ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
LESADO DE TERCEIRA IDADE
Sumário


1. São imputáveis ao ato do condutor lesante: não apenas os danos diretos decorrentes do embate e das lesões causadas no membro superior do lesado (que, após consolidação, lhe causaram o défice funcional de 7%); mas também o agravamento do estado de saúde global do lesado, que o tornou dependente de terceiras pessoas após o internamento hospitalar por limitação de mobilidade autónoma nos membros inferiores, por esta precipitação e/ou agravamento do estado de saúde de lesado concreto (com a sua idade e problemas de saúde) se encontrar ainda na esfera de risco de produção de danos daquela ação, ainda que indiretos.
2. Mantém-se sem redução a indemnização por danos patrimoniais fixada pela equidade em € 15 000, 00, nos termos do art.566º/3 do CC, atendendo: ao valor total de € 65 000, 00, gasto pelo autor com serviços de apoio de terceiro pessoa, durante os 5 anos que mediaram a sua alta hospitalar e a sua morte; a que o valor achado pela 1ª instância corresponde à proporção do custo de 13 meses e 24 dias.
3. Aumenta-se de € 25 000, 00 para € 30 000, 00, pela equidade, a indemnização por danos não patrimoniais sofrida pelo autor de 87 anos à data do acidente, em face: do embate, da dor e do pânico de morte sofrido com o mesmo; da lesão sofrida no braço, das duas cirurgias ao mesmo, dos tratamentos, consultas e exames; de 3 semanas de internamento hospitalar, período de repouso subsequente de pelo menos cerca de 1 mês; de sofrimento de um quantum doloris de 5/7; de consolidação da lesão do braço em 7%, acrescida de agravamento da situação de saúde global após o internamento, com limitação de mobilidade autónoma e dependência de terceira pessoa até à morte, ocorrida 5 anos após o embate e alta hospitalar (quando, antes do acidente, ainda trabalhava no campo e conduzia).

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães
           
I. Relatório:

Na presente ação declarativa de condenação, com processo comum, instaurada por AA contra a EMP01... – Companhia de Seguros ..., S.A.,
1. O autor, na sua petição inicial:
1.1. Pediu que se condenasse a ré a pagar-lhe:
a) A quantia de € 88 978,12, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos até à data da instauração da ação, acrescidos dos juros de mora à taxa legal.
b) As indemnizações a liquidar em execução da sentença, por danos patrimoniais e não patrimoniais que iria continuar a sofrer (por via das lesões causadas pelo acidente, e das sequelas definitivas que lhe vierem a ser fixadas em exame médico), cuja dimensão, grau ou valor, não conhecia no momento da instauração da ação.

1.2. Alegou, para tanto e em síntese:
a) Que no dia 7.10.2017, aos 87 anos, foi atropelado pelo veículo segurado pela ré, em lugar e circunstâncias que descreve e pelas quais imputa a responsabilidade ao referido veículo (arts.1º a 15º da petição inicial).
b) Que, em virtude deste embate e das lesões:
b1) Sofreu esfacelo do antebraço direito, ferimentos, medos e dores que descreveu.
b2) Esteve internado até ao final do mês de outubro, altura em que foi submetido a intervenção cirúrgica para correção do esfacelo, teve necessidade de colocar um pacemaker, teve uma anemia e discreta agudização da função renal, fez tratamentos que indicou.
b3) Depois de regressado a casa: esteve acamado durante um mês; passou a ter necessidade de acompanhamento de terceira pessoa para todos os atos do dia a dia, para o que contratou serviços de 2 pessoas do Centro Social ... e tinha uma pessoa à noite a prestar-lhe assistência; foi submetido a uma 2ª operação ao braço e depois ainda a uma 3ª operação para remoção do material de osteossíntese (arts.32º e 33º) e ficou com um síndrome demencial; teve tratamentos e não pôde deixar a medicação para lhe atenuar as dores; deixou de poder trabalhar no terreno adjacente à sua casa (do qual tirava rendimento não inferior ao salário mínimo nacional), de andar a pé e conduzir, como fazia antes do acidente; teve que mandar fazer obras no acesso à sua casa para permitir a entrada de ambulâncias (arts.16º a 53º da petição inicial).
c) Que, face ao alegado, sofreu danos patrimoniais, que indicou nos seguintes termos:
c1) Pagou de serviços a terceira pessoa, de 1 de novembro até à data de instauração da ação, o valor global de € 48 837, 72 (o valor global de € 33 300, 00 à pessoa que lhe presta serviços à noite; € 15 537, 72 ao Centro Social ...), valores que teria de continuar a pagar no futuro (arts.53º a 57º da petição inicial).
c2) Teve despesas de documentos e transporte dos bombeiros no valor global de € 140, 40 (€ 75, 40 + € 20, 00 + € 45, 00) (art.53º da petição inicial).
c3) Gastou em obras de adaptação da entrada da casa o valor de € 5 000, 00 (art.66º da petição inicial).
d) Que os serviços clínicos da ré consideraram a sua alta clínica a 20.03.2018, atribuíram-lhe 9 pontos de IPP, 4 de quantum doloris, 1 de grau estético; todavia, desconhece o grau de défice funcional que está ou vai ser definitivamente afetado, aguardando a sua fixação no IML, razão pela qual relega para liquidar em execução os danos patrimoniais que decorrem e decorrerão da incapacidade com que está afetado (arts.58º a 61º, 64º e 65º, 68º da petição inicial).
e) Que sofreu, como danos não patrimoniais, as lesões, o internamento, as 3 cirurgias e tratamentos, a dependência de terceira pessoa, ao deixar de poder desempenhar as atividades que fazia (como cuidar da sua mulher com 89 anos), o síndrome demencial, dores e os défices referidos em d) supra, para cujo ressarcimento reclama indemnização não inferior a € 35 000, 00; que, desconhecendo o grau de IPP com que está afetado, a extensão e as consequências de tais sequelas, relega para liquidar em execução de sentença os danos não patrimoniais que vai continuar a sofrer (arts.69º a 73º da petição inicial).
2. A ré, após ter sido citada, contestou a ação, aceitando a ocorrência do acidente e a sua responsabilidade, mas impugnando os factos integrativos dos danos alegados e do montante indemnizatório peticionado.
3. Por despacho de 25.06.201: foi dispensada a realização da audiência prévia; proferiu-se despacho saneador, no qual se fixou o valor da causa em € 88 978, 12, realizou-se um saneamento tabelar, proferiu-se despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, apreciaram-se os requerimentos de prova.
4. Requisitou-se a realização de prova pericial e a junção de elementos clínicos, cujos relatórios e documentos foram juntos aos autos, sem que o relatório final da perícia tenha sofrido reclamação das partes.
5. O autor faleceu em ../../2022, tendo sido proferida decisão de habilitação da sua mulher, BB, para prosseguir nos autos, como sua sucessora, por decisão de 07.02.2023.
6. A herdeira habilitada apresentou a 13.07.2023 articulado de ampliação e liquidação do pedido, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe, de forma acrescida ao liquidado na petição inicial e pelos danos ocorridos entre a instauração da ação a 20.05.2021 e a data da morte do autor de ../../2022:
a) A quantia global acrescida de € 31 729, 10 de custos por apoio de terceiras pessoas e serviços (€ 23 550,00 que AA pagou pelo auxílio de terceira pessoa + € € 8 179,10, que AA pagou pela prestação de serviços do Centro Social ...) e dos juros de mora sobre as referidas quantias contados desde a notificação da ré do articulado superveniente;
b) A quantia de € 7 500,00 relativa a danos morais (dores permanentes em todo o corpo, medicação diária para atenuar as dores, últimos meses com enorme sofrimento, tristeza, com choro diário) sofridos por AA entre a data da instauração da ação até à sua morte (fls.248 ss).
7. A ré impugnou os factos alegados em I-6 supra e os documentos, referindo que as lesões e as sequelas encontram-se plasmadas no relatório pericial junto aos autos que não mereceu nenhum reparo das partes.
8. Foi admitida a ampliação do pedido.
9. Realizou-se a audiência final, com observância do formalismo legal.
10. Foi proferida sentença a 28.12.2023, na qual se decidiu:
«Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente, decide:
* condenar a Ré EMP01... – Companhia de Seguros ..., S.A., a pagar à Habilitada BB a quantia de 41.045,00 € (quarenta e um mil e quarenta e cinco euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal, civil, vigente em cada momento, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
* absolver a Ré do demais peticionado;
* condenar Habilitada e Ré no pagamento das custas do processo, na proporção do respectivo decaimento.».
11. A ré interpôs recurso da sentença de I-10 supra, apresentando as seguintes conclusões:
«1- O presente recurso visa a revogação da douta Sentença, pois discordamos da atribuição de indemnização para a ajuda de terceira pessoa (€ 15.000,00), bem como do montante fixado para os danos não patrimoniais (€ 20.000,00).
2- Resulta do relatório de perícia de avaliação do dano corporal, datado de 10/09/2022, que “o quadro neurológico apresentado pelo examinado deve ser entendido no contexto da progressão de doença natural anterior ao evento, pelo que não é possível estabelecer o nexo de causalidade entre este e o evento em apreço. Posto isto, a restante discussão versa sobre as sequelas do ponto de vista ortopédico.”
3- Nas “CONCLUSÕES” desse relatório consta que:
“Não há lugar à atribuição de outros parâmetros permanentes do dano, nomeadamente Repercussão Permanente na Atividade Profissional, Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer ou Dependências Permanentes de Ajudas.”
4- Dos factos provados não resultou demonstrado que o sinistrado, em virtude das lesões sofridas no acidente, tenha ficado dependente da ajuda e terceira pessoa.
5- O sinistrado, em consequência do atropelamento em causa nos autos, sofreu esfacelo do antebraço direito, lesão que não implicou que tivesse ficado dependente da ajuda de terceira pessoa.
6- Resulta das informações clínicas juntas aos autos e dos factos provados AA, antes de sofrer o atropelamento, já era acompanhado em consultas de neurologia, apresentando, em 30 de Maio de 2017, alterações cognitivas com 2 anos de evolução, encontrando-se, nessa data bem disposto e colaborante. Também já tinha doença cardíaca e outras alterações, como hipertensão e obesidade.
7- A Meritíssima Juíza, na audiência do julgamento do dia 10/2023, determinou a prestação de esclarecimentos, por parte do Perito Médico, que elaborou o relatório, a fim de esclarecer a questão da necessidade ajuda de terceira pessoa, face ao teor do relatório pericial.
8- A propósito da questão do nexo de causalidade entre as lesões sofridas no atropelamento em causa nos autos e a necessidade de ajuda de terceira pessoa, esse Perito prestou o seguinte depoimento:
Questão da Juíza:
Quando conclui no seu relatório que não há lugar à atribuição de outros parâmetros do dano nomeadamente repercussão permanente na atividade profissional, repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer ou dependências permanentes de ajudas, está a ter em consideração a falta de nexo de causalidade entre o evento e as necessidades?
Resposta do Perito:
“Qualquer internamento hospitalar implica uma carga fisiológica sobre o doente; a lesão em si leva a uma carga e contenção durante o internamento.
Esta passagem do examinado em quer era autónomo para o estado neurológico e funcional que apresentava à data da observação não é possível de ser explicado apenas e só pelo facto de ter ficado internado três semanas.
Essa alteração neurológica pode ser explicada pela progressão da patologia neurológica de que já tinha antes do evento, que até nos registos documentais já tinha uma consulta anterior ao evento, este processo já decorria há algum tempo. Ele não teve uma paragem cardio respiratória, ele teve uma fibrilação auricular de resposta lenta; esta alteração não teve relação direta com o evento, porque já antes do evento, nos termos dos registos clínicos do Centro de Saúde já tinha o diagnóstico de uma fibrilação auricular; podemos alegar que esse factor pode ter levado ao agravamento dessa patologia, mas não é possível estabelecer um nexo direto, não posso dizer com certeza que essa progressão para dependência de terceira pessoa possa ter relação como evento.
Questão da Juíza: Quando conclui no seu relatório que não há lugar à atribuição Está a ter em consideração a falta de nexo de causalidade entre o evento e as necessidades
Resposta Perito Médico: Exatamente.
9-A sentença recorrida considerou que, independentemente do sofrido, AA, necessitaria sempre em momento futuro, não concretamente apurado, de ajuda de terceira pessoa, atento os défices cognitivos de que sofria tendo o acidente antecipado essa necessidade.
10- Não resulta dos factos apurados, nem dos esclarecimentos prestados pelo Perito Médico, que o atropelamento tenha contribuído para a dependência de terceira pessoa.
11- O Perito Médico referiu que o sinistrado já era portador de patologia neurológica que, com toda a certeza, no futuro, iria evoluir para um quadro de dependência de terceiros. Por este facto, o Perito Médico considerou não existir nexo de causalidade entre o sinistro dos autos e a necessidade de terceira pessoa.
12- A decisão recorrida considerou que a ajuda de terceira pessoa verificou-se em consequência da evolução natural da patologia que o sinistrado apresentava antes do acidente e fixou o montante de € 15.000,00 tendo em conta um período de 2 anos.
13- Mesmo que se admita que o Autor, após o acidente, tenha passado a necessitar da ajuda de terceira pessoa, considerando-se esta necessidade, deve-se só ter em conta o período que mediou entre a data da alta hospitalar e a data alta clínica, que ocorreu em 25/02/2018, ou seja um período de quatro meses; assim, é razoável atribuir, a título de ajuda de terceira pessoa, o montante de € 4.000,00.
14- A indemnização por danos não patrimoniais apenas pode ser fixada segundo critérios de equidade e normalidade, sendo impossível pretender alcançar um valor que espelhe exatamente o dano sofrido.
15- Em face dos danos não patrimoniais, sofridos pelo sinistrado, entendemos que montante de € 15.000,00, fixando, na douta sentença é exagerado.
16- Tendo-se em conta que o Autor, na data do sinistro em apreço já tinha 87 anos e que faleceu em ../../2022, ou seja cerca de 5 anos após o acidente, pensamos que se justificará a atribuição de uma indemnização de € 10.000,00.
Ao decidir nos termos constantes da douta sentença em recurso, o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos artºs 483°, 494º, 496º, nº 3, 562º e 564°, nºs 1 e 2 e 566º, todos do Código Civil.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a decisão na medida acima assinalada, assim se fazendo
INTEIRA JUSTIÇA.». 
10. A habilitada do autor interpôs recurso de apelação da sentença de I-8 supra, no qual apresentou as seguintes conclusões:
«SOBRE OS FACTOS DADOS POR PROVADOS
A.
- A matéria dada por provada em “TT” - AA era seguido em neurologia antes do acidente, apresentando, em 30 de Maio de 2017, alterações cognitivas com 2 anos de evolução, encontrando-se nessa data bem disposto e colaborante”, deve ser retirada da matéria de facto dada por provada, e passar a integrar a matéria de facto dada por não provada,
PORQUNTO:
1.
- Nada, nenhum documento existe nos autos, que comprove que o primitivo Autor, em 30 de Maio de 2017, apresentasse alterações cognitivas com 2 anos de evolução.
2.

- Do último Relatório Médico junto aos autos, resulta – exactamente - o seguinte:
- A 1ª vez que o primitivo Autor esteve nos serviços de neurologia do Hospital ..., ocorreu 5 meses antes do acidente – 30.05.2017.
- Nele se escreveu o seguinte:- Vem com alterações cognitivas com 2 anos de evolução, consultou um médico particular de neurologia particularmente, que o medicou mas acabou por suspender a medicação(…). Conta que vem acompanhado pela mulher e pelo irmão, diz que não tem filhos.”
3.

- Em nenhuma parte desse Relatório se CONCRETIZA, SE IDENTIFICA OU CONSUBSTANCIA, CONCRETAMENTE, QUE TIPO DE ALTERAÇÕES, COGNITIVAS APRESENTAVA O ENTÃO PACIENTE E QUE CONSEQUÊNCIAS TERIAM AS MESMAS NO FUTURO.
4.

- Na 2ª consulta de neurologia, feita no Hospital ... em 09.01.2018, ou seja, 4 meses após o acidente, refere-se que o paciente se encontrava em cadeira de rodas, bem disposto, apresentando-se disfásico, dizendo ter 9 irmãos, mas eram 6.
5.

-Na3ª consultade neurologia,feitaem 29.05.2018,ouseja,8 meses após o acidente, o primitivo Autor encontrava-se calmo, salvo raras excepções,
6.

- Na 4ª consulta, foi realizada 15 meses após o acidente. 7.
- A 5ª consulta, foi realizada 4 anos após o acidente, 8.

- EM NENHUM DESSES RELATOS VEM REFERIDO O QUE QUER SEJA EM QUE RELACIONE AS ALEGADAS ALTERAÇÕES COGNITIVAS COM AS SEQUELAS DE QUE O SINISTRADO PASSOU A PADECER APÓS O ACIDENTE.
B.

- A matéria dada por provada em “VV)- A progressão da sua doença natural anterior ao acidente levaria ao quadro neurológico descrito no exame médico-legal realizado em 22 de novembro de 2021”, “deve ser retiradadamatériade facto dadapor provada,e passar aintegrar amatéria de facto dada por não provada,
PORQUANTO:
1.
NO EXAME MÉDICO REALIZADO CERCA DE 5 ANOS APÓS O ACIDENTE, CONCLUI-SE, sem mais, “importa salientar que o quadro neurológico apresentado pelo examinado deve ser entendido no contexto da progressão de doença natural ao evento, pelo que não é possível estabelecer o nexo de causalidade entre este e o evento em apreço. Posto isto, a restante discussão versa sobre as sequelas do ponto de vista ortopédico.”
2.

- Em sede de audiência de julgamento, perante os depoimentos prestadospelastestemunhas,sobreoestadoClínicodoprimitivoAutorapós o acidente, e tendo em conta a referida Conclusão do quadro clínico que o primitivo Autor passou a apresentar após o acidente, a Meritíssima Srª Drª Juiz “a quo”, entendeu por bem ouvi-lo em declarações/esclarecimentos, em ulterior sessão de julgamento.
3.

- Nessa sessão, o Médico esclareceu assim:
Por isso, retornando à questão que a srª Drª estava a colocar, eu não posso dizer com certeza que esta progressão para uma dependência de terceira pessoa possa ter relação com o evento.”

C.

Esta resposta dada pelo Médico Perito tem de ser habilmente apreciada, face ao quadro clínico do sinistrado, imediatamente após o acidente, e daí por diante 5 anos após o acidente,
PORQUANTO:
1.
- A falta de identificação das alterações cognitivas concretas, a falta das consequências das mesmas alterações sobre o estado clínico do primitivo sinistrado, a inexistência de qualquer referência a medicação para tal doença, a que se referem os exames médicos acima elencados, o espaçamento ocorrido entre a data do acidente e a data da realização dos ditos exames, nenhuma prova concreta fazem de qual foi a progressão da doença natural.
2.

- As informações contidas em tais exames, de modo algum podem poremcausaque,apósoacidente,oprimitivoAutor–queeratotalmente autónomo, conduzia, trabalhava e geria uma propriedade rústica, viajava de carro, passeava por aqui e por ali, conduzia o seu automóvel, transportando sua mulher, de ... até ..., onde tinha uma pequena propriedade, convivia com familiares e amigos, dali regressava sempre de carro - ficou imediata e totalmente dependente, da ajuda de terceiras pessoas, durante 24 horas por dia, uso de fraldas, retido em casa, na cama, numa cadeira de rodas, só saindo de casa, com a ajuda de terceiros(ambulâncias) para tratamentos médicos, e assim foi até à sua morte, 5 - cinco - anos após o acidente.

3.

- Dado por provado que o primitivo Autor, à data do acidente, ainda conduzia - e pugnando-se, também agora, com a interposição do presente recurso, pelo reconhecimento de que conduzia até á sua terra natal, em ... - conclui-se que tinha carta de condução e condições clínicas para a ter obtido, sendo certo que, nos termos legais, a sua carta de condução tinha uma validade de 2 anos.
4.

- A situação concreta de demência só existe nos autos, referida como tal, nos Registos Clínicos provenientes do Centro de saúde - Extensão USF ..., local onde morava o primitivo Autor, SITUAÇÃO REPORTADA APENAS EM 16.11.2021, OU SEJA, 4 ANOS APÓS O ACIDENTE,
5.

- A sentença em causa bem podia ter invocado o que se refere no acima referido ACÓRDÃO DO S.T.J. - 6.07.2011 - Unanimidade – Proc. nº 612/07.... – ... Secção, para dar por provado tal facto.
D.

O FACTO DADO POR PROVADO EM RR.-O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável é fixável em 7 pontos.”, deve ser retirado da matéria de facto dada por provada, e passar a integrar a matéria de facto dada por não provada,
PORQUANTO:

- Resulta da matéria dada por provada que, imediatamente a seguir ao acidente, o sinistrado - que era uma pessoa totalmente autónoma, conduzia, trabalhava e geria uma propriedade rústica, viajava de carro, passeava por aqui e por ali, conduzia o seu automóvel, transportando sua mulher, de ... até ..., onde tinha uma pequena propriedade, convivia com familiares e amigos, dali regressava sempre de carro - ficou imediata e totalmente dependente, da ajuda de terceiras pessoas, durante 24 horas por dia, uso de fraldas, retido em casa, na cama, numa cadeira de rodas, só saindo de casa, com a ajuda de terceiros(ambulâncias) para tratamentos médicos, e assim foi até à sua morte, 5 - cinco - anos após o acidente.

SOBRE OS FACTOS DADOS POR NÃO PROVADOS

E.

O facto 2 - O procedimento referido em k) foi realizado por via das lesões causadas pelo acidente”, deve ser retirado da matéria de facto dada por não provada, e passar a integrar a matéria de facto dada por provada,
PORQUANTO,

- Como decorre do Relatório Médico, de 14.05.2022, o “pacemaker” foi colocado durante o internamento, após a fractura do antebraço direito.
F.

O facto 3-Regressado a casa, AA permaneceu em repouso quase total, imobilizado na cama, durante quase um mês.”, deve ser retirado da matéria de facto dada por não provada, e passar a integrar a matéria de facto dada por provada,
PORQUANTO,

- O depoimento das testemunhas CC, DD e CC - transcritos a fls. 10, 11 e 12 - os quais não foram postos em causa por qualquer outro meio de prova, são do seu conhecimento directo e constituem meio de prova.
G.

O facto 4 - “AA foi submetido a uma terceira cirurgia ao braço.”, deve ser retirado da matéria de facto dada por não provada, e passar a integrar a matéria de facto dada por provada,
PORQUANTO,

O Tribunal Recorrido não considerou que a colocação de um pacemaker constituiu uma intervenção cirúrgica.
H.

O facto dado por não provado em 5 - “Após o acidente passou a dar sinais de síndrome demencial.”, deve ser retirado da matéria de facto dada por não provada, e passar a integrar a matéria de facto dada por provada,
PORQUANTO,

Para tal efeito, damos por reproduzido o que acima foi alegado no item V, e depoimentos - transcritos a págs. 13 e 14.
I.

O facto dado por não provado em 6. - O terreno referido em X) tem cerca de 5.000 m2”, deve ser retirado da matéria de facto dada por não provada, e passar a integrar a matéria de facto dada por provada,
TENDO EM CONTA,

-Que os depoimentos das testemunhas CC,EE, FF e GG – transcritos a fls. 14, 15 e 16 -, que são do seu conhecimento directo dos factos, constituem prova bastante e não foram, postos em causa por qualquer outro meio de prova.
J.

O facto dado por não provado em 7. - “Os trabalhos nesse terreno representavam para AA um rendimento mensal não inferior ao salário mínimo nacional”, deve ser retirado da matéria de facto dada por não provada, e passar a integrar a matéria de facto dada por provada,
PORQUANTO,
1.
- Os depoimentos das testemunhas CC e EE, com conhecimento directo dos factos - transcritos a fls. 16 e 17 -, são de conhecimento directo, constituem prova bastante, não foram postos em causa por qualquer meio de prova e comprovam que o trabalho do Autor primitivo tinha valor,desde logo,porqueo dispensavadecontratar outrem para o cultivo de tal terreno agrícola, a não ser em altura de “picos”
de trabalho, ou de ter adquirir os produtos agrícolas a terceiras pessoas, que produzia em casa.
2.

- Com a pandemia, os preços produtos agrícolas e hortícolas subiram mais de 50%.
L.

O facto dado por não provado em 8.- “ AA deslocava-se desde a sua residência até à freguesia ..., ..., de onde ele e a mulher eram naturais, e onde haviam comprado e reconstruído uma casa de férias, na qual passavam algumas quinzenas por ano, onde se encontravam com a gente de seu tempo e com quem brincaram na infância.”, deve ser retirado da matéria de facto dada por não provada, e passar a integrar a matéria de facto dada por provada,
PORQUANTO,

- Os depoimentos das testemunhas CC, EE e GG - transcritos a fls. 18, 19 e 20 -, são de conhecimento directo dos factos, constituem prova bastante e não foram postos em causa por qualquer meio de prova.
M.

O facto dado por não provado em 9.- “O que deixou de fazer após o acidente.”, deve ser retirado da matéria de facto dada por não provada, e passar a integrar a matéria de facto dada por provada,
PORQUANTO,

- Os depoimentos das testemunhas CC, EE e GG - transcritos a fls. 21, 22 e 23 -, são de conhecimento directo dos factos, constituem prova bastante e não foram postos em causa por qualquer meio de prova.

N.

O facto dado por não provado em 11 – “ Antes do acidente não aparentava sinais de síndrome demencial.” deve ser retirado da matéria de facto dada por não provada, e passar a integrar a matéria de facto dada por provada,
PORQUANTO, 1.
- Se dá por inteiramente reproduzido tudo o que acima escrevemos/alegamos no Item V, retirados dos Relatórios Médicos juntos aos autos, quer pelo Autor, quer pelo Hospital ..., os quais comprovam que, antes do acidente, o primitivo Autor não aparentava sinais de síndrome demencial.
2.

- Os depoimentos das testemunhas - transcritos a fls. 13 e 14 -, que se dão por reproduzidos, são de conhecimento directo dos factos, constituem prova bastante e não foram postos em causa por qualquer meio de prova.

O.

O facto dado por não provado em 12 - “No momento do acidente, AA pensou que ia morrer”, deve ser retirado da matéria de facto dada por não provada, e passar a integrar a matéria de facto dada por provada,
PORQUANTO,

- O depoimento das testemunhas, CC, DD e GG - transcritos a fls. 23, 24 e 25 -, são de conhecimento directo, constituem prova bastante, e não foram opostos em causa por qualquer meio de prova.
P.

O facto dado por não provado em 13.- “ Nas obras de alargamento do acesso à sua casa, AA gastou a quantia de 5.000,00 €”, deve ser retirado da matéria de facto dada por não provada, e passar a integrar a matéria de facto dada por provada,
PORQUANTO,

- Os depoimentos das testemunhas CC, DD e EE - transcritos a fls. 25 e 26 -, são do seu conhecimento directo dos factos, constituem prova bastante, e não foram opostos em causa por qualquer meio de prova.
Q.

- Apesar de ter 87 anos de idade, o falecido, para além de outras coisas que fazia, autonomamente, tratava de uma propriedade rústica, na qual colhia produtos agrícolas, hortícolas e vinho.
- Sendo do conhecimento comum e das regras da experiência que as pessoas ligadas ao trabalho agrícola, trabalham até morrer.
- Tendo o sinistrado sido vítima de um acidente de viação, sofrendo as lesões e as sequelas dadas por provadas e, apesar disso, só tendo falecido 5 anos após o acidente;
- Tendo, imediatamente a seguir ao acidente, o sinistrado - que era uma pessoa totalmente autónoma, conduzia, trabalhava e geria uma propriedade rústica, viajava de carro, passeava por aqui e por ali, conduzia o seu automóvel, transportando sua mulher, de ... até ..., onde tinha uma pequena propriedade, convivia com familiares e amigos, dali regressava sempre de carro - ficou imediata e totalmente dependente, da ajuda de terceiras pessoas, durante 24 horas por dia, uso de fraldas, retido em casa, na cama, numa cadeira de rodas, só saindo de casa, com a ajuda de terceiros (ambulâncias) para tratamentos médicos, e assim foi até à sua morte, 5 - cinco - anos após o acidente.
- Sendo a produção, o consumo e a venda de produtos, por quem sempre trabalhou na agricultura, por sua própria conta, a tempo inteiro, factos que decorrem da normal actividade produtiva de quem a exerce, facto do conhecimento comum, e amplamente sufragado pela Jurisprudência do nosso Tribunal Supremo de 06.07.2011 – Unanimidade – Proc. nº 3612/07.... – ... Secção,
IMPORTA CONCLUIR QUE; 1.
- Os arbitrados € 5.000,00, para ressarcir o sinistrado dos prejuízos por si sofridos decorrentes do défice funcional, que no caso tem de ser considerado de 100% e não de 7%, são totalmente desajustados, injustos e incapaz de recolocar o sinistrado na situação anterior ao evento,
2.

- Não fora tais lesões e sequelas, bem poderia viver por mais anos, o que nada teria de anormal, impossível ou muito invulgar.
R.

- Tendo em conta os factos dados por provados, e aqueles que, por via do presente recurso se pretende venham a ser igualmente dados por provados;
- O que se considerou no Acórdão de 04.06.2015, acima parcialmente transcrito
;
E muito especialmente que,

- Imediatamente a seguir ao acidente, o sinistrado - que era uma pessoa totalmente autónoma, conduzia, trabalhava e geria uma propriedade rústica, viajava de carro, passeava por aqui e por ali, conduzia o seu automóvel, transportando sua mulher, de ... até ..., onde tinha uma pequena propriedade, convivia com familiares e amigos, dali regressava sempre de carro - ficou imediata e totalmente dependente, da ajuda de terceiras pessoas, durante 24 horas por dia, uso de fraldas, retido em casa, na cama, numa cadeira de rodas, só saindo de casa, com a ajuda de terceiros(ambulâncias) para tratamentos médicos, e assim foi até à sua morte, 5 - cinco - anos após o acidente.
IMPOE CONCLUIR-SE QUE,

- É justa e adequada a já peticionada quantia de € 35.000,00, para compensar o sinistrado dos danos morais por ele sofridos.
S.

A sentença recorrida violou o disposto nos artºs artºs 483º, 493º, 494º, 562º, 563º, 564º e 566º do C. C. e 607º do CPC.

TERMOS EM QUE,

Deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra que altere a matéria de facto dada por provada ed a matéria de facto dada por não provada, fixando as indemnizações peticionadas pelo primitivo Autor na Petição Inicial e no Articulado Superveniente, como é de JUSTIÇA.».
11. A ré respondeu ao recurso de I-10 supra, opondo-se ao mesmo.
12. Foram admitidos os recursos de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
13. Subidos os recursos a esta Relação, e sanadas faltas prévias, foram os mesmos recebidos nos termos admitidos em 1ª instância, tendo-se colhidos os vistos e realizado a conferência.

II. Questões a decidir:

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil, doravante CPC.

Definem-se, como questões colocadas no recurso a decidir:
1. A alteração da decisão de facto:
1.1. A impugnação à matéria de facto (apresentada no recurso da habilitada do autor):
1.1.1. Se os seguintes factos provados devem ser julgados não provados:
a) O provados em TT (conclusões A- 1 a 8).
b) O provados em VV (conclusões B- 1 a 3, C- 1 a 5).
c) O provado em RR (conclusão D).
1.1.2. Se os seguintes factos não provados devem ser julgados provados:
a) O não provado em 2 (conclusão E).
b) O não provado em 3 (conclusão F).
c) O não provado em 4 (conclusão G).
d) O não provado em 5 (conclusão H).
e) O não provado em 6 (conclusão I).
f) O não provado em 7 (conclusão J-1 e 2 ).
g) O não provado em 8 (conclusão L).
h) O não provado em 9 (conclusão M).
i) O não provado em 11 (conclusão N- 1 e 2).
j) O não provado em 12 (conclusão O).
l) O não provado em 13 (conclusão P).
1.2. A alteração oficiosa da decisão de facto e sua reordenação.
2. A reapreciação de direito da sentença recorrida:
2.1. Quanto à indemnização por ajuda de terceira pessoa arbitrada em € 15 000, 00, por a recorrente/ré entender: que os factos provados e os esclarecimentos do perito não permitirem considerar que o acidente causou a necessidade de ajuda de terceira pessoa (e pelo período considerado de dois anos); que, mesmo que a mesma se admita, apenas se poderia considerar por 4 meses contados entre a data da alta hospitalar e a alta clínica no valor global de € 4000, 00 (conclusões 1 a 13 do recurso da ré).
Esclarece-se que, quanto a esta indemnização de € 15 000, 00, não se considera que a sua impugnação tenha integrado o objeto de recurso da recorrente/habilitada definido pelas suas conclusões, tendo em conta que a recorrente/habilitada, apesar do pedido final e posterior às conclusões (em que pediu conclusiva e genericamente a revogação da sentença e a prolação de outra pela qual se fixassem os valores pedidos na petição inicial e no articulado superveniente), em todo o recurso de apelação, em particular nas conclusões: não impugnou e discutiu expressamente a indemnização de € 15 000, 00, nem defendeu a sua ampliação em relação aos pedidos iniciais (pedira na petição inicial o valor de € 48 837, 72 e no articulado superveniente o valor de € 31 729, 10); invocou expressamente incapacidade do autor (que a recorrente considerou ser de 100%) apenas na exposição da contestação do valor indemnizatório de € 5 000, 00 fixado pelo “dano biológico” e, em geral, do valor dos danos não patrimoniais, com pedido de fixação e indemnização de € 35 000, 00 (formulado na petição inicial para ressarcir os danos não patrimoniais).
2.2. Quanto à indemnização por danos não patrimoniais (€ 20 000, 00 e € 5 000, 00), em relação à qual:
a) A recorrente/ré entende que o valor arbitrado em € 20 000, 00 deveria ser reduzido para € 10 000, 00 (face à idade do autor à data do acidente e a sua vida de 5 anos após o mesmo) (conclusões 14 a 16 do recurso da ré);
b) A recorrente/habilitada defende que a indemnização se deve arbitrar em € 35 000, 00 (nomeadamente, por se dever considerar que o défice corresponde a 100%) (conclusões Q e R do recurso da habilitada do autor).
2.3. Quanto à indemnização patrimonial de € 1 000, 00 (em face de impugnação do facto não provado em 13 à mesma referente)

III. Fundamentação:

1. Reapreciação da matéria de facto (provada e não provada na sentença recorrida):

A sentença recorrida fixou factos provados e não provados.

«A MATÉRIA DE FACTO.
Resultam provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa, excluindo-se expressões conclusivas e de direito:
A) No dia 7 de Outubro de 2017, pelas 10.30 horas, na Estrada Nacional ...08, ao Km 37.250, freguesia ..., concelho ..., ocorreu um acidente de viação, sob a forma de atropelamento, em que foram intervenientes AA e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ..-BS-.., conduzido pelo seu proprietário, HH, residente na Rua ..., freguesia ..., concelho ....
B) O local do acidente é uma recta, com cerca de 250 metros de comprimento e largura de 5,40 metros.
C) O veículo automóvel circulava no sentido ....
D) AA caminhava em sentido contrário ao do veículo automóvel, pelo lado esquerdo da estrada, junto a um muro que desse lado a delimita.
E) O condutor do veículo automóvel havia percorrido cerca de 100 metros da via, podendo avistar AA, porque inexistia trânsito de veículos que lhe dificultasse a visibilidade, quando embateu com o espelho retrovisor direito no peão.
F) O condutor do veículo automóvel prosseguiu a sua marcha, não imobilizando o veículo.
G) À data do acidente AA contava 87 anos de idade.
H) Após o acidente, AA foi conduzido de ambulância do INEM ao Hospital ..., onde foi assistido, recebendo os primeiros tratamentos, realizando exames complementares de diagnóstico, e ali permanecendo internado.
I) Foi-lhe confirmado esfacelo do antebraço direito – distal rádio e cúbito.
J) Foi submetido a uma intervenção cirúrgica – osteotaxia com fixador externo Hoffman Compact II, mais correcção do esfacelo.
K) Através de procedimento de 9 de Outubro, colocou pacemaker definitivo por bradicardia (FA de resposta lenta) sustentada após suspensão de dopamina.
L) AA apresentou anemia e discreta agudização da função renal.
M) No internamento, AA ficou com imobilização do membro superior esquerdo durante 24 horas e com aplicação de gelo durante 3 dias.
N) AA esteve internado no Hospital ... desde a data do acidente até ../../2017.
O) Durante esse período, além da cirurgia, fez tratamentos.
P) Após a alta, AA ficou com mobilização reduzida do membro superior esquerdo durante um período mínimo de 1 mês.
Q) Após a alta, por má evolução da ferida, optou-se por manter os fixadores externos para tratamento definitivo e manteve seguimento com RX na consulta e cuidados de penso no hospital 3 vezes por semana.
R) Manteve medicação para as dores.
S) Foi submetido a outra cirurgia para remoção do material de osteossíntese.
T) Ainda durante o internamento, necessitou de ajuste terapêutico de psiquiatria.
U) Sempre que precisava praticar qualquer acto da sua vida corrente passou a precisar de ajuda de terceira pessoa.
V) Passou a contar com o apoio do Centro Social ..., com a deslocação de duas pessoas a sua casa, três vezes ao dia, prestando-lhe serviços de limpeza, higiene pessoal e toma de medicação.
W) AA manteve consultas e tratamentos na especialidade de ortopedia no Hospital ....
X) À data do acidente, AA ainda conduzia e trabalhava um terreno adjacente à sua casa.
Y) AA teve de mandar realizar obras de alargamento do acesso à sua casa, de forma a permitir o acesso de ambulâncias necessárias aos cuidados de que passou a precisar.
Z) Após a alta, AA pagou a uma pessoa que lhe prestou assistência durante a noite as seguintes quantias:
- desde ../../2017 a 31 de Dezembro de 2018, o montante de 9.100,00 € (650 € por mês);
- no ano de 2019, o montante de 9.000,00€ (750€ por mês);
- no ano de 2020, o montante de 11.400,00 € (950 € por mês);
- no ano de 2021, o montante de 12.000,00 € (1000 € por mês);
- no ano de 2022, até Novembro, o montante de 11.550,00 € (1.050 € por mês).
AA) Desde o mês de Novembro de 2017 até à sua morte, AA recebeu assistência domiciliária do Centro Social ... a quem pagou pelos serviços prestados a quantia de 23.716,82 €.
BB) Os serviços clínicos da Ré consideraram a data da alta de AA no dia 20 de Março de 2018.
CC) Atribuíram-lhe 9 pontos de incapacidade parcial permanente.
DD) Um quantum doloris de grau 4.
EE) Um dano estético de grau 1.
FF) Assumindo a responsabilidade do segurado na produção do acidente, a Ré propôs a AA o pagamento de 4.593,23 € para o ressarcir de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, presentes e futuros, decorrentes do acidente em mérito.
GG) AA gastou a quantia de 75,40 € na obtenção do auto de participação do acidente, junto como doc. 1 com a petição inicial; e 20,00 € na obtenção de certidão do assento de nascimento, junto como doc. 2 com a petição inicial.
HH) AA gastou 45 € no transporte da sua casa para os tratamentos hospitalares decorrentes das lesões sofridas por causa do acidente, efectuado pelos Bombeiros Voluntários ....
II) No momento do acidente, AA sentiu por pânico, angústia e sofrimento.
JJ) Por causa das lesões, teve dores e tomou medicação.
KK) Ficou triste e chorava.
LL) AA faleceu em ../../2022.
MM) À data do acidente a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo automóvel de matrícula ..-BS-.. estava transferida para a Ré por contrato de seguro titulado pela apólice ...50.
NN) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 25-02-2018.
OO) O Período de Défice Funcional Temporário Total é fixável em 20 dias.
PP) O Período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável em 61 dias.
QQ) O Quantum Doloris é fixável no grau 5/7.
RR) O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável é fixável em 7 pontos.
SS) O Dano Estético Permanente é fixável no grau 3/7.
TT) AA era seguido em neurologia antes do acidente, apresentando, em 30 de Maio de 2017, alterações cognitivas com 2 anos de evolução, encontrando-se nessa data bem disposto e colaborante.
UU) Antes do acidente, AA sofria também e doença cardíaca, hipertensão e obesidade.
VV) A progressão da sua doença natural anterior ao acidente levaria ao quadro neurológico descrito no exame médico-legal realizado em 22 de novembro de 2021.

FACTOS NÃO PROVADOS

1- No Hospital ..., após o acidente, AA apresentava ferimentos por todo o corpo.
2- O procedimento referido em k) foi realizado por via das lesões causadas pelo acidente.
3- Regressado a casa, AA permaneceu em repouso quase total, imobilizado na cama, durante quase um mês.
4- AA foi submetido a uma terceira cirurgia ao braço.
5- Após o acidente passou a dar sinais de síndrome demencial.
6- O terreno referido em X) tem cerca de 5.000 m2.
7- Os trabalhos nesse terreno representavam para AA um rendimento mensal não inferior ao salário mínimo nacional.
8- AA deslocava-se desde a sua residência até à freguesia ..., ..., de onde ele e a mulher eram naturais, e onde haviam comprado e reconstruído uma casa de férias, na qual passavam algumas quinzenas por ano, onde se encontravam com a gente de seu tempo e com quem brincaram na infância.
9- O que deixou de fazer após o acidente.
10- Antes do acidente cuidava da sua mulher de 89 anos.
11- Antes do acidente não aparentava sinais de síndrome demencial.
12- No momento do acidente, AA pensou que ia morrer.
13- Nas obras de alargamento do acesso à sua casa, AA gastou a quantia de 5.000,00 €.».
Esta decisão de facto pode ser alterada por decisão judicial, na sequência: de impugnação à matéria de facto realizada pelo recorrente em recurso de apelação, sujeita aos ónus da mesma dependente (art.640º do CPC); de intervenção oficiosa deste Tribunal ad quem, nos casos estritos previstos por lei (quando existir vício de deficiência, obscuridade ou contradição, passível de sanação pelo Tribunal ad quem pelos elementos dos autos, nos termos do art.662º/2-c) do CPC; quando tiverem sido desatendidas regras do direito probatório material face aos elementos dos autos, nos termos do art.663º/2 do CPC, em referência ao art.607º/4-2ª parte do CPC) e em caso de expurgação do acervo de factos de matéria de direito e conclusiva.
Neste sentido, e face ao teor da matéria de facto transcrita: apreciar-se-á se esta deve ser alterada por qualquer uma destas vias; definir-se-á em 1.3. infra a matéria de facto a considerar na reapreciação de direito, face ao provado na 1ª instância e com as alterações introduzidas por esta Relação, matéria essa reordenada por ordem lógica e cronológica.

1.1. A impugnação à matéria de facto da habilitada do autor:
1.1.1. Sobre os pedidos que factos provados se julguem não provados:

1.1.1.1. O facto provado em TT
A sentença julgou provado o facto TT («AA era seguido em neurologia antes do acidente, apresentando, em 30 de Maio de 2017, alterações cognitivas com 2 anos de evolução, encontrando-se nessa data bem disposto e colaborante.»), constando na apreciação geral da motivação em relação a passar a depender de ajuda de terceira pessoa que «(…) decorre das informações clínicas que já era seguido em neurologia, apresentando, em 30 de Maio de 2017, alterações cognitivas com 2 anos de evolução, encontrando-se nessa data bem disposto e colaborante.».
A habilitada recorrente impugnou este facto, por entender: que não existe qualquer documento nos autos que comprove esse facto; que o último relatório médico relatou apenas que «Vem com alterações cognitivas com 2 anos de evolução, consultou um médico particular de neurologia particularmente, que o medicou mas acabou por suspender a medicação (…). Conta que vem acompanhado pela mulher e pelo irmão, diz que não tem filhos.», sem concretizar o tipo das alterações cognitivas a que se refere e as consequências que as mesmas teriam de futuro; que em nenhum dos relatos das 2ª a 5ª consultas do sinistrado realizadas após o acidente foram relacionadas as alegadas alterações cognitivas com as sequelas que passou a padecer após o acidente (conclusões A- 1 a 8).
Impõe-se apreciar.
Numa apreciação liminar, admite-se, de facto, que o ponto de facto provado integra matéria que pode considerar-se conclusiva, na parte em que apresenta a qualificação «alterações cognitivas» respeitante a factos concretos que foram não descritos.
Todavia, examinando os registos clínicos dos autos (a que a perícia e o depoimento do perito em audiência deram valor) e a falta de apresentação pelo autor e interveniente de qualquer contraprova que colocasse estes elementos em causa, verifica-se que existe prova suficiente para manter o sentido geral do facto provado, embora com clarificação da matéria conclusiva (ainda que de forma parcial).
De facto, nos registos clínicos do Hospital ... juntos aos autos (nomeadamente de fls.188 a 192, de 1/8 a 8/8, com ordem decrescente dos registos- começa com os mais recentes e termina com os mais antigos), encontra-se registado, em relação ao período anterior ao internamento pelo acidente:
_ Dois registos de referenciação para consulta de neurologia, a fls.191/verso na página 8/8 da informação clínica, que permitem: aferir a razão principal do encaminhamento (uma vez que nos mesmos foi registado não apenas a conclusão de “défice cognitivo progressivo desde há 1 ano” mas também a explicação mais clara e concreta do doente ter «algum défice de compreensão, vai respondendo às perguntas com alguma lentidão»); presumir que a referenciação tenha ocorrido cerca de 9 meses e 3 semanas antes da consulta neurológica de 30.05.2017 (uma vez que consta uma referência de “Marcação efectuada em 264 dias”, uma menção de consulta “Remarcada para 2017-05-30” e “Marcação efectuada em 291 dias”, registos acompanhados de “Triado na instituição” e “Prioridade Normal”).
__ Um registo de uma consulta neurológica de 30.05.2017, na qual consta: uma conclusão e uma descrição de motivo da consulta (“alterações cognitivas com 2 anos de evolução, consultou médico particular de neurologia, que o medicou, mas acabou por suspender a medicação”) que é compatível com a referenciação que havia previamente sido feita para a consulta e que consta no parágrafo antecedente (sendo o período de 2 anos coerente com a indicação feita há cerca de 10 meses de existência de sinais de alterações cognitivas com 1 ano de evolução); registos de medicação tomada pelo paciente (Beta-histina; Ramipril, Carvedilol, Fluvastina e Lercanidiplina; Gincoben, várias já com histórico nos registos entre março de 2007 e o acidente em 2017, constantes de fls.137 a 177), de observação e de prescrição, elementos que permitem constatar que existe uma coerência entre a finalidade do último dos referidos medicamentos (apesar do primeiro medicamento ser antivertiginoso e os quatro seguintes serem usados para a hipertensão[i], o último medicamento indicado- o Gincoben- é usado «no tratamento de problemas de memória e de concentração em idosos devidos a distúrbios da função cerebral, exceto pessoas com qualquer tipo de demência confirmada ou com problemas de função cerebral causados por medicamentos, por depressão ou por alteração de processos químicos do corpo como um baixo nível de açúcar no sangue ou níveis alterados de hormonas», sendo a Ginkgo-biloba indicada para «Tratamento da demência ligeira a moderada»[ii], de acordo com as informações publicadas e de conhecimento notório, nos termos do art.412º do CPC), com a referenciação prévia realizada para consulta referida no parágrafo antecedente e com o prescrito na mesma consulta («Peço TAC cerebral» e «Oriento para a consulta de memória»), apesar da observação feita na consulta ser relativamente neutra (em que é descrito que o doente/autor estava bem-disposto e colaborante, tinha um discurso pobre, sem alterações de oculomotricidade e de vias longas).
__ Um registo clínico de 24.10.2027, aquando da alta do internamento, que reitera estado anterior do doente do ponto de vista mental e neurológico («Doente com síndrome demencial, com história de descompensação cognitiva durante o internamento com necessidade de ajuste terapêutico pela Psiquiatria»).
Pelo exposto:
a) Indefere-se o pedido que o facto TT passe para não provado.
b) Determina-se a clarificação do facto TT, que passará a ter a seguinte redação:
«AA, desde data não apurada de 2015, teve défices de compreensão e de memória e foi seguido em neurologia, sendo que a 30 de Maio de 2017 encontrava-se bem disposto e colaborante e foi encaminhado para consulta de memória e para a realização de TAC cerebral.».
c) Desde 2015 data há cerca de 2 anos antes da consulta de 30 de maio de 2017, teve défice de compreensão e de memória e foi seguido em neurologia data esta em que se encontrava bem disposto e colaborante e foi encaminhado para consulta de memória e para a realização de TAC cerebral.

1.1.1.2. O facto provado em VV:
A sentença julgou provado o facto VV («A progressão da sua doença natural anterior ao acidente levaria ao quadro neurológico descrito no exame médico-legal realizado em 22 de novembro de 2021.»), explicando na motivação que « Refere-se também no relatório que “importa salientar que o quadro neurológico apresentado pelo examinando deve ser entendido no contexto da progressão de doença natural anterior ao evento, pelo que não é possível estabelecer o nexo de causalidade entre este e o evento em apreço. Posto isto, a restante discussão versa sobre as sequelas do ponto de vista ortopédico.».
A habilitada recorrente pediu que este facto se julgasse não provado, por entender que o relatório (que refere o desenvolvimento da doença) e o depoimento médico na audiência (sobre a falta de certeza de nexo referida entre o evento e o estado posterior) devem ser conjugadas: com os demais elementos que identificam o autor como perfeitamente autónomo antes do acidente (no trabalho e na gestão da sua propriedade rústica, na condução e em viagens de ... até ... e no convívio com amigos) e o facto de ter ficado totalmente dependente depois do acidente (ficando retido na cama ou cadeira de rodas e com necessidade de ajuda de terceiros); com a falta de prova que o estado do autor resultou da evolução da doença natural (defendendo que não se sabe quais as alterações cognitivas concretas sofridas, quais as suas consequências sobre o estado primitivo do sinistrado, que não existe medicação para a doença e havia um espaçamento entre a data do acidente e a dos exames- sendo que a situação concreta de demência estava apenas registada nos registos da USF ..., 4 anos após o acidente) (conclusões B- 1 a 3, C- 1 a 5).
Impõe-se apreciar, preliminarmente à necessidade de reapreciação da prova, se o ponto impugnado (extraído de afirmação do relatório pericial) poderia ser considerado na matéria de facto provada.
Por um lado, e numa primeira abordagem, verifica-se que esta matéria: é parcialmente conclusiva (“progressão de doença natural”, “quadro neurológico”) e hipotética e condicional (a doença natural “levaria” ao quadro neurológico); não corresponde sequer a uma decisão de facto (uma vez que remete a descrição do quadro neurológico para relatório extenso da perícia, sem afirmar os factos do mesmo que considerou provados).
Por outro lado, ainda que não ocorressem estas irregularidades, o ponto impugnado: corresponde a matéria não alegada por qualquer uma das partes (art.5º do CPC), sobretudo pela ré a quem o referido tema factual aproveitava, que não o alegou na sua contestação (na qual deveria ter concentrado toda a defesa, nos termos dos arts.572º a 574º do CPC), nem em articulado superveniente, nos termos do art.588º do CPC (face aos factos conhecidos na observação pericial de 22.11.2021, ocorrida na pendência da ação e relatada no relatório junto aos autos a fls.240 ss); não corresponde a matéria que possa ser considerada instrumental, nem concretizadora ou complementar de facto de exceção que tivesse sido alegado pela ré na sua contestação, que permitisse a consideração oficiosa do art.5º/2-a) e b) do CPC (ainda que depois de cumprimento do contraditório da al. b) do nº2 do art.5º/2 do CPC).
Assim, esta matéria deve ser eliminada da matéria de facto por ter sido inserida em violação do art.5º do CPC, o que prejudica a necessidade e possibilidade de apreciação da impugnação probatória realizada.
Esta eliminação não prejudica, naturalmente, a apreciação do relatório pericial e das suas afirmações (onde consta a presente) na apreciação que for feita de matéria de facto respeitante à causalidade entre a lesão e as sequelas (que esteja impugnada ou que deva ser reapreciada oficiosamente).
Pelo exposto, determina-se a eliminação do ponto VV da matéria de facto.

1.1.1.3. O facto provado em RR:
A sentença julgou provado o facto RR («O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável é fixável em 7 pontos.»), referindo na motivação, em relação à perícia médico-legal, que «Quanto aos danos permanentes, atribuiu-se um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 7 pontos, considerando-se o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto destas não afectando o examinado em termos de autonomia e independência, são causa de sofrimento físico, limitando-o em termos funcionais.».
A habilitada recorrente pediu que este facto se julgasse não provado, por entender que da matéria de facto provada se verifica que o autor era totalmente autónomo antes do acidente e passou de forma imediata a um estado totalmente dependente (conclusão D).
Impõe-se apreciar.
Por um lado, verifica-se que a recorrente não contestou que o embate tenha causado ao autor as sequelas do membro superior direito relatadas na perícia médico-legal a fls.242/verso («Sequelas: Flexo do cotovelo direito enquadrável na alínea Ma214; - Ausência de supinação do membro superior direito enquadrável em Ma.2020», a que o perito atribuiu o défice de 6, 90 pontos), determinante do facto provado.
Por outro lado, verifica-se que o recorrente não pediu a alteração do valor do défice funcional para valor maior (aliás, que também não alegou em articulado próprio- na petição inicial o autor limitou-se a referir que ficara com incapacidade, que a ré atribuiu-lhe um défice funcional de 9% e que aguarda definição do grau de défice da perícia; em articulado superveniente, apresentado depois de ser concluída a perícia, não indicou qualquer grau concreto e superior de défice).
Por sua vez, a consideração deste défice no que se refere ao braço direito (que, pode ser concretizado na intervenção oficiosa de III-1.3. infra), não prejudica o atendimento demais factos provados e os factos que se podem presumir dos mesmos.
Pelo exposto, julga-se improcedente a impugnação, sem prejuízo da clarificação do facto a realizar em III-1.2. infra.

1.1.2. Sobre os pedidos que factos não provados se julguem provados:
A sentença considerou os seguintes factos não provados, com base na seguinte explicação geral: «Os restantes factos não provados foram assim considerados por não terem sido confirmados por qualquer meio de prova (nomeadamente, o nexo de causalidade entre o acidente e os problemas cardíacos ocorridos no internamento e os sinais de demência).».

1.1.2.1. O facto não provado em 2:
A sentença julgou não provado em 2 que «O procedimento referido em k) foi realizado por via das lesões causadas pelo acidente.» (alínea k dos factos que julgou provado «Através de procedimento de 9 de Outubro, colocou pacemaker definitivo por bradicardia (FA de resposta lenta) sustentada após suspensão de dopamina.»), tendo considerado que não foi confirmado pela prova que «o nexo de causalidade entre o acidente e os problemas cardíacos ocorridos no internamento.».
A recorrente pediu que se julgasse provado este facto 2, uma vez que o relatório médico de 14.05.2022 comprova que o “pacemaker” foi colocado durante o internamento (conclusão E).
Impõe-se apreciar.
O “relatório médico de 14.05.2022” invocado pela recorrente corresponde apenas a um dos relatórios periciais intercalares, no qual, na parte em que foram descritos aos elementos clínicos remetidos ao perito, foi indicado o registo do Hospital ... de 09.01.2018, no qual consta, nomeadamente, «colocou pacemaker durante o internamento» (fls.230 do relatório pericial).
Ora, este simples elemento descritivo do relatório intercalar de fls.228 ss é totalmente insuficiente para reverter a decisão de facto da 1ª instância respeitante à causalidade direta, quando o julgou não provado, tendo em conta: que corresponde apenas a uma descrição de elementos, sem qualquer apreciação direta do perito (que em audiência, por sua vez, considerou até não existir causalidade direta entre o acidente e a intervenção); que a descrição que foi colocado no pacemaker durante o internamento não acrescenta nada mais do que já decorre dos factos provados em K e N (tendo-se provado em K que o pacemaker foi aplicado a 09.10.2017, com conteúdo descritivo de fls.17/v, e tendo-se provado em N que o autor esteve internado até ../../2017, já sabemos que o facto provado se refere ao período de internamento), dos quais o Tribunal a quo não presumiu a causalidade, nos termos dos arts.349º e 351º do CC, nem considerou existir prova que a sustentasse, sem que a recorrente tivesse debatido fundamentadamente aquela omissão e esta conclusão com base em prova concreta produzida nos autos (na qual consta, nomeadamente, um historial prévio ao acidente de doença cardíaca do autor, a fls.141 ss e 152) e na sua análise crítica.
Desta forma, julga-se improcedente a impugnação quanto ao facto 2.

1.1.2.2. O facto não provado em 3:
A sentença julgou não provado em 3 que «Regressado a casa, AA permaneceu em repouso quase total, imobilizado na cama, durante quase um mês.», por considerar genericamente não existir prova (como se referiu em III- 1.1.2. supra).
A recorrente pediu que este facto não provado em 3 se viesse a julgar provado, em face do teor dos depoimentos de CC, DD e CC, transcritos de fls.10 a 12 e não colocados em causa por qualquer outro meio de prova (conclusão F).
Impõe-se apreciar.
Examinando os depoimentos e os trechos indicados dos mesmos, verifica-se que estes referem que o autor depois de sair do hospital e vir para casa não andava, estando na cama e, depois, começando a passar desta para um cadeirão e cadeira de rodas que foram compradas, sem identificação exata de tempo em que o autor esteve na cama nos termos alegados (CC referiu que o autor, muito pesado, não saía da cama, tinha uma cama articulada para ser mais fácil sair dali e passar para a cadeira de rodas; DD referiu que o autor esteve na cama muito tempo, sendo que primeiro não saía de lá e quando começou a sair fazia-o para a cadeira de rodas; EE referiu que o autor não andava, e nunca mais andou, ficando na cama/acamado e ou no cadeirão e cadeira de rodas).
Examinando oficiosamente, por sua vez, os factos provados e a motivação da decisão de facto, verifica-se que o Tribunal a quo:
__ Declarou considerar os depoimentos das testemunhas credíveis (que relataram o estado anterior e posterior do autor, em que andava e conduzia e passou a andar de andarilho e cadeira de rodas e ser apoiado por terceiros): para considerar parcialmente infirmado o juízo pericial de falta de causalidade entre o acidente a dependência de terceira pessoa (afirmando o Tribunal a quo, após a descrição da prova, «Em face disto, concluímos que o estado funcional de AA era, em data imediatamente anterior ao acidente, incompatível com o juízo e as conclusões da perícia, sendo manifesto o contributo do acidente para o aceleramento e antecipação temporal da dependência total de terceira pessoa.»); para provar atomisticamente os factos referidos em U e V («U) Sempre que precisava de praticar qualquer acto da sua vida corrente passou a precisar de terceira pessoa. V) Passou a contar com o apoio do Centro Social ..., com a deslocação de duas pessoas a sua casa, três vezes ao dia, prestando-lhe serviços de limpeza, higiene pessoal e toma de medicação»), embora sem ter clarificado exatamente nesta descrição o tempo e o nexo alegados conjugadamente nos arts.26º («regressado a casa»), 27º (equivalente ao facto U) e 37º da petição inicial («O autor, tendo em conta o estado físico em que ficou, após o descrito acidente, passou a ter necessidade de ajuda de terceira pessoa, para todos os atos da vida do dia-a-dia.»).
_ Julgou provado: em P que o autor ficou com mobilidade reduzida do membro superior esquerdo durante um período mínimo de um mês (correspondente à afirmação do relatório pericial); em PP que o défice temporário parcial após o acidente (necessariamente em relação ao membro superior afetado e valorizado pelo perito) ocorreu em 61 dias (após a alta). Ora, estes períodos, conjugados com os depoimentos das testemunhas e à prova da obesidade do autor, lidos de acordo com as regras da experiência, permitem admitir os referidos períodos correspondessem aproximadamente ao tempo inicial de repouso e de maior imobilidade.
Assim, é possível julgar provado o essencial do facto impugnado.
Esta resposta, todavia, deve após, em III- 1.2. infra, ser articulada com os factos provados em U) e V e com a resposta ao facto alegado na 1ª parte do art.37º da petição inicial, face aos termos como todos foram alegados, à convicção do Tribunal a quo quanto aos factos provados e à deficiente redação que fez dos mesmos.
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a impugnação, determinando-se o aditamento: «Regressado a casa, AA permaneceu em repouso quase total, sobretudo deitado na cama, durante quase um mês.», facto este a articular em III-1.2. infra com os factos provados em U) e V e à resposta ao facto 37º na parte omissa.

1.1.2.3. O facto não provado em 4:
A sentença julgou não provado em 4 que «AA foi submetido a uma terceira cirurgia ao braço.».
A habilitada recorrente pediu que se julgasse provado este facto 4, uma vez que o tribunal não considerou que a colocação de um “pacemaker” constitui uma intervenção cirúrgica (conclusão G).
Impõe-se apreciar.
Examinando a alegação e os argumentos para julgar provado o facto 4, verifica-se que não assiste razão à recorrente.
De facto, o facto não provado em 4 refere-se a uma terceira cirurgia ao braço e não a uma terceira cirurgia geral (em cujo número pudesse ter sido contada a implantação do pacemaker), em conformidade com a alegação do autor dos arts.18º, 32º e 33º da petição inicial: «18. Ali (no internamento) foi submetido a uma intervenção cirúrgica- Osteotaxia com fixados externos Hoffman Compact II mais correção do esfacelo (…) 32. Tendo sido submetido a uma 2ª intervenção cirúrgica ao dito braço, 33. A que se seguiu uma 3ª intervenção cirúrgica, para extração do material de osteossíntese.».
Por sua vez, foram julgadas provadas em J) e S) duas cirurgias ao braço (uma Osteotaxia e, depois, outra para remoção de material de osteossíntese) e a impugnante não apresentou qualquer prova para demonstrar que foi feita uma terceira operação ao braço.
Pelo exposto, julga-se improcedente a impugnação quanto ao facto 4.

1.1.2.4. Os factos não provados em 5 e 11:
A sentença recorrida: julgou não provado em 5 que «Após o acidente passou a dar sinais de síndrome demencial.», tendo explicado sumariamente não existir prova para provar «nomeadamente, o nexo de causalidade entre o acidente (…) e os sinais de demência).»; julgou não provado em 11 que «Antes do acidente não aparentava sinais de síndrome demencial.».
A recorrente pediu que se julgassem provados: o facto 5, face ao referido em V (em relação ao facto “RR”) e aos depoimentos transcritos a págs.13 e 14 (páginas que encerram de presumível erro de identificação, uma vez que a impugnação do facto 5 foi feita de fls.14 a 16, constando nas mesmas as transcrições de depoimentos de CC e de EE) (conclusão H); o facto 11, face aos relatórios médicos juntos aos autos pelo autor e pelo Hospital ... (que, no seu entender, comprovam que antes do acidente o autor não apresentava sinais de síndrome demencial), e aos mesmos transcritos depoimentos das testemunhas, com conhecimento direto dos factos e não postos em causa por qualquer outro meio de prova (conclusão N- 1 e 2).
Impõe-se apreciar.
Examinando os depoimentos na parte indicada (e transcrita) pela recorrente, verifica-se que estes são totalmente insuficientes para julgar totalmente provados os factos em causa, tendo em conta que as testemunhas (irmão e sobrinho do autor) relataram factos: que denotam um conhecimento superficial do assunto (ambas referem que o autor antes do acidente tomava apenas medicamentos para a tensão arterial; o irmão do autor disse que o autor não era acompanhado por alguma especialidade médica e que depois do acidente passou a ter uma farmácia de medicação, nomeadamente para o cérebro; o sobrinho admitiu apenas, em relação a pergunta que lhe foi feita de sinais de demência do autor antes do acidente, que aquele chegou a ter um lapso momentâneo); que se encontram parcialmente em oposição com o facto provado em TT (e objeto de apreciação e reformulação em III.1.1.1.1. supra) e com os registos clínicos extensos juntos aos autos a fls.18, 116 ss, 125 ss e 188 ss, que documentam, nomeadamente, que antes do acidente o autor já estava sujeito a uma extensa medicação, na qual desde fevereiro de 2016 já se integrava também um medicamento neurológico Gincoben, passível de ser usado por doentes com demência moderada, conforme também referido em III- 1.1.1.1. supra (fevereiro de 2016- fls.143; julho de 2016-fls.142/v; março de 2017- fls.140, maio de 2017-fls.197, 2 de outubro de 2017-fls.137/v) e que a 24.10.2017, ainda durante o internamento, a médica do Hospital ... registou que o doente tinha “síndrome demencial”.
Todavia, face aos mesmos elementos dos autos, admite-se que pode existir uma resposta restritiva ao facto 5 (que dê nota de sinais de crescente desorientação do autor depois do acidente), tendo em conta: que a 24.10.2017 há um registo hospitalar de «descompensação cognitiva durante o internamento” (fls.18); que nos registos clínicos neurológicos desde janeiro de 2018, a fls.188 ss/279 ss, são documentadas desorientações do autor no espaço, no tempo e nas relações pessoais.
Pelo exposto, julga-se:
a) Parcialmente procedente a impugnação quanto ao facto não provado em 5, determinando-se que se julgue provado restritiva e explicativamente “Durante o internamento referido em H) e ss o autor teve uma descompensação cognitiva e, após regressar a casa, teve episódios disfásicos (em janeiro de 2018) e de desorientação no espaço, no tempo e nas relações pessoais (pelo menos, desde 2019/ 2020).».
b) Improcedente a impugnação quanto ao facto 11.

1.1.2.5. O facto não provado em 6:
A sentença recorrida julgou não provado em 6 que «O terreno referido em X) tem cerca de 5.000 m2.», com a explicação genérica de que a prova não confirmou os factos não provados.
A recorrente pediu que se julgasse provado este facto não provado em 5, face aos depoimentos das testemunhas CC, EE FF e GG, transcritos de fls.14 a 16, que são de conhecimento direto, constituem prova bastante e não foram postos em causa por qualquer meio de prova (conclusão I).
Importa apreciar.
Examinando os depoimentos das testemunhas indicadas, verifica-se que efetivamente duas destas referem que o terreno do autor tinha aproximadamente a área indicada (o irmão do autor II refere-se a cerca de 4 a 5 mil m2; o sobrinho do autor EE refere-se a terreno aproximadamente equivalente ao dos seus pais de meio hectar, 5500 m2), depoimentos que, face à proximidade das testemunhas e a falta de relevância essencial do facto, são suficientes para o dar como provado.
Pelo exposto, julgando procedente a impugnação, determina-se a eliminação do facto 6 da matéria de facto não provada e determina-se o aditamento à matéria provada de «O terreno referido em X) tem cerca de 5.000 m2.».

1.1.2.6. O facto não provado em 7:
A sentença recorrida julgou não provado em 7 que «Os trabalhos nesse terreno representavam para AA um rendimento mensal não inferior ao salário mínimo nacional.», com a explicação genérica de que a prova não confirmou os factos não provados.
A recorrente pediu que se julgasse provado este facto não provado em 7, face: aos depoimentos das testemunhas CC e EE, transcritos a fls. 16 e 17 (presumindo-se que esta menção incorra em erro de escrita, uma vez que a motivação do facto 7 encontra-se de fls.18 a fls.20), com conhecimento direto dos factos, que não foram postos em causa por qualquer meio de prova (considerando que comprovam que o trabalho do autor falecido tinhavalor porqueo dispensava:de contratar outrem para o cultivo do seu terreno agrícola, a não ser em altura de “picos” de trabalho; ou de ter adquirir os produtos agrícolas a terceiras pessoas); ao conhecimento de que, com a pandemia, os preços produtos agrícolas e hortícolas subiram mais de 50% (conclusão J-1 e 2).
Impõe-se apreciar.
Examinando os depoimentos com base nos quais a recorrente pretende que se julgue provado o facto, em conjugação com matéria notória (art.412º do CPC), verifica-se que estes são absolutamente insuficientes para julgar provado o facto 7 (o irmão do autor CC limitou-se a dizer que ele “fazia” o terreno da residência e de ... onde tinha árvores de fruto, sem explicar a que trabalho se refere e a sua extensão e resultados, etc; o sobrinho do autor EE referiu apenas que “ele fazia a gestão daquilo. Umas vezes tinha mais trabalho, outras menos trabalho”, que quando precisava pedia ajuda nos picos, que era natural que tirasse proveito em vinho e fruta, que tanto vendia como oferecia, sem que se identificar de forma concreta qualquer grau de trabalho, qual a qualidade e quantidade dos produtos produzidos, que permitisse extrair alguma presunção de rendimentos), nomeadamente sabendo a idade do autor de 87 anos antes do acidente, a sua obesidade e problemas de saúde documentados nos autos e provados em TT e UU, dos quais não se poderia inferir a realização de um grau de trabalho significativo e um rendimento mensal certo, nomeadamente o alegado.
Pelo exposto, julga-se improcedente a impugnação quanto ao facto 7.   

1.1.2.7. Os factos não provados em 8 e 9:
A sentença recorrida julgou não provado em 8 e 9 que «AA deslocava-se desde a sua residência até à freguesia ..., ..., de onde ele e a mulher eram naturais, e onde haviam comprado e reconstruído uma casa de férias, na qual passavam algumas quinzenas por ano, onde se encontravam com a gente de seu tempo e com quem brincaram na infância.» e «O que deixou de fazer após o acidente.», com base na referida justificação de inexistência de prova que confirmasse o facto.
A recorrente pediu que se julgassem provados estes factos não provados, face aos depoimentos das testemunhas CC, EE e GG, referidos como transcritos a fls. 18 a 20 e a fls. 21 a 23 (presumindo-se que as menções padeçam de erro de processamento de texto, uma vez que a motivação desta impugnação do facto 8 encontra-se nas alegações de fls.20 a 23 e a do facto 9 encontra-se a fls.23 a 26), com conhecimento direto dos factos e que não foram postos em causa por qualquer meio de prova (conclusões L e M).
Impõe-se apreciar.
Examinando os depoimentos das testemunhas indicadas, verifica-se: que estas confirmam plenamente os factos respeitantes à deslocação e condução do autor até ..., ainda que sem todos os pormenores do facto (EE, sobrinho do autor, explica que o tio, antes do acidente e apesar da idade, ia a ... ainda com o seu carro, aproximadamente de mês a mês, onde tinha um prédio, o povoamento era concentrado e encontrava com facilidade gente do seu tempo da escola, ficando por vezes lá 15 dias ou uma semana, sendo que depois do acidente nunca mais andou; JJ, vizinho do autor, relatou que antes do acidente, apesar do autor não poder andar muito, ainda conduzia e ia a ..., sendo que depois do acidente nunca mais saiu de casa; o irmão do autor, CC explicou a dependência do irmão em casa e de terceiros depois do acidente); que o próprio Tribunal a quo declarou que os depoimentos destas pessoas eram credíveis (em relação ao estado do autor antes e após o acidente, a partir do qual declarou discordar parcialmente do relatório médico legal, considerando que o acidente precipitou o estado de dependência do autor), não explicando a razão pela qual não atendeu a esta parte do depoimento, apesar de ter julgado provado em X que o autor conduzia antes do acidente.
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a impugnação, no âmbito da qual se determina:
a) A eliminação dos pontos não provados em 8 e 9.
b) O aditamento à matéria de facto provada do seguinte facto, conexionar com o de X:
«AA, antes de 07.10.2017, deslocava-se desde a sua residência até ..., de onde era natural, e onde tinha uma casa, na qual passava algumas quinzenas por ano, onde se encontrava com a gente de seu tempo e com quem brincara na infância, o que deixou de fazer após esta data e o internamento.».

1.1.2.8. O facto não provado em 12:
A sentença julgou não provado que «No momento do acidente, AA pensou que ia morrer.».
A recorrente pediu que se julgasse provado este facto não provado em 12, face aos depoimentos das testemunhas CC, DD e GG, transcritos de fls.23 a 25 (que se presume tratar-se de erro de escrita, uma vez que a impugnação deste facto com transcrição de depoimentos e encontra-se de fls.26 a 28 das alegações), que constituem prova bastante não posta em causa por qualquer outro meio de prova (conclusão O).
Impõe-se apreciar.
Examinando os depoimentos indicados (nos quais efetivamente: a cuidadora DD referiu que o autor dizia “matavam-me ali na estrada” e gemia por todos os lados; o irmão do autor, CC, referiu, após confirmar que o autor passou por pânico, sofrimento e medo de morrer, que este autor dizia “matavam-me ali na estrada”; o vizinho GG referiu, em relação ao acidente “Pensava que morria. Era o que ele contava”), verifica-se que estes factos relatados, conjugados com outros demais factos provados denotadores de fragilidade do autor (a idade de 87 anos, a obesidade e os problemas de saúde provados, as lesões e o estado em que ficou após o embate necessidade de três semanas de internamento) permitem admitir que o autor tivesse pensado que morria quando foi embatido e ferido.
Pelo exposto, julgando-se procedente a impugnação, determina-se:
a) A eliminação da decisão do facto não provado em 12.
b) O aditamento aos factos provados «No momento do atropelamento referido em A, AA pensou que ia morrer.».

1.1.2.9. O facto não provado em 13:
A sentença recorrida julgou como não provado que «Nas obras de alargamento do acesso à sua casa, AA gastou a quantia de 5.000,00 €.», explicando genericamente apenas que a prova não confirmava os factos não provados.
A recorrente pediu que se julgasse provado este facto não provado em 13, face aos depoimentos das testemunhas CC, DD e EE, transcritos de fls.25 e 26 (presumindo-se tratar-se de erro de escrita, uma vez que a motivação da impugnação encontra -se de fls.28 a 30), que constituem prova bastante e que não foi posta em causa por qualquer outro meio de prova (conclusão P).
Impõe-se apreciar.
Examinando os depoimentos das testemunhas indicados, verifica-se que estes confirmam a realização de obras na entrada da casa (mas que não concretizaram) e referiram custos aproximados (CC, irmão do autor, referiu «Salvo erro, salvo erro, gastou 5.000, 00- cinco mil euros- naquilo»; DD, que cuidou do autor confirmou apenas a realização de obras; o sobrinho KK referiu “sei que na altura custaram uns  5.000, 00 euros”), sem que, todavia, tivessem explicado a razão direta de conhecimento que permitisse tê-los como decorrentes de conhecimento direto e exato.
Pelo exposto, julga-se improcedente a impugnação quanto ao facto provado em 13.

1.2. Apreciação oficiosa:
Examinando a matéria de facto provada e os critérios de alteração oficiosa referidos em III-1 supra, proceder-se-á oficiosamente (para além da decisão da impugnação exposta):
a) À expurgação da matéria de facto provada da matéria conclusiva passível de eliminação sem alteração da compreensão da decisão de facto (v.g. eliminação: das menções de “acidente” e “atropelamento”; das menções de défices funcionais temporários total e parcial, que, para além de corresponderem a conclusões, também não foram invocados pelo autor para além dos factos do internamento e do regresso a casa com necessidade de auxílio a terceira pessoa) e o registo em itálico daquela matéria conclusiva não essencial que se mantém para compreensão da totalidade da situação de facto provada.
b) À clarificação do facto “RR” (considerado integrado no campo das afirmações de incapacidade e défices dos arts.49º, 59º, 64 da petição inicial) apenas quanto às sequelas do membro superior a que se refere, a realizar nos termos do art.662º/2-c) do CPC com base no relatório médico-legal de fls.238 ss («Sequelas: Flexo do cotovelo direito enquadrável na alínea Ma214; - Ausência de supinação do membro superior direito enquadrável em Ma.2020»), e sem prejuízo de c) infra.
c) O aditamento, em introdução dos factos já provados em U) e V) quanto à necessidade de apoio de terceira pessoa, da decisão sobre a 1ª parte do art.37º da petição inicial (que alegou, como explicação prévia ao recurso ao apoio a terceira pessoa, que «O Autor, tendo em conta o estado físico em que ficou, após o descrito acidente, passou a …»). Assim, atendendo à convicção do Tribunal a quo expressa extensamente na sua motivação (na qual considerou que o internamento decorrente do embate precipitou a alteração do estado do autor, que deixou de andar e apenas na cama e em cadeira de rodas), convicção confirmada e aceite também por este Tribunal da Relação, é possível aditar esclarecidamente, face ao alegado na 1ª parte do art.37º da petição inicial, que «O autor, face ao estado de saúde global com que ficou após o embate e o internamento, no qual passou a carecer de cadeira de rodas ou andarilho para se deslocar,» passou a precisar da ajuda provada nos factos U) e V).

1.3. Matéria de facto provada (da sentença recorrida, da decisão da impugnação de 1.1. e do conhecimento oficioso de 1.2., reordenada e readaptada por esta Relação):
1) Antes de 7 de outubro de 2017, AA:
a) Trabalhava um terreno adjacente à sua casa, que tinha cerca de 5 000 m2. 
b) Ainda conduzia, deslocando-se desde a sua residência até ..., de onde era natural, e onde tinha uma casa, na qual passava algumas quinzenas por ano, onde se encontrava com a gente de seu tempo e com quem brincara na infância.
c) Desde data não apurada de 2015, teve défices de compreensão e de memória e foi seguido em neurologia, sendo que a 30 de maio de 2017 encontrava-se bem disposto e colaborante e foi encaminhado para consulta de memória e para a realização de TAC cerebral.
d) Sofria também de doença cardíaca, hipertensão e obesidade.
(facto X) da sentença recorrida; decisão de III- 1.1.2.7. e 1.1.2.5. quanto aos factos não provados em 8 e 5; decisão de facto TT) na reformulação feita em III-1.1.1.1. supra; facto UU da sentença recorrida)
2) No dia 7 de outubro de 2017, pelas 10.30 horas, na Estrada Nacional ...08 ao Km 37.250, freguesia ..., concelho ... (uma reta, com cerca de 250 metros de comprimento e largura de 5,40 metros):
a) O veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ..-BS-.., conduzido pelo seu proprietário, HH (residente na Rua ..., freguesia ..., concelho ...), e com responsabilidade emergente de acidente transferida para a Ré por contrato de seguro titulado pela apólice ...50, circulava no sentido ....
b) AA, de 87 anos, caminhava em sentido contrário ao do veículo automóvel referido em a), pelo lado esquerdo da estrada, junto a um muro que desse lado a delimita.
c) Quanto o condutor do veículo automóvel havia percorrido cerca de 100 metros da via, podendo avistar AA, porque inexistia trânsito de veículos que lhe dificultasse a visibilidade, embateu com o espelho retrovisor direito no peão, e prosseguiu a sua marcha, não imobilizando o veículo.
d) AA, no momento do embate de c) supra, sentiu pânico, angústia e sofrimento e pensou que ia morrer.
(alíneas A) a G) e MM) da sentença recorrida; factos provados em II) da sentença recorrida e na decisão e III-1.1.2.8. da sentença recorrida)
3) AA, após 2) supra foi conduzido de ambulância do INEM ao Hospital ..., onde ficou internado até ../../2017 e no qual:
a) Foi assistido, recebendo os primeiros tratamentos, realizando exames complementares de diagnóstico, e ali permanecendo internado.
b) Foi-lhe confirmado esfacelo do antebraço direito – distal rádio e cúbito.
c) Foi submetido a uma intervenção cirúrgica – osteotaxia com fixador externo Hoffman Compact II, mais correção do esfacelo.
d) Ficou com imobilização do membro superior esquerdo durante 24 horas e com aplicação de gelo durante 3 dias.
e) Colocou “pacemaker definitivo por bradicardia (FA de resposta lenta) sustentada após suspensão de dopamina, através de procedimento de 9 de outubro.
f) Apresentou anemia e discreta agudização da função renal.
g) Durante o internamento teve uma descompensação cognitiva.
h) Necessitou de ajuste terapêutico de psiquiatria.
(als.H) a O), T) e 1ª parte do facto aditado na decisão da impugnação de 1.1.2.4. supra).
4) Após a alta e regressado a casa, AA:
a) Ficou com mobilização reduzida do membro superior esquerdo durante um período mínimo de 1 mês e permaneceu em repouso quase total, sobretudo deitado na cama, durante quase um mês.
b) Teve má evolução da ferida, razão pela qual manteve os fixadores externos para tratamento definitivo e manteve seguimento com RX na consulta e cuidados de penso no hospital 3 vezes por semana.
c) Manteve medicação para as dores.
d) Foi submetido a outra cirurgia para remoção do material de osteossíntese.
e) Manteve consultas e tratamentos na especialidade de ortopedia no Hospital ....
f) Consolidou as lesões de 3-b) supra a 25.02.2018, com flexo do cotovelo direito enquadrável na alínea Ma214 e ausência de supinação do membro superior direito enquadrável em Ma.2020, correspondente a défice funcional de integridade físico-psíquica de 7 pontos e dano estético de grau 3/7. 
g) Teve episódios disfásicos (em janeiro de 2018) e de desorientação no espaço, no tempo e nas relações pessoais (pelo menos, desde 2019/ 2020).
h) Deixou de fazer o referido em 1)-b) supra.
(als. P), Q), R), S) W), RR), NN) e SS) da sentença recorrida; decisão da impugnação de III- 1.1.1.2.; clarificação de RR) ordenada em 1.2. supra; 2ª parte do facto aditado na decisão da impugnação de 1.1.2.4. e de 1.1.2.7. supra)
5) AA:
a) Passou, face ao estado de saúde global com que ficou após o embate e o internamento, no qual passou a carecer de cadeira de rodas ou andarilho para se deslocar: a precisar de ajuda de terceira pessoa sempre que precisava praticar qualquer ato da sua vida corrente; a contar com o apoio do Centro Social ..., com a deslocação de duas pessoas a sua casa, três vezes ao dia, prestando-lhe serviços de limpeza, higiene pessoal e toma de medicação.
b) Pagou, desde novembro de 2017 até à sua morte:
__ À pessoa que lhe prestou assistência durante a noite as quantias de € 9.100,00 (€ 650,00 por mês), desde ../../2017 a 31 de dezembro de 2018, de € 9 000,00 (€ 750,00 por mês) em 2019, de € 11.400,00 (€ 950,00 por mês) em 2020, de € 12.000,00 (€ 1 000, 00 por mês) em 2021, de € 11 550,00 (€ 1 050,00 por mês) em 2022.
__ Ao Centro Social ... pela assistência domiciliária a quantia de € 23.716,82.
c) Teve de mandar realizar obras de alargamento do acesso à sua casa, de forma a permitir o acesso de ambulâncias necessárias aos cuidados de que passou a precisar.
d) Gastou: a quantia de € 75,40 na obtenção do auto de participação do acidente, junto como doc. 1 com a petição inicial; € 20,00 na obtenção de certidão do assento de nascimento, junto como doc. 2 com a petição inicial; € 45,00 no transporte da sua casa para os tratamentos hospitalares decorrentes das lesões sofridas por causa do acidente, efetuado pelos Bombeiros Voluntários ....
(factos provados em U) e V), com clarificação da 1ª parte do art.37º de III-1.2.; factos provados em Z), AA), Y), GG) e HH) supra).
6) AA:
a) Por causa das lesões, teve dores e tomou medicação; ficou triste e chorava; teve um quantum doloris de grau 5/7.
b) Faleceu em ../../2022.
(factos provados em JJ, K), LL) e QQ) da sentença recorrida)
7) A ré, assumindo a responsabilidade do segurado pelo referido em 2) supra e tendo os seus serviços clínicos considerado a data da alta no dia 20 de março de 2018, 9 pontos de incapacidade parcial permanente, um quantum doloris de grau 4 e um dano estético de grau 1, propôs a AA o pagamento de € 4.593,23 para o ressarcir de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, presentes e futuros, decorrentes do acidente em mérito.
(factos provados em FF), BB), CC, DD) e EE) da sentença recorrida)

2. A reapreciação de direito da sentença recorrida:
2.1. Enquadramento jurídico da indemnização do dano na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos:

A. O regime da responsabilidade civil por factos ilícitos responsabiliza aquele que ofendeu ilicitamente o direito de outrem ou norma protetora de interesses alheios, de forma censurável a título de dolo ou mera culpa, a reparar o dano causado por essa lesão, nos termos dos arts. 483º ss e 562º ss do Código Civil, doravante CC.
B. A obrigação de indemnização dos danos, em geral, só existe em relação aos danos, diretos ou indiretos, que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art.563º do CC), norma esta que corresponde, de acordo com o que se tem entendido clássica e maioritariamente, à formulação negativa da teoria da causalidade adequada, nos termos defendidos pelos Ac. STJ de 3.12.1992, publicado no BMJ 422º-365, Ac. RE de 07.12.1993, in BMJ 432º-452, Ac. STJ de 2.3.1995, in BMJ 445º-445[iii].
Mafalda Miranda Barbosa, na discussão «Do Nexo de causalidade ao nexo de imputação», em relação aos critérios imputacionais que atualizam a discussão do nexo exigível entre o evento lesivo e o dano, para que o mesmo seja indemnizável pelo lesante, mesmo em condições particulares do lesado, explica, em termos que se perfilham:
«o filão fundamentador da imputação objetiva não pode deixar de se encontrar numa esfera de risco que se assume. (…) A pessoa, ao agir, porque é livre, assume uma role responsibility, tendo de, no encontro com o seu semelhante, cumprir uma série de deveres de cuidado. (…) Exige-se, por isso, que haja um aumento do risco, que pode ser comprovado, exatamente, pela preterição daqueles deveres de cuidado. Estes cumprem uma dupla função. Por um lado, permitem desvelar a culpa (devendo, para tanto, haver previsibilidade da lesão e exigibilidade do comportamento contrário tendo como referente o homem médio); por outro lado, alicerçam o juízo imputacional, ao definirem um círculo de responsabilidade, a partir do qual se tem de determinar, posteriormente, se o dano pertence ou não ao seu núcleo. (…)
Assim, para que haja imputação objetiva, tem de verificar-se a assunção de uma esfera de risco, donde a primeira tarefa do julgador será a de procurar o gérmen da sua emergência. São-lhe, por isso, em princípio, imputáveis todos os danos que tenham a sua raiz naquela esfera, donde, a priori, podemos fixar dois pólos de desvelação da imputação: um negativo, a excluir a responsabilidade nos casos em que o dano se mostra impossível (impossibilidade do dano), objeto, ou por falta de ou por inidoneidade do meio; outro positivo, a afirmá-la diante de situações de aumento do risco.
Exclui-se a imputação quando o risco não foi criado (não criação do risco), quando haja diminuição do risco e quando ocorra um facto fortuito ou de força maior. (…)
O confronto com a esfera de risco titulada pelo lesado impõe-se de igual modo. São a este nível ponderadas as tradicionais hipóteses da existência de uma predisposição constitucional do lesado para sofrer o dano. Lidando-se com a questão das debilidades constitucionais do lesado, duas hipóteses são cogitáveis. Se elas forem conhecidas do lesante, afirma-se, em regra, a imputação, exceto se não for razoável considerar que ele fica, por esse especial conhecimento, investido numa posição de garante. Se não forem conhecidas, então a ponderação há-de ser outra. Partindo da contemplação da esfera de risco edificada pelo lesante, dir-se-á que, ao agir em contravenção com os deveres do tráfego que sobre ele impendem, assume a responsabilidade pelos danos que ali se inscrevam, pelo que haverá de suportar o risco de se cruzar com um lesado dotado de idiossincrasias que agravem a lesão perpetrada. Excluir-se-á, contudo, a imputação quando o lesado, em face de debilidades tão atípicas e tão profundas, devesse assumir especiais deveres para consigo mesmo.»[iv].
Os danos não patrimoniais, por sua vez, são protegidos, para além do nexo de causalidade, quando, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.496º/1 do CC, em referência aos arts.483º e 562º ss do CC).
C. Os danos patrimoniais compreendem não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter, em consequência da lesão (art.564º/1 do CC), danos estes que, todavia, podem ser ainda, qualquer um, um dano presente ou de um dano futuro, por referência ao momento de apreciação da fixação da indemnização[v] (art.564º/2 do CC).
Neste campo de diferenciação, se não existe grande controvérsia em relação aos danos presentes indemnizáveis que forem causais do evento lesivo, a previsão legal sobre o atendimento dos danos futuros no cômputo da indemnização define como condição que estes sejam previsíveis (art.564º/2 do CC).
Ora, sobre esta exigência da previsibilidade, a doutrina e a jurisprudência têm distinguido subcategorias (danos certos e eventuais) e critérios quanto à indemnização (elevada probabilidade dos danos, de acordo com as regras da experiência).
De facto, nomeadamente: Almeida Costa refere que estes danos futuros podem ser «certos ou eventuais, conforme a respectiva produção se apresente infalível ou apenas possível»[vi]. Henrique Sousa Antunes, remetendo para doutrina de Vaz Serra e Antunes Varela, associa a previsibilidade do dano futuro a uma elevada probabilidade e a um grau elevado de segurança: «A previsibilidade sugere um grau elevado de probabilidade, considerando os efeitos comuns associados à lesão causada e as especificidades das circunstâncias particulares do lesado e do evento. Refere-se ANTUNES VARELA a «suficiente segurança» (…). Retomando uma fórmula dos trabalhos preparatórios, VAZ SERRA apresenta o critério seguinte (…): «é necessário que os danos futuros sejam previsíveis com segurança bastante, porque, se não o forem, não pode o tribunal condenar o responsável a indemnizar danos que não se sabe se virão a produzir-se; se não for seguro o dano futuro, a sua reparação só pode ser exigida quando ele surgir. A segurança do dano pode resultar de probabilidades. (…) Entre a certeza e a elevada probabilidade resta, ainda, uma margem significativa de apreciação para os tribunais, de acordo com as regras da experiência comum. Lê-se, em AC. RC 13.07.2016: «O dano futuro é previsível quando se prognosticar, conjeturar com antecipação ao tempo em que acontecerá, a sua ocorrência. No caso contrário, isto é, quando o homem medianamente prudente não o prognostica, o dano é imprevisível»[vii].
A indemnização de danos (emergentes ou de lucros cessantes, de danos presentes ou futuros) é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (art.566º/1 do CC), devendo ter como medida, salvo disposição em contrário, a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos (art.566º/2 do CC).
Os mesmos danos, nomeadamente os futuros, podem ser determinados ou indeterminados, caso este em que: a liquidação pode ser feita em decisão ulterior (art.609º/2 do CPC); se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, por estar esgotada a possibilidade de determinação exata ou esta não ser possível, a indemnização reparatória dos mesmo pode ser definido pela equidade (art.566º/3 e 564º/2 do CC).
Sobre a compatibilização entre os arts.564º/2 e 566º/3 do CC, no caso de danos com valor indeterminado, o Ac. STJ de 22.01.1980, publicado na RLJ, a no 113, pág.325, citado por Henrique Sousa Antunes, clarifica: «A contradição aparente dessas duas disposições resolve-se no sentido de que a fixação da indemnização segundo regras da equidade só se impõe quando esgotada a possibilidade de apuramento dos elementos com base nos quais o seu montante haja de ser determinado. E no caso vertente, falta, pelo menos, um dado essencial para o cálculo dos danos futuros, que é o da idade do lesado, pois conforme a probabilidade da maior ou menor duração da sua vida ativa assim aumentará ou diminuirá o prejuízo futuro, resultante da redução da sua capacidade laboral.».
D. O dano não patrimonial pode integrar compreensivamente, de acordo com a jurisprudência, nomeadamente «o dano corporal ou à saúde traduzido na diminuição psicossomática da pessoa por lesão à integridade física e psíquica- actualmente designado também como dano biológico; o dano que consiste no sofrimento físico ou psíquico- quantum doloris; o prejuízo estético; o prejuízo sexual; o dano que se traduz no prejuízo da vida concreta e relacional da pessoa, designadamente familiar- que pode ser designado por dano existencial ou à vida de relação ou por prejuízo de afirmação pessoal, e que pode ainda ser particularizado no «prejuízo de distracção ou passatempo», no «pretium juventutis», no «prejuízo da auto-suficiência»»[viii]
Esta cláusula indemnizatória geral, em consonância com a tutela geral da  integridade e personalidade física e moral contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça (arts.24º a 26º da CRP, 70º do CC), protege «mais amplamente, a tutela da pessoa, na completa expressão do seu ser (Cfr. MENEZES CORDEIRO, 2010: 408-418 e BRANDÃO PROENÇA 217b: 313-388)»[ix], compensando o dano grave, aferido objetivamente, gravidade essa que pode abranger “não apenas o «dano exorbitante ou excecional», mas também aquele que sai da mediania, ultrapassando as fronteiras da banalidade (cfr., v.g., o Ac. STJ 04.03.2008 08A164)”[x]  
O valor da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que se justifiquem (arts.496º/4 e 494º do CC), como, as «flutuações do valor da moeda, etc.» e «E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida»[xi]
O valor a arbitrar não deve reconduzir-se apenas a um valor simbólico mas deve ter um valor significativo, ainda que baseado em critérios objetivos e não arbitrários[xii].
Esta indemnização: reveste uma natureza compensatória («tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indirectamente, os preditos danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral»[xiii] ) e uma natureza também sancionatória, que pondera a culpa do agente[xiv]; deve ser fixada num valor único, ainda que pondere diversas categorias de danos - «não se justificando autonomizar as diversas categorias para o efeito de ser atribuída uma distinta parcela indemnizatória a cada uma- cfr. os Acs. STJ 07.07.2009, 25.11.2009, 25.11.2009, 07.5.2014.26.06.2014 e 02.06.2015- solução que se compreende pela necessidade de evitar a dupla reparação do mesmo dano, uma vez que as diversas subespécies podem não revestir autonomia dogmática e são identificadas, sobretudo, com um fim descritivo»[xv].
Na decisão a proferir, ainda, o julgador deve ter em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniforme do direito (art.8º/3 do CC).
De acordo com a jurisprudência do STJ, o valor indemnizatório por danos não patrimoniais, fixado num juízo de equidade na 1ª instância, «assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade»[xvi], posição adotada também por este Tribunal da Relação de Guimarães, que conclui «Assim, fixada a indemnização por danos não patrimoniais com base na equidade, o Tribunal superior só deve intervir quando os montantes fixados se revelem, de modo patente, em colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm a ser adotados, para assegurar a igualdade, o que manifestamente, não sucede no caso. Não ocorrendo oposição, a ponderação casuística das circunstâncias do caso deve ser mantida, já que o julgador se situou na margem de discricionariedade que lhe é consentida.»[xvii], posições estas que se perfilham.

2.2. Reapreciação das indemnizações fixadas pelo Tribunal a quo, objeto dos recursos:
2.2.1. Quanto à indemnização por dano patrimonial de € 15 000, 00:
A sentença recorrida fixou em € 15 000, 00 uma indemnização pelo dano patrimonial de ajuda de terceira pessoa, com base na equidade e nos termos da seguinte fundamentação:
«Pede-se ainda que se condene a Ré a pagar as despesas com a ajuda de terceira pessoa.
Nos termos do disposto no art. 564º, n.º 1, do CC, “o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”.
Temos provado que à data do acidente AA andava sem ajudas, conduzia a trabalhava o quintal adjacente à sua casa, tendo autonomia total.
Depois do acidente não conseguiu mais tratar sequer da sua higiene pessoal, medicação nem andar sem ajudas, passando a contar com a ajuda permanente de terceira pessoa.
Por outro lado, sabemos que já antes do acidente sofria de défice cognitivo, sendo seguido pela especialidade de neurologia.
E, independentemente do acidente sofrido, AA necessitaria sempre em momento futuro não concretamente apurado de ajuda de terceira pessoa, atentos os défices cognitivos de que sofria, tendo o acidente antecipado tal necessidade.
Veio, então, o acidente antecipar a perda da autonomia de AA e a necessidade de apoio de terceiros.
Esta situação coloca-nos perante a questão da relevância negativa da causa virtual.
Citando o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28/01/2021, que trata de caso semelhante ao dos presentes autos, “vamos seguir a lição de Almeida Costa (Direito da Obrigações, 4ª edição, Coimbra Editora, fls. 522), que apresenta o seguinte exemplo: A ministra ao cavalo X de B uma dose mortal de veneno, acontecendo porém que antes de se consumarem os seus efeitos, o cavalo é morto a tiro por C.
Ou seja, A é o autor da causa virtual do dano e C o autor da causa real.
Levanta-se a questão de saber se C deve ser responsável pela indemnização ao dono do cavalo, considerando que o dano sempre se produziria pela intervenção de A. Almeida Costa responde que “a referida causalidade existe. A causa virtual não possui a relevância negativa de excluí-la, pois em nada afecta o nexo causal entre o facto operante e o dano; sem o facto operante o lesado teria um dano idêntico, mas não aquele preciso dano. Daí que exista, em princípio, a obrigação de indemnizar”.
Na jurisprudência podemos recensar o Acórdão do STJ de 15.3.2005 (Azevedo Ramos), segundo o qual “a causa virtual não possui a relevância negativa de excluir a causalidade, pois em nada afecta o nexo causal entre o facto operante e o dano, já que sem o facto operante o lesado teria dano idêntico, mas não aquele preciso dano”.
Mas aquele mesmo Mestre acrescenta: “encarando o problema noutro plano, o da isenção ou atenuação da obrigação indemnizatória, verifica-se que pode, excepcionalmente, ser tomada em linha de conta a circunstância de que o dano viria a produzir-se como consequência da causa virtual ou hipotética -que, nessa medida, apresenta relevância negativa (arts. 491º, 492º,1, 493º,1, 616º,2, 807º,2 e 1136º,2)”.
Ou, como se escreve no Acórdão do TRP de 12.11.2013 (Vieira e Cunha), “a questão da relevância negativa da causa virtual (única verdadeiramente importante para que o agente possa eximir-se à responsabilidade) assume importância não no domínio do nexo causal, mas antes no capítulo da extensão do dano a indemnizar, como refere o Prof. Antunes Varela, Obrigações, 1º, 3ª ed., pg. 796, cit. in Ac.R.P. 28/3/2011 supra”.
Aplicando esta teoria ao caso dos autos, temos que a autora tinha um determinado padrão de vida, sendo autónoma, que perdeu por causa do acidente. Porém, simultaneamente, ela já transportava dentro de si uma patologia do foro psiquiátrico que iria, no futuro não concretamente determinado retirar-lhe esse padrão de vida e colocá-la numa situação de dependência de terceiros.
O acidente veio antecipar essa situação de dependência e perda de autonomia que a autora infelizmente tinha por certa, embora não datada, devido à doença do foro psiquiátrico que carregava consigo já antes de ser atropelada.
De acordo com a doutrina citada, existe nexo de causalidade entre o acidente e este dano, pelo que o dever da ré indemnizar a autora por este dano, ao contrário do que aquela pretende, existe. Que não reste qualquer dúvida quanto a isso. A autora, por virtude do acidente de que foi vítima, perdeu aquilo que poderemos chamar de “tempo de vida de qualidade”, que ainda teria à sua frente por tempo não determinado, mas que, assim, cessou abruptamente.
Por isso é que a sentença recorrida referiu que “o dano ressarcível é a antecipação no tempo da perda da autonomia da Autora”. A autora deveria ter tido mais tempo de vida com autonomia, tempo esse não determinado nem determinável, mas não o teve por força do atropelamento de que foi vítima.
Esse dano tem repercussões patrimoniais óbvias, que se traduzem na necessidade de contratar terceira pessoa para colmatar a sua falta de autonomia.
E é na quantificação do mesmo que a causa virtual pode vir a ter algum relevo” (relatado por Afonso Cabral de Andrade, publicado in www.dgsi.pt).
Voltando ao caso em mérito, a autonomia de AA foi cortada abruptamente, essa cessação da autonomia foi antecipada no tempo por um acontecimento imprevisto causado culposamente por terceiro. O facto de possuir doença anterior que levaria no futuro, naturalmente, a essa cessação da autonomia deverá ser tomada em consideração no montante da indemnização a fixar, mas não quebra o nexo de causalidade entre o acidente e a dependência de AA.
Assim, a Ré é responsável pelo custo correspondente à ajuda de terceira pessoa para as actividades diárias de AA.
No entanto, inexistindo nos autos dados que permitam identificar o concreto momento em que AA ficaria dependente de ajuda de terceira pessoa por força da doença natural de que padecia caso não tivesse ocorrido o atropelamento, é de recorrer ao disposto no art. 566º, n.º 3, do CC, atribuindo uma indemnização assente em juízos de equidade.
AA foi atropelado quando contava com 87 anos de idade e viveu até aos 92 anos.
Considerando os problemas de que padecia antes do atropelamento (além de doença do foro neurológico, padecia de doença cardíaca, hipertensão, obesidade), afigura-se mais provável que este viesse a necessitar de auxílio de terceira pessoa em curto espaço de tempo do que em momento mais próximo da data da sua morte.
Assim, estimamos, com recurso à equidade, o período de dois anos para a ajuda da terceira pessoa por força da evolução natural da doença de que padecia.
Considerando o valor pago ao Centro Social ... e à testemunha DD, que se ocuparam dessas ajudas, atribuímos a este título a indemnização de 15.000,00 €.».
A recorrente ré recorreu desta condenação, por entender: que os factos provados e os esclarecimentos do perito não permitirem considerar que o acidente causou a necessidade de ajuda de terceira pessoa (e pelo período considerado de dois anos); que, mesmo que se admita esta necessidade, apenas se poderia considerar por 4 meses contados entre a data da alta hospitalar e a alta clínica (conclusões 1 a 13 do recurso da ré).
A recorrida/habilitada do autor: não respondeu a este recurso de apelação; e, no recurso si interposto, como se referiu em II supra, apesar de ter pedido a final que lhe fossem fixadas as indemnizações pedidas na petição inicial e no articulado superveniente, apenas expôs nas alegações e nas conclusões a contestação da indemnização de € 5 000, 00 (fixada pelo défice funcional permanente de 7%) e a de € 20 000, 00 (fixada pelos danos não patrimoniais gerais), nada tendo dito nem defendido expressamente quanto à indemnização de € 15 000, 00, razão pela qual não se considera que o objeto do seu recurso tenha integrado essa impugnação.
Reapreciando a decisão, na perspetiva do recurso da recorrente/ré, de acordo com os factos provados e o regime de direito aplicável e enunciado em III-2.1. supra, não se pode deixar de entender que não assiste razão à recorrente/ré.
Por um lado, verifica-se que os factos provados e reordenados em III-1.3. supra demonstram que o autor:
a) Antes do acidente que sofreu, e não obstante a sua idade de 87 anos e os seus problemas de saúde (obesidade; doença cardíaca e hipertensão; défices de memória e compreensão neurológica): conduzia e deslocava-se da sua residência até ... (onde passava temporadas); trabalhava um campo adjacente à sua casa (ainda que em grau não conhecido).
b) Depois do acidente, que lhe esfacelou o braço e que lhe exigiu diretamente uma operação cirúrgica e 3 semanas de internamento, teve uma afetação do seu estado de saúde global, no qual: ainda durante o internamento, teve uma descompensação cognitiva, com reforço de medicação, tal como uma bradicardia, seguida da colocação de um pacemaker; depois do internamento, para além das consequências diretas provadas (lesões de membros superior que lhe causaram um défice funcional temporário e, após consolidação, um défice funcional permanente de 7%), ficou com limitações de mobilidade que lhe exigiram o apoio de terceira pessoa no seu dia a dia.
Ora, estas limitações de mobilidade precipitadas e potenciadas pelo internamento (exigido pelas lesões causadas ao autor pelo segurado da ré) e pelo estado de saúde global do mesmo decorrente: correspondem a um dano; encontram-se na esfera de risco de produção de danos indiretos que a atuação ilícita do segurado da ré foi adequada a causar ao lesado, nas suas circunstâncias particulares e especiais de vida (nomeadamente da sua idade, obesidade e problemas de saúde), consequência para o qual não contribuiu o lesado por qualquer omissão de cuidado que lhe tivesse sido imputada; são imputáveis ao segurado da ré a titulo de culpa, em face das violações das normas já reconhecidas na sentença recorrida e da possibilidade de previsão para qualquer cidadão comum que uma violação das mesmas pode causar danos na saúde de terceiros, nas suas especiais circunstâncias de vida.
Por outro lado, verifica-se: que os factos provados de III-1.3. ilustram que o autor, após a sua alta clínica, nos 5 anos compreendidos entre novembro de 2017 e a sua morte a ../../2022 (60 a 61 meses), gastou o valor global de € 65 216, 82; que os factos provados não permitem fixar o grau ou extensão com que o internamento precipitou as limitações de mobilidade e a necessidade do autor recorrer a terceira pessoa para o ajudar.
Assim, a indemnização por este dano apenas pode ser fixada pela equidade, dentro dos limites provados, como fez a sentença recorrida, nos termos do art.566º/3 do CC.
Desta forma, quando a sentença recorrida fixou o valor de € 15 000, 00 para indemnizar os referidos danos materiais pela equidade, isto corresponde apenas a uma reparação de 13 meses e 24 dias dos 60 meses em que o autor suportou custos de apoio de terceira pessoa (apesar de na mesma se ter afirmado que o fez em relação a cerca de dois anos de antecipação do dano).
Assim, esta fixação não merece qualquer censura que permita considerá-la excessiva e que permita a sua redução.
Pelo exposto, julga-se improcedente o pedido de recurso de revogação desta indemnização ou, subsidiariamente, à redução da mesma para 4 meses de gastos com apoio de terceira pessoa.

2.2.2. Quanto à indemnização por danos não patrimoniais arbitrada no valor global de € 25 000, 00 (€ 20 000, 00 + € 5 000, 00):
A sentença recorrida fixou a indemnização por danos não patrimoniais gerais no valor global de € 25 000, 00, correspondente a duas parcelas (uma geral de € 20 000, 00 e uma respeitante ao défice funcional de 7% de € 5 000, 00), com base nos seguintes fundamentos essenciais:
__Em relação ao valor € 20 000, 00 por danos imateriais gerais do embate e período posterior:
 «No que diz respeito aos danos não patrimoniais.
Conforme já acima se escreveu, consideram-se como tal, aqueles danos que não são susceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente.
(…)
No caso vertente, com relevância para esta matéria, como consequência direta e necessária do acidente de viação descrito, atende-se ao tempo de internamento e ao Défice Funcional Temporário Total (correspondente aos períodos de internamento e/ou de repouso absoluto) de 20 dias; às cirurgias e exames médicos a que a A. se submeteu; ao Défice Funcional Temporário Parcial (correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia, ainda que com limitações) de 61 dias; ao quantum doloris (corresponde à valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vítima durante o período de danos temporários, isto é, entre a data do evento e a cura ou consolidação das lesões) fixável no grau 5 numa escala de sete graus de gravidade crescente; ao Dano Estético Permanente (corresponde à repercussão das sequelas, numa perspectiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da afectação da imagem da vítima quer em relação a si próprio, quer perante os outros) fixável no grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente; à circunstância de necessitar de ser acompanhado por consulta e tratamentos de ortopedia; o medo, a angústia sofridos no momento do acidente; a tristeza posterior pela sua nova situação.
Todos os acima descritos danos não patrimoniais sofridos por AA são merecedores de reparação, por força do disposto nos arts. 70º e 496º, n.º 1, do C.C.
(…)
Neste enquadramento fáctico, normativo e jurisprudencial, ponderando a natureza dos danos sofridos, assim como a circunstância da culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na Ré, entende o Tribunal como justa e equitativa a fixação de uma indemnização, por danos não patrimoniais, de 20.000,00 €, sem qualquer actualização monetária.» (negrito aposto por esta Relação).
__ Em relação ao valor de € 5 000, 00 pelo défice funcional parcial provado de 7%, considerando a sua vertente não patrimonial, com base nos seguintes fundamentos essenciais:
«A AA foi atribuído um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos.
Conforme se sustenta no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/04/2022, relatado por Fernando Baptista, “em causa, portanto, aferir do quantum indemnizatório que se ajusta a tal défice permanente.  (…)
Diverge a jurisprudência quanto à classificação, ou melhor, à natureza do chamado dano biológico (o decorrente da incapacidade permanente sem reflexo profissional): se um dano meramente patrimonial, se um dano moral, se um tertium genus. E procuram os vários arestos, cada um à sua maneira, justificar o quantum indemnizatório arbitrado para estes danos geradores de incapacidade permanente que se não repercutam directamente na capacidade de ganho do lesado (na medida em que não implicam uma diminuição da retribuição, embora implicando esforços acrescidos, ou, então, porque o lesado está fora do mercado de trabalho, como ocorre com desempregados, crianças, reformados).
O dano biológico tem suscitado especiais perplexidades na relação com a dicotomia tradicional da avaliação de danos patrimoniais versus danos não patrimoniais, por poder incidir numa, noutra ou em ambas as vertentes. (…)
Ora, o dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como pode ser compensado a título de dano moral; tanto pode ter consequências patrimoniais como não patrimoniais. Ou seja, depende da situação concreta sob análise, a qual terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, e por si só, uma perda da capacidade de ganho ou se se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, sem prejuízo do natural agravamento inerente ao decorrer da idade. Tem a natureza de perda ‘in natura’ que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar.
Como quer que seja visto ou classificado este dano, o certo é que o mesmo é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial. É indemnizável em si mesmo, independentemente de se verificarem consequências para o lesado em termos de diminuição de proventos.
(…) Assim, é entendimento pacífico que mesmo as pequenas incapacidades ainda quando não impliquem directamente uma redução da capacidade de ganho, constituem sempre um dano patrimonial indemnizável (seja de natureza patrimonial, seja como dano não patrimonial – ou, se quisermos, classificado naquele tertium genus), dada a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, quanto à resistência e capacidade de esforço.   
Com efeito, uma incapacidade permanente parcial não se esgota na incapacidade para o trabalho, constituindo em princípio um dano funcional, mas sempre, pelo menos, um dano em si mesmo que perturba a vida da relação e o bem-estar do lesado ao longo da vida. Pelo que é de considerar autonomamente esse dano, distinto do referido dano patrimonial, não se diluindo no dano não patrimonial, na vertente do tradicional pretium doloris ou do dano estético.
(…) A incapacidade permanente geral (IPG) corresponde a um estado deficitário de natureza anatómica-funcional ou psicosensorial, com carácter definitivo e com impacto nos gestos e movimentos próprios da vida corrente comuns a todas as pessoas. Pode ser valorada em diversos graus de percentagem, tendo como padrão máximo o índice 100. Esse défice funcional pode ter ou não reflexo directo na capacidade profissional originando uma concreta perda de capacidade de ganho” (publicado in www.dgsi.pt).
No caso em apreço, AA contava já com 87 anos de idade quando foi vítima de atropelamento, que lhe causou o défice funcional de 7 pontos.
Estando fora do mercado de trabalho, esse dano não se repercute directamente na sua capacidade de ganho, mas implica sempre, como acima se referiu, um dano em si mesmo que perturba a vida da relação e o bem-estar do lesado ao longo do resto da sua vida.
E, nessa medida, é indemnizável na sua vertente de dano não patrimonial.
Como se lê no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08/11/2016 (relatado por Arlindo Oliveira, publicado in www.dgsi.pt), “(…)
Tendo presentes a gravidade do caso concreto resultante nomeadamente do grau de 7 pontos de incapacidade permanente geral, a idade de AA à data do acidente, e a necessidade de distinção dos casos de gravidade superior, afigura-se-nos ajustada e equilibrada a indemnização no montante de 5.000,00 €, sem actualização monetária.» (negrito aposto por esta Relação).

Ambas as recorrentes interpuseram recurso sobre segmentos desta indemnização:
a) A recorrente/ré interpôs recurso da parcela indemnizatória de € 20 000, 00, por entender que a indemnização deveria ser reduzida para € 10 000, 00, face à idade do autor à data do acidente e a sua vida de apenas 5 anos após o mesmo (conclusões 1, 14 a 16 do recurso da ré).
b) A recorrente/habilitada da autora, no seu recurso, defendeu:
b1) Nas suas conclusões de recurso (conclusões Q e R do recurso da habilitada do autor): que a indemnização de € 5 000, 00 a arbitrar para compensar o défice funcional do sinistrado não deveria basear-se em 7% mas em 100%; que os factos provados (que demonstram que antes do acidente o autor era totalmente autónomo e depois do acidente e nos últimos anos da sua vida ficou totalmente dependente) e o exposto no acórdão de 04.06.2015 justificam ser compensado pelo valor pedido de € 35 000, 00 pelos danos não patrimoniais sofridos.
b2) Nas alegações prévias às conclusões, e de forma não totalmente coerente com o concluído supra, defendeu:
__ Sob a epígrafe de «Sobre os danos patrimoniais sofridos- perda de capacidade de trabalho e de ganho- lucro cessante» (constante de fls.31 a 33 das alegações de recurso), que é desajustada a indemnização de € 5 000, 00 fixada para indemnizar o défice funcional de 7%, uma vez: que antes do acidente o falecido trabalhava na sua propriedade rústica, na qual colhia produtos agrícolas, fruta, hortícolas e vinho; que é de conhecimento comum que estas pessoas trabalham até morrer e que este trabalho leva ao consumo e à venda de produtos (conforme AC. STJ de 06.07.2011, proferido no processo nº3612/07.6TBLRA.C2.S1); que, de qualquer forma, a testemunha EE afirmou que o autor vendia parte do que produzia; que desde a pandemia aumentou o custo de vida.
__ Sob a epígrafe de «Relativamente aos danos morais/não patrimoniais» (constante de fls.33 a 35 das alegações de recurso), que o valor de € 20 000, 00 é incapaz de ressarcir os danos morais efetivamente sofridos pelo autor, tendo em conta: que no acórdão do STJ de 04.05.2015 este defendeu que os componentes mais importantes do dano não patrimonial são o dano estético, o prejuízo de afirmação pessoal, o prejuízo da saúde geral e longevidade e o pretium doloris, e que os critérios não devem ser miserabilistas e que ainda se está longe do preconizado pela União Europeia em matéria de acidentes de viação; que devem ser atendidos todos os factos provados antes e após o acidente, nomeadamente que após o mesmo o sinistrado ficou totalmente dependente de terceiras pessoas durante 24 horas por dia, com uso de fraldas, retido em casa (na cama e cadeira de rodas), só saindo de casa com ajuda de ambulâncias para tratamentos médicos.
Impõe-se reapreciar se os argumentos do recurso permitem alterar a indemnização global fixada equitativamente pelos danos não patrimoniais, face aos factos provados e reordenados em 1.3. supra.
Numa primeira abordagem preliminar, importa clarificar os limites de reapreciação da sentença recorrida por este Tribunal ad quem, no que se refere ao valor global de € 25 000, 00 (€ 20 000, 00 + € 5 000, 00), fixado pelo Tribunal a quo para a reparação de danos não patrimoniais.
Por um lado, este Tribunal ad quem está limitado aos pedidos formulados pela recorrente e apreciados pelo Tribunal a quo, não podendo apreciar pedidos de efeitos não formulados, nem questões não suscitadas tempestivamente pela parte interessada.
E, examinando os pedidos formulados pelo autor na sua petição inicial e no seu articulado superveniente, conforme se relatou em I-1.1. e 1.2.-c) a 2) e 6-a) e b) supra, verifica-se que o autor nunca formulou qualquer pedido de indemnização por danos patrimoniais (prejuízos emergentes e/ou lucros cessantes) no que se refere à sequela e défice funcional da integridade físico- psíquica (de 7% ou outro grau): na petição inicial limitou-se a relegar para liquidação posterior em execução a indemnização patrimonial (e também não patrimonial) pelo défice funcional a ser definido na perícia, por considerar que ainda não conhecia o grau exato do mesmo, apesar de se considerar nessa altura incapacitado e de alegar que a seguradora lhe atribuiu o défice funcional de 9%; no articulado superveniente, apresentado depois de concluída a perícia médico-legal (que identificou, nomeadamente, a data da consolidação médico-legal das lesões e o défice funcional permanente de 7% com que considerou o autor afetado, entre outros índices), articulado no qual o autor ampliou os pedidos da petição inicial (em relação aos gastos patrimoniais de serviços de terceira pessoa ocorridos na pendência da ação, a acrescer àqueles pedidos na petição inicial; em relação aos danos não patrimoniais sofridos na pendência da ação, a acrescer àqueles pedidos em € 35 000, 00 na petição inicial), não formulou qualquer pedido de indemnização por dano patrimonial de perda de capacidade de ganho por défice funcional.
Assim, ainda que as conclusões de recurso da recorrente/habilitada pudessem ser interpretadas de acordo com as alegações (em que defendeu a fixação pedida de indemnização por dano patrimonial decorrente do défice que esta considera de 100%), este Tribunal ad quem não poderia apreciar qualquer pedido de reparação patrimonial de prejuízos e lucros cessantes decorrentes do dano biológico/ défice funcional de integridade físico-psíquica permanente sofrido pelo autor, uma vez que esse pedido líquido nunca foi formulado pelo autor, e não obstante o Tribunal a quo não ter considerado em abstrato esse limite (uma vez que autonomizou a apreciação da indemnização pelo défice funcional parcial permanente de 7%, que na apreciação da mesma considerou em tese geral que esta pode revestir uma dupla dimensão patrimonial e não patrimonial e em concreto fixou a indemnização de € 5000, 00 como ressarcimento não patrimonial por entender que não se verificava em concreto a vertente patrimonial de perda, uma vez que o lesado não estava no mercado de trabalho e o dano não se repercutia diretamente na sua capacidade de ganho).
Por outro lado, este Tribunal ad quem está limitado pelos factos provados (alegados pelas partes, nos termos do nº1 do art.5º/1 do CPC, e que foram considerados em respostas restritivas ou explicativas, nos termos do art.5º/2-a) do CPC).
Isto exclui a possibilidade de apreciar a densificação fática dos danos defendidos pela recorrente/habilitada apenas no seu recurso (como, v.g. a densificação apenas feita neste recurso quanto ao uso de fraldas pelo autor e ao conteúdo mais completo das suas limitações de vida após o acidente), sem que os tenha alegado nos articulados prévios, nem pedido que fossem aproveitados na pendência da audiência, nem pedido qualquer ampliação em relação a factos provados na impugnação à matéria de facto.
Numa segunda abordagem, proceder-se-á à reapreciação se o valor global de € 25 000, 00 fixado por danos não patrimoniais (€ 20 000, 00 + € 5 000, 00) deve ser reduzido (ainda que na vertente da parcela de € 20 000, 00 que o integra, como pretende a recorrente/ré) ou se deve ser ampliado até ao valor de € 35 000, 00 (como pretende a recorrente/habilitada, que acabou por se se referir a ambos os segmentos fixados como danos não patrimoniais pelo Tribunal a quo).
Por um lado, examinando os factos provados de 3) a 6) (em comparação com 1) de III-1.3. supra), verifica-se que o autor, em face de ter sido embatido por um veículo automóvel, quando circulava de forma desprotegida como peão, corretamente pelo seu lado de trânsito:
a) Sofreu pânico de morrer, angústia e sofrimento, tal como esfacelo de um braço (lesão essa que, 4 meses após a alta, consolidou com uma sequela correspondente a um défice funcional permanente de 7 pontos) e naturais dores associadas à mesma (art.412º do CPC).
b) Foi submetido de forma direta a duas cirurgias (uma de osteossíntese e outra para retirar material da mesma) e a exames, consultas, tratamentos durante o internamento e, após o mesmo (em que teve uma má-evolução da ferida, com manutenção de fixadores, consultas, deslocação ao hospital três vezes por semana durante período não conhecido), tal como fez medicação para as dores.
c) Esteve submetido a um internamento hospitalar de 3 semanas (onde teve também anemia, bradicardia, descompensação cognitiva) e, após a alta, ficou de repouso cerca de mais 4 semanas.
d) Sofreu dor, tristeza e choro, tendo um quantum doloris de 5/7 (este entre o embate e a consolidação da lesão).
e) Sofreu uma debilitação do estado de saúde, que lhe retirou totalmente a sua autonomia de vida (com notório sofrimento), uma vez que:
__ Antes do acidente, era um homem com vida autónoma pois, apesar dos seus 87 anos, da sua obesidade e do seu estado de saúde, estes não o impediam de desempenhar trabalhos no seu campo adjacente à sua casa, de se movimentar e conduzir livremente entre a sua residência na área de ... e ..., onde passava temporadas (factos 1) de III-1.3. supra), vivendo de forma pacífica os seus anos finais da vida.
__ Depois do acidente e do internamento, e até à sua morte 5 anos depois, perdeu essa autonomia da mobilidade, uma vez que passou a estar dependente de apoio de terceiros para atos de vida corrente (com apoio de noite e de dia), deixou de fazer as tarefas que o ocupavam (os trabalhos no campo, a mobilidade e a condução para outra terra e para convívios), ficando triste e chorando.
Por outro lado, os factos provados em 2) permitem constatar que a culpa do condutor do veículo lesante por ato ilícito é seriamente culposa, pois não só poderia ter visto o peão 100 metros antes de lhe embater, como prosseguiu a sua marcha sem imobilizar o veículo.  
Os danos imateriais em causa lesaram seriamente os direitos constitucionais e fundamentais do autor à integridade física e moral e ao livre desenvolvimento da sua personalidade (arts. 25º e 26º da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP), sobretudo no final da sua vida, carecida de maior proteção maior, nomeadamente perante o Estado (que confere aos cidadãos os direitos económico-sociais à saúde, à qualidade de vida e à proteção da “terceira idade”- arts.64º, 66º e 72º da CRP).
A reavaliação da reparação arbitrada deve ser feita, para além da ponderação destes fatores, mediante a comparação com as demais indemnizações fixadas pela jurisprudência, nos termos do art.8º/3 do CC, conforme referido em III-2.1. supra.
Procedendo a uma recolha de jurisprudência que tenha fixado indemnizações por danos não patrimoniais a lesado por acidente de viação, em condições equivalentes às destes autos, não se encontrou nenhum caso aproximado ao presente. No entanto, encontrou-se jurisprudência que ponderou alguns dos fatores em apreciação neste caso.
Por um lado, encontrou-se jurisprudência que fixou indemnizações por danos não patrimoniais, que variam entre € 20 000, 00 e € 55 000, 00, em favor de lesados (alguns jovens e outros adultos) que padeceram lesões e tratamentos com um quantum doloris acima da média (5/7 ou 4/7) e ficaram com sequelas correspondentes a défices funcionais permanentes de 7% (equivalente à fixada nestes autos em relação à sequela do membro superior direito lesionado). Assim, podemos atender:
a) Na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça:
__ O Ac. STJ de 05.03.2015, proferido no processo n.º 46/09.3TBSLV.E1.S1 - 7.ª Secção (relatado por Pires da Rosa, em coletivo composto também por Maria dos Prazeres Beleza e Salazar Casanova), fixou a indemnização por danos não patrimoniais em € 30 000, 00 a lesado de 20 anos, que «ii) sofreu uma incapacidade geral fixável em 7 pontos;» e «i) sentiu as costas “a estalar”; ii) sofreu e ainda sofre dores com um “quantum doloris” de grau 5 numa escala de 7; iii) foi internado e esteve acamado cerca de um mês; iv) sente tristeza, desânimo e amargura».
__ O Ac. STJ de 06.10.2016, proferido no processo n.º1043/12.7TBPTL.G1.S1 - 7.ª Secção (relatado por António Joaquim Piçarra, em coletivo composto também por Fernanda Isabel Pereira e Olindo Geraldes), fixou a indemnização por danos não patrimoniais em € 20 000, 00, em favor de lesado de 35 anos, face a «circunstâncias em que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa sua), a extrema gravidade das lesões sofridas por este, os dolorosos tratamentos a que foi sujeito, a incomodidade daí resultante, o longo período dos tratamentos e as deslocações que teve que realizar para curativos e consultas, quer ao ... quer a ..., as sequelas anátomo-funcionais, que se traduzem num deficit funcional de razoável grau (07 pontos) e de menor grau (01), em termos estéticos, as dores sofridas e o desgosto de, na força da vida, se ver fisicamente limitado».
__ O Ac. STJ de 25.05.2017, proferido no processo nº868/10.2TBALR.E1.S1 (relatado por Lopes do Rego, em coletivo também composto por Távora Victor e António Piçarra), manteve a indemnização de € 50 000, 00 a jovem sinistrado de 19 anos à data do acidente que foi «sujeito a quatro cirurgias e 125 sessões de fisioterapia, com alta cerca de dois anos e meio depois do acidente, ficando afectado de sequelas que implicaram a perda do seu posto de trabalho e incapacidade permanente para a sua profissão habitual, com um quantum doloris de grau 4 (numa escala de 1 a 7), dano estético de grau 4, défice permanente de integridade físico-psíquica de 7 pontos, sendo de admitir danos futuros, repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 3 e na actividade sexual de grau 2, sentimentos de tristeza, com isolamento e depressão, carecendo de apoio psicológico».
__ O Ac. STJ de 17.04.2018, proferido no processo n.º 67/12.9TCFUN.L1.S1 (relatado por Maria Olinda Garcia, em coletivo composto também por Salreta Pereira e João Camilo), fixou a indemnização por danos não patrimoniais em € 20 000, 00, em favor de lesado com 25 anos, que «(ii) sofreu fractura do fémur e fractura exposta do pé e foi submetida a cirurgia; (iii) esteve internada por um período de 30 dias; (iv) teve dores, gonialgias e limitação de flexão do joelho que determinaram nova intervenção cirúrgica; (v) permanece com incapacidade absoluta para o exercício da sua actividade habitual e não consegue efectuar as lides domésticas que a obrigam a manter-se em pé; (vi) passou a ter amiotrofia da coxa e dor à flexão da anca; (vii) continua medicada; (viii) apresenta incapacidade funcional de 7 pontos; (ix) apresenta cicatrizes visíveis na perna, que a inibem de usar minissaias e de ir à praia, o que antes fazia; (x) tornou-se por força das sequelas do acidente, uma pessoa trise, introvertida, abalada psiquicamente, deprimida, angustiada, sofredora, insegura e receosa.».
b) Na Jurisprudências das Relações:
__ O Ac. RC de 22.01.2019, proferido no processo nº342/17.6T8CBR.C1 (relatado por Moreira do Carmo (em coletivo composto também por Fonte Ramos e Maria João Areias) fixou uma indemnização por danos não patrimoniais de € 20 000, 00 a lesada de 33 anos que «ficou curada em cerca de 400 dias, sendo de 35 dias o período de défice funcional temporário total, que a mesma sofreu um quantum doloris médio de grau 4/7 e dano estético de grau médio-baixo de 2/7, além do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável de 7 pontos, bem como repercussão permanente nas actividades de lazer de grau médio de 4/7».
__ O Ac. RG de 12.09.2019, proferido no processo nº1629/18.6T8VCT.G1 (relatado por Ramos Lopes, em coletivo composto também por Jorge Teixeira e José Amaral), fixou a indemnização por danos não patrimoniais em € 20 000,00 para reparar o dano não patrimonial sofrido por lesada com 41 anos que, «como consequência do evento lesivo sofreu: fratura da bacia em três sítios e da perna direita, donde resultou a necessidade de submeter-se a intervenções cirúrgicas, com consequente encarceramento hospitalar, tendo a estabilização das lesões demandado quase dez meses; quantum doloris quantificado no quarto grau duma escala ascendente com sete graus de gravidade crescente; dano estético valorizado no grau dois numa escala de sete graus de gravidade crescente (com cicatrizes e tumefação do membro inferir direito); défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de sete (7) pontos, compatível com o exercício da atividade profissional, mas implicando esforços suplementares no transporte de pesos superiores a 5 kgs».
__ O Ac. RG de 29.09.2022, proferido no processo nº4438/20.9TBRG.G1 (relatado por Paulo Reis, em coletivo composto também por Luísa Ramos e Eva Almeida), fixou-se a indeminização por danos não patrimoniais em € 42 000, 00, a lesado de 16 anos à data do acidente, que «em consequência das sequelas descritas deixou de praticar atividades físicas e desportivas, nomeadamente corrida e futebol, o que lhe causa desgosto e o faz sentir infeliz e diminuído, sendo que antes do embate, o 2.º autor praticava regularmente desporto, nomeadamente futebol e corrida, participava em vários trails e corridas, pelos quais chegou a ser medalhado e premiado; irá necessitar, no futuro, de consultas de ortopedia e medicação analgésica e/ou anti-inflamatória; em virtude do embate e da queda subsequente sentiu pânico e medo de morrer e sentiu pavor quanto às consequências permanentes que o acidente causaria; aceita mal as sequelas de que ficou a padecer, tendo-se tornado uma pessoa nervosa e adotando comportamentos hostis; as sequelas de que ficou a padecer conduzem a nível funcional a alguma limitação e esforço ao correr, ao permanecer em pé parado e ao subir e descer escadas, ansiedade residual, alterações de concentração e esquecimentos; sofreu período de internamento hospitalar no qual se manteve agitado; em casa manteve-se acamado durante mais uma semana, após o que iniciou marcha com canadianas; necessitou de ajuda permanente de terceira pessoa (a sua mãe) durante algum período; com Défice Funcional Temporário Total, correspondente aos períodos de internamento e/ou de repouso absoluto, entre ../../2019 e ../../2019; Défice Funcional Temporário Parcial (correspondente ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização dos atos correntes da vida diária, ainda que com limitações, entre ../../2019 e ../../2019; Quantum doloris fixável no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 7,76318 pontos com repercussão permanente na atividade profissional, na medida em que as sequelas são compatíveis com o exercício da sua atividade habitual, mas implicam esforços suplementares, com repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 3, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.».
Por outro lado, encontrou-se jurisprudência que fixou indemnização por danos não patrimoniais a lesados da terceira idade, na qual a idade do mesmo não correspondeu a fator proporcional de redução da indemnização face àquelas fixadas a jovens ou adultos com meia idade:
__ O Ac. RP de 07.04.2016, proferido no processo nº171/14.9/VPRT.P1 (relatado por Rodrigues Pires, em coletivo também composto por Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira), fixou em € 15 000, 00 a indemnização por danos não patrimoniais a lesada de 78 anos atropelada na passadeira e com défice funcional de 4 pontos, inferior ao deste caso, e «que sofreu fractura fechada da diáfise da tíbia e do perónio, à direita e foi submetida a intervenção cirúrgica, esteve acamada na residência durante pelo menos um mês, necessitando então de ajuda de terceira pessoa para os cuidados de higiene, foi submetida a dolorosos tratamentos de fisioterapia durante cera de três meses, fazendo três ciclos de vinte sessões de fisioterapia, andou engessada durante um mês, chegando a deslocar-se de canadianas, ficando com cicatrizes várias na perna (duas de tipo cirúrgico), sofrendo em consequência do acidente: défice funcional temporário total de 15 dias, défice funcional temporário parcial entre de 157 dias, quantum doloris de grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente, défice funcional permanente da integridade física-psíquica (em resultado do joelho doloroso e de talalgia) fixado em quatro pontos e dano estético permanente fixado no grau 1, numa escala crescente de sete graus de gravidade.».
__ O Ac. STJ de 16.11.2017, proferido no processo nº576/14.5TBSJM.P1.S1 (relatado por Rosa Tching, em coletivo composto também por Rosa Ribeiro Coelho e João Bernardo), manteve o valor de € 12 500, 00 de indemnização (sem aceitar a redução pedida e considerando que indemnização em causa “só peca por defeito”) por dano não patrimonial sofrido por lesado de 80 anos atropelado, tendo em conta «que as lesões resultantes do acidente implicaram e continuarão a implicar para o autor um grave e prolongado sofrimento físico e psíquico, coartando-lhe, por completo, a possibilidade de continuar a fazer uma “vida normal”, tal como vinha fazendo até aí, não obstante os seus 80 anos de idade».
Desta forma, ponderando os factos concretos supra enunciados, lidos de acordo com os critérios legais expostos em III-2.1. supra (nomeadamente as regras dos arts.496º/4, 494º, 566º/3 e 8º/3 do CC), e fazendo a comparação da indemnização fixada com aquelas indemnizações fixadas pela Jurisprudência (entre o pretérito ano de 2015 e o ano mais recente de 2022), considera-se que não existem condições para proceder à redução da parcela indemnizatória de € 20 000, 00 pedida pela recorrente/ré e que existem condições para aumentar o valor da indemnização global, ainda que de forma inferior ao valor pedido pela recorrente/habilitada do autor.
Por um lado, verifica-se que não existem condições para reduzir a indemnização por dano não patrimonial abaixo do valor indemnizatório de € 20 000, 00, tendo em conta:
a) Que este valor já foi fixado por jurisprudência de 2015 a 2019, em favor de lesados que tiveram um quantum doloris equivalente ao destes autos e ficaram com défice funcional de integridade físico- psíquica de 7%.
b) Que, apesar do lesado destes autos ter esperança média de vida inferior à dos lesados daqueles processos e ter vivido efetivamente apenas mais 5 anos após o acidente: o valor indemnizatório recorrido foi fixado em 2023 e está a ser reavaliado em 2024; a idade de 87 anos do autor e a fragilidade da mesma decorrente merecem especial proteção do Estado de Direito; o autor destes autos, teve consequências permanentes mais gravosas do que o grau de défice funcional de 7% ponderado na referida jurisprudência, tendo em conta que após o embate e internamento teve um agravamento da sua saúde global, que passou a ser limitadora da sua mobilidade e autonomia até ao final da vida.
Por outro lado, verifica-se que existem condições para ampliar o valor total da indemnização dos danos não patrimoniais fixada em € 25 000, 00 (como soma das duas parcelas de € 20 000, 00 + € 5 000, 00) para € 30 000, 00, ainda que sem o fazer até ao limite pedido, tendo em conta: a ponderação global dos factos supra enunciados (contemporâneos e posteriores ao acidente); a maior extensão e tempo de tratamentos e esperança média de vida com sofrimento imaterial protegido pelas indemnizações superiores a € 30 000, 00 fixadas pela jurisprudência referida (€ 50 000, 00 e € 42 000, 00) a jovens de 19 e 22 anos (no ac. STJ de 25.05.2017 e no Ac. RG de 29.09.2022).
Desta forma, improcede o recurso da recorrente/ré e procede parcialmente o recurso da recorrente/autora, com ampliação do valor indemnizatório global de € 25 000, 00 para € 30 000, 00, com correspondente alteração do valor global da condenação em 1ª instância.

2.2.3. Quanto à indemnização de € 1 000, 00:
A recorrente, apesar de não ter discutido expressamente qualquer outro segmento indemnizatório para além do tratado em III- 2.2.2. supra, impugnou o facto não provado em 13 (respeitante às obras indemnizadas por € 1000, 00), impugnação esta julgada improcedente em III- 1.1.2.9. supra.
Desta forma, não existe qualquer fundamento para alterar a indemnização fixada.

IV. Decisão:

Pelo exposto, os juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam

1. Julgar improcedente o recurso da recorrente/ré.
2. Julgar parcialmente procedente e improcedente o recurso da recorrente/habilitada, pelo qual se determina:
a) A ampliação da indemnização global por danos patrimoniais fixada na sentença recorrida (€ 20 000, + € 5 000, 00= € 25 000, 00) para o valor global de € 30 000, 00.
b) A repercussão da ampliação de a) supra no valor indemnizatório total da condenação (de € 41 045, 00), que deve ser ampliado para € 46 045, 00, acrescido, conforme a condenação já realizada, dos «juros de mora à taxa legal, civil, vigente em cada momento, desde a citação até efetivo e integral pagamento.».

*
Custas da ação pelas partes, na proporção do decaimento (art.527º do CPC).
Custas do recurso de apelação da recorrente/ré (em relação ao valor tributário de € 21 000, 00): pela própria ré/recorrente (art.527º do CPC).
Custas do recurso de apelação da recorrente/habilitada (em relação ao valor tributário de € 87 162, 22): na proporção de 6% pela ré/recorrida; na proporção 84% pela recorrente/habilitada (art.527º do CPC).
*
Guimarães, 18 de dezembro de 2024
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores integrativos do coletivo

Alexandra Viana Lopes (Juiz Des. Relatora)
Gonçalo Oliveira Magalhães (Juiz Des. 1ª Adjunta)
José Alberto Moreira Dias (Juiz Des. 2ª Adjunta)

Sumário da Relatora:
1. São imputáveis ao ato do condutor lesante: não apenas os danos diretos decorrentes do embate e das lesões causadas no membro superior do lesado (que, após consolidação, lhe causaram o défice funcional de 7%); mas também o agravamento do estado de saúde global do lesado, que o tornou dependente de terceiras pessoas após o internamento hospitalar por limitação de mobilidade autónoma nos membros inferiores, por esta precipitação e/ou agravamento do estado de saúde de lesado concreto (com a sua idade e problemas de saúde) se encontrar ainda na esfera de risco de produção de danos daquela ação, ainda que indiretos.
2. Mantém-se sem redução a indemnização por danos patrimoniais fixada pela equidade em € 15 000, 00, nos termos do art.566º/3 do CC, atendendo: ao valor total de € 65 000, 00, gasto pelo autor com serviços de apoio de terceiro pessoa, durante os 5 anos que mediaram a sua alta hospitalar e a sua morte; a que o valor achado pela 1ª instância corresponde à proporção do custo de 13 meses e 24 dias.
3. Aumenta-se de € 25 000, 00 para € 30 000, 00, pela equidade, a indemnização por danos não patrimoniais sofrida pelo autor de 87 anos à data do acidente, em face: do embate, da dor e do pânico de morte sofrido com o mesmo; da lesão sofrida no braço, das duas cirurgias ao mesmo, dos tratamentos, consultas e exames; de 3 semanas de internamento hospitalar, período de repouso subsequente de pelo menos cerca de 1 mês; de sofrimento de um quantum doloris de 5/7; de consolidação da lesão do braço em 7%, acrescida de agravamento da situação de saúde global após o internamento, com limitação de mobilidade autónoma e dependência de terceira pessoa até à morte, ocorrida 5 anos após o embate e alta hospitalar (quando, antes do acidente, ainda trabalhava no campo e conduzia).



[i] Conforme consultas públicas on line, nomeadamente em www.indice.eu/pt
[ii] Segundo, respetivamente, https://medikamio.com/pt-pt/medicamentos/gincoben/pil e www.indice.eu/pt.
[iii] Citados por Abilio Neto, in Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 11ª edição, 1997, pág.490, notas 19, 21 e 23..
[iv] Mafalda Miranda Barbosa, na discussão «Do Nexo de causalidade ao nexo de imputação», págs.65 a 68, in Ebook do CEJ «Novos Olhares sobre a responsabilidade Civil, publicado in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_ReponsCivil_2018.pdf.
[v] Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 12ª Edição revista e atualizada, Almedina, outubro de 2019, pág. 597; Henrique Sousa Antunes, in Comentário ao Código Civil- Direito das Obrigações, Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, nota 5 ao art.564º, pág.561
[vi] Mário Júlio de Almeida Costa, in obra citada na nota antecedente, pág.597.
[vii] Henrique Sousa Antunes, in Comentário ao Código Civil citado em i, nota 5 ao art.564º, pág.561.
[viii] Obra citada em i, Nota III ao art.496º do Código Civil, págs.358 e 359.
[ix] Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Universidade Católica Portuguesa, 2018, Nota I ao art.496º do Código Civil, pág.356.
[x] Obra citada em i, Nota IV ao art.496º do Código Civil, pág. 359.
[xi] Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, Nota 6 ao art.496º do Código Civil, pá.g.501.
[xii] Ac. STJ de 17.01.2008, proferido no processo SJ200801170045382, relatado por Pereira da Silva, in dgsi.pt, entre outros.
[xiii] Ac. STJ de 24.04.2013, in dgsi.pt
[xiv] Ac. STJ de 19/5/2009, proferido no processo nº298/06.0TBSJM.S1, e acervo de doutrina exposto no ac. RG de 15.02.2018, proferido no processo 3nº037/15.1T8VCT.G1, todos in dgsi.pt.
[xv] Obra citada in i, Nota III ao art.496º do Código Civil, pág.359.
[xvi] Ac. STJ de 29/6/2017, proferido no processo nº976/12.5TBBCL.G1.S1, in dgsi.pt,
[xvii]  Ac. RG de 15.02.2018, proferido no processo nº3037/15.1T8VCT.G1, in www.dgsi.pt.