento subjetivo necessário, como se viu, para a condenação da parte como litigante de má fé, nos termos do art.º 542.º n.º 2 do CPC, ao recorrer solicitando a fixação de efeito suspensivo ao recurso, alterando a verdade dos factos e deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não ignorava.
Verifica-se que a Recorrida ao pedir a condenação da Recorrente como litigante de má fé, limita-se a fundamentar este pedido numa alegação genérica e conclusiva, afirmando a adulteração dos factos e a invocação de factos falsos, sem especificar a que factos se refere, bem como referindo de forma vaga a falta de fundamento dos argumentos jurídicos apresentados, sem os concretizar.
Avaliando a argumentação apresentada pela Recorrente, para fundamentar a fixação de efeito suspensivo ao recurso, não é patente que os factos que a mesma alegou para justificar o prejuízo que teria com a imediata execução da decisão recorrida se tratem de factos falsos ou deturpados, relacionando-se os mesmos com a atividade que exerce no imóvel e descrição dos prejuízos que a sua entrega determina para si e para os seus trabalhadores, pela cessação de tal atividade.
Por outro lado, no que respeita à falta de fundamento da sua pretensão, é verdade que o tribunal não deu acolhimento à requerida fixação de efeito suspensivo ao recurso, mas tal resultou da interpretação que a mesma fez do teor e do âmbito do direito de retenção sobre o imóvel, enquanto direito de garantia do crédito que reclama, confundido a abrangência e finalidade daquele direito, que só por si não lhe confere o direito de usar e fruir do imóvel, como se continuasse a ser arrendatária do mesmo.
Não obstante se tenha considerado que a sua pretensão recursiva não tem fundamento, afigura-se que é excessivo dizer-se que a Recorrente agiu com dolo ou de forma gravemente negligente, na medida em que, ainda que incorretamente convencida da sua razão, o seu comportamento não pode ser qualificada de gravemente reprovável nem com um elevado grau de censurabilidade, não configurando uma ofensa ao princípio da boa fé a que está obrigada.
Não podendo dizer-se que a Recorrente alterou a verdade dos factos, nem tão pouco que atuou, pelo menos, com negligência grave, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, ou fazendo dos meios processuais um uso manifestamente reprovável para entorpecer a ação da justiça, considera-se que não estão preenchidos os requisitos do art.º 542.º n.º 1 e n.º 2 al. a). b) e d) do CPC, improcedendo a requerida condenação como litigante de má fé nos termos do art.º 542.º n.º 1 e n.º 2 al. a), b) e d) do CPC.
V. Decisão:
Em face do exposto decide-se julgar o presente recurso interposto pela R. totalmente improcedente, confirmando-se a decisão proferida.
Custas pela Recorrente por ter ficado vencida- art.º 527.º n.º 1 e 2 do CPC.
Notifique.
*
Lisboa, 19 de dezembro de 2024
Inês Moura
Rute Sobral
Arlindo Colaço Crua