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SEGURO MULTIRISCO
PARTICIPAÇÃO DO SINISTRO
ÓNUS DA PROVA
INUNDAÇÃO
Sumário
SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC) I – Pretendendo os Autores o cumprimento do contrato de seguro multirriscos habitação, sobre eles recai o ónus da prova da ocorrência do sinistro concreto e demais factos constitutivos do direito, ou seja, dos danos sofridos e do nexo de causalidade entre o sinistro e os danos, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do CC. Já quanto aos riscos excluídos da cobertura contratual do seguro, traduzindo-se em causas impeditivas do efeito jurídico dos factos alegados pelos Autores, isto é, defesa por exceção, compete à Ré demonstrá-los (cf. art. 342.º, n.º 2, do CC). II – Provando-se que os danos cujo ressarcimento é reclamado ocorreram no apartamento de que os 1.ºs Autores são proprietários (e no apartamento do piso inferior) em virtude de uma fuga de água, que teve origem numa rotura do tubo exterior de abastecimento de água à cisterna do autoclismo de uma casa de banho daquele apartamento, não tem cabimento convocar a Condição Especial 03 intitulada “Inundações”, mas antes a Condição Especial 10, intitulada “Danos por água” - que garante os danos causados aos bens seguros (no caso, os verificados no apartamento de que os 1.ºs Autores são proprietários) em consequência de danos causados por água, quando provenha, com carácter súbito e imprevisto, de rotura, defeito, entupimento ou transbordamento da rede interior de distribuição de água e esgotos do edifício onde se encontram os bens seguros, assim como dos aparelhos ou utensílios ligados à rede de distribuição de águas e esgotos do mesmo edifício e respetivas ligações -, não se discutindo no recurso, atento o seu objeto, se, quanto aos danos verificados na fração situada no piso inferior, está (ou não) verificada a previsão da Condição Especial 19, intitulada “Responsabilidade Civil Proprietário de Imóvel”. III – Invocando a Ré estar verificada uma causa de exclusão, por considerar que os danos foram causados por “Derrames de água provocados pela realização de obras de construção ou reforma”, é de interpretar a Condição Especial que prevê tal causa de exclusão, considerando que a mesma opera apenas para situações em que, no decurso de trabalhos de construção ou reforma, ocorram derrames de água que sejam, assim, causa direta dos danos cujo ressarcimento é reclamado, não para os casos em que, meses mais tarde, como aqui sucedeu, vem a acontecer uma rotura na canalização (que havia sido substituída). IV – Ficando provada a ocorrência do sinistro, com a verificação, na fração de que os 1.ºs Autores são proprietários, de danos causados por água, danos esses cuja quantificação resulta do elenco dos factos provados, deve a Ré ser condenada no respetivo ressarcimento, com a procedência parcial da ação, pois não provou estar verificada a causa de exclusão que invocou, nem requereu a ampliação do âmbito do recurso quanto a outras questões.
Texto Integral
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados
I - RELATÓRIO
A …, B … e C …, S.A. interpuseram o presente recurso de apelação da sentença que julgou improcedente a ação declarativa que, sob a forma de processo comum, intentaram contra D …, S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL.
Na Petição Inicial, apresentada em 16-05-2022, os Autores peticionaram a condenação da Ré no pagamento da quantia de 14.239,04 €, acrescida de juros legais de mora, vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, alegando, para tanto e em síntese, que:
- No dia 26-05-2019, na fração autónoma designada pelas letras “AC” - de que os 1.ºs Autores são proprietários e a 3.ª Autora é comodatária -, correspondente ao 13.º andar esquerdo do prédio sito na Quinta …, Estrada das …, Lote … - 1000-… Lisboa, ocorreu uma rotura na tubagem exterior que alimenta o autoclismo da casa de banho, o que conduziu à saída de água que estava em pressão no circuito da canalização e água corrente da fração, tendo inundado a mesma e posteriormente todo o apartamento, chegando a infiltrar-se no teto da sala do andar inferior;
- Daí resultaram estragos no apartamento dos Autores e no apartamento do piso inferior cuja reparação atinge o valor global de 14.239,04 €;
- O sinistro está abrangido pelo contrato de seguro multirriscos habitação celebrado pelo Condomínio do prédio com a Ré, que se encontrava em vigor no ano de 2019 e que tinha por objeto, não só as partes comuns do prédio, mas também as frações autónomas, face ao teor da cláusula 2.ª, n.ºs 1 e 5, das Condições gerais e da cláusula 10.ª das Condições Particulares.
A Ré foi citada e deduziu Contestação, em que se defendeu por impugnação motivada, de facto e de direito, e por exceção, pugnando pela sua absolvição do pedido por entender, em síntese, que:
- A causa do sinistro participado pelos Autores encontra-se excluída das coberturas da apólice, dado que a fuga de água se ficou a dever a trabalhos de mudança das cisternas dos autoclismos das casas de banho da fração “…” e à falta de aperto da porca do tubo à torneira de segurança, o que exclui a sua responsabilidade, atento o teor da Condição Particular 10.ª do contrato;
- Os danos invocados encontram-se manifestamente empolados; além disso, a reparação dos danos ocorridos na fração inferior (12.º esquerdo) só poderia estar abrangida pela apólice se estivessem verificadas as circunstâncias previstas no ponto 2.1 da Condição Especial 19, o que não sucede no caso concreto;
- Ademais, a responsabilidade da Ré deve ser reduzida ou até mesmo excluída, ao abrigo do disposto no art. 570.º do Código Civil, porquanto os Autores tiveram conhecimento do sinistro às 9h15m do dia 26-05-2019 e só a partir das 13h30 é que acederam ao interior da fração e fecharam a torneira de segurança, tendo a demora na atuação contribuído para o agravamento dos danos.
Realizou-se audiência final de julgamento, em duas sessões.
Após, foi proferida a Sentença recorrida, cujo segmento decisório tem o seguinte teor: “Tudo visto e ponderado, julgo a presente ação improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvo a ré do pagamento aos autores da quantia de € 14.239,04 e respetivos juros de mora, vencidos e vincendos. Custas da ação a cargo dos autores, nos termos do artigo 527°, n.°s 1 e 2, do CPC. Notifique.”
É com esta decisão que os Autores não se conformam, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação formularam as seguintes conclusões (que transcrevemos, retificando os lapsos de escrita): i. O Tribunal em sede de Sentença a quo julgou a presente ação improcedente, por não provada, e, em consequência, absolveu a R. do pagamento aos autores da quantia de € 14.239,04 e respetivos juros de mora, vencidos e vincendos, tendo ainda decidido que as custas da ação seriam a cargo dos AA., e o presente recurso pretende colocar em crise essa decisão final. ii. Impugnamos a decisão sobre a matéria de facto que considerou provado que a inundação no interior da fração “…”, terá tido origem no insuficiente aperto de uma porca da tubagem exterior que liga a torneira de segurança à cisterna do autoclismo da casa de banho social desta fração. iii. Impugnamos nos termos das als. a) e c) do nº 1 do art. 640º, do CPC os seguintes factos considerados assentes em sede de Sentença: 27º Essa fuga ficou a dever-se a aperto insuficiente da porca de aperto do tubo à torneira de segurança, aquando da substituição das loiças das casas de banho, melhor referida em 24º. 28º o que, com a normal pressão da água na rede, origina, gradualmente, a perda de estanquicidade e fuga de água. iv. Os Recorrentes impugnam para a matéria supra, pugnando por uma resposta que a considera não assente. v. Os Recorrentes defendem que a matéria considerada não assente sob a alínea a) dos factos não provados deverá também merecer alteração considerando-se provada, designadamente: a) A presença de água na fração “…” teve origem numa rutura da tubagem exterior que alimenta o autoclismo da casa de banho social. vi. O Tribunal a quo labora em erro e desde logo porque assenta o seu raciocínio dedutivo a partir de factos que não foram considerados assentes, nem sequer foram objeto de alegação e muito menos de prova suscetíveis de os provar, designadamente que se a “3ª autora não substituiu a tubagem; se a fração “…” se mantém habitada; se não há noticias de nova fuga de água, é forçoso concluir que a tubagem não estava bem apertada à data de 26/05/2019”. vii. Em rigor, o raciocínio da julgadora assenta parcialmente em factos verdadeiros, mormente que que aquando da inspeção realizada pelo perito da Recorrida, era possível constatar que a fuga de água ressurgia se a torneira de segurança fosse reaberta, mas essa realidade ocorreu porque na altura da inspeção ninguém havia substituído a tubagem exterior nem efetuado qualquer operação destinada a fazer cessar a fuga (até porque o perito da Ré necessitava de verificar a causa da fuga sem adulteração dos factos), logo, a fuga de água permanecia. Daí que, quando se fechava a torneira de segurança, parava a fuga de água. viii. Mas do supra mencionado facto não é possível extrair a conclusão que a porca de aperto da tubagem ao autoclismo estava mal apertada, pois essa fuga poderia se dever (e deveu-se) a rutura nessa mesma tubagem. ix. A julgadora passa desse facto real (com o qual os Recorrentes concordam) - a fuga de água ressurgia se a torneira de segurança fosse reaberta e cessava quando a torneira de segurança foi fechada- para um outro não real (com o qual os Recorrentes não concordam) - que a 3ª autora não substituiu posteriormente a tubagem. x. Este último facto que o Tribunal a quo vai contra prova expressa produzida em audiência de julgamento, designadamente do depoimento de E …, prestado em 27 de Abril de 2023, mormente os trechos transcritos em sede de motivação deste recurso que aqui consideramos reproduzidas. xi. Na verdade, resulta da prova produzida nos autos que após o perito da Ré ter feito a sua inspeção ao local E … substituiu as “bichas” (as bichas em gíria de canalização são as tubagens de água que fazem ligações, como por exemplo ao autoclismo) que liga ao autoclismo. xii. Esse erro viciou o juízo do Tribunal a quo, pois deu como assente, ainda que não fazendo constar do elenco de factos provados, que após a fuga de água, e após a inspeção do perito da R., a tubagem e a porca de conexão ao autoclismo não foram substituídas. xiii. No sentido que aqui defendemos indicámos também o depoimento de F …, prestado em 27 de Abril de 2023, mormente os trechos supra transcritos que aqui consideramos reproduzidos. xiv. Dos depoimentos acima transcritos resulta manifesto que não se poderá considerar provado que a fuga se deveu a uma falta de aperto da porca da tubagem do autoclismo, na medida em que, não só existem outras causas possíveis, como também aquela não é a mais plausível. xv. A fuga terá ocorrido na manhã de 26 de maio de 2019, porém as obras que foram efetuadas na casa de banho, que incluíram a substituição das loiças sanitárias, foram realizadas e terminadas em março desse ano e manifestamente não é crível que uma porca mal apertada tenha sido sujeita diariamente a pressão da água pública durante meses sem verter qualquer água e que, meses depois, permita uma fuga de água com o caudal daquela que se verificou no final de maio de 2019. xvi. No sentido que aqui defendemos indicámos ainda as declarações de parte de B, prestadas em 27 de Abril de 2023, mormente os trechos supra transcritos que aqui consideramos reproduzidos. xvii. No que concerne ao “capítulo” da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, importa ainda salientar as regras do ónus da prova prescrita no Código Civil, designadamente no art. 342º do Código Civil, pelo que tendo a Recorrida invocado que a fuga de água se deveu a mau aperto da porca da tubagem que liga a água ao autoclismo, deveria ser esta responsável pelo ónus da prova desse facto, contudo, manifestamente não cumpriu esse ónus. xviii. Atento exposto devem ser considerados não provados os seguintes factos: 27º Essa fuga ficou a dever-se a aperto insuficiente da porca de aperto do tubo à torneira de segurança, aquando da substituição das loiças das casas de banho, melhor referida em 24º. 28º o que, com a normal pressão da água na rede, origina, gradualmente, a perda de estanquicidade e fuga de água. xix. Mais deve ser considerado provado o seguinte facto: A presença de água na fração “…” teve origem numa rutura da tubagem exterior que alimenta o autoclismo da casa de banho social. xx. Feita a correção na decisão sobre a matéria de facto, verificamos que os factos mostram-se integrados no risco “danos por água”, previsto na “condição especial 10 danos por água, das condições gerais”, na medida em que teve como causa uma rotura, defeito, entupimento ou transbordamento da rede interior de distribuição de água e esgotos do edifício onde se situa a fracção “…”.
Terminaram os Apelantes pugnando pela revogação da decisão recorrida, sendo, em consequência, proferida decisão que considere procedentes os pedidos deduzidos na Petição Inicial, nomeadamente o pagamento aos Autores da quantia de 14.239,04 € e respetivos juros de mora, vencidos e vincendos.
Foi apresentada alegação de resposta, em que a Ré-Apelada defendeu que o recurso deverá ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a sentença recorrida, concluindo que: Não haveria outra solução a ser adotada pelo Tribunal a quo, na douta sentença recorrida, senão a de julgar, como bem julgou, que o sinistro objeto dos presentes autos não tem enquadramento nem na cobertura de “inundações”, nem na cobertura de “danos por água”, bem como, que deveria operar a exclusão da apólice de seguro em crise nestes autos, mormente, a condição especial 10, n.º 1, al. c), que expressamente exclui os danos causados por derrames de água provocados pela realização de obras de construção ou de reforma. Face a tudo o que supra se expôs, Não deve a matéria de facto impugnada nas alegações de recurso interpostas pelos Recorridas ser alterada nos termos por estes pugnados, devendo os factos provados 26 e 27 e o facto não provado a), constantes da douta sentença recorrida, serem mantidos nos exatos termos em que foram exarados pelo ilustre Tribunal a quo, o que expressamente se requer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se deve ser alterada a decisão da matéria de facto, quanto aos pontos 27 e 28 e à alínea a);
2.ª) Se a Ré está obrigada a pagar aos Autores a quantia peticionada, por se ter verificado um sinistro abrangido pela cobertura do contrato de seguro prevista na condição especial 10 “danos por água”.
Factos provados
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos (retificámos os lapsos de escrita; acrescentámos entre parenteses retos, por estar plenamente provado, o teor do clausulado constante do ponto 4):
1. A favor dos Autores A … e B … encontra-se registada a fração autónoma designada pela letra “…”, correspondente ao 13.º andar esquerdo, para habitação, com estacionamento n.ºs 2 e 3 e 5, e arrecadação, do prédio sito na Quinta das …, … do …, lote A, em Lisboa, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ….
2. O prédio identificado em 1. tem condomínio constituído, denominado “Condomínio do Prédio … Lote …”, com o NIF ….
3. O “Condomínio do prédio das … - Lote …” celebrou com a aqui Ré um acordo escrito denominado “D …, S.A Condomínio, apólice n.º …a”, mediante o qual transferiu para a Ré o risco de ocorrência de danos causados, quer nas partes comuns, quer nas frações autónomas que compõem o prédio identificado em 1.
4. O “Condomínio do prédio das … Lote …” e a aqui Ré acordaram submeter o acordo escrito identificado em 3. às condições gerais e particulares juntas aos autos (documento 2 da petição inicial e documentos 1 e 2 da contestação), cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [constando designadamente na cláusula 2.ª, 5, das Condições Gerais que o referido contrato garante ao Segurado, até ao limite fixado nas Condições Particulares e nos termos das respetivas coberturas, as indemnizações pelos danos sofridos pelos bens objeto do seguro, mencionados nas Condições Particulares, ou pagamento das que lhe foram exigidas por terceiros.
Na Condição Especial 03, intitulada “Inundações”, consta designadamente o seguinte: “1. Âmbito da cobertura A presente Condição Especial garante os danos causados aos bens seguros em consequência de inundações, entendendo-se como tal a acumulação ou derramamento de água sobre a superfície do solo, compreendendo: a) Trombas de água ou quedas de chuvas torrenciais, como tal se considerando a precipitação atmosférica de intensidade superior a dez milímetros em dez minutos, no pluviómetro; b) Rebentamento ou obstrução de condutas adutoras ou de distribuição, coletores, drenos, diques e barragens; c) Enxurradas ou transbordamentos do leito de cursos de água naturais ou artificiais. (…)”
Na Condição Especial 10, intitulada “Danos por água”, consta designadamente o seguinte: 1. Âmbito da cobertura A presente Condição Especial garante os danos causados aos bens seguros em consequência de danos causados por água, quando a água provenha, com carácter súbito e imprevisto, de rotura, defeito, entupimento ou transbordamento da rede interior de distribuição de água e esgotos (incluindo nestes os sistema de esgoto de águas pluviais) do edifício onde se encontram os bens seguros, assim como dos aparelhos ou utensílios ligados à rede de distribuição de águas e esgotos do mesmo edifício e respetivas ligações. 2. Exclusões Para além das exclusões constantes da cláusula 4.ª das Condições Gerais, ficam igualmente excluídos do âmbito de cobertura da presente Condição Especial quaisquer perdas ou danos causados por: a) Torneiras deixadas abertas, salvo quando se tiver verificado uma falta de abastecimento de água devidamente comprovada; b) Por humidade prolongada ou condensação, oxidação, infiltrações através de paredes, tetos, portas janelas, claraboias, terraços e marquises, bem como por goteiras, exceto quando se trate de danos resultantes das coberturas contempladas nesta Condição Especial; c) Derrames de água provocados pela realização de obras de construção ou reforma; d) Degradação do edifício ou desgaste notório das condutas ou aparelhos.
Na Condição Especial 19, intitulada “Responsabilidade Civil Proprietário de Imóvel”, consta ainda, no ponto 2. “Âmbito da cobertura”, que: “A presente Condição Especial garante as obrigações de indemnização decorrentes da Responsabilidade Civil que, ao abrigo da lei civil, possa ser imputada ao Segurado (condomínio), na sua qualidade de proprietário, em regime de propriedade horizontal, por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros em consequência de, nomeadamente: a) Vícios de construção ou deficiente manutenção, desde que o Segurado desconheça a existência de tal vício ou deficiência, nomeadamente a derrocada parcial ou total do edifício, revestimentos, chaminés, varandas, janelas, estores ou qualquer outro elemento fixo que o constitua; b) Instalações internas de água, gás, eletricidade, esgotos e climatização do edifício seguro; (…). (…) Fica igualmente convencionado que esta garantia é extensiva a cada um dos condóminos. Nesta situação, considera-se terceiro o Segurado (condómino) no que respeita às indemnizações a que eventualmente venha a ter direito, na situação de lesado, por danos materiais e/ou corporais cuja responsabilidade seja imputável aos restantes condóminos.”]
5. À data de 26-05-2019, o acordo escrito identificado em 3. encontrava-se em vigor.
6. Anualmente, o “Condomínio do prédio das … - A” inclui no orçamento anual o valor da apólice identificada em 3. e imputa aos condóminos a respetiva quota parte do valor a pagar.
7. As quotas mensais de cada condómino englobam a quota parte do custo da apólice identificada em 3.
8. À data de 26-05-2019, a fração “…” encontrava-se abrangida pela apólice identificada em 3.
9. À data de 26-05-2019, a apólice identificada em 3. cobria danos causados por água até ao montante de 13.376.326,52 €, sem franquia.
10. No dia 02-01-2012, os 1.º e 2.º Autores celebraram com a 3.ª Autora o acordo escrito junto com a petição inicial como documento 4, denominado “contrato de comodato”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, mediante o qual autorizaram a 3.ª Autora a utilizar a fração “…”, ficando esta responsável pelo pagamento das despesas de manutenção da fração, do IMI, das quotas ordinárias e extraordinárias de condomínio e das despesas e encargos da fração.
11. À data de 26-05-2019, a fração “…” era objeto de um acordo entre a 3.ª Autora e G …, no âmbito do qual aquela autorizou o uso da fração por esta, mediante remuneração de valor não apurado.
12. No dia 26-05-2019, pelas 9h15m, a Autora foi informada que saía água pela porta de entrada da fração “…”.
13. De imediato, a Autora contactou G …, informou-a da fuga de água e deslocou-se ao prédio em discussão, tendo fechado a torneira de segurança da fração “…”.
14. G … encontrava-se em Óbidos e só conseguiu chegar à fração “…” cerca das 13h30m do dia 26-05-2019.
15. Nesse momento, já a fuga de água chegava aos elevadores do patamar do 13.º andar.
16. Após a entrada na fração “…” verificou-se a presença de água em todas as suas divisões (hall de entrada, salas, corredores, cozinha, quartos e três casas de banho), com uma altura aproximada de 5 a 6 cm.
17. O piso da fração “…” era de madeira nos quartos e corredores, de pedra mármore (branco) nas salas e casas de banho, e de pedra moleana na cozinha.
18. Na sequência e por força do facto descrito em 16.,
- o pavimento em madeira dos quartos e corredores da fração “…” ficou inchado, os tacos empenaram e levantaram;
- o pavimento em pedra mármore das salas e casas de banho da fração “…” ficou manchado,
- o pavimento em pedra moleana da cozinha ficou manchado,
- os rodapés de todas as divisões da fração “…” ficaram inchados e empenados;
- as 8 portas de madeira da fração “…” incharam, empenaram e ficaram manchadas;
- os móveis das casas de banho, no total de 12, incharam, empenaram e ficaram manchados; e - o teto da fração sita no 12.º andar esquerdo ficou manchado, com a tinta e reboco empolados.
19. No dia 27-05-2019, o “Condomínio do Prédio … Lote A” comunicou os factos descritos em 12, 13, 14, 15, 16 e 18 à ora Ré, concretamente através do preenchimento do formulário junto aos autos como documento 5 da petição inicial, solicitando a deslocação de perito ao local.
20. A Ré, no âmbito das suas averiguações, acedeu ao interior da fração “…”, efetuou vistoria a esta fração e ao 12.º andar esquerdo, confirmou a ocorrência dos factos descritos em 18, e solicitou documentos.
21. Findas as averiguações, a Ré enviou ao “Condomínio do Prédio … Lote A” a carta junta como documento 8 da petição inicial, datada de 04-05-2020, com o seguinte teor: «Estimado Cliente Recebemos a sua participação do sinistro com data de ocorrência a 26-05-2019. A sua Apólice não cobre este sinistro. Após a análise dos elementos reunidos acerca do sinistro, em que se inclui o relatório do perito que nomeámos, concluímos que este sinistro se encontra fora do âmbito das garantias da sua Apólice. Descrição do sinistro Segundo o que apurámos, ocorreram danos na fração do …º esq com origem na tubagem exterior, fixa, que alimenta o autoclismo da casa de banho, concretamente, fuga junto da porca de aperto do tubo à torneira de segurança. Verificámos que o equipamento sanitário em causa foi aplicado no início de março de 2019, pelo reparador que presta serviços de assistência ao edifício. Pelo exposto, informamos que ficamos impossibilitados de assumir os danos reclamados, dado que o sinistro ocorreu devido a uma anomalia aquando a instalação da cisterna pelo reparador. Não iremos atribuir qualquer indemnização. Pelas razões atrás expostas, não nos será possível atribuir qualquer indemnização em resultado deste sinistro, pelo que iremos encerrar o processo. (...).»
22. Nessa sequência, a 3.ª Autora, mediante acordo dos 1.º e 2.º Autores, solicitou orçamentos de reparação dos factos descritos em 16,
23. Aprovou esses orçamentos e procedeu ao pagamento das seguintes quantias:
23.1. 12.236,04 € (9.948,00 € + IVA a 23% _ 12.236,04 €), a título de reparação (remoção e substituição) do pavimento e dos rodapés em madeira, reparação (remoção e substituição) das portas de madeira, e reparação e pintura dos rodapés e das zonas afetadas pela água na fração “…”;
23.2. 1.107,00 € (900 € + IVA a 23% _ 1.107,00 €), a título de fornecimento e montagem de 12 móveis de WC;
23.3. 650,00 € (575,25 € + retenção na fonte de 11,5% _ 650,00 €), a título de reparação do pavimento em pedra do hall de entrada, sala, cozinha, 2 varandas e 3 casas de banho da fração “AC”;
23.4. 246,00 € (200 € + IVA a 23% _ 246,00 €), a título de limpeza, reparação e pintura a tinta plástica aquosa do teto da sala de jantar do 12.º andar esquerdo.
24. Em março de 2019, G … procedeu à substituição das loiças das casas de banho da fração “…”, concretamente à substituição das sanitas, cisternas dos autoclismos e tubagens exteriores que alimentam essas cisternas.
25. Os Autores deram a conhecer à Ré, durante as averiguações por esta efetuadas, o facto descrito em 24.
26. A fuga de água, melhor referida nos factos 12, 15 e 16, proveio da casa de banho social da fração “…”, concretamente da tubagem exterior que liga a torneira de segurança à cisterna do autoclismo.
27. Essa fuga ficou a dever-se a aperto insuficiente da porca de aperto do tubo à torneira de segurança, aquando da substituição das loiças das casas de banho, melhor referida em 24,
28. o que, com a normal pressão da água na rede, origina, gradualmente, a perda de estanquicidade e fuga de água.
29. Aquando da vistoria referida em 20, o perito da Ré constatou que a tubagem referida em 26 não tinha sido substituída desde 26-05-2019 e que a torneira de segurança se encontrava fechada.
30. Nessa altura, o perito da Ré abriu a torneira de segurança e constatou a perda de água a partir da porca de aperto da referida tubagem.
31. No dia 26-05-2019, assim que tiveram acesso ao interior da fração “…”, ou seja, cerca das 13h30m, os 1.º e 2.º Autores socorreram-se de aspiradores de água, esfregonas, baldas e toalhas para proceder à imediata remoção da água que inundava a fração, tarefa que concluíram nesse mesmo dia, cerca das 17h00m, com a ajuda de G …, familiares desta e outras pessoas.
Na sentença foram considerados não provados os seguintes factos:
a) A presença de água na fração “…” teve origem numa rotura da tubagem exterior que alimenta o autoclismo da casa de banho social;
b) A 3.ª Autora procedeu ao pagamento da reparação de mais móveis de casa de banho da fração “…” além dos 12 móveis mencionados no facto provado 23.2.;
c) Os Autores, ao não acederem ao interior da fração “…” entre as 9h15m e as 1h30m do dia 26-05-2019, contribuíram para a ocorrência ou agravamento dos danos elencados no facto provado 18.
Da modificação da decisão da matéria de facto – pontos 27 e 28 e alínea a)
Na sentença motivou-se o assim decidido, no que ora importa, referindo que: «Os factos 26º a 30º resultaram provados com base no depoimento objetivo, espontâneo e sereno da testemunha F …, o qual realizou a averiguação das causas da fuga de água na fracção “…” a pedido da ré, tendo constatado que a tubagem exterior do wc social, que ligava a cisterna do autoclismo à torneira de segurança, não apresentava sinais de desgaste ou rutura, o que se mostra corroborado pela reportagem fotográfica que efetuou à mesma e anexou ao seu relatório (documento junto em 17/05/2023, fotografia 27) e aditamento ao relatório (documento 3 da contestação, fotografias n.ºs 12 e 13). Ainda de acordo com a testemunha F …, a fuga de água ressurgia se a torneira de segurança fosse reaberta (declarações que vão ao encontro das declarações prestadas pelo autor em julgamento, o qual afirmou que a fuga de água cessou assim que a torneira de segurança foi fechada). Segundo F …, a fuga de água ocorreu porque a porca de aperto da tubagem estava mal apertada. Ora, a explicação avançada pela testemunha F … é a que vai ao encontro das declarações espontâneas da testemunha E … quando este indicou a causa da fuga de água. Com efeito, esta testemunha referiu que o tubo em discussão estava “despipado”, querendo com isso dizer, como esclareceu ao tribunal, que “saiu do sítio onde devia estar e deixou passar água”, descrição que é incompatível com a verificação de uma rutura. Acresce que, de acordo com as regras da lógica e experiência comuns, tendo a ré declinado a sua responsabilidade pela reparação dos danos na fração “…”, seria expetável que a 3ª autora também apresentasse documentos demonstrativos da substituição da tubagem caso esta apresentasse “defeitos”, “desgaste” ou rutura, o que não sucedeu. Assim, igualmente de acordo com as regras da lógica e experiência comuns, se a 3ª autora não substituiu a tubagem; se a fração “…” se mantém habitada; se não há noticias de nova fuga de água, é forçoso concluir que a tubagem não estava bem apertada à data de 26/05/2019. Pelo exposto, o tribunal considerou provados os factos n.ºs 26 a 30 e não provado facto descrito sob a alínea a). Não infirma a nossa convicção o facto de a montagem da tubagem (e o aperto da porca) ter ocorrido em março de 2019 e a fuga de água só ter sucedido 26/05/2019. É que, de acordo com as regras da lógica e experiências comuns, era possível que uma porca mal apertada fosse, gradualmente e em função das oscilações de pressão de água na rede de distribuição, perdendo a sua função de estanquicidade (como, aliás, explicou de modo objetivo e coerente a testemunha F … e também acabou por admitir a testemunha E …).”
Os Apelantes pretendem que sejam dados como não provados os factos vertidos nos pontos 27 e 28 e, concomitantemente, que seja dado como provado o facto vertido na alínea a), argumentando, para tanto e em síntese, que: a julgadora retira o seu raciocínio de factos que não foram considerados assentes, nem sequer foram objeto de alegação, não sendo verdade que a 3.ª Autora não tenha posteriormente, após a inspeção que foi realizada pelo perito da Ré, substituído a tubagem, como resulta do depoimento da testemunha E …, prestado em 27-04-2023, depoimento do qual resulta que a fuga não se deveu ao insuficiente aperto da porca, mas a uma rotura da tubagem exterior que alimenta o autoclismo da casa de banho social; mais invocaram o depoimento da testemunha F … e as declarações de parte do Autor.
A Apelada, por sua vez, suscitou a questão prévia do incumprimento do ónus processual consagrado no art. 640.º, n.º 1, al. b), do CPC, e veio afirmar, em síntese: ser irrelevante se a tubagem foi ou não substituída; a afirmação constante da sentença recorrida apenas quer dizer que “a tubagem não foi substituída aquando da deslocação do perito da Ré (F …) ao local de risco, o que aliás é referido pelos Recorrentes no corpo das suas alegações de recurso. O que se demonstra em perfeita consonância com o facto provado 29 da douta sentença recorrida (…). De facto, a tubagem em questão, a ter sido substituída, apenas o foi após a deslocação do perito da Ré ao imóvel em crise.”; o que importava era apurar a que se deveu concretamente a fuga de água, sendo acertada a decisão recorrida a esse respeito, por estribada no depoimento da testemunha F …, em parte confirmado pelo Autor nas declarações de parte; o depoimento da testemunha E … deve ser desvalorizado, até pela manifesta contradição em que incorreu, começando por dizer que o tubo “estava encostado à parte da porca”, mas, no final do seu depoimento, referindo que o tubo estava “completamente fora a deitar água”; relevam também o relatório da averiguação e o respetivo aditamento.
Apreciando.
Conforme previsto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Dispõe o artigo 640.º do CPC, sobre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, não se nos afigurando que, no caso, os Apelantes não tenham especificado os concretos meios probatórios que, no seu entender, impõem decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados. Aliás, na sua alegação de resposta, a Apelada mostra ter compreendido quais foram os concretos meios probatórios invocados.
Atentemos, pois, nos mesmos, começando por lembrar que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos, conforme expressamente previsto no art. 341.º do CC, impondo o n.º 4 do referido art. 607.º que o juiz analise criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. De salientar que a convicção (bastante) do julgador não se trata, como é pacífico (até porque seria normalmente impossível de obter), de uma certeza absoluta. Neste sentido, veja-se, por ex., Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida[in “Direito Processual Civil”, Vol. I, Almedina, fevereiro 2010, págs. 274-277 (cf. pág. 277)], quando afirma, além do mais, que “(N)ão se torna, porém, exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes assente num juízo de certeza absoluta, bastando que se baseie num juízo de razoável probabilidade ou verosimilhança, v.g. legitimado com recurso às presunções judiciais (arts. 349.º e 352.º do CC). Tudo sendo sabido que, em caso de dúvida insanável, há que fazer funcionar as regras distributivas do ónus da prova e da respectiva satisfação/insatisfação pela parte sobre a qual esse encargo legalmente impendia” (cf. arts. 342.º a 348.º do CC e 414.º do CPC). Também Antunes Varela [em anotação ao Acórdão do STJ de 22 de outubro de 1981, in RLJ Ano 116, n.º 3716, pág. 339] “A prova – quer extrajudicial, quer judicial – de um facto não visa obter a certeza absoluta, irremovível, da verificação do facto. (…) A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjectiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça. A prova tem, por isso mesmo, atenta a inelutável precariedade dos meios de conhecimento da realidade (especialmente dos factos pretéritos e dos factos do foro interno de cada pessoa), de contentar-se com certo grau de probabilidade do facto: a probabilidade bastante, em face das circunstâncias concretas da espécie, para convencer o julgador (que conhece as realidades do Mundo e as regras da experiência que neles se colhem) da verificação ou realidade do facto”.
Na mesma linha, afirmava, de forma lapidar, Manuel de Andrade [in “Noções Elementares de Processo Civil”, Reimpressão, 1993, Coimbra Editora, págs. 191-192], a propósito do conceito de prova constante do art. 341.º do CC, que se tem aí em vista a prova como resultado: “É a demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade dum facto – da veracidade da correspondente afirmação”, acrescentando que “(A) prova não é certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)”. E aludindo à “terminologia dos filósofos”, referia ainda que “pode dizer-se que haverá prova acerca dum ponto de facto logo que o material probatório existente nos autos já permita ao juiz uma opinião (mais do que a ignorância ou a dúvida, e menos do que a certeza, que corresponde à evidência) quanto a esse ponto.” (cf. nota de rodapé 1 da pág. 192).
Nesta senda, cumprindo a este coletivo de juízes reapreciar a prova produzida, para que possa formar a sua própria convicção a respeito da factualidade em apreço, foi ouvida, na íntegra, a gravação da prova produzida em audiência de julgamento, mais tendo sido analisados todos os documentos juntos aos autos, tendo todos estes elementos probatórios sido apreciados, conjugada e criticamente, à luz de regras de experiência e segundos juízos de normalidade.
A situação em apreço verificou-se na fração autónoma de um prédio constituído em propriedade horizontal (no ano de 1991 – cf. certidão do registo predial junta com a PI), fração essa de que os Autores são proprietários e que, segundo o Autor esclareceu, se encontrava arrendada, pela 3.ª Autora (sociedade de que ele e a mulher são acionistas), enquanto comodatária, a G …, desde início de março de 2019, tendo sido esta quem solicitou, antes de começar a residir na casa, que fosse feita a substituição dos sanitários (das loiças sanitárias das casas de banho), o que foi efetuado nos primeiros dias do mês de março, data que é consentânea com a da fatura junta, em anexo, como doc. 2, ao “Aditamento ao relatório” (doc. 3) junto aos autos com a Contestação (fatura datada de 4 de março de 2019).
Dessa fatura resulta que foram então adquiridas quatro unidades de “2 BATENTES ADESIVOS BOLA”, três unidades de “PACK OPUS: UCS/VERT +TQ+TAMPA Q/AMORT BR” e duas unidades de “OPUS BIDE BR”. Ou seja, no que importa, foram então substituídas três unidades de um pack de cisterna e sanita ao chão, vertical, incluindo tampa com queda amortecida, de cor branca, bem como duas unidades de bidé também de cor branca. Não consta dessa fatura a aquisição de quaisquer materiais relativos à canalização, designadamente bichas ou porcas. Das declarações do Autor e do documento 1 junto com o referido “Aditamento ao relatório” (que se trata de um email enviado pelo Sr. H … à Administração do Condomínio, no seguimento do pedido de esclarecimento feito por F … no decorrer da vistoria / averiguação que este levou a cabo) resulta claro (não obstante o vertido no ponto 24) que estes equipamentos foram adquiridos pelo Autor (ainda que por intermédio de uma sociedade) e a montagem dos mesmos, incluindo “as ligações dos autoclismos” foi feita pelo Sr. H …, a pedido do Autor, no início do mês. Também é fora de dúvida que, aquando da vistoria realizada pelo referido F … (“Perito da Ré”), a tubagem não tinha sido substituída desde o dia da inundação (cf. ponto 29).
Porém, é completamente descabido afirmar, como faz a Apelada, que, o Tribunal recorrido, ao aludir à não substituição da tubagem, se estava a reportar à data da vistoria. Na verdade, isso não tem nenhum sentido, tanto mais quando se trata de afirmação antecedida da seguinte: «seria expetável que a 3ª autora também apresentasse documentos demonstrativos da substituição da tubagem caso esta apresentasse “defeitos”, “desgaste” ou rutura, o que não sucedeu». Isto evidencia bem que o Tribunal a quo considerou sim que não tinha chegado a acontecer a substituição da tubagem após a dita vistoria. Partindo desse pressuposto (errado, desde já o adiantamos), bem como dos factos (esses indiscutidos) de que a casa continuou a ser habitada e não voltou a haver nenhuma fuga de água, presumiu o Tribunal recorrido que a causa da fuga de água só podia ser o insuficiente aperto da porca. Ora, essa presunção judicial, assenta numa premissa errada, já que, depois da vistoria, contrariamente ao que o Tribunal recorrido referiu, foi efetuada a substituição da tubagem, conforme resulta inequivocamente:
- do depoimento prestado de forma segura e sincera pela testemunha E …, o qual foi chamado ao apartamento, não pelos Autores, mas pela arrendatária (por ser uma pessoa da confiança desta), tendo, com a concordância dos Autores, sido encarregado de realizar trabalhos de reparação na fração, afirmando, quando a Sr.ª Juíza lhe perguntou se viu alguma peça deteriorada (já após ter explicado por que motivo lhe parecia que a causa do “despipar” não terá sido o insuficiente aperto da porca), o seguinte: “Quando eu pouco depois mudei as bichas, porque a Doutora (a Dr.ª G …) pediu-me só para ficar mais descansada... que ainda hoje ela não está descansada... Que todos os dias que ela sai de casa, ela fecha os contadores e abre os contadores e anda nisto... Ela pediu-me para eu meter outro tipo de... meti as bichas, e aquela peça estava apertada.” – percebendo-se que as bichas substituídas incluíam, entre os seus componentes, as porcas;
- do Aditamento ao relatório junto pela Ré seguradora, mormente na parte em que aí se refere que: “Foi efetuada deslocação à fração 13.º Esq.º, onde foi apurado de que após a ocorrência do sinistro, os tubos de abastecimento de água às cisternas foram todos substituídos por tubos flexíveis (Fotos 1 a 6). De referir que os trabalhos de reparação dos danos do sinistro na fração 13.º Esq. também já tinham sido concluídos (Fotos 7 a 11). Aquando da nossa intervenção inicial na casa de banho social da fração 13.º Esq. foi-nos possível apurar de que o tubo de abastecimento de água à cisterna do autoclismo ainda não tinha sido substituído, era visível, que ao se abrir a torneira de segurança, a perda de água junto da porca de aberto do tubo à torneira de segurança (Fotos 12 e 13).”
- do confronto das fotografias que retratam o estado inicial da casa de banho [cf. docs. 25, 26 e 27 do Relatório elaborado pela “SMD – Regulação de Sinistros, Lda.” que veio a ser, por determinação do Tribunal, junto aos autos pela testemunha F … (pois a Ré não o havia juntado)] com as fotografias 1 a 6 do Aditamento a esse relatório (que a Ré juntou com a Contestação) – da análise das fotografias resulta, sem qualquer dúvida, que a tubagem, incluindo as porcas, foi substituída.
Posto isto, também não acompanhamos inteiramente a valoração que o Tribunal recorrido fez do depoimento prestado pela testemunha F …, não obstante tenha sido prestado de forma que se nos afigurou sincera. Com efeito, em nosso entender, este emitiu uma opinião pouco fundamentada, que justificou de forma algo contraditória com o que havia expressado no Relatório de averiguação, não se percebendo por que motivo neste afirmou ser relevante procurar saber qual a data em que tivera lugar a substituição dos sanitários (que, conforme disse, percebeu que teria acontecido, sabendo que naquela fração, já em 2016, tinha ocorrido um sinistro idêntico), mas, na audiência de julgamento, acabou por desvalorizar essa data, afirmando: “O espaço temporal aqui, na minha modesta opinião, pode acontecer um dia depois, 15 dias depois, um mês depois, dois meses depois... Isso é irrelevante...”
Parece-nos que, mais importante do que apurar essa data (que tudo indica terá sido o dia 04-03-2019 – cf. fatura junta como doc. 2 com o Aditamento ao relatório e declarações de parte do Autor) teria sido analisar os próprios componentes da canalização, incluindo a porca, o que a testemunha F … não fez. Também se nos afigura que se a causa da fuga de água fosse o insuficiente aperto da porca de aperto, o problema seria de resolução simples: bastaria apertar devidamente a dita porca; não havendo necessidade de substituir toda a canalização, como veio a suceder. Não se percebe, pois, por que motivo aquele “perito” averiguador, não cuidou de observar (na presença do Autor ou de alguém que o representasse) a parte interior dessa porca, de modo a verificar o estado da mesma, procurando apertá-la (pelo menos se lhe parecesse estar em bom estado) para testar a teoria do insuficiente aperto. Importa salientar que ninguém – rigorosamente ninguém, incluindo a testemunha E … – disse que o problema se resolveu mediante o singelo aperto da dita porca (que facilmente poderia ter sido feito por qualquer pessoa, até pelos Autores).
Consideramos, pois, bem mais provável que a causa da fuga de água fosse a existência, em pelo menos um dos componentes da canalização, de algo “errado”, na medida em que havia elementos de ligação da canalização que não estavam unidos como eram suposto estarem, não repugnando qualificar o sucedido como uma rotura da canalização, conforme o próprio F … fez no aludido Relatório de averiguação, e face ao que se pode observar nas referidas fotografias e à descrição objetiva que todos (F …, E … e o Autor) fizeram do caso. Com efeito, nesse Relatório vem expressamente afirmado o seguinte: “Após a inquilina da fração 13.º Esq.º ter sido informada do sucedido, regressou à sua fração tendo-se deparado com água no pavimento da mesma, a qual era proveniente da casa de banho social, devido ao facto de ter ocorrido uma rotura no tubo de abastecimento de água à cisterna do autoclismo. Foi-nos indicada a torneira de segurança da fração ….º Esq. que foi fechada pela condómina da fração 13.º Dt.º quando detetou o derrame de água (Foto 24). Na casa de banho social foi-nos possível apurar de que o tubo de abastecimento de água à cisterna do autoclismo, no qual tinha ocorrido a rotura, ainda não tinha sido substituído, pelo que ao se abrir a torneira de segurança, era visível a perda de água pelo mesmo (Fotos 25 a 27). De referir que em 2016, já havíamos estado na referida fração e regularizado um sinistro (Processo de Sinistro 2016- 310-28974), tendo sido dado a apurar que as cisternas dos autoclismos e loiças sanitárias tinham sido mudadas, pelo em nossa opinião e para enquadramento da ocorrência participada, seria fundamental apurar a data em que tal trabalho foi realizado.”
De salientar que, no Aditamento a este relatório, o referido F … mudou de opinião, unicamente por ter, entretanto, apurado a data em que as cisternas dos autoclismos e as loiças sanitárias tinham sido mudadas (o dia 04-03-2019), afirmando o seguinte: “Aquando da nossa intervenção inicial na casa de banho social da fração 13.º Esq. foi-nos possível apurar de que o tubo de abastecimento de água à cisterna do autoclismo ainda não tinha sido substituído, era visível, que ao se abrir a torneira de segurança, a perda de água junto da porca de aberto do tubo à torneira de segurança (Fotos 12 e 13). Assim, somos de opinião de que não ocorreu qualquer rotura de caracter súbito e imprevisto no mesmo, na medida em como referimos anteriormente a perda de água ocorria junto à porca de aperto do tubo à torneira de segurança, não tendo o referido tubo qualquer dano e o mesmo foi adquirido em 2019.03.04. Face ao anteriormente exposto, o derrame de água terá ocorrido devido ao facto da porca de aperto do tubo à torneira de segurança não ter ficado devidamente apertada e com a normal pressão da água na rede ter lentamente ir perdendo estanquicidade e dado origem ao referido derrame de água, o qual ocorreu em 2019.05.26, conforme foi participado. Foi também apurado de que o trabalho de mudança das cisternas dos autoclismos foi realizado em 2019.03.04 pelo Sr. H … a título gracioso, conforme declaração efetuada pelo referido técnico (Doc. 1) e fatura de aquisição do referido material (Doc. 2) com a mesma data. Questionámos o Sr. H …, com a situação, o qual não soube dar uma explicação para a ocorrência no sinistro, tendo-nos declarado que aquando da instalação das cisternas e respetivas tubagens, foi colocada à carga a respetiva rede de água, não tendo sido detetado nada de anormal, podendo ser decorrente de alguma oscilação na pressão da rede. È nossa opinião face aos elementos recolhidos, de que caso tivesse ocorrido uma oscilação na pressão da rede abastecimento de água, e considerando que também foram colocados tubos idênticos nas outras instalações sanitárias, também naturalmente teriam sofrido perda de água, o que não sucedeu.”
Ora, sem mais elementos, que a testemunha F …, não indicou no depoimento prestado em audiência de julgamento, não podemos acompanhar esta sua conclusão, pelas razões acima expostas, não nos convencendo com as justificações que deu. Com efeito, esta testemunha reiterou em audiência aquela sua opinião, afirmando que a causa mais provável do sucedido terá sido uma porca que não foi devidamente apertada, facto que, aliado a “oscilações da rede ou aberturas de torneiras”, pode levar à fuga de água.Mas, tendo sido inquirido sobre se podiam existir outras causas, respondeu afirmativamente, confirmando que também podia haver um defeito no vedante ou defeito na rosca da torneira, sendo certo que, quando se deslocou ao local, viu a água sair na zona de ligação da porca e do tubo, tirando uma foto. Certo é que não examinou a porca, na parte de trás ou por dentro, nem fez nenhum teste de estanquicidade nos termos acima referidos, apertando-a, tendo afirmado ainda que “vedante... eu também não estoudentro do tubo, não foi desapertado, eu também não posso...”, confirmando que não mexeu ou sequer tocou no tubo e, por isso, não podia dizer se o problema era ou não do vedante.
Tendo-lhe sido perguntado se percebeu se alguma peça estaria danificada com defeito, respondeu “Não me foi dado a verificar”, apenas tendo percebido, segundo disse, que a porca era nova – isto quando nem é seguro se assim era, inexistindo prova documental ou outra quanto à compra das tubagens referidas no ponto 24 (facto que foi considerado provado por acordo das partes). Acrescentou a testemunha “Só fotografei de frente a porca, não andei... Mas vi a porca do que era possível observar, e o tubo, e não me foi dado a verificar qualquer anomalia visível à vista desarmada de qualquer anomalia na tubagem”, afirmando que “relativamente a este sinistro, e o que me foi dado averificar, o dano ocorre devido a um deficiente aperto da rosca. Porque estamos a falar dematerial novo. Se fosse material que já tivesse alguns anos, aí poderíamos dizer que o vedantecom o decorrer do tempo perdia estanqueidade, não é o caso. Estamos a falar de material novo”. Contudo, esta testemunha não podia, com segurança, assumir que não existia um defeito na porca apenas porque lhe parecia nova, quando isso está por demonstrar. Diga-se, aliás, que tão pouco ficou provado que tivessem sido colocados, em 04-03-2019, tubos idênticos – novos ou em bom estado – nas outras instalações sanitárias, não existindo fatura atinente à sua eventual compra (não se podendo excluir a possibilidade de se tratar de material antigo que o Sr. H … tivesse em seu poder).
Em suma, não verificou o estado da peça, assumindo que era nova (por ter sido colocada no início de março) e que seria igual à das demais instalações sanitárias (colocadas na mesma altura); por isso, e como não viu na mesma um defeito aparente, não cuidou de a examinar, concluindo que terá sido mal apertada, sem sequer testar essa hipótese ou solicitar que fosse testada, mediante o aperto da porca, seguido de abertura da torneira de segurança.
Por outro lado, a testemunha E … depôs com isenção e sem contradições dignas de nota. Na verdade, o facto de ter visto o tubo “completamente fora a deitar água” não exclui que, desligada a torneira de segurança, o tubo ficasse “encostado à parte da porca”, como também referiu e é visível nas fotografias juntas aos autos. Descreveu o que viu, dizendo que «A água vinha do tubo que tinha se “despipado”, pronto que tinha saído da torneira de segurança... vamos dizer assim”; “Daquilo que eu vi, aquilo estava tudo bem feito. O “despipar” ali, não tenho uma causa que tenha que diga assim “foi por isto” ou “foi por aquilo” (…) O tubo é que “despipou” pronto. Saiu, pronto. Mas tanto que não estava saído muito, ele praticamente estava ali encostado». Conforme acima mencionado, esta testemunha disse que foram, por ele, substituídas as “bichas” da tubagem, não podendo apontar uma causa concreta para a fuga de água, mas, na sua opinião, a causa não seria a falta de aperto da porca, o que justificou, por um lado, considerando que isso teria sido detetado logo, devido à pressão da água na rede (“com estes tubos e com estas borrachas, se não tiver bem apertado, ele fica sempre a sangrar água... vamos dizer assim, ele fica sempre a sangrar água. (…) Nem é preciso descarregar o autoclismo. Só abrindo a torneira e ele ficando em pressão, sabe-se logo que não está a verter por ali, está apertada”), e, por outro lado, lembrando que, se a porca estivesse mal apertada, em vez de “despipar”, o normal serial o contrário(“Porque normalmente começa-se se houver um sangramento mínimo, ela calcifica. Fica com cálcio à volta dos tubos ou seja do que for, e aí quase de certeza que não vai sair mesmo”).
Mais lembrou – o que nos parece muito avisado – que o aperto de uma porca também pode ser exagerado e danificar o material, afirmando que “não deve ser até ao limite de força, porque aí podemos estar a estragar outras situações. Mas normalmente é feito, na minha experiência, é feito até ao limite de a gente abrir a água, e não haver sangramento, não haver qualquer queda de água.” Ora, no caso, nada indica que a torneira em questão tenha estado durante algum tempo (no espaço temporal de aproximadamente 3 meses) a desenroscar, vertendo, nem que fossem, pequenas gotas de águas, sendo de sublinhar (como é bem visível nas fotografias do relatório de averiguação) que as tubagens que existiam eram canalizações (rígidas) que estavam à vista, não se encontrando numa zona inferior da sanita, mas em cima, de forma particularmente visível e até inestética.
Assim, tudo ponderado, não ficámos convictas de que, em 04-03-2019, aquando da instalação da nova sanita e cisterna, a pessoa que fez esse esse trabalho tenha deixado a porca de aperto do tubo à torneira de segurança com aperto insuficiente e que esse singelo facto, com a normal pressão da água na rede, tenha sido a causa da fuga de água, pelo que não podemos considerar correto que os factos vertidos nos pontos 27 e 28 sejam dados como provados.
Resta, para terminar, reconhecer que assiste razão aos Apelantes quando sustentam que a presença de água na fração “…” teve origem numa rotura da tubagem exterior que alimenta o autoclismo da casa de banho social. A este respeito, no seguimento das considerações que fizemos, não vemos motivo para nos afastarmos da conclusão inicial do “Perito” averiguador / testemunha F …, no Relatório que elaborou, atenta a (relativa) irrelevância do apuramento da data em que foram realizados os trabalhos pelo Sr. H …. Com efeito, nesse Relatório, entendeu então, com os elementos de que dispunha, que havia “ocorrido uma rotura no tubo de abastecimento de água à cisterna do autoclismo”. Assim, e sendo evidente, pelas fotografias e depoimentos prestados que esse tubo é exterior (como, aliás, está provado no ponto 26), importa aditar ao elenco dos factos provados o ponto 26-a), com o seguinte teor: A fuga de água na fração “…” teve origem numa rotura do tubo exterior de abastecimento de água à cisterna do autoclismo da casa de banho referida em 26.
Isto não obstante as causas concretas dessa rotura não tenham sido apuradas, considerando, desde logo, as várias hipóteses que também foram admitidas pela testemunha F …, podendo estar relacionadas com algum desgaste da porca, a fraca qualidade do material utilizado, picos de pressão excessiva da água, acumulação de resíduos no interior da canalização (como calcário ou terra, esta em virtude de trabalhos na rede pública) suscetível de criar alguma pressão interna face ao material (rígido) e à forma da tubagem que existia [com uma curva fechada em l) mesmo junto à dita porca], o que foi alterado depois do sucedido, sendo notório, pelo simples confronto das fotografias acima referidas, a qualidade superior da nova canalização, com a montagem de uma bicha nova flexível, que inclui uma nova porca.
Pelo exposto, decide-se:
- eliminar os pontos 27 e 28;
- aditar ao elenco dos factos provados o ponto 26-a), com o seguinte teor: A fuga de água na fração “…” teve origem numa rotura do tubo exterior de abastecimento de água à cisterna do autoclismo da casa de banho referida em 26.
Da obrigação de pagamento da quantia peticionada
Na fundamentação de direito da sentença recorrida, começou-se por referir que importava apreciar se os danos sofridos na fração autónoma “…” sita na Avenida …, …, lote …, ….º esquerdo, em Lisboa, propriedade dos Autores pessoas singulares, devem ser suportados pela Ré, ao abrigo da apólice de seguro habitação multirriscos n.º …, ou se existe uma causa de exclusão de responsabilidade da Ré (muito embora também tenha sido peticionado o custo da reparação de danos ocorridos na fração situada no piso inferior). Teceram-se, no que ora importa, as seguintes considerações de direito: “A pretensão da Autora radica na responsabilidade civil contratual da Ré, em ordem e em função de contrato de seguro. Conforme o prescrito normativamente, o contrato de seguro é aquele pelo qual uma das partes cobre um risco determinado da contraparte ou de outrem, obrigando-se a realizar certa prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto, mediante o pagamento de prémio correspondente pela contraparte, cfr. n.º 1 do artigo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, e subsequentes alterações, 425.º a 427.º do Código Comercial. A prestação do segurador em caso de sinistro consiste na prestação directa, com valor pré-fixado e / ou com limite convencionado, de acordo com o prejuízo verificado na coisa segurada. Inexiste controvérsia fáctica e normativa quanto à celebração de contrato de seguro; aquela [a controvérsia] radica na apreciação da verificação de sinistro que se encontre compreendido no risco tipificado no contrato [entenda-se que a obrigação da segurada, a uma prestação com um limite pré-fixado, apenas se verifica caso se verifique um sinistro]. Risco no contrato de seguro, hoc sensu enquanto elemento da estrutura do contrato, é o evento ou o conjunto de eventos, futuro e incertos, cuja verificação determina a efectividade da obrigação do segurador, sendo que a cobertura do risco é composta pelo universo dos riscos descritos no contrato, v.g. cobertura facultativa de danos próprios (choque, colisão e capotamento). Ainda, enquanto [uma das] características determinantes do risco exige-se a sua casualidade, fortuitidade ou aleatoriedade. Volvendo ao caso judicando, Apesar das circunstâncias fácticas alegadas por parte da Autora, não se logrou demonstrar a ocorrência do evento (sinistro), que permita a corroboração de que o mesmo se encontra compreendido no risco tipificado no contrato. Por falência do pressuposto normativo motriz – repita-se a ocorrência do sinistro nos termos alegados – coloca-se em crise a apreciação dos restantes requisitos / pressupostos normativos de responsabilidade civil contratual da Ré. Explicite-se que o direito do segurado à reparação / indemnização com base em contrato de seguro de danos próprios não depende apenas da prova dos danos, mas ainda da prova de que esses danos foram causados por um dos riscos cobertos pelo seguro, ou seja, da ocorrência do sinistro alegado e do nexo causal entre aquele e os danos [factos constitutivos do direito indemnizatório invocado]. Ergo, sem necessidade de maiores considerandos, a pretensão da Autora é integralmente improcedente (actore non probante, reus absolvitur, por referência ao n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil), quedando prejudicada a apreciação das restantes questões convocadas (n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil).”
Os Apelantes defendem, em síntese, que: feita a correção na decisão sobre a matéria de facto, os factos mostram-se integrados no risco “danos por água”, previsto na “condição especial 10 danos por água, das condições gerais”, na medida em que teve como causa uma rotura, defeito, entupimento ou transbordamento da rede interior de distribuição de água e esgotos do edifício onde se situa a fração “…”.
A Apelada discorda, argumentando, em suma, que: o sinistro objeto dos presentes autos não tem enquadramento nem na cobertura de “inundações”, nem na cobertura de “danos por água”, bem como, que deveria operar a exclusão da apólice de seguro, mormente, a Condição Especial 10, n.º 1, al. c), que expressamente exclui os danos causados por derrames de água provocados pela realização de obras de construção ou de reforma.
Apreciando.
Estabelece o art. 1.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, que “Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente.” Sendo este o conteúdo típico de um contrato de seguro, é fora de dúvida que estamos, no caso dos autos, perante um contrato de seguro do ramo multirriscos, sendo de referir, no que ora importa, que se trata de um contrato bilateral ou sinalagmático (do qual resultam obrigações para ambas as partes, visto a prestação da seguradora consistir na assunção do risco, por contrapartida do recebimento do prémio), oneroso (do mesmo resulta para ambas as partes uma atribuição patrimonial e um correspetivo sacrifício patrimonial) e aleatório (já que a prestação da seguradora fica dependente de um evento futuro e incerto). Neste sentido, a título exemplificativo, veja-se o acórdão do STJ de 15-01-2013 proferido na Revista n.º 3518/10.3TBVFR.P1.S1 (sumário disponível em www.stj.pt) e o acórdão do STJ de 24-04-2014 proferido na Revista n.º 6659/09.6TVLSB.L1.S1 (disponível em https://juris.stj.pt): “O contrato de seguro é um contrato bilateral, oneroso, aleatório, de mera administração, consensual, formal, de execução continuada, típico, de boa fé e de adesão, já que em regra uma das partes se limita a aderir aos termos que lhe são propostos, não ajustando o teor do contrato.”
Conforme resulta do disposto no art. 99.º do RJCS, o sinistro corresponde à verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o acionamento da cobertura do risco prevista no contrato. Importa, assim, apreciar, em primeiro lugar, se está verificado um sinistro abrangido pelas coberturas indicadas, sendo certo que, só a responder-se afirmativamente, será caso para apreciar dos demais pressupostos da responsabilidade civil contratual, de modo a que possa concluir-se pela obrigação, a cargo da Ré, de reparar os danos, dos beneficiários (do seguro), que foram invocados pelos Autores.
Como é consabido, pretendendo os Autores o cumprimento do contrato de seguro, sobre eles recai o ónus da prova da ocorrência do sinistro concreto e demais factos constitutivos do direito, ou seja, dos danos sofridos e do nexo de causalidade entre o sinistro e os danos, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do CC. Já quanto aos riscos excluídos da cobertura contratual do seguro, traduzindo-se em factos ou causas impeditivas do efeito jurídico dos factos alegados pelos Autores suscetíveis de obstar a que o direito destes se tenha, validamente, constituído, é à Ré, como defesa por exceção, que compete demonstrá-los (cf. art. 342.º, n.º 2, do CC).
De salientar ainda que a interpretação das declarações negociais, designadamente aquelas que integram as condições gerais e particulares de um contrato de seguro, deve ser feita à luz dos critérios fixados nos arts. 236.º e 237.º do CC, em que avulta, como principal critério interpretativo o do sentido normal da declaração, isto é, a teoria da impressão do destinatário (sabendo-se que, no contrato de seguro, o declaratário corresponde à figura do tomador médio, sem especiais conhecimentos jurídicos ou técnicos – assim, exemplificativamente, ac. RG de 15-04-2021 no proc. n.º 538/19.6T8BRG.G1), muito embora não podendo valer com um sentido que não tenha no respetivo texto um mínimo de correspondência (cf. art. 238.º, n.º 1, do CC). Na tarefa interpretativa, importa determinar o sentido que melhor corresponda à natureza e objeto do contrato, sendo de considerar, no tocante à “definição das garantias, dos riscos cobertos e dos riscos excluídos”, o sentido comum ou ordinário dos termos utilizados na apólice. Sem olvidar que, conforme disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 11.º do RRCCG (aprovado pelo DL n.º 446/85, de 25-10), as cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real, prevalecendo, na dúvida, o sentido mais favorável ao aderente, como é o caso do segurado num contrato de seguro, que é, sem dúvida, um contrato de adesão. Solução para a qual já apontaria, aliás, o art. 237.º do CC, nos termos do qual, em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações. Portanto, nos contratos de seguro deve, em caso de dúvida, prevalecer o sentido mais favorável a quem deles beneficia, de harmonia com a regra ambiguitas contra stipulatorum. Neste sentido, a jurisprudência pacífica do STJ ilustrada pelos acórdãos (todos com sumário disponível em www.stj.pt): 12-06-2003 na Revista n.º 1580/03; 17-02-2005 na Revista n.º 4788/04; 11-07-2006 na Revista n.º 1855/06; 29-01-2008 na Revista n.º 4422/07; 10-05-2011 na Revista n.º 1870/08.0TVLSB.L1.S1; 11-11-2020 na Revista n.º 4456/16.1T8VCT.G2.S1; e 26-01-2021 na Revista n.º 296/19.4YRPRT.S1.
Transpondo estas considerações para o caso em apreço, começamos por salientar que, não obstante, em linguagem corrente, possamos afirmar que ocorreu uma inundação no apartamento de que os 1.ºs Autores são proprietários, é claro que não tem cabimento convocar a Condição Especial 03, mas antes a Condição Especial 10, intitulada “Danos por água”, não se discutindo no presente recurso, atento o seu objeto, se, quanto aos danos verificados na fração situada no 12.º piso, está (ou não) verificada a previsão da Condição Especial 19, intitulada “Responsabilidade Civil Proprietário de Imóvel”.
A Condição Especial 10 garante os danos causados aos bens seguros em consequência de danos causados por água, quando a água provenha, com carácter súbito e imprevisto, de rotura, defeito, entupimento ou transbordamento da rede interior de distribuição de água e esgotos (incluindo nestes os sistema de esgoto de águas pluviais) do edifício onde se encontram os bens seguros, assim como dos aparelhos ou utensílios ligados à rede de distribuição de águas e esgotos do mesmo edifício e respetivas ligações.
Ora, atenta a matéria de facto provada, mormente nos pontos 26 e 26-a), é inevitável concluir que a ocorrência em apreço se enquadra, quanto aos danos ocorridos no apartamento dos Autores - e só quanto a estes -, na cobertura “Danos por água” do contrato de seguro multirriscos.
A Ré invocou, a este propósito, estar verificada uma causa de exclusão, por considerar que os danos foram causados por “Derrames de água provocados pela realização de obras de construção ou reforma”. No entanto, parece-nos evidente que essa causa de exclusão opera para situações em que, no decurso de trabalhos de construção ou reforma, ocorram derrames de água que sejam, assim, causa direta dos danos cujo ressarcimento é reclamado, não para os casos em que, meses mais tarde, como aqui sucedeu, vem a acontecer uma rotura na canalização.
Efetivamente, apenas tendo sido dado como provado que, em março de 2019, G … procedeu à substituição das loiças das casas de banho da fração “…”, concretamente à substituição das sanitas, cisternas dos autoclismos e tubagens exteriores que alimentam essas cisternas (ponto 24), obras que estavam concluídas há meses, não vemos motivo para considerar que tenham sido esses trabalhos de reforma que provocaram o derrame de água.
Ainda que se possa conjeturar que teria sido o defeito dos materiais empregues ou a forma defeituosa como os trabalhos foram realizados que veio a ocasionar a rotura e consequente fuga de água, o certo é que os trabalhos foram realizados e só meses depois aconteceu a rotura, não estando sequer demonstrado que a fuga de água se deveu a defeito dos trabalhos em questão. De qualquer forma, se a rotura fosse devida a problemas dessa natureza, isso igualmente nos remeteria para a verificação da cobertura, na medida em que se trataria de uma situação de água proveniente de defeito da rede interior de distribuição de água.
Portanto, ficou provada a ocorrência do sinistro, com a verificação, na fração de que os primeiros Autores são proprietários, de danos - danos causados por água -, danos esses cuja quantificação resulta dos pontos 23.1, 23.2. e 23.3. do elenco dos factos provados, não se descortinando fundamento para que a Ré não deva ser condenada no respetivo ressarcimento, face ao contrato de seguro multirriscos em apreço, pois não provou, como facto impeditivo desse direito, estar verificada a causa de exclusão que invocou, nem sequer requereu, em ampliação do âmbito do recurso, que fosse dado como provado o facto, constante da al. c) do elenco dos factos não provados, que havia alegado em sua defesa, ao pugnar pela aplicação do disposto no art. 570.º do CC, preceito que, assim sendo, não tem cabimento convocar.
A Ré não questionou a legitimidade substantiva dos Autores quanto ao direito a serem ressarcidos por estes danos, sendo os 1.ºs Autores os proprietários da fração autónoma segurada e a sociedade Autora comodatária/senhoria, tendo ficado provado que esta última assumiu o pagamento dos referidos danos, mediante acordo dos 1.º e 2.º Autores (que, segundo declarações de parte do Autor, serão seus acionistas).
A Ré defendeu sim que os Autores não têm direito a uma indemnização pelos danos verificados na fração situada no 12.º piso, da qual não são proprietários/comodatária, pois os mesmos não estão abrangidos pela cobertura “Danos por água”. Nisto assiste-lhe razão, como já vimos, não cumprindo, no presente recurso, apreciar se, face ao descrito nos pontos 18., 20. e 23.4., lhes assiste igualmente o direito à quantia parcelar aí indicada por força da Condição Especial 19, em que está prevista a cobertura atinente à “Responsabilidade Civil Proprietário de Imóvel”, pois tal questão (nova) não foi invocada pelos Apelantes, mormente na sua alegação recursória, pelo que, nesta parte, a ação não pode proceder.
Assim, procedem as conclusões da alegação de recurso, ao qual será concedido parcial provimento, com a revogação parcial da sentença recorrida, e a condenação da Ré no pagamento da quantia peticionada, deduzida do valor dos danos indicados no ponto 23.4., acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento (artigos 805.º e 806.º, ambos do CC, e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril).
Vencidas ambas as partes, são responsáveis pelo pagamento das custas processuais em ambas as instâncias, na proporção do decaimento (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida e, em substituição da mesma, condena-se a Ré a pagar aos Autores a quantia de 13.993,04 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até efetivo e integral pagamento, mantendo-se, quanto ao mais, a sentença recorrida.
Mais se decide condenar a Ré-Apelada e os Autores-Apelantes no pagamento das custas da ação e do recurso, na proporção do decaimento, que se fixa em 98% e 2%, respetivamente.
D.N.