PRAZO
CONTESTAÇÃO
PRAZO PEREMPTÓRIO
APOIO JUDICIÁRIO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
EXTINÇÃO DE DIREITOS
Sumário

SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC)
I – O prazo de 30 dias para a contestação previsto no art. 569.º do CPC é um prazo perentório, que se conta desde a citação e cujo decurso extingue o direito de praticar o ato (cf. art. 139.º do CPC).
II – Resulta do n.º 4 do art. 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, que a parte, quando requereu apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, tem o ónus de juntar aos autos o documento comprovativo da apresentação do requerimento de proteção jurídica - se o não fizer, em situações como a dos autos (em que a ré foi citada numa ação declarativa de processo comum), corre sério risco de não conseguir apresentar a sua contestação em tempo, ao não beneficiar da interrupção do prazo em curso para esse efeito.
III – Reconhece-se, numa interpretação teológica, sistemática e conforme à Constituição do referido art. 24.º, n.º 4, que a interrupção do prazo em curso (mormente para contestar) também se verifica quando haja notícia nos autos da concessão do benefício do apoio judiciário naquela modalidade, designadamente através da notificação feita pelo ISS da decisão final sobre o pedido de apoio judiciário ou com a comunicação ao Tribunal pela Ordem dos Advogados da nomeação de patrono, iniciando-se, de novo, a contagem do prazo nos termos previstos no n.º 5 do art. 24.º.
IV – No entanto, se, enquanto esse prazo estiver em curso, nenhuma notícia existir nos autos a respeito de um tal procedimento administrativo, esgotando-se um tal prazo (incluindo com a extensão consentida pelo art. 139.º do CPC), como sucedeu no caso dos autos, é inevitável considerar que se extinguiu o direito de praticar o ato, mormente, no que ora importa, o de apresentar contestação, não se afigurando que esta interpretação normativa mereça um juízo de inconstitucionalidade, à luz dos princípios consagrados nos artigos 13.º e 20.º da CRP.

Texto Integral

Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
A …, Ré na ação declarativa que, sob a forma de processo comum, contra si foi intentada, no Juízo Local Cível do Funchal, por B … (na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de C ... e de D …), interpôs o presente recurso de apelação do despacho que determinou o desentranhamento da Contestação.
Os autos tiveram início em 12-12-2023, com a apresentação de Petição Inicial, em que a Autora formulou o pedido de declaração da “resolução” do contrato de arrendamento (celebrado entre a então cabeça de casal da referida herança, como senhoria, e a Ré, como arrendatária) que tem por objeto o imóvel identificado no art. 1.º da PI, condenando-se a Ré a restitui-lo de imediato à Autora livre e desocupado, alegando, para tanto e em síntese, que o contrato foi celebrado em 20 de junho de 2014, pelo prazo de 2 anos, renovável por um ano, tendo sido comunicada, já em duas ocasiões, a oposição à renovação do contrato, não tendo a Ré desocupado o imóvel arrendado.
A Ré foi pessoalmente citada mediante carta registada com a/r, enviada (a 14-12-2023) para a sua residência, no Sítio do …, Santa Maria Maior (Funchal, ilha da Madeira), que a própria rececionou, conforme a/r junto aos autos em 21-12-2023, no qual está aposto o carimbo dos CTT do Funchal de …-…-2023.
Nessa carta consta a morada do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira - Juízo Local Cível do Funchal, bem como o horário de funcionamento, o n.º de telefone e o endereço de e-mail, bem como, além do mais, as seguintes informações (sublinhado nosso):
«Não responda sem um/uma advogado/a
Tenha em atenção que o prazo começa a contar no dia a seguir à assinatura do aviso de receção.
(…) Se quiser defender-se, responda a esta carta
Se não responder dentro do prazo, o tribunal pode achar que concorda e que foi por isso que não respondeu. A lei chama a isso a confissão dos factos.
É obrigatório ter um/uma advogado/a para se defender
Para contestar o que é dito no pedido contra si, vai precisar de um/uma advogado/a. Se não tiver meios económicos para pagar, consulte nesta carta a secção “Precisa de apoio judiciário?”.
Tem 30 dias para se defender
Se quiser contestar o que é dito no pedido contra si, o/a seu/sua advogado/a tem de responder no prazo de 30 dias após receber esta carta. Para saber como se conta este prazo, consulte nesta carta a secção “Como se contam os prazos”.
(…) Como se contam os prazos
O prazo para responder começa a contar no dia a seguir à assinatura do aviso de receção desta carta. Conta-se em dias corridos, incluindo fins de semana e feriados.
A contagem só fica suspensa durante as férias judiciais:
- entre 22 de dezembro e 3 de janeiro
- entre o domingo de Ramos e a segunda-feira de Páscoa
- entre 16 de julho e 31 de agosto.
O/A seu/sua advogado/a poderá dar-lhe mais informações sobre a contagem dos prazos.
Se esta carta se dirige a uma pessoa e não a uma entidade e se o aviso de receção foi assinado por outra pessoa, o prazo aumenta 5 dias.
Se o prazo terminar num dia em que o tribunal esteja fechado, ainda pode entregar a sua resposta no dia útil seguinte.
Precisa de apoio judiciário?
A Segurança Social presta apoio judiciário às pessoas que provem que não têm meios para pagar a taxa de justiça e outros custos do processo, ou para contratar um/uma advogado/a.
Se pensa ser esse o seu caso, contacte rapidamente a Segurança Social para conhecer os seus direitos. Não deixe passar o prazo para responder a esta carta.
O pedido de apoio judiciário pode interromper o prazo
Se pedir um/uma advogado/a à Segurança Social e nos informar disso, o prazo para responder a esta carta é interrompido. Note que o prazo só se interrompe se nos informar de que pediu o apoio. Não basta pedi-lo.
Quando tiver uma resposta ao seu pedido, o prazo começa a contar novamente do início, ou seja, volta a ter 30 dias para responder a esta carta.
● Se o seu pedido for recusado, o prazo recomeça a contar do início a partir da data em que receber a resposta da Segurança Social.
● Se o seu pedido for aceite, o prazo recomeça a contar do início a partir da data em que a Ordem dos Advogados lhe indicar quem é o/a seu/sua advogado/a.
O que fazer se pedir um/uma advogado/a
Antes do fim do prazo para responder a esta carta, envie-nos uma cópia do formulário que entregou à Segurança Social. É importante que essa cópia mostre a data em que fez o seu pedido de apoio judiciário.»
Em 08-02-2024, a Ordem dos Advogados comunicou nos autos que, na sequência do deferimento do pedido de apoio judiciário em que a Ré era beneficiária, havia sido nomeada para o patrocínio a Sr.ª Advogada aí identificada.
Em 09-02-2024, o Tribunal solicitou ao Instituto da Segurança Social da Madeira que informasse da resposta ao requerimento de proteção jurídica da Ré (mencionado na comunicação recebida da AO).
Em 12-02-2024, a Sr.ª Patrona nomeada apresentou requerimento solicitando acesso ao processo via Citius e juntando o ofício de nomeação pela AO (ofício enviado a 08-02-2024).
Em 12-02-2024, a Sr.ª Patrona informou, após contacto do Tribunal, que já tinha acesso ao processo eletrónico.
Em 19-02-2024, o Instituto da Segurança Social da Madeira enviou ofício informando que o aludido pedido de apoio judiciário havia sido deferido, por decisão de 08-02-2024, nas modalidades de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono, sendo o pagamento faseado no valor mensal de 80 €.
Em 06-03-2024, a Ré apresentou Contestação.
Após ter sido notificada da Contestação, a Autora veio, em 22-04-2024, apresentar requerimento em que pugnou pelo desentranhamento da Contestação, alegando ser extemporânea, considerando designadamente o disposto no art. 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, dando-se assim por confessados os factos alegados na Petição Inicial.
Em 23-04-2024, a Ré veio exercer o contraditório a este respeito, defendendo o prosseguimento dos autos sem que deva ser desentranhada a Contestação, alegando, em síntese, que apesar de essa informação constar da citação, a Ré nunca foi informada de que, após se dirigir a um serviço publico para tentar obter patrocínio judiciário, teria ainda que se dirigir a outro serviço público para informar de um tal facto; a norma constante do n.º 4 do art. 24.º deve ser alvo de uma interpretação corretiva.
Em 17-05-2024 foi proferido o Despacho recorrido, com o seguinte teor:
“Conforme claramente se extrai do artigo 24.º, nº 4 e 5, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, nos casos em que p benefício de apoio judiciário seja apresentado na pendência de ação e para contestar a mesma com nomeação de patrono, a interrupção do prazo só ocorre com a junção do documento comprovativo da apresentação do requerimento junto dos serviços competentes da Segurança Social.
Sendo a letra da lei clara e inequívoca, não acompanhamos a tese da interpretação restritiva ou correctiva, consoante os casos e deixando a decisão sujeita a critérios subjectivos, o que, também se nos afigura, não acarreta um ónus tal que comprometa o direito de acesso à justiça, tal como a ré pretende fundamentar a sua omissão.
Para além de se não poder retirar uma interpretação que não tenha, na letra da lei, qualquer apego, apelando a um critério objectivo (do homem médio, do diligente pai de família), não é de acudir a pretenso desconhecimento de algo que não implica qualquer instrução jurídica.
Sufraga-se, pois, o entendimento de que “conforme se salientou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-06-2021 (Pº 1546/20.0T8MAI-B.P1, rel. ANA PAULA AMORIM): “A junção aos autos de ação judicial do comprovativo da apresentação do pedido acautela a necessidade de comunicação entre procedimentos processados diante de entidades diferenciadas, pois o procedimento não constitui um incidente do processo judicial funcionando neste domínio a regra da autonomia (art.º 24º /1 do citado diploma).
Dado que o procedimento de concessão de proteção jurídica não constitui incidente do processo judicial a que se destina - nem sequer corre no tribunal -, torna-se necessário exigir a documentação daquele pedido na ação judicial de forma a garantir a segurança jurídica na definição do decurso dos prazos processuais tendo em conta o seu efeito interruptivo.
O ónus que recai sobre o requerente do benefício, justifica-se por ser a parte interessada em obter a interrupção do prazo para lhe permitir preparar a sua defesa.
O Tribunal Constitucional tem sistematicamente defendido que tal ónus não se revela excessivo:”[t]rata-se, com efeito, de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica” (cfr. Ac. R. Lx. de 30.03.2023, proc. 8822/22.5T8SNT.L1-2, in http://www.dgsi.pt).
Na situação vertente, a ré recebeu o aviso de citação em 18.12.2023 e apresentou a contestação apenas em 06.03.2024, tendo sido comunicado aos autos, pela Ordem dos Advogados, a nomeação de patrono à ré em 08.02.2024, data em que também foi expedida notificação à requerente do benefício.
Ora, nesta última data já havia decorrido integralmente o prazo de contestação, sem que tivesse sido junto aos autos qualquer documento comprovativo do pedido de apoio com nomeação de patrono, razão por que não se verificou a interrupção de qualquer prazo.
Destarte e pelos fundamentos expostos, a contestação é extemporânea e, como tal, determina-se o respectivo desentranhamento.
Custas do incidente pela ré, fixando-se a taxa de justiça em 1,5 Ucs.
Notifique.”
É com esta decisão que a Ré não se conforma, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto do despacho que determinou a rejeição da contestação apresentada pela Ré com o seu consequente desentranhamento, por extemporaneidade, condenando a Ré no pagamento de 1,5 U.C. pelo incidente.
II. O Tribunal a quo considerou que a não junção do comprovativo de pedido de apoio judiciário, não obstante a data do referido pedido, implica a não interrupção do prazo para contestar, não se podendo fazer qualquer interpretação corretiva ou ab-rogante que não tenha correspondência à letra da lei.
III. A Ré não se conforma com a douta decisão e dela interpõe o presente recurso.
IV. A Ré foi citada a 18.12.2023 e requereu, junto da Segurança Social, apoio judiciário na modalidade de isenção de pagamento de taxa de justiça, nomeação de advogado e atribuição de agente de execução a 20.12.2023.
V. Dois dias após a sua nomeação.
VI. Com o deferimento desse pedido, foi nomeada a patrona oficiosa apenas a 08.02.2024 que contestou a ação interposta contra a Ré a 06.03.2024, isto é, dentro dos 30 dias após a sua nomeação, de forma a garantir a defesa.
VII. A Ré desconhecia totalmente da obrigação/ónus que lhe incumbia, nomeadamente, de se deslocar até o tribunal e juntar o comprovativo de pedido de apoio jurídico.
VIII. Admitir que o comportamento missivo ou negligente da Ré pudesse impedir o seu direito à defesa e acesso ao direito e aos tribunais, quando tal auxílio foi requerido junto da entidade competente, seria uma violação extremamente gravosa desses direitos e do direito a um processo equitativo, consagrados no art. 13º e 20º da CRP.
IX. Não só a Ré ficaria despida do seu contraditório e direito de defesa como veria, nos termos do artigo 567º CPC, a petição inicial confessada, com a consequente declaração de despejo.
X. Uma petição inicial que omite diversos factos relevantes para a boa decisão da causa, que apenas poderiam ser trazidos através da contestação.
XI. Mais grave é, ainda, quando observadas as circunstâncias dos autos que não nos poderão ser indiferentes: a Ré é idosa, mulher de 84 anos, com pouca instrução e conhecimento processual e jurisdicional, que tem uma ação declarativa de despejo interposta contra si relativamente à casa que habita há mais de 40 anos.
XII. Neste sentido, importa não só importa considerar o desconhecimento da Ré mas também o facto de que nos autos não existirem atos que vieram a se revelar inúteis com a contestação, esvaziando-se o princípio da economia e gestão processual.
XIII. Isto é, não houve a prolação de qualquer decisão que tenha que, face à contestação/ omissão da Ré tenha de vir a ser anulado com a admissão “tardia” da contestação.
XIV. Face ao exposto, a Ré entende que a norma constante do n.º 4 do artigo 24º deveria ter sido alvo de uma interpretação corretiva por parte do Tribunal a quo.
XV. Ora, uma interpretação corretiva da lei é o procedimento pelo qual o resultado da interpretação literal da lei é afastado ou modificado pelo intérprete com fundamento em injustiça e inoportunidade.
XVI. O dispositivo do artigo 24º n.º 4 da Lei do Acesso ao Direito tem como ratio legis, salvo melhor entendimento, evitar que decorra um prazo peremptório e, nesse sentido, uma consequência nefasta, contra alguém que não tem possibilidade de contestar em prazo apenas devido às suas fracas e parcas condições económicas,
XVII. Bem como evitar a prolação por parte do tribunal de, como já se referiu, atos que se viriam a revelar inúteis.
XVIII. O espírito e unidade sistemática da Lei em causa procura garantir o acesso aos tribunais e ao direito independentemente das condições económicas do tutelado.
XIX. No presente caso, a interpretação da lei que permitisse a confissão dos factos constantes da petição inicial, resultando no despejo da Ré, somente e apenas porque não foi junto aos autos o documento que comprova o tempestivo requerimento de concessão de apoio judiciário, seria uma injustiça e um perigo para os direitos consagrados no art. 13º, 20º e até 24º da CRP.
XX. Inexiste motivo ou obstáculo, face ao exposto, para o afastamento de uma interpretação da lei que, face às circunstâncias in casu, interprete e aplique a norma de forma a que seja feita justiça e que garanta à Ré, cidadã, acesso ao direito através um processo justo e equitativo!
XXI. Neste sentido vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. n.º 2511/19.5T8CBR-A.C1 de 26.10.2020 no seu sumário, disponível in www.dgsi.pt e o Ac. Do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.º 13177/10.8/10.8T2SNT-A.L1-2 de 08.06.2017.
XXII. E também, sobre a nossa interpretação e posição, vide um repto do Exmo. Cons. Teles Pereira (relator no Ac. N.º 585/16 do Tribunal Constitucional que recusara a aplicação do artigo em questão).
XXIII. Face ao exposto, no modesto entendimento da recorrente, a interpretação perfilhada pelo douto Tribunal a quo violou o disposto no artigo 24º n.º 4 da Lei 34/2004 de 29 de Julho, bem como os artigos 13º, 20º e 24º da Constituição da República Portuguesa.
XXIV. Pelo que deve ser proferido douto acordo revogando o despacho recorrido e, em consequência, ser admitida a contestação deduzida pela Ré por tempestiva, com o prosseguimento dos seus termos posteriores dos autos, através de uma interpretação da norma e aplicação ao caso concreto que não culmine numa injustiça.
Terminou requerendo que seja dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida.
Foi apresentada alegação de resposta pela Autora, em que defendeu que seja negado provimento ao recurso, concluindo nos seguintes termos:
1. O Tribunal recorrido fez boa aplicação do Direito.
2. Entendeu bem o Tribunal recorrido ao rejeitar a contestação da Ré.
3. A Ré recebeu o aviso de citação em 18.12.2023 e só apresentou a sua contestação em 06.03.2024.
4. Nos autos, somente pela Ordem dos Advogados, e em 08.02.2024 foi comunicado a nomeação de patrono à Ré, tendo na mesma data sido expedida notificação à mesma desse benefício.
5. Pelo que se verifica que nessa última data de 08.022.2024 já havia decorrido integralmente o prazo de contestação;
6. Nunca antes, tendo sido junto aos autos qualquer documento comprovativo do pedido de apoio com nomeação de patrono e dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
7. Razão pela qual, e muito bem, não se verificou a interrupção de qualquer prazo.
8. Não pode a Ré se defender na tese de ser idosa, alegando para tanto ser “mulher de 84 anos, com pouca instrução e conhecimento processual e jurisdicional, que tem uma ação declarativa de despejo interposta contra si relativamente à casa que habita há mais de 40 anos.”, pois teve a instrução e conhecimento necessário de que teria que pedir apoio judiciário.
9. Face a isso entendemos que andou bem o Tribunal a quo ao rejeitar a contestação da Ré.
10. Pelo que deverá ser declarado totalmente improcedente o recurso apresentado pela Ré.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
A única questão a decidir é a de saber se a Contestação apresentada pela Ré não deve ser desentranhada.
Os factos com relevância para o conhecimento do objeto do recurso são os que constam do relatório supra.
Começamos por lembrar que o regime dos prazos processuais consta dos artigos 138.º a 143.º do CPC, em que avulta, com interesse para o caso, o art. 139.º do CPC, em cujos n.ºs 1, 2 e 3, se estabelece que: o prazo é dilatório ou perentório, sendo que o prazo dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um ato ou o início da contagem de um outro prazo, e o decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato.
À contagem dos prazos processuais ou fixados pelos Tribunais, aplicam-se as regras previstas no art. 279.º do Código Civil, por força do art. 296.º do mesmo Código.
É fora de dúvida que o prazo de 30 dias para a contestação previsto no art. 569.º do CPC é um prazo perentório, que se conta desde a citação, começando a correr desde o termo da dilação, quando a esta houver lugar.
Estabelece o art. 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho (diploma legal atinente ao acesso ao direito e aos tribunais), sob a epígrafe, “Autonomia do procedimento”, que:
1 - O procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com excepção do previsto nos números seguintes.
2 - Nos casos previstos no n.º 4 do artigo 467.º do Código de Processo Civil e, bem assim, naqueles em que, independentemente das circunstâncias aí referidas, esteja pendente impugnação da decisão relativa à concessão de apoio judiciário, o autor que pretenda beneficiar deste para dispensa ou pagamento faseado da taxa de justiça deve juntar à petição inicial documento comprovativo da apresentação do respectivo pedido.
3 - Nos casos previstos no número anterior, o autor deve efectuar o pagamento da taxa de justiça ou da primeira prestação, quando lhe seja concedido apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça, no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão que indefira, em definitivo, o seu pedido, sob a cominação prevista no n.º 5 do artigo 467.º do Código de Processo Civil.
4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.
Encontra-se aqui consagrado o princípio da autonomia do procedimento de apoio judiciário, com as restrições aí previstas, o qual não pode deixar de ser conjugado com outros princípios, em particular o do acesso ao direito e aos tribunais (cf. 20.º da CRP – estando expressamente prevista a proibição de denegação da justiça por insuficiência de meios económicos). Conforme vem sendo reconhecido pela generalidade da jurisprudência, resulta do citado n.º 4 do art. 24.º que a parte, quando requereu apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, tem o ónus de juntar aos autos o documento comprovativo da apresentação do requerimento de proteção jurídica, sendo que, se o não fizer, em situações como a dos autos, corre sério risco de não conseguir apresentar a sua contestação em tempo, ao não beneficiar da interrupção do prazo em curso para esse efeito.
Até se nos afigura que o desejável seria, assim o estado das coisas o permitisse (mormente dos serviços e meios tecnológicos disponíveis), uma interligação de plataformas (dos ISS e dos Tribunais Judiciais e TAF) que permitisse uma automática comunicação nos processos pendentes nos tribunais da apresentação do pedido de apoio judiciário, mecanismo bem mais vantajoso do que o atualmente previsto no citado preceito legal ou até do que as alternativas legais (a equacionar no plano do Direito a constituir) de impor ao tribunal o dever de averiguar da eventual pendência de pedidos de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, junto do competente Instituto da Segurança Social, ou de conferir a este Instituto o dever de comunicar ao Tribunal a apresentação de um tal requerimento de proteção jurídica, à semelhança do que sucede com os deveres de notificação previstos nos artigos 25.º, n.º 5, e 26.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004. Na verdade, se já são tão frequentes os atrasos no cumprimento destes deveres apesar de expressamente previstos na lei, por certo a introdução de deveres acrescidos para os serviços dos Tribunais e da Segurança Social teria reflexos nefastos na regular e célere tramitação dos processos, em prejuízo do eficiente funcionamento do sistema de administração da justiça.
De salientar, todavia, que a lei não exige que a junção do documento comprovativo da apresentação do pedido de apoio judiciário seja feita pela parte. Considerando a razão de ser da norma (que consagra um mero ónus) e tendo presentes o referido princípio constitucional, bem como o disposto nos artigos 24.º, n.º 5, 30.º e 31.º da mesma Lei, é de reconhecer, numa interpretação teológica, sistemática e conforme à Constituição do art. 24.º, n.º 4, que a interrupção do prazo em curso (mormente para contestar) se dá também, até por maioria de razão, com a notícia nos autos da concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, designadamente com a notificação feita pelo ISS da decisão final sobre o pedido de apoio judiciário ou até com a comunicação ao Tribunal pela Ordem dos Advogados da nomeação de Patrono (pois não deixam de ser documentos comprovativos da apresentação do “requerimento com que é promovido o procedimento administrativo” – não pode haver decisão final sem prévia apresentação do respetivo requerimento de proteção jurídica), iniciando-se, de novo, a contagem do prazo nos termos previstos no n.º 5. Nesta linha de pensamento, veja-se o acórdão da Relação do Porto de 10-07-2024, proferido no proc. n.º 1388/22.8YLPRT-A.P1, disponível em https://jurisprudencia.pt/acordao/226318/pdf/, e a jurisprudência aí indicada (nota de rodapé 12), bem como o acórdão da Relação de Évora de 23-05-2024, proferido (por maioria) no proc. n.º 2467/22.7T8ENT-A.E1, disponível em www.dgsi.pt, conforme se alcança do respetivo sumário com o seguinte teor:
«1. O artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29/7, que regula o Acesso ao Direito e aos Tribunais, ao referir que, “o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento”, não atribui ao patrocinado a exclusividade dessa junção.
2. A comunicação da Ordem dos Advogados ou da Segurança Social dando conta do deferimento de nomeação de patrono constitui um plus em relação ao comprovativo da apresentação do requerimento precedente, com pedido de nomeação de patrono.
3. Se este último, comunicado ao tribunal no prazo em curso para contestar, tem potencialidade para interromper esse prazo, aquela comunicação, uma vez junta aos autos no prazo em curso, tem idêntico potencial interruptivo, porque agrega em si mesmo o requerimento e a resposta dada, suprindo a sua falta.
4. Desse modo, tal comunicação, junta no prazo em curso, interrompe o prazo em curso.»
(posição que tem sido adotada também no âmbito de processos penais, conforme acórdão da Relação de Coimbra de 14-09-2022, no proc. n.º 300/21.6SBGRD-A.C1, disponível em www.dgsi.pt).
No entanto, se, enquanto esse prazo estiver em curso, nenhuma notícia existir nos autos a respeito de um tal procedimento administrativo, esgotando-se um tal prazo (incluindo com a extensão consentida pelo art. 139.º do CPC), então haverá que considerar que se extinguiu o direito de praticar o ato, mormente, no que ora importa, o de apresentar contestação. Efetivamente, como também se afirma no acórdão da Relação do Porto de 10-07-2024, “o referido comprovativo tem que ser junto aos autos antes de terminar o prazo para a prática do ato, pois que, se ele for junto aos autos quando o prazo, para a efeito, já se tenha extinguido, a sua apresentação tardia já não tem o condão de interromper o prazo, por este já não se encontrar em curso, estando antes extinto, pelo que não se pode interromper um prazo que já se havia acabado, se havia extinguido.”
Não se nos afigura que esta interpretação normativa mereça um juízo de inconstitucionalidade, parecendo-nos ser pacífica, ou pelo menos largamente dominante, a jurisprudência, incluindo do Tribunal Constitucional, que considera não se tratar de um ónus desproporcionado, lesivo do direito constitucional de acesso ao direito e à justiça, destacando-se, a título exemplificativo:
- os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 98/2004, de 11-02-2004, e n.º 285/2005, de 25-05-2005 (estes ainda a respeito da norma contida no art. 25.º, n.º 4, da Lei n.º 30-E/2000), n.º 350/2016, de 07-06-2016, e n.º 859/2022, de 21-12-2022, publicados em www.tribunalconstitucional.pt, tendo sido decidido neste último “Não julgar inconstitucional o artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, quando interpretado no sentido de fazer depender a interrupção do prazo em curso na ação judicial pendente da junção aos autos do documento comprovativo da apresentação de pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono”;
- o acórdão da Relação de Guimarães de 10-07-2023, proferido no proc. n.º 1077/22.3T8BGC.G1 (disponível em www.dgsi.pt):
«I - Decorre do art. 24º, nº 4, da Lei 34/2004, de 29.7, que o que interrompe o prazo em curso não é a formulação do pedido de nomeação de patrono junto dos serviços da Segurança Social, mas sim a junção aos autos do documento comprovativo de tal pedido ter sido formulado.
II - A comprovação de apresentação desse pedido tem de ser efetuada enquanto o prazo estiver em curso, pois não é suscetível de interrupção um prazo que já decorreu integralmente, sendo sobre o requerente que impende o ónus de efetuar tal junção.
III - Tal falta de comunicação por parte do requerente pode ser suprida, com a consequente interrupção do prazo, se, ainda no seu decurso, for junta ao processo informação, ainda que prestada pela Segurança Social ou pela Ordem dos Advogados, de que o pedido de nomeação de patrono foi formulado e deferido.
IV - A norma do art. 24º, nº 4, interpretada no sentido de que impende sobre o requerente a obrigação de comunicar no processo que formulou pedido de nomeação de patrono, não é inconstitucional, visto que se trata de “uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica”.»
- o acórdão da Relação do Porto de 10-07-2024, proferido no proc. 1388/22.8YLPRT-A.P1, acima citado, com resenha de jurisprudência na nota de rodapé 10 e considerações que, no essencial, acompanhamos, designadamente quanto à razão de ser da norma em apreço, explicando-se que “(A) junção aos autos na ação judicial do comprovativo da apresentação do pedido acautela a necessidade de comunicação entre procedimentos processados diante de entidades diferenciadas, pois que ele não constitui um incidente do processo judicial funcionando neste domínio a regra da autonomia (cfr. artigo 24.º, nº 1 do citado diploma).
E, por assim ser, isto é, por o procedimento de concessão de proteção jurídica não constituir incidente do processo judicial a que se destina-nem sequer corre no tribunal-, torna-se necessário exigir a documentação daquele pedido na ação judicial de forma a garantir a segurança jurídica na definição do decurso dos prazos processuais tendo em conta o seu efeito interruptivo.
O ónus que recai sobre o requerente do benefício, justifica-se por ser a parte interessada em obter a interrupção do prazo para lhe permitir preparar a sua defesa.”
- o acórdão da Relação de Lisboa de 26-09-2024, proferido no proc. n.º 10119/23.4T8LSB-A.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, em que a ora Relatora interveio como 1.ª Adjunta, em cujo sumário se refere designadamente que:
“I – Decorre do disposto no nº. 4º, do artº. 24º, da Lei.º 34/2004, de 29 de Julho, incumbir ao requerente do apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, e parte interessada na interrupção do prazo que estava a correr, juntar cópia do respectivo pedido apresentado à entidade administrativa ao processo para o qual requereu aquele benefício;
II – tal conduta activa legalmente imposta ao requerente de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, ao exigir que documente nos autos a apresentação do requerimento de apoio judiciário nos serviços de segurança social, não traduz uma maior exigência do que a prévia conduta activa que tem de assumir para requerer a concessão daquele benefício junto dos serviços da entidade administrativa competente;
III – tal normativo tem por desiderato tutelar o interesse na estabelecimento e salvaguarda dos prazos peremptórios processualmente disciplinadores, e não apenas o de acautelar, evitando, anulações de actos processuais, posteriormente praticados no desconhecimento da apresentação tempestiva do requerimento do apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono;
(…) VI – até à apresentação da contestação por parte do Réu, bem como do teor da prova documental que a acompanhava, comprovativa do pedido de apoio judiciário deduzido, na modalidade de nomeação de Patrono, e seu consequente deferimento, não constava dos autos qualquer informação nesse sentido, quer por parte da Segurança Social, quer por parte da Ordem de Advogados que, a ter sido apresentada até ao terminus do prazo para a dedução de contestação, sempre seria aproveitável para o desiderato de obtenção daquela informação por parte do Tribunal, a justificar a interrupção do prazo em curso.”
De salientar que no mencionado acórdão do TC de 21-12-2022 consta uma resenha da jurisprudência desse Tribunal e extensas considerações, incluindo a respeito da ratio da norma em apreço, aí se referindo que o juízo de não inconstitucionalidade “deverá naturalmente ser reponderado e revisto quando for disponibilizada uma plataforma informática que permita a interação entre os dois sistemas, ato que, apesar de já perspetivado em legislação publicada (v. supra, o n.º 13), não foi ainda concretizado”. De entre essas considerações, para as quais remetemos, por economia, parece-nos importante sublinhar o entendimento aí plasmado de que “não é excessivo subordinar a interrupção do prazo em curso na ação para intervenção na qual foi solicitada a nomeação de patrono da junção de cópia do requerimento de apoio judiciário apresentado nos serviços de segurança social, porque este é um ato que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e, portanto que a parte pode praticar por si só, observando aquele mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica. Acautela-se a necessidade de comunicação entre procedimentos processados diante de entidades diferenciadas, sem fazer impender sobre o beneficiário um ónus desproporcionado.” Mais tendo sido considerado pelo Tribunal Constitucional, nesse acórdão, não haver dúvidas de que o ónus se mantém funcionalmente orientado para a segurança jurídica inerente ao regime de prazos e, consequentemente, dos valores da celeridade processual e da eficiência do sistema de administração da justiça; e que subsiste a necessidade desta solução normativa, enquanto não for possível disponibilizar a informação de forma desmaterializada e em tempo real, não podendo afirmar-se que opções alternativas como impor à segurança social o dever de comunicar a apresentação do pedido de apoio judiciário ao tribunal da causa, ou ao tribunal da causa o dever de diligenciar oficiosamente pela obtenção dessa informação junto da segurança social, teriam o mesmo grau de eficácia ou sequer um grau aproximado,
Não nos parece, pois, que assista razão à Apelante quando invoca a inconstitucionalidade da interpretação normativa feita na decisão recorrida, à luz dos artigos 13.º, 20.º e 24.º da Constituição da República Portuguesa (aliás, este último, atinente ao direito à vida, terá talvez sido mencionado por lapso). A jurisprudência que a Apelante invoca em prol dessa sua posição resume-se ao acórdão da Relação de Lisboa de 08-06-2017, proferido no proc. n.º 13177/10.8T2SNT-A.L1-2, e ao acórdão da Relação de Coimbra de 26-10-2020, proferido no proc. n.º 2511/19.5T8CBR-A.C1, ambos relatados pela mesma Sr.ª Desembargadora e disponíveis para consulta em www.dgsi.pt, cujas considerações são idênticas (aí se mencionando também o voto de vencido do Conselheiro João Caupers no ac. do TC 585/16), olvidando a Apelante que, como uma leitura atenta desses acórdãos demonstra, nos mesmos se entendeu que não tinha cabimento “insistir pela inconstitucionalidade da norma em apreço, atenta a jurisprudência consolidada acima referida”, antes se fez, na esteira do que se considerou ser um “repto do Conselheiro Teles Pereira” no acórdão do TC n.º 585/16, a interpretação do citado art. 24.º, n.º 4, partindo do princípio, nessa tarefa hermenêutica, que o legislador se exprimiu desadequadamente quando (parece) fazer depender a interrupção do prazo em curso do ato da junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo; daí que se tenha entendido, conforme consta do respetivo sumário, que:
“I - É diversa a razão de ser da existência do ónus imposto ao requerente de apoio judiciário no art 24º/4 da Lei nº 34/2004, de 29/7, e a razão de ser da interrupção do prazo judicial em curso.
II - O objetivo da imposição daquele ónus - de dar a conhecer nos autos ter-se requerido a nomeação de patrono na pendência do prazo judicial em curso – está em se evitar dispêndio processual, pretendendo evitarem-se anulações de actos.
III - A razão da interrupção do prazo judicial em curso é anterior, autónoma e bem mais nobre do que aquela outra - está em se assegurar o direito à defesa a quem por insuficiência económica tem que recorrer à proteção judiciária e, por isso, verifica-se, sempre e meramente, em função do atempado requerimento de nomeação de patrono.
IV - Porque o direito à Justiça o exige, não pode fazer-se depender esse efeito interruptivo de um comportamento da parte que requereu o apoio judiciário nessa modalidade, antes tem que se preservar esse efeito em quaisquer situações.
V - Nas situações em que a pendência processual não permita às secções a vigilância permanente dos prazos, e em que o processo acaba por vir concluso já com a defesa do requerente de apoio judiciário apresentada pelo patrono que entretanto lhe foi nomeado, desde que se constate que esse apoio judiciário foi atempadamente requerido na Segurança Social, não poderá deixar de se manter o efeito interruptivo do prazo em curso.
VI - Nessas situações impõe-se uma interpretação ab-rogante valorativa da norma do art 24º/2 da Lei nº 34/2004, porque nada havendo a anular, não apresenta a mesma qualquer conteúdo útil.
VII - Nas demais situações, vindo o processo concluso findo o prazo da apresentação da defesa sem que esta se mostre apresentada, a dúvida a respeito de uma pendente nomeação de patrono que atempadamente tenha interrompido o prazo para a sua apresentação implicará que numa interpretação corretiva da referida norma se imponha ao juiz que, ao invés de proceder de imediato ao cumprimento do disposto no art 567º, oficie primeiro à Segurança Social no sentido desta informar a respeito daquela possível pendência.”
Salvo o devido respeito por esta posição, entendemos pelas razões acima expostas e considerando o disposto nos artigos 8.º e 9.º do Código Civil, não se justificar esta interpretação ab-rogante da norma, não se vendo fundamento legal para considerar interrompido um prazo em curso quando nenhum documento seja junto aos autos comprovando a existência de um procedimento administrativo de proteção jurídica.
No caso concreto, considerando que a Ré foi citada em 18-12-2023, o termo do prazo para contestar foi no dia 30 de janeiro de 2024, terça-feira (considerando as férias judiciais de Natal e as regras previstas no art. 138.º do CPC), sendo que poderia ainda praticar esse ato nos 3 dias úteis seguintes nos termos do art. 139.º do CPC (31 de jan., 1 e 2 de fev.).
Durante todo esse prazo não foi junto aos autos, mormente pela Ré, o documento comprovativo da apresentação do requerimento de proteção jurídica (ou sequer da sua concessão ou a informação atinente à nomeação de patrono), razão pela qual o prazo para contestar nunca se chegou a interromper.
De salientar que a Ré tão pouco deduziu incidente de justo impedimento, cuja consagração legal, como válvula de escape de sistema, reforça o juízo de não inconstitucionalidade normativa.
Não podemos deixar de chamar a atenção para a circunstância de a citação da Ré ter sido efetuada mediante carta registada com a/r que a própria rececionou e, por certo, compreendeu, face à clareza da informação aí contida, tanto assim que requereu, em tempo útil, o benefício do apoio judiciário.
Não lhe basta, pois, alegar, sem o demonstrar que “desconhecia totalmente da obrigação/ónus que lhe incumbia, nomeadamente, de se deslocar até o tribunal e juntar o comprovativo de pedido de apoio jurídico”, sendo certo que não deduziu, com a sua contestação, incidente de justo impedimento e até revelou conhecer a informação que constava da carta de citação, da qual resulta que lhe bastaria ter enviado, para a morada ou endereço de e-mail indicados na carta, cópia do pedido que apresentou no ISS.
Portanto, o que a Ré pretende é, no fundo, que, pela circunstância de ter requerido apoio judiciário (e supostamente ter uma idade avançada e pouca instrução – factos irrelevantes), poder beneficiar de um tratamento mais favorável do que o legalmente previsto para os demais cidadãos, na medida em que a tese que propugna redunda numa espécie de dilação ou prorrogação do prazo para contestar, em violação de lei expressa e sem nenhuma justificação (o que, isso sim, poderia atentar contra o princípio da igualdade - cf. art. 13.º da CRP).
 De modo algum se nos afigura, repetimos, que estejam a ser violados os princípios constitucionais invocados pela Apelante, em particular os consagrados no art. 20.º da CRP, em matéria de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, em particular os princípios enformadores de um processo equitativo, com destaque para os do contraditório e da proibição da indefesa. Na verdade, a Ré foi citada em termos claros e, como qualquer cidadão medianamente diligente que seja demandado em tribunal, impunha-se que diligenciasse para que a sua defesa pudesse ser deduzida, com respeito pela lei processual civil, que a todos se aplica, e da qual constam princípios fundamentais, em particular o da autorresponsabilidade das partes.
De salientar, por último, que continua a estar plenamente assegurado nos autos o patrocínio judiciário, apenas não podendo a Ré esperar que a contestação que apresentou em 06-03-2024, muito para lá do prazo de 30 dias, pudesse ser admitida, fazendo tábua rasa das citadas disposições legais cujo conteúdo útil lhe foi transmitido de forma clara e sintética aquando da  sua citação, em que foi expressamente advertida de que dispunha do prazo de 30 dias para contestar, como se contava esse prazo e de que o mesmo só se interrompia se informasse o Tribunal de que havia pedido o apoio judiciário.
Assim, improcedem as conclusões da alegação de recurso.
Vencida a Ré, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.
Mais se decide condenar a Apelante no pagamento das custas do recurso, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
D.N.

Lisboa, 19-12-2024
Laurinda Gemas
Susana Mesquita Gonçalves
Fernando Caetano Besteiro