EFEITO SUSPENSIVO DE RECURSO
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
ALEGAÇÃO DE PREJUÍZO CONSIDERÁVEL
FIXAÇÃO DO VALOR A CAUCIONAR
IDONEIDADE DE CAUÇÃO
PRESTAÇÃO POR MEIO DE HIPOTECA
HIPOTECA SOBRE BEM DE TERCEIRO
Sumário


I. Pretendendo o recorrente que seja atribuído efeito suspensivo ao recurso de apelação que interpôs, nos termos do n.º 4 do art.º 647.º do CPC, terá que, no próprio requerimento de interposição de recurso, alegar factos concretos que permitam concluir que a execução imediata da decisão recorrida lhe causará um prejuízo considerável (sob pena de, não o fazendo então, deixar sem fundamento legal o simultâneo incidente de prestação de caução que deduza).

II. Na fixação do valor a caucionar, dever-se-á atender ao quantitativo provável do crédito reconhecido pela sentença recorrida; e, por isso, abrange quer a parte líquida da condenação, quer a sua eventual parte ilíquida (sendo que, neste último caso, tendo sempre como limite o valor do pedido inicialmente formulado).

III. A idoneidade da caução pressupõe as respectivas: propriedade, caracterizada pela adequação do modo da sua prestação à realização dos fins da caução; e suficiência, caracterizada por assegurar a satisfação integral da obrigação de que é garantia.

IV. Não obsta à prestação de caução por meio de hipoteca o mero facto do imóvel ou direito sobre a qual deva ser constituída pertencer a terceiro.

V. Sendo a caução oferecida por meio de hipoteca, terá de ser apresentada certidão do respectivo registo provisório e dos encargos inscritos sobre o bem ou direito sobre que incida, por só assim: se habilitar a parte contrária e o próprio tribunal a verificar posteriormente a idoneidade da caução em causa; e, no caso de hipoteca que incida sobre bem ou direito de terceiro, se poder ter a certeza de que este efectivamente conheceu e anuiu à sua constituição, ficando igualmente consciente dos seus termos essenciais (v.g. montante do crédito garantido).

VI. Sendo em regra de considerar como valor do imóvel, para efeito de prestação de caução, o respectivo valor patrimonial tributável (nomeadamente, quando actualizado), o mesmo só poderá ser corrigido (nomeadamente, por meio de avaliação a realizar por um único perito nomeado pelo tribunal) quando o recorrente haja alegado no seu requerimento inicial um diferente valor de mercado (não aceite depois pela parte contrária).

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. EMP01..., S.A., com sede na Avenida ...,
1996, Apartado ...40, em ... (aqui Requerente), deduziu incidente de prestação de caução (fazendo-o por apenso à acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, proposta contra ela por EMP02..., Alugueres, Limitada, onde interpôs recurso de apelação da sentença aí proferida, que a condenou pagar à aí autora «a quantia de € 27274,95 (…), acrescida de juros de mora às taxas de juros comerciais, sucessivamente vigentes, desde a data de vencimento das fatura até efectivo e integral pagamento»), contra EMP02..., Alugueres, Limitada, com sede em Rua ..., ..., em ..., ... (aqui Requerida), pedindo que

· fosse autorizada a prestar caução, por meio de hipoteca e por valor a fixar na decisão a proferir no incidente respectivo.

Alegou para o efeito pretender que fosse fixado efeito suspensivo (e não meramente devolutivo, que «habilitaria a Autora a lançar mão da execução provisória da decisão») ao recurso de apelação interposto por si própria da sentença condenatória proferida pela 1.ª instância.
Mais alegou pretender prestar para o efeito hipoteca sobre um imóvel livre e devoluto (que identificou), juntando cópia da respectiva caderneta predial.

1.1.2. Consta da caderneta predial junta pela Requerente (EMP01..., S.A.) que o prédio sobre o qual se ofereceu para constituir hipoteca é urbano; localiza-se na Avenida ..., lugar de ..., freguesia ..., concelho ...; encontra-se inscrito em nome de EMP03..., Limitada, com sede na Avenida ..., em ..., em propriedade plena; tem um único piso, sendo a área total do terreno de 3.018.000 m2 e sendo, quer a área de implantação do edifício, quer a área bruta de construção, quer a área bruta privativa, de 65.0000 m2; e tem como valor patrimonial € 16.116,71, valor esse determinado no ano de 2022.

1.1.3. Regularmente notificada, a Requerida (EMP02..., Alugueres, Limitada) deduziu oposição, pedindo que não fosse admitida a prestação de caução.
Alegou para o efeito não ser o prédio em causa idóneo para o efeito pretendido, não só por ter apenas o valor patrimonial de € 16.166,71 (quando a Requerente foi condenada a pagar-lhe a quantia de € 27.274,95, acrescida de juros de mora, calculados à taxa aplicável às operações comerciais, contados até integral pagamento), como ainda por não ser de sua propriedade (falecendo-lhe, por isso, legitimidade para requerer ou constituir hipoteca sobre ele).
 A Requerida (EMP02..., Alugueres, Limitada) juntou cópia de certidão do registo predial do prédio em causa, surgindo o mesmo inscrito em nome de EMP03..., Limitada, com sede na Avenida ..., em ....

1.1.4. Foi proferida sentença, julgando inidónea a caução oferecida pela Requerente (EMP01..., S.A.), lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
In casu, a autora opôs-se à prestação de à prestação de caução oferecida pela ré.
Ora, a caução a prestar pela ré apresenta-se, inequivocamente, como uma medida de garantia patrimonial do crédito peticionado pela autora, pelo que o montante a fixar deverá ser adequado e proporcional ao valor da quantia a garantir.
Assim, atento o valor do capital em que a ré foi condenada (€27274,95) e dos respectivos juros, entendemos que a garantia de hipoteca legal sobre o imóvel apresentado, que tem um valor patrimonial muito inferior (€16.116,71) se revela inidóneo a garantir o crédito, tanto mais que o referido prédio não pertence à ré, como se comprova pela certidão do registo predial apresentado pela autora
Por conseguinte, importa julgar inidónea a caução oferecida pela ré

*
Registe e notifique.
 Custas pela ré/apelante – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Uma vez transitado, conclua nos autos principais, a fim de ser proferido despacho sobre o requerimento de recurso.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformada com esta sentença, a Requerente (EMP01..., S.A.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido e se ordenasse a baixa dos autos a fim de ser determinado o valor do prédio oferecido para sobre ele se constituir hipoteca.
 
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

A - O facto de o bem oferecido em garantia pertencer a terceiro não constitui factor que permita concluir pela inidoneidade da garantia, conquanto, a relação de garantia é uma relação autónoma e que pode ser prestada por terceiros com referência às partes em litígio, sendo bastante apenas que o terceiro se disponha a prestar a garantia e a lavrar o registo em benefício do tribunal e do valor garantido, não podendo o garante opor esta sua qualidade de terceiro.

B - A determinação do valor do bem com recurso ao VPT determinado para efeito de lançamento do imposto, não corresponde à determinação do valor intrínseco do bem, em especial, quando há elementos decorrentes nomeadamente das características constantes da caderneta predial que permitam a conclusão de que o valor intrínseco do bem é superior ao do seu VPT.

C - Sendo suscitada a questão pela parte contrária da insuficiência do valor do bem, em face do VPT apresentado pelo mesmo, o tribunal, por se tratar de matéria de carácter excepcional, não deve decidir sem que previamente proceda à audição da parte contrária para se pronunciar.

D - Constitui facto público e notório que o valor dos terrenos para construção por m2 é superior a Euros 50,00, razão pela qual, constando da caderneta predial a área do prédio em causa, o tribunal está em condições de, por via de juízo de prognose, poder concluir que o valor intrínseco do bem é superior ao VPT do mesmo.
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1.2.2. Contra-alegações
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, nºs. 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [1], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pela Requerente (EMP01..., S.A.), duas questões encontram-se submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem:

1.ª Questão - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito, nomeadamente ao considerar inidónea para prestação de caução a hipoteca a constituir sobre um prédio de terceiro (e não da própria Requerente) ?

2.ª Questão - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito, nomeadamente ao considerar insuficiente o valor patrimonial do prédio oferecido para hipoteca, fazendo-o sem ouvir a Requerente (quando a questão foi suscitada em sede de oposição) ?
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação das questões enunciadas, encontram-se assentes nos autos os factos elencados em «I - RELATÓRIO» (relativos ao seu processamento), que aqui se dão por integralmente reproduzidos, nessa reprodução se incluindo o teor integral das peças do processo referidas (v.g. sentença proferida pelo tribunal a quo e o recurso dela interposto).
*
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

3.1. Prestação espontânea de caução - Fundamento
3.1.1. Efeito suspensivo de recurso
Lê-se no art.º 913.º, n.º 1, do CPC que, «sendo a caução oferecida por aquele que tem a obrigação de a prestar, deve o autor indicar na petição inicial, além do motivo por que a oferece e do valor a caucionar, o modo por que a quer prestar» (com bold apócrifo).

Está-se aqui perante o processo especial de prestação espontânea de caução, que acautela situações-tipo em que o exercício de determinados direitos está dependente da prestação de caução, sendo a mesma oferecida pelo respectivo titular [2].
A sua disciplina é ainda aplicável à prestação de caução como incidente em causa já pendente, conforme art.º 915.º, n.º 1, do CPC, onde se lê que o «disposto nos artigos anteriores é também aplicável quando numa causa haja fundamento para uma parte prestar caução a favor da outra, mas a requerida é notificada, em vez de ser citada, e o incidente é processado por apenso». Ora, também aqui a prestação de caução constitui uma condição para a obtenção de uma vantagem processual.
Contudo, quer em sede de processo especial de prestação de caução, quer em sede de incidente de prestação de caução, o valor de um e de outro «é determinado pela importância a caucionar» (art.º 304.º, n.º 2, do CPC).
*
Mais se lê, no art.º 647.º, n.º 1, do CPC, que a «apelação tem efeito meramente devolutivo».
Logo, a regra actual (consentânea com a evolução legislativa registada quanto aos efeitos do recurso de apelação) vai no sentido de uma sucessiva redução dos casos de atribuição de efeito suspensivo, agora praticamente limitado às acções sobre o estado das pessoas e àquelas em que está em causa o arrendamento ou a habitação (conforme n.º 3 do art.º 647.º citado).

Mais se lê, no n.º 4 do art.º 647.º do CPC, que «o recorrente pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efectiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal».
Logo, e antes de mais, importa que se esteja perante uma decisão exequível, isto é, que o prejuízo considerável que se pretende evitar (com a atribuição de efeito devolutivo ao recurso interposto daquela) resulte precisamente da sua execução.
Importa ainda que o prejuízo invocado revista a natureza de considerável, ficando assim afastado, para este efeito, o prejuízo não considerável, isto é, sem gravidade ou de gravidade reduzida.
Contudo, este «prejuízo considerável», uma vez alegado, deverá corresponder, não a um mero juízo de probabilidade, a um simples receio correspondente a um estado de espírito que derivou de uma apreciação ligeira da realidade, mas sim a um juízo assente em factos concretos, que o revelam à luz de uma prudente apreciação (não bastando, para isso, o receio subjectivo, porventura conjecturado e exagerado, do recorrente, nesse sentido).
Compreende-se, por isso, que se afirme que a «atribuição casuística de efeito suspensivo depende da iniciativa do recorrente, a integrar no próprio requerimento de interposição de recurso, devendo alegar os factos cuja apreciação permita concluir pela verificação do específico periculum a que a lei se reporta» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Julho de 2013, pág.176) [3].
           
Não se exige assim, para além dos referidos requisitos (interposição e admissão de um recurso de apelação, verificação de um prejuízo considerável decorrente da imediata execução da decisão recorrida e disposição de prestar caução), que o requerente demonstre quaisquer outros [4].

O incidente de prestação de caução, neste particular caso do art.º 647.º, n.º 4, do CPC, tem natureza urgente (conforme n.º 2 do art.º 915.º do CPC) [5].
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3.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que, tendo a aqui Requerente (EMP01..., S.A.) sido condenada nos autos principais - onde é ré - a pagar à aqui Requerida (EMP02..., Alugueres, Limitada) - ali autora - «a quantia de € 27274,95 (…), acrescida de juros de mora às taxas de juros comerciais, sucessivamente vigentes, desde a data de vencimento das faturas até efectivo e integral pagamento», interpôs recurso dessa sentença.
Mais se verifica que, no recurso que interpôs, alegou expressamente que o mesmo era de «apelação, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo, para o que com o presente requerimento, se requer a prestação de caução destinada a obter o efeito suspensivo do recurso».
Verifica-se ainda que, para além deste pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto, a Requerente (EMP01..., S.A.) nada disse, ainda que perfunctoriamente, quanto ao prejuízo considerável que a execução imediata da sentença lhe causaria, isto é, não só não alegou quaisquer factos tendentes a consubstanciarem essa afirmação, como nem sequer a enunciou de forma conclusiva.
Por fim, verifica-se que não foi ainda proferido pelo Tribunal a quo qualquer despacho apreciando a interposição do dito recurso (nomeadamente, admitindo-o ou não o admitindo).

Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não tendo a Requerente (EMP01..., S.A.) alegado, no seu requerimento de interposição de recurso, factos concretos susceptíveis de preencherem a condição legal de que dependia a existência do concreto periculum de que a lei faz depender a atribuição do efeito suspensivo (e não meramente devolutivo) ao recurso de apelação que interpôs, não poderia o mesmo vir a ser-lhe depois concedido [6]; e, nessa medida, deixou sem fundamento legal o simultâneo incidente de prestação de caução que deduziu.
Com efeito, na ponderação feita pela lei, entre os interesses do requerido (beneficiado com o regime regra do efeito devolutivo) e os interesses do requerente (que o poderá afastar, na medida em que alegue um prejuízo considerável - e não o meramente inerente e normal - resultante da execução imediata da sentença), não basta a mera expressão de vontade de obtenção do efeito suspensivo para o recurso interposto, já que desse modo facilmente se transformaria a excepção admissível em regra na prática (subvertendo a legalmente enunciada).

Dir-se-á ainda que a omissão apontada à Requerente (EMP01..., S.A.) - no requerimento de interposição de recurso - não foi por ela suprida no requerimento inicial de dedução do incidente de prestação de caução [7]; mas, ainda que o tivesse sido, seria irrelevante para obstar à falta de fundamento legal respectivo (mesmo tendo presente que não foi ainda proferido qualquer despacho de admissão do recurso por si interposto).
Com efeito, esta valoração da sua inicial omissão de alegação é «uma das consequências do princípio do dispositivo, segundo o qual cabe nos poderes de disposição da parte decidir se formula ou não ao tribunal a pretensão que lhe interessa e o tribunal apenas pode apreciar as pretensões que a parte decida dirigir-lhe (artigo 3.º do Código de Processo Civil) e bem assim do princípio da preclusão, de acordo com o qual, havendo um prazo ou acto processual específico para o exercício de determinado direito processual, o decurso do prazo para a prática do acto sem que ele haja sido praticado ou a prática do acto sem que o direito haja sido exercido, preclude a possibilidade de o exercer em tempo ou acto ulterior (previsto em diversos artigos do Código de Processo Civil, designadamente os artigos 467.º, 268.º, 145.º e 489.º, hoje os artigos 552.º, 260.º, 139.º e 573.º)».
Logo, a posterior «dedução autónoma de um incidente de prestação espontânea de caução pela recorrente não passa de uma tentativa vã de contornar as consequências dessa omissão no requerimento de interposição de recurso»; e ainda que no pedido com que conclua o incidente requeira, «não apenas (…) que seja fixado o valor da caução e o modo de a prestar, que são os únicos pedidos que se ajustam ao processo especial de prestação de caução, mas (…) ainda que seja “atribuído ao recurso de apelação … efeito suspensivo”, quando isso é algo que só pode ser decidido no processo principal por estar compreendido na sua tramitação e objectos específicos» (Ac. da RP, de 28.11.2013, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo nº 384674/10.3YIPRT-A.P1) [8].

Concluindo, e desde logo por falta da exigível alegação inicial no requerimento de interposição de recurso, não deveria o incidente de prestação de caução deduzido pela Requerente (EMP01..., S.A.) vir a ser julgado procedente.
Não tendo, porém, esta falta de idónea alegação sido invocada como fundamento do recurso interposto, importa prosseguir no respectivo conhecimento.
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3.2. Incidente de prestação de caução - Valor
3.2.1. Valor a caucionar
Recorda-se que se lê no art.º 913.º, n.º 1, do CPC, que, «sendo a caução oferecida por aquele que tem a obrigação de a prestar, deve o autor indicar na petição inicial, (…) o valor a caucionar» (com bold apócrifo).

Caso o montante proposto venha a ser contestado pela parte contrária, caberá ao juiz fixar o valor da caução devida, depois de realizar as diligências que tenha por necessárias, nomeadamente atento o disposto nos art.ºs 293.º e 294.º, tornados aplicáveis aos incidentes na falta de regulamentação especial pelo art.º 292.º, todos do CPC [9] (conforme art.ºs 908.º, n.º 1 e 909.º, aplicáveis ex vi do art.º 913.º, n.º 3, II parte, do mesmo diploma [10]), incluindo aqui a avaliação a realizar por um único perito, por si nomeado. Com efeito, lê-se no art.º 650.º, n.º 1, do CPC que, se «houver dificuldade na fixação da caução a que se refere o n.º 4 do artigo 647º e o nº 2 do artigo anterior, calcula-se o seu valor mediante avaliação feita por um único perito nomeado pelo juiz».
Dir-se-á ainda que a «natureza do incidente e a celeridade que se quis imprimir (a natureza urgente é imposta pelo nº 2 do art. 915º) não são compatíveis com a produção de outros meios de prova além da documental. Só para efeitos de fixação do valor a caucionar se admite a intervenção de um único perito, nos termos do art. 650º, nº 1» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 176-177).

Na fixação do valor a caucionar, dever-se-á atender ao quantitativo provável do crédito; e, por isso, abrange quer a parte líquida da condenação, quer a sua eventual parte ilíquida [11].

Contudo, para fixar o momento processual em que se pode considerar prestada a caução que possibilitará a suspensão do recurso de apelação interposto, há que ter em conta o disposto no art.º 911.º do CPC, onde se lê que, fixado «o valor que deve ser caucionado e a espécie da caução, esta julga-se prestada depois de efetuado o depósito ou a entrega de bens, ou averbado como definitivo o registo da hipoteca ou consignação de rendimentos, ou após constituída a fiança».
Logo, não interessa para este efeito a data em que a caução é oferecida ou é exigida [12]; e exige-se do juiz que formule um juízo explícito, declarando a caução regularmente prestada [13].
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3.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, tendo a aqui Requerente (EMP01..., S.A.) - ré nos autos principais - sido condenada a pagar à aqui Requerida (EMP02..., Alugueres, Limitada) - ali autora - «a quantia de € 27274,95 (…), acrescida de juros de mora às taxas de juros comerciais, sucessivamente vigentes, desde a data de vencimento das faturas até efectivo e integral pagamento», em 26 de Junho de 2024 veio requerer a prestação de caução, por forma a que se atribuísse efeito suspensivo ao recurso de apelação que interpôs em 20 de Junho de 2024 da sentença condenatória.
Mais se verifica que, no seu requerimento de prestação de caução, não indicou o concreto valor a caucionar, antes deferiu essa fixação ao Tribunal ao quo, afirmando expressamente: na alegação, oferecer a «constituição de hipoteca voluntária, e pelo valor a determinar pela decisão judicial que fixar o valor da caução»; e no petitório final, que «V. Exa. se digne admitir a prestação de caução, pelo valor a fixar pela decisão a proferir no presente incidente, e sob a forma de hipoteca a favor dos presentes autos».
Por fim, verifica-se que o Tribunal a quo, na sentença recorrida, ponderou que, «atento o valor do capital em que a ré foi condenada (€ 27274,95) e dos respectivos juros, entendemos que a garantia de hipoteca legal sobre o imóvel apresentado, que tem um valor patrimonial muito inferior (€ 16.116,71), se revela inidóneo a garantir o crédito».

Ora, atendendo a tal juízo, do mesmo decorre necessariamente que o Tribunal a quo considerou que o valor a caucionar não poderá ser inferior à quantia de capital a cujo pagamento a Requerente (EMP01..., S.A.) foi condenada (€ 27.274,95), acrescida de juros de mora, calculados à taxa aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, contados (dir-se-á aqui) sobre a data de vencimento e montante parcelar de cada uma das facturas consideradas na sentença recorrida (factura ...52, de € 5.820,00, vencida a 4 de Novembro de 2021, e factura ...81, de € 21.454,95€, vencida a 17 de Janeiro de 2022) [14], até (pelo menos) à data de dedução do incidente de prestação de caução (26 de Junho de 2024).
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3.3. Idoneidade (da garantia oferecida)
3.3.1.1. Meios admissíveis (em geral)
Recorda-se que se lê no art.º 913.º, n.º 1, do CPC, que, «sendo a caução oferecida por aquele que tem a obrigação de a prestar, deve o autor indicar na petição inicial, (…) o modo por que a quer prestar» (com bold apócrifo).

Lê-se, a propósito, no art.º 623.º, n.º 1, do CC, que, «se alguém for obrigado ou autorizado por lei a prestar caução, sem designar a espécie que ela deve revestir, pode a garantia ser prestada por meio de depósito de dinheiro, títulos de crédito, pedras ou metais preciosos, ou por penhor, hipoteca ou fiança bancária».
Está-se, aqui, perante uma garantia especial das obrigações, que pode revestir qualquer uma das formas nomeadas neste n.º 1 do art.º 623.º citado.
Contudo, e nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, «se a caução não puder ser prestada por nenhum dos meios referidos, é lícita a prestação de outra espécie de fiança». Logo, poderá a caução ser ainda prestada por fiança (art.º 627.º, n.º 1, do CPC), por contratos de garantia financeira (v.g. penhor financeiro, alienação em garantia), ou por seguro caução.

Caso a idoneidade da caução venha a ser contestada pela parte contrária (suficiência do montante oferecido e propriedade do concreto modo de prestação, face à finalidade em causa [15]), caberá ao juiz apreciá-la, depois de realizar as diligências que tenha por necessárias, nomeadamente atento o disposto nos art.ºs. 294.º e 295.º, ambos do CPC (conforme art.ºs 913.º, n.º 2 e 909.º, n.º 3, ambos do CPC).
Dir-se-á que a suficiência do valor da caução oferecida se avalia pelo montante do crédito do requerido no respectivo incidente de prestação espontânea, que pode incluir capital, juros e despesas (quer mercê de norma específica, de convenção das partes, ou de decisão judicial). Compreende-se, por isso, que se leia no art.º 909.º, n.º 2, do CPC que, na «apreciação da idoneidade da garantia tem-se em conta a depreciação que os bens podem sofrer em consequência da venda forçada, bem como as despesas que esta pode acarretar». Logo, o valor da caução deverá ser mais elevado do que o mero montante da prestação em dívida [16].
Já a idoneidade do concreto meio de prestação da caução oferecida avalia-se em função das finalidades que lhe estão associadas, por não ser indiferente às mesmas a modalidade que assuma, ou os concretos bens sobre que incida [17].
Compreende-se, por isso, que se afirme que, a «par da verificação do pressuposto de ordem material, atinente ao periculum, é necessário que a caução se mostre idónea, em termos qualitativos e quantitativos, para compensar a paralisação dos efeitos que imediatamente poderiam ser extraídos da decisão» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Julho de 2013, pág.177).

Vindo a caução oferecida a ser julgada inidónea, e no caso da sua prestação espontânea, o processo especial, bem como o incidente, findam com essa decisão (e ao contrário do que sucede com a prestação provocada  de caução, em que se devolve então à parte contrária o direito de indicar o modo da sua prestação, de entre as modalidades previstas em convenção das partes ou na lei, fixando depois  o Tribunal a espécie de caução a prestar, conforme art.ºs 909.º, n.º 2 e 910.º, ambos do CPC) [18].
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3.3.1.2. Hipoteca (em particular)
Lê-se no art.º 686.º, n.º 1, do CC, que a hipoteca «confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou e prioridade de registo» (enumerando-se taxativamente no art.º 688.º, do CC, os imóveis e equiparados a estes que podem constituir o seu objecto).
Está-se, aqui, perante «a mais importante das garantias reais», uma vez que nem mesmo a transição da riqueza imobiliária para mobiliária invalidou a «extraordinária expansão do fenómeno do crédito à habitação (...), que está assegurado por uma hipoteca; e o credor que dela seja titular «tem, ressalvadas algumas excepções, uma preferência na satisfação do seu crédito perante os outros credores do titular do bem onerado em sede de venda executiva do mesmo» (L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, Almedina, Março de 2011, pág. 189).

Enfatiza-se ainda, e face ao claro e expresso teor do art.º 686.º, n.º 1, citado, que o «autor da hipoteca tanto pode ser o devedor da obrigação garantida como terceiro. No primeiro caso, a hipoteca confere ao credor hipotecário uma preferência sobre um bem que compõe a garantia geral; no segundo, há um acréscimo à garantia geral por meio de uma aportação de um bem de património alheio. Nesta hipótese, se o credor hipotecário executar o bem de terceiro, este sub-roga-se nos direitos daquele sobre o devedor (artigo 592.º, n.º 1, do Código Civil)» (Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, 4.ª edição, Almedina, Maio de 2003, pág. 192, com bold apócrifo).

Compreende-se, por isso, que se afirme que, resultando do «n.º 1 (…) que o bem hipotecado pode pertencer ao devedor ou a terceiro», a «constituição de hipoteca para garantia de uma dívida alheia» seja «não só um meio de facilitar a concessão de crédito ao devedor em causa como envolve em si mesma um certo modo de concessão de crédito (ao devedor da obrigação garantida), pois implica o risco de perda do direito hipotecado (ainda que a concretização desse risco leve à sub-rogação do garante nos direitos do credor)».
Precisa-se que «quando o titular do bem dado em garantia é pessoa diferente do devedor, verificam-se três relações jurídicas conexas (devedor-credor, titular do bem-credor, titular do bem-devedor) que têm de ser consideradas conjuntamente» (Rui Pinto Duarte, Código Civil Anotado, coordenação de Ana Prata, Volume I, 2.ª edição, Almedina, Outubro de 2021, pág. 906).
Tendo-o presente, lê-se no art.º 698.º, n.º 1, do CC que, sempre «que o dono da coisa ou o titular do direito hipotecado, seja pessoa diferente do devedor, é-lhe lícito opor ao credor, ainda que o devedor a eles tenha renunciado, os meios de defesa que o devedor tiver contra o crédito, com exclusão das excepções que são recusadas ao fiador».
Equipara-se, assim, o dono da coisa ou o titular do direito hipotecado, quando sejam pessoas diferente do devedor, ao fiador, habilitando-os a oporem ao credor os meios de defesa que o devedor tiver com o seu crédito, sendo esta disposição paralela ao art.º 637.º do CC.

Mais se lê, no art.º 687.º, do CC, que a «hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes» [19], defendendo-se, por isso, maioritariamente, que o registo da hipoteca é constitutivo do direito real de garantia em causa [20]. Contudo, sem o dito registo, a hipoteca não é necessariamente inexistente ou nula [21].
Compreende-se, por isso, que se afirme que hipoteca «continua a caracterizar-se pela natureza dos bens sobre que incide - imóveis ou equiparados (…) - e pela obrigatoriedade do registo» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 704).

Estando-se perante uma hipoteca voluntária, isto é, constituída por «contrato ou declaração unilateral» (art.º 712.º, do CC), e sem «prejuízo do disposto em lei especial, o acto de constituição ou modificação» respectiva, «quando recaia sobre bens imóveis, deve constar de escritura pública, de testamento ou de documento particular autenticado» (art.º 714.º, do CC).
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Precisando, no que à prestação de caução diz respeito, lê-se no art.º 907.º, n.º 3, do CPC que, oferecendo-se «caução por meio de hipoteca (…), apresenta-se logo certidão do respetivo registo provisório e dos encargos inscritos sobre os bens e ainda a certidão do seu rendimento colectável, se o houver».
Habilita-se, deste modo, a parte contrária e o próprio tribunal a verificar posteriormente a idoneidade da caução em causa; e, no caso de hipoteca que incida sobre bem ou direito de terceiro, a verificar que este efectivamente conheceu e anuiu à sua constituição, ficando igualmente consciente dos seus termos essenciais (v.g. montante do crédito garantido).
O futuro registo definitivo da hipoteca em causa conservará a prioridade que tinha como provisório, nos termos do art.º  6.º, n.º 3, do CRP [22].

Por fim, lê-se no art.º 650.º do CPC que, mantendo-se a caução prestada «até ao trânsito em julgado da decisão final proferida no último recurso interposto», só poderá ser libertada provando a  parte que haja sido condenada «que cumpriu a obrigação no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado» (n.º 3); e, não sendo feita essa prova no prazo referido, «será notificada a entidade que prestou a caução para entregar o montante da mesma à parte beneficiária, aplicando-se, em caso de incumprimento e com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 777º, servindo de título executivo a notificação efectuada pelo tribunal» (n.º 4).
Logo, sendo «mantida no todo ou em parte a condenação, a entidade caucionante apenas poderá ser libertada da sua responsabilidade se acaso o devedor demonstrar, no prazo de 30 dias, o cumprimento da obrigação. Se tal não ocorrer, a caução que tenha sido prestada por terceiro é convertida em verdadeira obrigação a favor do credor, sendo a entidade garante notificada para efectuar o cumprimento da obrigação e, não o fazendo, fica sujeita a eventual cumprimento coercivo, servindo de título executivo a notificação efectuada pelo tribunal» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Julho de 2013, pág.183).
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3.3.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
3.3.2.1. Propriedade do bem (oferecido para constituição de hipoteca)
Concretizando, verifica-se que, apresentando-se espontaneamente a aqui Requerente (EMP01..., S.A.) a prestar caução, por apenso à acção declarativa onde foi condenada a pagar à aqui Requerida (EMP02..., Alugueres, Limitada) «a quantia de € 27274,95 (…), acrescida de juros de mora às taxas de juros comerciais, sucessivamente vigentes, desde a data de vencimento das faturas até efectivo e integral pagamento», esclareceu pretender fazê-lo «por via da constituição de hipoteca voluntária», sobre «imóvel, que se encontra livre e devoluto», identificando-o.
Mais se verifica que, tendo junto cópia da caderneta predial respectiva, se apurou que o mesmo pertence a EMP03..., Lda, em nome de quem se encontra inscrito o respectivo direito de propriedade (de forma conforme com o registo predial, cuja certidão foi junta depois pela Requerida, com a sua oposição).
Por fim, verifica-se que, para além deste anúncio de oferta de um bem de terceiro para constituição de hipoteca que garantisse o crédito reconhecido pelo Tribunal a quo à Requerida (EMP02..., Alugueres, Limitada), nada mais foi junto pela Requerente (EMP01..., S.A.), nomeadamente certidão do registo provisório da dita hipoteca; ou, quiçá, mera declaração da terceira proprietária inscrita dizendo que concordava com a sua futura constituição (nos moldes referidos no requerimento inicial do incidente).

Ora, assiste razão à Requerente (EMP01..., S.A.), quando afirma que não pode obstar à prestação de caução o mero facto do imóvel por si oferecido para constituição de hipoteca pertencer a terceiro (e ao contrário do que foi alegado pela Requerida em sede de oposição própria e parece resultar da sentença recorrida).

Contudo, certo é igualmente que, tendo eleito a hipoteca como meio de prestação de caução, teria desde logo (com o seu requerimento inicial) que ter junto certidão do respectivo registo provisório e dos encargos inscritos sobre o imóvel em causa, o que, porém, não fez. Acresce que, sendo o bem em causa pertença de terceiro, mais se justificaria o cumprimento desta imperativa exigência legal, pois desconhece-se em absoluto nos autos que relação mantém a Requerida (EMP02..., Alugueres, Limitada) com a alegada proprietária (já que nem mesmo no recurso sub judice esse esclarecimento foi prestado); ou se esta conhece a intenção daquela e, mais do que isso, se concorda com ela.
Logo, e na falta de junção do dito registo provisório, não poderia deixar a anunciada hipoteca de ser considerada inidónea para o efeito pretendido [23].
 
Concluindo, por falta do exigível registo provisório de hipoteca, nunca poderia o incidente de prestação de caução deduzido pela Requerente (EMP01..., S.A.) vir a ser julgado procedente.
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3.3.2.2. Valor do bem (oferecido para constituição de hipoteca)
Concretizando uma derradeira vez, verifica-se que, no seu requerimento inicial de prestação de caução, a Requerente (EMP01..., S.A.) não indicou qualquer valor para o imóvel (de terceiro) oferecido por si para futura constituição de hipoteca, limitando-se a identificá-lo conforme consta da caderneta predial respectiva, cuja cópia juntou.
Mais se verifica que resulta da mesma que o dito imóvel tem um valor patrimonial tributável de € 16.116,71, determinado no ano de 2022.

Ora, face ao mesmo, assiste efectivamente razão ao Tribunal a quo, quando o considerou insuficiente para garantir o crédito reconhecido à Requerida (EMP02..., Alugueres, Limitada); e, por isso, inidónea a caução oferecida.
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Dir-se-á ainda que, podendo a Requerente (EMP01..., S.A.) tê-lo feito, no seu requerimento inicial de prestação espontânea de caução não indicou qualquer outro valor para o dito imóvel, ónus que lhe pertencia (uma vez que é a si que cabe a prova da idoneidade da garantia oferecida).
Assim, e face à mera impugnação dessa idoneidade pela Requerida (repete-se, exclusivamente face ao teor da alegação da própria Requerente e aos documentos que juntou), não prevê a lei, nem se justificaria, qualquer articulado de resposta, uma vez que não se estava perante qualquer excepção e sim, repete-se, perante uma mera impugnação [24].
*
Mais se dirá que, sendo de 2022 a avaliação feita do prédio pela Autoridade Tributária e Aduaneira, também não constitui facto público e notório (conforme pretende a Requerente no seu recurso) que essa avaliação esteja desfasada do valor actual do bem (e que, por isso, o Tribunal a quo tenha errado quando não considerou oficiosamente esse pretenso desfasamento).

Com efeito, lê-se no art.º 412.º, n.º 1, do CPC, que não «carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral». Está-se, aqui perante uma excepção ao princípio do dispositivo, na vertente respeitante à formação do material fáctico da causa (art.º 5.º, n.º 2, do CPC).
Contudo, sendo notórios os factos do conhecimento geral, consideram-se como tais os «conhecidos ou facilmente cognoscíveis pela generalidade das pessoas normalmente informadas de determinado espaço geográfico, de tal modo que não haja razão para duvidar da sua ocorrência». Ora, no «domínio do processo civil, a esfera social que o caracteriza tem de abranger as partes e o juiz da causa», pelo que a «concretização do conceito varia (…) consoante a localização do litígio, considerados os sujeitos do processo» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandra, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 209).
Compreende-se, por isso, que se afirme que só não carecem de alegação, nem de prova, os factos «que sejam de conhecimento e de experiência comum, de acordo com os padrões médios da coletividade de um determinado tempo e lugar. A exigência do conhecimento geral atua em vários âmbitos: na esfera pessoal, o facto notório tem de constar como certo ou falso para a generalidade das pessoas de cultura média, entre as quais se encontra o juiz; na esfera cognoscitiva, no sentido de que tal conhecimento deve integrar a cultura média, não integrando apenas um saber especializado; na esfera espacial, no sentido de que tal facto deve ser conhecido no território a que respeita» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 485) [25].
Ora, o valor de mercado do m2 de terreno para construção, com ou sem infraestruturas (e ao contrário do pretendido pela Requerente), não é, seguramente, conhecido pela generalidade das pessoas de cultura média, isto é, sem particulares competências na área da construção ou do imobiliário; e, por isso, considera-se que, para efeito de garantia, o valor dos imóveis deverá ser o seu valor patrimonial, a não ser que outro tenha sido oportunamente alegado pelo requerente [26].

Concluindo, por insuficiência do valor do bem oferecido em hipoteca, nunca poderia o incidente de prestação de caução deduzido pela Requerente (EMP01..., S.A.) vir a ser julgado procedente.
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso de apelação da Requerente (EMP01..., S.A.).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Requerente (EMP01..., S.A.) e, em consequência,

· Confirmam a sentença recorrida.
*
Custas da apelação pela Recorrente (art.º 527.º, n.º 1, do CPC).
*
Guimarães, 18 de Dezembro de 2024.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - João Peres Coelho;
2.ª Adjunta - Rosália Cunha.
 

[1] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1 (in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem), onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[2] Neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2.ª edição, Almedina, Junho de 2022, pág. 368.
[3] No mesmo sentido:
. Ac. da RG, de 13.07.2021, Purificação Carvalho, Processo n.º 6874/16.6T8VNF-D.G1, onde se lê que  a «atribuição causídica do efeito suspensivo depende da iniciativa do recorrente, devendo este alegar os factos cuja apreciação permita concluir pela verificação do específica periculum a que a lei se reporta»; e, simultaneamente, «o mesmo interessado deve deduzir o incidente de prestação de caução indicando não apenas o valor que oferece como ainda o modo de efetivação nos termos do art.º 913º, ex vi do art.º 915 n.º 1, do C. P. Civil».
Logo, trata-se «de uma exigência cumulativa de duplo componente».
. Ac. da RC, de 09.04.2024, Luís Cravo, Processo n.º 3156/23.0T8VIS-A.C1, onde se lê que  a «prestação de caução para fixação de efeito suspensivo ao recurso, prevista no nº 4, do art. 647º do n.C.P.Civil, opera a possibilidade de ser atribuído efeito suspensivo a qualquer decisão para o qual a lei não o preveja expressamente, mas está dependente, por um lado, da prova, pelo recorrente, dos factos que permitem concluir no sentido de que só a suspensão do processo ou da decisão recorrida evitará o prejuízo considerável que pode emergir da atribuição de efeito meramente devolutivo e, por outro lado, da dedução, pelo mesmo recorrente, do incidente de prestação de caução».
[4] Compreende-se, por isso, que o Professor Alberto dos Reis afirme, a propósito da contestação da obrigação de prestar caução por parte do requerido, que «a questão suscitada pelo réu será, a maior parte das vezes, pura questão de direito; o juiz decidi-la-á em face do que as partes houverem alegado e da lei que for aplicável» (Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, Limitada, 3.ª edição, Reimpressão, 1981, págs. 155 e 156).
[5] Compreende-se, por isso, que toda «a tramitação do incidente de prestação de caução, como condição de atribuição de efeito suspensivo à decisão (…), está orientada no sentido de, com a menor perturbação da marcha processual, garantir que, verificadas as condições, seja proferia e efectivada com celeridade a decisão no incidente de prestação de caução. (…)
Assim, para além da intervenção de um único perito», prevista no art.º 650.º, n.º 1, do CPC, «se o incidente de caução não estiver decidido e efectivado, no prazo de 10 dias sobre o despacho de admissão do recurso, o juiz ordenará, mesmo oficiosamente, que se extraia traslado com os elementos indispensáveis, seguindo o reuso a sua normal tramitação, máxime com a remessa do processo principal para o tribunal ad quem», conforme n.º 2 do art.º 650.º citado  (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Julho de 2013, págs.181 e 182).
[6] Neste sentido:
. Ac. da RP, de 18.05.2006, José Ferraz, Processo n.º 0632164, onde se lê que, se «no requerimento de interposição de um recurso se requer a fixação do efeito suspensivo - porque esse efeito está dependente da ocorrência de um prejuízo considerável que resulte da execução e da prestação de caução - não deve ser, desde logo, fixado o (qualquer) efeito ao recurso»; e deverá «o recorrente, nesse requerimento, alegar o prejuízo (e comprová-lo, a ser-lhe exigida a sua prova) e oferecer-se para prestar caução».
.  Ac. da RP, de 19.05.2016, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 9551/15.1T8VNG-A.P1, onde se lê que a «prestação de caução para ser atribuído efeito suspensivo a um recurso deve ser oferecida nas alegações de recurso».
[7] A Requerente limitou-se, então, a alegar que pretendia «obter a declaração de efeito suspensivo, a ser atribuído ao Recurso por si interposto, sendo que (…) não pretende que seja declarado apenas o efeito devolutivo o que habilitaria a Autora a lançar mão da execução provisória da decisão»; e «por forma a assegurar efeito suspensivo do recurso, pretende proceder à prestação de caução».
[8] De forma conforme se entende que, no incidente de prestação de caução, a «fundamentação do respectivo requerimento basta-se com a referência à sentença, a declaração de que se não pode ou não quer obter a sua execução provisória e a indicação do valor» (conforme Ac. do STJ, de 09.03.2004, Duarte Soares, Processo n.º 04B116).
[9] Lê-se no art.º 292.º do CPC que em «quaisquer incidentes inseridos na tramitação de uma causa observa-se, na falta de regulamentação especial, o que vai disposto neste capítulo»; lê-se no art.º 293.º, n.º 1, do CPC, que, no «requerimento em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova»; e lê-se art.º 294.º, n.º 1, do CPC, que a «parte não pode produzir mais de cinco testemunhas».
[10] Lê-se no art.º 908.º, n.º 1, do CPC que se «o réu contestar a obrigação de prestar caução (…), o juiz, após a realização das diligências probatórias necessárias, decide da procedência do pedido e fixa o valor a caução devida, aplicando-se o disposto nos artigos 294.º e 295.º»; e lê-se no art.º 909.º, n.º 3, do CPC que, sendo «impugnada a idoneidade da garantia oferecida, o juiz profere decisão, após realização das diligências necessárias, aplicando-se o disposto nos artigos 294.º e 295.º».
[11] Neste sentido, AUJ - Secção Social - n.º 6/06 (publicado no DR, 1.ª Série, de 24 de Outubro de 2006), onde se lê que «o montante da caução que a parte vencida tem a faculdade de prestar, nos termos do art. 79º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho de 1981, para obter o efeito suspensivo do recurso de apelação, deve corresponder ao quantitativo provável do crédito, abrangendo quer a parte líquida quer a parte ilíquida da condenação».
Contudo, o «valor da caução a prestar para fixação de efeito suspensivo à apelação de sentença condenatória em quantia a liquidar deve corresponder ao valor do pedido, por ser esse o limite da condenação e liquidação» (Ac. da RL, de 24.02.2022, Orlando Nascimento, Processo n.º 515/14.3TBLRA-B.L1-2).
[12] Neste sentido, Ac. da RE, de 02.07.1992, BMJ, n.º 419, pág. 845, onde se lê que «para fixar o momento processual em que se pode considerar prestada a caução que possibilitará a suspensão da execução há que ter em conta o disposto no artigo 428º, nº 3 do Código de Processo Civil [leia-se hoje, art.º 911º do mesmo diploma], não interessando a data em que ela é oferecida ou é exigida».
[13] Nesse juízo, cabe sempre ao juiz apreciar se estão verificados os requisitos legais substantivos da prestação da caução, tendo nomeadamente que considerar se a mesma tem a virtualidade de garantir o direito que visa assegurar.
Neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Julho de 2013, pág.177, onde se lê que, no «iter decisório, cumpre ao juiz apreciar se estão reunidos os elementos para que seja atribuído ao recurso o efeito suspensivo reclamado pelo recorrente e se a garantia que se oferece se mostra qualitativa e quantitativamente ajustada à tutela efectiva dos interesses que ao recorrido foram reconhecidos na decisão recorrida Ante uma resposta afirmativa a ambas as questões, o juiz deve fixar o valor e o modo de prestação da caução, ficando a atribuição do efeito suspensivo dependente da sua efectiva prestação, nos moldes que forem determinados».
Na jurisprudência, Ac. da RL, de 28.02.2012, Roque Nogueira, Processo n.º 17790/10.5YYLSB-B.L1-7.
[14] Lê-se no facto provado enunciado sob o número 6 na sentença recorrida:
«6. Na sequência da prestação de serviços a Autora emitiu e remeteu à Ré as seguintes faturas:
- Fatura ...52, no montante de 5.820,00€, emitida em ../../2021, com vencimento a 30 dias.
- Fatura ...81, no montante de 21.454,95€, emitida em ../../2021, com vencimento a 30 dias».
[15] Neste sentido:
.  Ac. da RL, de 11.09.2018, Rijo Ferreira, Processo n.º 2485/17.7T8OER-A.L1-1, onde se lê que a «idoneidade da caução desdobra-se em duas condições essenciais: a propriedade, caracterizada pela adequação do modo da sua prestação à realização dos fins da caução, e a suficiência, caracterizada por assegurar a satisfação integral da obrigação de que é garantia».
. Ac. da RP, de 27.01.2022, Judite Pires, Processo n.º 781/16.0T8LOU-C.P1, onde se lê que constituem «requisitos essenciais da caução, a sua idoneidade, isto é, a adequação legal do meio pelo qual é prestada, e a sua suficiência, esta em termos de poder satisfazer a obrigação que visa garantir».
[16] Neste sentido, Ac. da RG, de 06.11.2011, Raquel Rêgo, Processo n.º 198/10.0TBAMR-C.G1.
[17] Neste sentido, Ac. a RC, de 05.11.2019, António Domingos Pires Robalo, Processo n.º 3141/18.4T8PBL-B.C1, onde se lê que o «art.º 623º, n.º 3, do Código Civil atribui ao tribunal a função de apreciar a idoneidade da caução, sempre que não haja acordo entre os interessados, não prevendo, todavia, qualquer critério pelo qual haja de ser aferido esse juízo de idoneidade».
Ora, constituindo a caução «uma garantia especial das obrigações», que «visa satisfazer o interesse do credor», embora «a lei não» estabeleça «qualquer critério para avaliação» da sua «idoneidade (…), atendendo à sua finalidade, há que fazer coincidir a idoneidade com a segurança da sua suficiência para satisfazer a obrigação que ela cauciona».
[18] Neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2.ª edição, Almedina, Junho de 2022, pág. 368, onde se lê que a «remissão feita na 2ª parte do n.º 2 [do art.º 913.º] não abrange a 2ª parte do nº 3 do art. 909º. Com efeito, nos processos de prestação espontânea de aução, não se devolve ao credor o direito de indicar o modo da sua prestação, nos casos em que a oferecia tenha sido julgada inidónea. Nesta eventualidade, o processo de prestação espontânea de caução finda com a prolação da decisão final que entenda inidónea a caução oferecida pelo requerente».
Contudo, em sentido contrário, Ac. da RL, de 28.06.2007, José Eduardo Sapateiro, Processo n.º 4941/2007-6.
[19] De forma conforme, lê-se no CRP, no seu: art.º 2.º, n.º 1, al. h), que estão sujeitos a registo a «hipoteca, a sua cessão ou modificação, a cessão do grau de prioridade do respetivo registo e a consignação de rendimentos»; e art.º 4.º, que, podendo os «factos sujeitos a registo, ainda que não registados, (…) ser invocados entre as próprias partes ou seus herdeiros» (n.º 1), excetuam-se «os factos constitutivos de hipoteca cuja eficácia, entre as próprias partes, depende da realização do registo» (n.º 2).
[20] Neste sentido:
. Maria Clara Sottomayor, Invalidade e Registo. A Protecção de Terceiro Adquirente de Boa Fé, Teses, Almedina, Maio de 2010, págs. 202, 206 e 209-217.
. Rui Pinto Duarte, O Registo Predial, Almedina, Janeiro de 2020, págs. 103 e 104; e Código Civil Anotado (coordenação e Ana Prata), Volume I, 2.ª edição, Almedina, Outubro de 2021, pág. 907.
[21] Neste sentido:
. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1984, pág. 657 - onde se lê que a «falta de registo determina apenas a ineficácia da hipoteca voluntária e não a sua inexistência ou invalidade. Portanto, a hipoteca poderá vir a ser registada em qualquer altura, assim como, em certos casos, pode o respectivo registo ser cancelado, sem que isso importe a extinção da hipoteca. (Cód do Reg. Pred., art. 56.º). Todavia, como salientaremos adiante quanto às hipotecas legais (art. 704.º) e às hipotecas judiciais (art. 710.º), o registo tem valor constitutivo da garantia (Cód. Do Reg. Pred., art. 50.º)».
. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 704 - onde se lê que, mesmo sem registo, a hipoteca é válida e pode a todo o tempo ser registada; pode ainda o registo ser cancelado mediante consentimento do credor (art.º 56.º, do CRP), sem que esse cancelamento importe a extinção da hipoteca (art.º 730.º, do CC).
.  Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, 4.ª edição, Almedina, Coimbra 1990, pág. 541 - onde se lê que, nas «hipotecas judiciais e nas hipotecas voluntárias, a hipoteca nasce da sentença, do contrato ou da declaração unilateral, que é o seu título constitutivo, não sendo o registo senão um requisito de eficácia da garantia, quer em relação a terceiros, quer em relação às próprias partes (art. 687.º).
Nas hipotecas legais, o acto de registo é que constitui o berço da garantia, porque a hipoteca não tem existência jurídica antes do registo, mo qual se especificam os bens onerados e se fixa a identidade, especialmente o montante, do crédito assegurado».
. L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, Almedina, Março de 2011, pág. 196 - onde se lê que é a exigência legal do registo para o negócio constitutivo da hipoteca produzir efeitos «que leva alguma doutrina a atribuir ao registo efeito constitutivo da hipoteca, no sentido que o seu facto constitutivo é mesmo o registo. E essa afirmação é certamente correcta nos casos anteriormente vistos de hipotecas legais e judiciais: verificados os pressupostos legais, só realizado o registo se constitui a hipoteca. Antes é inexistente.
Contudo, não é assim na hipoteca voluntária. Aqui o contrato (ou declaração unilateral) é o facto donde emerge a hipoteca. Contudo, a produção de efeitos desse negócio está totalmente sujeita, ao contrário do que sucede nos outros casos de negócios jurídicos sujeitos a registo, à realização deste. Só nesta altura produz efeito e, portante, se constitui a hipoteca».
[22] Lê-se no art.º 6.º do CRP que o «direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pela ordem temporal das apresentações correspondentes» (n.º 1), sendo que «registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório» (n.º 3).
[23] Neste sentido, Ac. da RL, de 19.04.2013, Maria José Mouro, Processo n.º 2921/10.3TBFAR-B.L1-2, onde se lê que, tendo «sido oferecida caução por meio de nova hipoteca, mas não tendo sido junta oportunamente aos autos pelo requerente certidão de registo provisório da hipoteca, nem mesmo se encontrando junta ao processo uma certidão de registo predial da qual constassem os direitos e encargos que incidiam sobre o prédio, não existem elementos nos autos que permitam concluir pela idoneidade da caução oferecida, pela segurança da sua suficiência para satisfação da obrigação a caucionar».
[24] Recorda-se que se lê, no art.º 3.º, do CPC:
«1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final». 
[25] No mesmo sentido, Ac. da RL, de 13.11.2014, Ana Azeredo Coelho, Processo n.º 673/03.2TYLSB.L1-6, onde se lê que é «notório o facto percepcionado pela generalidade dos cidadãos directamente, pelo modo da percepção humana que é na sua fonte sensorial, ou o facto decorrente de um facto assim directamente percepcionado, seguido de um raciocínio acessível a todas as pessoas da comunidade de cultura média»; e, por isso, a «invocação pelo juiz da notoriedade do facto carece assim da invocação da efectividade da percepção directa geral do facto notório primário ou da invocação do raciocínio de que decorre o facto notório secundário e sua acessibilidade às pessoas de cultura média da comunidade visada e pertinente».
[26] Neste sentido, Ac. do TCAS, de 19.12.2023, Catarina Almeida e Sousa, Processo n.º 1095/23.4 BELRS, onde se lê que, em «princípio, para efeitos de garantia, o valor a ter em conta, para os bens imóveis, é o VPT (art.º 199.º-A, n.º 1, do CPPT)».
Contudo, a «posição dos nossos tribunais superiores, mesmo depois do aditamento do art.º 199.º-A, n.º 1, do CPPT (e sua remissão para o CIS e daí para o VPT), é no sentido de tal não afastar a possibilidade de aplicação do n.º 2 do art.º 250.º do CPPT (possibilidade de realização de uma avaliação ad hoc do património), nos termos já anteriormente admitidos, quanto tal excecionalmente se justifique e desde que haja oportuna e sustentada alegação do contribuinte».