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IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE CONCLUSÃO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
FALTA DE INDICAÇÃO DOS CONCRETOS MEIOS PROBATÓRIOS
INCUMPRIMENTO
CONSEQUÊNCIAS
Sumário
I. O ónus de impugnação da matéria de facto julgada exige que, cumulativamente, o recorrente indique os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os meios probatórios e as exactas passagens dos depoimentos que os integrem que determinariam decisão diversa da tomada em primeira instância, e a decisão que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art.º 640.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).
II. O ónus de impugnação previsto no art. 640.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do CPC, exige que o recorrente especifique os meios probatórios e as exactas passagens dos depoimentos que os integrem que determinariam decisão diversa da tomada em primeira instância, para cada um dos factos que pretende impugnar.
III. Incumprindo o recorrente o ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, n.º 1, do CPC (v.g. indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especificação dos meios probatórios que impõem que sobre eles seja proferida uma decisão diferente, exactas passagens dos depoimentos que integrem tais meios probatórios gravados, e a decisão que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas), terá o seu recurso que ser rejeitado («sob pena de rejeição»), uma vez que no recurso relativo à matéria de facto não se admite despacho de aperfeiçoamento.
IV. Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso e balizar o âmbito do conhecimento do Tribunal - e não apenas para sintetizar os fundamentos aduzidos antes para a procedência da impugnação feita -, terão que ser identificados nas mesmas os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende (art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1 e n.º 2, e 640.º, n.º 1, al. a), todos do CPC).
V. Existindo um ónus primário (que contende com a delimitação do objecto do seu recurso) e ónus secundários (que contendem com o ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, do CPC), para o cumprimento destes últimos é suficiente que se indique no corpo das alegações de recurso os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, a decisão alternativa pretendida e as exactas passagens da gravação que a fundariam, não sendo necessário voltar a fazê-lo (repetindo-o) nas conclusões finais.
VI. Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil.
VII. Dependendo a apreciação do recurso pertinente à interpretação e aplicação do Direito ao caso concreto, do prévio sucesso do simultâneo recurso interposto sobre a matéria de facto fixada, sendo este último julgado improcedente, fica necessariamente prejudicado o conhecimento daquele primeiro.
Texto Integral
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I - RELATÓRIO 1.1.Decisão impugnada 1.1.1. AA, residente na Rua ..., ..., em ..., ... (aqui Recorrente), propôs a presente acção especial de destituição de órgão social, contra BB (aqui Recorrida), residente na Avenida ..., em ..., pedindo que
· se suspendesse imediatamente a Requerida (BB), sem audiência prévia, do cargo de gerente de EMP01..., Limitada;
· se destituísse, com justa causa, a Requerida (BB) desse cargo de gerente;
· e se nomeasse como único gerente da dita Sociedade quem, sem qualquer ligação anterior com ela, o Tribunal reputasse capaz para o efeito.
Alegou para o efeito, em síntese, serem ele e a Requerida (BB) sócios e gerentes de EMP01..., Limitada; e ter a Requerida (BB) ardilosamente, a partir de Março de 2023, não só praticados actos em prejuízo da dita Sociedade (que discriminou), como constituído uma outra, com o mesmo objecto social e para a qual desviou o negócio da primeira (esvaziando-a dos seus activos), em prejuízo dela.
Defendeu, por isso, consubstanciar a sua actuação não só justa causa de destituição da Requerida (BB) do cargo de gerente de EMP01..., Limitada, como impor-se a sua imediata suspensão cautelar, sem a respectiva audição, por forma a que não pudesse completar a sua estratégia de retirar tudo o que ainda resta dos seus activos. 1.1.2. Admitido liminarmente o requerimento inicial, dispensado o contraditório inicial da Requerida (BB) e produzida a prova arrolada pelo Requerente (AA), foi proferida sentença no procedimento preliminar e cautelar de suspensão do cargo de gerente, julgando-o procedente, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) 5. DECISÃO Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal procedente, por inidiciariamente provada, a presente medida cautelar e, consequentemente, determina a suspensão da Requerida BB do cargo de gerente da sociedade comercial EMP01..., Lda. Entretanto, e atento o facto de o Requerente ter vindo a renunciar ao respectivo cargo, com vista a exercer provisoriamente o cargo de único gerente da sociedade EMP01..., Ldª, nomeia-se o Dr. CC, conhecido em Juízo. (…)»
1.1.3. Citada para o efeito, a Requerida (BB) deduziu oposição, pedindo que a mesma fosse julgada procedente e se revogasse a providência decretada, condenando-se ainda o Requerente (AA) como litigante de má-fé.
Alegou para o efeito, em síntese, ter sido EMP01..., Limitada objeto de uma inspecção da Autoridade Tributária e Aduaneira, na sequência do que foi notificada para pagar € 926.234,51; e ter em Fevereiro de 2023 visto arrestados a generalidade dos seus bens e valores para garantia dessa dívida.
Mais alegou que, tendo então a Sociedade EMP02... trabalhadores e contratos para cumprir no estrangeiro, o que com o arresto ficou impossibilitada de fazer, o Requerente (AA) e ela própria, temendo a sua iminente insolvência e a reversão dos seus créditos fiscais para eles próprios, acordaram promover a constituição de uma nova sociedade, com um terceiro, já então comercial daquela outra (não integrando qualquer das aqui partes o seu capital social e/ou gerência); e cederem para esta os créditos, os trabalhadores e os contratos de EMP01..., Limitada, ficando a mesma obrigada a assegurar o pagamento das obrigações correspondentes.
Alegou ainda que, tendo-se assim procedido, veio depois o Requerente (AA): a abandonar a empresa constituída e o seu posto de trabalho, retendo, porém, toda a sua documentação de EMP01..., Limitada (o que impediu doravante a aprovação da suas contas); e a constituir com a mulher uma outra sociedade, com o mesmo objecto social de qualquer uma das outras duas sociedades, desviando para ela trabalhadores e clientes daquela cuja constituição promovera.
Defendeu, por isso, ter sido o Requerente (AA), e não ela própria, quem adoptou um comportamento consubstanciador de justa causa de destituição de gerência, impugnando ainda os factos que lhe tinham sido imputados (AA) nesse sentido; e actuar aquele em manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, por ter sido ele próprio quem manteve e desenvolveu uma situação que agora denunciaria nos autos, para tirar um beneficio exclusivo para si e em prejuízo dela própria.
Por fim, a Requerida (BB) alegou litigar o Requerente (AA) de má-fé, ao deduzir uma pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, ao ter alterado a verdade dos factos trazidos a juízo e ao omitir factos essenciais para o apuramento da verdade e da boa decisão da causa; e justificar-se a sua condenação em multa e numa indemnização a favor dela própria não inferior a € 5.000,00.
1.1.4. Foi proferido despacho: dispensando a realização de uma audiência prévia; saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); fixando o valor da causa em € 30.001,00; identificando o objecto do litígio («Aferir da existência de causa de destituição do cargo de gerente da sociedade EMP01..., Ldª da ré BB») e enunciando os temas da prova («1. Apurar as circunstâncias em que se desenvolveu o cargo de gerente da sociedade EMP01..., Ldª pela ré BB», «ii. Averiguar a existência de actos praticados pela ré BB na qualidade de gerente da sociedade EMP01..., Ldª que tenham resultado em prejuízo desta» e «iii. Concretizar as consequências efectivas de tais actos para com a sociedade EMP01..., Ldº e, eventualmente, para com o sócio, ora autor»); apreciando os requerimentos probatórios e designando data para realização da audiência final.
1.1.5. Vindo o gerente nomeado pelo Tribunal a renunciar ao exercício desse cargo, foi proferido despacho nomeando o Requerente (AA) para o exercício do mesmo, lendo-se nomeadamente no dito despacho: «(…) Entretanto, ante a decretada suspensão do cargo de gerente da sociedade EMP01..., Ldª da ré BB, e pese embora a operada renúncia ao mesmo pelo autor DD, não podendo a sociedade manter-se em gerência e não sendo viável que - pelas razões oportunamente comunicadas aos autos pelo então nomeado gerente provisório - possa ser novamente nomeado um terceiro para o efeito, entende o Tribunal qe tais funções deverão ser acauteladas, entretanto e atendendo aos interesses em causa, pelo sócio autor, o que se determina, devendo o mesmo munir os autos dos elementos documentos por si oportunamente solicitados e cuja junção carece de intervenção da gerência. (…)»
1.1.6. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando o pedido de condenação do Requerente (AA) como litigante de má fé improcedente, assim com a própria acção, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Assim e em suma, impõe julgar totalmente improcedente a presente acção. Improcedente será, por sua vez, o incidente de litigância de má fé. O Autor, vencido, suportará as custas devidas [art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC].
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5. DECISÃO Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal a presente acção totalmente improcedente, termos em que decide absolver a Ré do pedido formulado, com a consequência da caducidade do decretado a título cautelar, e a restituição da gerência àquela. Custas pela Autora [art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC]. Registe e notifique. Comunique à CRC. (…)»
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1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos
Inconformado com esta decisão, o Requerente (AA) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse julgado procedente e se revogasse a sentença recorrida, julgando-se por acórdão a acção procedente.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):
1 - Cumpre desde logo fazer referência à intervenção lapidar (e supra-transcrita) da MMº Juiz a propósito da falta de colaboração da recorrida com o tribunal e a propósito das reiteradas fugas e evasivas da recorrida quando confrontada com questões cujas respostas não podia deixar de saber, consubstanciando clara má-fé.
2 - É, pois, elucidativa e absolutamente descritiva a justíssima reacção do Tribunal recorrido em relação à forma como o depoimento de parte da recorrida estava a decorrer, não podendo ser merecedora do acolhimento que acabou por ter na Douta Sentença recorrida.
3 - O recorrente assenta a sua discordância quanto à Douta Sentença recorrida essencialmente nos seguintes pontos:
• Prova de desvio de clientes, de fundos financeiros e de activos pela recorrida
• Prova de prática pela recorrida de actos que consubstanciam concorrência desleal
• Insuficiência e inaptidão da prova para sustentar a Douta Sentença recorrida
• Total falta de prova e de base para a absolvição doutamente decidida
• Alteração à decisão sobre a matéria de facto
• Alteração consequente da decisão referente à aplicação do Direito 4 - Antes de mais, importa destacar que a recorrida está insolvente, conforme consta dos autos, tendo sido ela própria a requerer a sua insolvência.
5 - Mais importa destacar que a recorrida requereu a própria insolvência da sociedade EMP01... de que voltou a ser gerente, para, segundo ela própria (e se supra transcreveu), poder «enterrar» todos os assuntos (e não ser responsabilizada).
6 - Da Douta Sentença recorrida, constam os seguintes factos não provados: «a) A partir do mês de Março de 2023, a Ré fez desvio os clientes (e respectivos saldos devedores) da EMP01... para a concorrente EMP03.... b) Na mesma altura, a Ré passou a impedir o acesso do Autor às instalações da sociedade, aos documentos e elementos informativos da sociedade, com mudanças de fechaduras e troca de códigos; c) A Ré procedeu a uma tentativa de alteração dos códigos de acesso às contas bancárias da sociedade para impedir o seu acesso pelo Autor, o que logrou conseguir temporariamente. d) A Ré tem movimentado e utilizado os activos da sociedade por sua única e exclusiva iniciativa, opção e interesse. e) A conduta da Ré tem em vista locupletar-se à custa da sociedade EMP01..., esvaziando-a dos seus activos e transferindo-os para a nova sociedade que constituiu, através do seu companheiro EE, sempre em claro prejuízo da EMP01... e também do Autor. f) A partir da constituição da EMP03... e durante cerca de um mês, Autor e Ré passaram a exercer funções por conta, sob as ordens e direção daquela, o mesmo sucedendo com a esposa do primeiro, respectivamente como coordenador dos recursos humano, administrativa e controladora de qualidade.»
7 - Os factos em questão devem passar a ser considerados provados, porquanto os depoimentos supra-transcritos demonstram que a recorrida passou a exercer na sociedade EMP03... as mesmas funções que desempenhava na EMP01..., seja a dar instruções sobre os trabalhos a fazer, seja a ser interlocutora com os trabalhadores, tudo se passando como se nada tivesse alterado, excepto a sociedade (que passou a ser a EMP03...) e excepto o sócio da recorrida (que deixou de ser o recorrente para passar a ser o seu companheiro EE), como resulta inequívoco dos depoimentos citados nas presentes alegações.
8 - A recorrida passou a fazer a favor da EMP03... o que fazia anteriormente na EMP01..., quando ainda era gerente da EMP01..., utilizando activos materiais e humanos e cobrando receitas, em benefício da EMP03... e em claro prejuízo da EMP01..., chegando ao ponto de, como resulta dos depoimentos supra-citados, cobrar para a EMP03... serviços que tinham sido prestados pela EMP01....
9 - É ainda indiscutível, face ao depoimento da recorrida, o seu total e absoluto desinteresse na EMP01..., não se mostrando interessada, nem empenhada, em resolver a questão de uma dívida à Segurança Social (que a EMP03... deveria ter pago e não o fez), nem em saber onde estavam os documentos e a contabilidade da EMP01... (apesar da recorrida ter colaborado activamente em arranjar uma nova contabilista da sua «confiança» e do seu companheiro EE).
10 - Impõe-se concluir e visar a alteração da douta decisão sobre a matéria de facto, quer em relação aos mencionados pontos que devem passar a ser considerados provados, devendo ainda ser aditados os seguintes pontos:
- a recorrida requereu a sua própria insolvência
- a recorrida foi declarada insolvente
- a recorrida requereu a insolvência da EMP01... para que todos os assuntos pendentes ficassem encerrados e não fosse responsabilizada
Quer em relação aos seguintes pontos que devem passar a ser considerados não provados: «No dia 2 de maio de 2023, foi registada na Conservatória do Registo Comercial ... a sociedade comercial EMP04..., Unipessoal, Lda., com o capital social de € 5.000,00 pertencente, na sua totalidade, a EMP04..., casada com o Autor no regime da comunhão de adquiridos, tendo a sua sede na Avenida ..., ..., concelho ..., e tendo como objeto a prestação de serviços de metalomecânica.»
Face à sua irrelevância para a presente demanda, conforme decorre do depoimento da testemunha FF supra-citado.
11 - Consequentemente, face a tudo quanto já se alegou e à alteração da matéria de facto requerida, impõe-se revogar a Douta Sentença recorrida e julgar procedente a presente acção e determinar a destituição de gerente com (mais do que) justa causa da recorrida.
12 - A Douta Sentença recorrida viola, nomeadamente, o disposto nos arts. 1055 CPC e 257 CSC.
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1.2.2. Contra-alegações
A Requerida (BB) contra-alegou, pedindo que se rejeitasse o recurso por incumprimento do ónus e impugnação da matéria de facto; e, subsidiariamente, se julgasse o mesmo improcedente, por a prova produzida ter sido correctamente ajuizada (de forma contrária à impugnação que dela foi feita em sede de recurso), mantendo-se integralmente a sentença recorrida.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR
2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [1].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelo Requerente (DD), 02 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem: 1.ª- Fez o Tribunal a quo uma erradainterpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque . impunha que se dessem como demonstrados os factos não provados enunciados na sentença recorrida sob a alínea a) («A partir do mês de Março de 2023 a Requerida fez desvio os clientes (e respectivos saldos devedores) deEMP01..., Limitada para a concorrente EMP03... - Unipessoal, Limitada»), sob a alínea b) («Na mesma altura, a Requerida passou a impedir o acesso do Requerente às instalações de EMP01..., Limitada, aos seus documentos e elementos informativos, com mudanças de fechaduras e troca de códigos»), sob a alínea c) («A Requerida procedeu a uma tentativa de alteração dos códigos de acesso às contas bancárias de EMP01..., Limitada para impedir o seu acesso pelo Requerente, o que logrou conseguir temporariamente.»), sob a alínea d) («A Requerida tem movimentado e utilizado os activos de EMP01..., Limitada por sua única e exclusiva iniciativa, opção e interesse»), sob a alínea e) («A conduta da Requerida tem em vista locupletar-se à custa de EMP01..., Limitada, esvaziando-a dos seus activos e transferindo-os para a nova sociedade que constituiu através do seu companheiro EE, sempre em claro prejuízo daquela primeira e também do Requerente») e sob a alínea f) («A partir da constituição de EMP03... - Unipessoal, Limitada e durante cerca de um mês, Requerente e Requerida passaram a exercer funções por conta, sob as ordens e direção daquela Sociedade, o mesmo sucedendo com a esposa do primeiro, respectivamente, como condenador dos recursos humano, administrativa e controladora de qualidade»); . impunha que se aditassem três novos factos («1 - A Requerida requereu a sua própria insolvência», «2 - A Requerida foi declarada insolvente» e «3 - A Requerida requereu a insolvência de EMP01..., Limitada para que todos os assuntos pendentes ficassem encerrados e não fosse responsabilizada») ao elenco dos provados; . e impunha que eliminasse o facto provado enunciado sob o número 3.19 na sentença recorrida («No dia 2 de Maio de 2023 foi registada na Conservatória do Registo Comercial ... a sociedade comercial EMP04..., Unipessoal, Lda., com o capital social de € 5.000,00, pertencente, na sua totalidade, a EMP04..., casada com o Requerente no regime da comunhão de adquiridos, tendo a sua sede na Avenida ..., ..., concelho ..., e tendo como objeto a prestação de serviços de metalomecânica») por ser irrelevante ? 2.ª-Deveráser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, face ao prévio sucesso da impugnação de facto feita), por forma a que se julgue a acção totalmente procedente ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
3.1. Decisão de facto do Tribunal a quo 3.1.1. Factos provados
Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, resultaram provados os seguintes factos (aqui apenas reproduzidos sem quaisquer expressões interlocutórias ou narrativas, próprias apenas dos articulados):
1 - DD (aqui Requerente) e BB (aqui Requerida) são sócios e gerentes da sociedade comercial por quotas denominada EMP01..., Limitada, NIPC ...40, com sede na Rua ..., da União de Freguesias ... e ... e ..., ... ..., com o capital social de € 5.000,00, dividido em duas quotas iguais, do valor nominal de € 2.500,00 cada uma, detida uma por cada um dos referidos sócios.
2 - O objecto social de EMP01..., Limitada é a prestação de «serviços de metalomecânica, engenharia metalomecânica».
3 - O Requerente (DD) manifestou a respectiva renúncia à qualidade de sócio de EMP01..., Limitada.
4 - Em 2022 EMP01..., Limitada foi sujeita a uma ação inspectiva levada a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira, Serviços de Inspeção Tributária, Direção de Finanças ..., que deu origem a liquidações adicionais de imposto do montante de € 926.234,51, notificadas à Sociedade em Fevereiro de 2023, tendo aquela apresentado as respetivas reclamações graciosas junto dos Serviços de Inspeção Tributária de ....
5 - Por sentença de 31 de Janeiro de 2023, a pedido da Fazenda Pública, foi decretado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, no âmbito do procedimento cautelar de arresto n.º 87/23.... - Unidade Orgânica 3, o arresto dos seguintes bens de EMP01..., Limitada:
· Veículo com a matrícula ..-..-CQ, de marca ..., modelo ...;
· Veículo com a matrícula ..-..-XV, de marca ..., modelo ...;
· Veículo com a matrícula ..-SM-.., de marca ..., modelo X;
· Veículo com a matrícula ..-OD-.., de marca ..., modelo ...;
· Veículo com a matrícula ..-XG-.., de marca ..., modelo G;
· Veículo com a matrícula ..-XZ-.., de marca ..., modelo P;
· Veículo com a matrícula ..-RB-.., de marca ..., modelo ...;
· Veículo com a matrícula ..-XP-.., de marca ..., modelo L;
· Conta bancária com o IBAN ...27, sediada no Banco 1...;
· Conta bancária com o IBAN ...96, sediada na Banco 2...;
· Conta bancária com o IBAN ...50, sediada no Banco 3....
6 - O arresto referido no facto provado anterior foi levado a cabo em Fevereiro de 2023.
7 - Com o decretamento e cumprimento do arresto, EMP01..., Limitada ficou totalmente paralisada e impossibilitada de executar as obras que tinha a seu cargo, designadamente no estrangeiro.
8 - À data, EMP01..., Limitada tinha ao seu serviço 113 trabalhadores, a quem eram devidos os salários dos meses de Fevereiro de 2023, a pagar no mês seguinte.
9 - EMP01..., Limitada tinha diversos contratos para cumprir, com prazos de execução e com penalidades e indemnizações em caso de incumprimento.
10 - EMP01..., Limitada deixou de ter liquidez para suportar os combustíveis dos veículos, as deslocações e alojamento dos seus trabalhadores, os salários e subsídios de deslocação (alimentação) e aos seus fornecedores.
11 - Naquele contexto, EE, que até então desempenhava funções de comercial de EMP01..., Limitada, propôs constituir uma sociedade, que teria o mesmo ou semelhante objeto ao daquela, com as seguintes condições por parte desta última: EMP01..., Limitada transmitiria para a sociedade a constituir os seus créditos, do montante estimado em € 1.127.540,08, ficando a cessionária titular de todos os direitos daí decorrentes; EMP01..., Limitada transmitiria para a sociedade a constituir todos os seus trabalhadores; EMP01..., Limitada cederia à sociedade a constituir a sua posição nos contratos que havia celebrado e que ainda se encontravam em execução.
12 - Em contrapartida, a sociedade a constituir: pagaria em substituição de EMP01..., Limitada a totalidade dos salários dos trabalhadores ao serviço desta, já vencidos e vincendos, e respectivos encargos de natureza fiscal (Autoridade Tributária e Segurança Social); e aceitaria a transferência para si dos trabalhadores de EMP01..., Limitada.
13 - Os sócios de EMP01..., Limitada, Requerente (DD) e Requerida (BB), reunidos com o referido EE, aceitaram a proposta deste, tendo em vista garantir os postos de trabalho e transferir para a nova sociedade a responsabilidade decorrente do cumprimento dos anteriores contratos celebrados por EMP01..., Limitada.
14 - Na sequência do acordado, no dia 22 de Fevereiro de 2023, EE constituiu EMP03... - Unipessoal, Limitada, que veio a registar na Conservatória do Registo Comercial no dia 24 desse mês, data em que lhe deu início de atividade.
15 - No dia 22 de Fevereiro de 2023, entre EMP01..., Limitada, representada pelo Requerente (DD) e pela Requerida (BB), e EMP03... - Unipessoal, Limitada foi celebrado o contrato de cessão de créditos, redigido em língua portuguesa e em língua francesa.
16 - Com a celebração do invocado contrato de cessão de créditos, a gerência de EMP01..., Limitada fez cessar o contrato de arrendamento das suas instalações, entregando o imóvel ao senhorio em finais de Março de 2023.
17 - Desde a sua constituição até ao dia ../../2023, EMP03... - Unipessoal, Limitada funcionou num espaço que lhe foi cedido, em ....
18 - Em 28 de Abril de 2023 EMP03... - Unipessoal, Limitada, tomou de arrendamento o espaço antes ocupado por EMP01..., Limitada, pelo prazo de cinco anos, renovável, e pela renda anual de € 13.608,00, com início no dia 1 de Maio desse ano.
19 - No dia 2 de Maio de 2023 foi registada na Conservatória do Registo Comercial ... a sociedade comercial EMP04..., Unipessoal, Lda., com o capital social de € 5.000,00, pertencente, na sua totalidade, a EMP04..., casada com o Requerente (DD) no regime da comunhão de adquiridos, tendo a sua sede na Avenida ..., ..., concelho ..., e tendo como objeto a prestação de serviços de metalomecânica.
20 - Desde finais de Fevereiro de 2023 que EMP01..., Limitada não tem trabalhadores, não possui instalações, nem desenvolve qualquer actividade.
21 - Os ativos de EMP01..., Limitada são constituídos pelos veículos arrestados (apreendidos) e pelos depósitos bancários arrestados (apreendidos).
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3.1.2. Factos não provados
Na mesma decisão, o Tribunal de 1.ª Instância considerou como não provados os seguintes factos:
a) A partir do mês de Março de 2023 a Requerida (BB) fez desvio dos clientes (e respectivos saldos devedores) de EMP01..., Limitada para a concorrente EMP03... - Unipessoal, Limitada.
b) Na mesma altura, a Requerida (BB) passou a impedir o acesso do Requerente (DD) às instalações de EMP01..., Limitada, aos seus documentos e elementos informativos, com mudanças de fechaduras e troca de códigos.
c) A Ré (BB) procedeu a uma tentativa de alteração dos códigos de acesso às contas bancárias de EMP01..., Limitada para impedir o seu acesso pelo Requerente (DD), o que logrou conseguir temporariamente.
d) A Requerida (BB) tem movimentado e utilizado os activos de EMP01..., Limitada por sua única e exclusiva iniciativa, opção e interesse.
e) A conduta da Requerida (BB) tem em vista locupletar-se à custa de EMP01..., Limitada, esvaziando-a dos seus activos e transferindo-os para a nova sociedade que constituiu, através do seu companheiro EE, sempre em claro prejuízo daquela primeira e também do Requerente (DD).
f) A partir da constituição de EMP03... - Unipessoal, Limitada e durante cerca de um mês, o Requerente (DD) e a Requerida (BB) passaram a exercer funções por conta, sob as ordens e direção daquela Sociedade, o mesmo sucedendo com a esposa do primeiro, respectivamente como coordenador dos recursos humano, administrativa e controladora de qualidade.
g) Com a cessação do contrato de arrendamento das instalações de EMP01..., Limitada, o Requerente (DD) recolheu toda a documentação da empresa que lá se encontrava, que ficou à sua guarda.
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3.2. Modificabilidade da decisão de facto
3.2.1. Impugnação de matéria de facto - Ónus de impugnação / de conclusão 3.2.1.1. Definição
Lê-se, a propósito do ónus de impugnação da matéria de facto, no art.º 640.º, n.º 1, do CPC que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição» os «a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (al. a) do n.º 2 do art.º 640.º citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, indicar os concretos meios probatórios em que se estriba, precisando com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso; e deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada.
Estas exigências vêm «na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor [3] enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo).
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Somando-se, porém, a este ónus de impugnação, encontra-se um outro, o ónus de conclusão, previsto no art.º 639.º, n.º 1, do CPC, onde se lê que o «recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão».
«Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1).
«Entendeu-se que, exercendo os recursos a função de impugnação das decisões judiciais», não só fazia sentido que o recorrente «expusesse ao tribunal superior as razões da sua impugnação, a fim de que o» mesmo «aprecie se tais razões procedem ou não», como, podendo «dar-se o caso de a alegação ser extensa, prolixa ou confusa», deveria no fim, «a título de conclusões», indicar «resumidamente os fundamentos da impugnação», fazendo-o pela «enunciação abreviadados fundamentos do recurso» (Professor Aberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, pág. 359, com bold apócrifo) [4].
Contudo, acresce ainda a este objectivo (de síntese das razões que estão subjacentes à interposição do recurso) um outro, não menos importante, de definição do seu objecto. Lê-se, a propósito, no art.º 635.º, n.º 4, do CPC, que nas «conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso»; e, por isso, se defende que as «conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objecto do recurso» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág.118) [5].
Logo, pretende-se que o recorrente indique de forma resumida, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão, para que seja possível delimitar o objecto do recurso de forma clara, inteligível, concludente e rigorosa (neste sentido, Ac. do STJ, de 18.06.2013, Garcia Calejo, Processo n.º 483/08.0TBLNH.L1.S1). Compreende-se, por isso, que se afirme que, para «o bom julgamento do recurso não é suficiente que a alegação tenha conclusões. Estas deverão ser precisas, claras e concisas de modo a habilitar o tribunal ad quem a conhecer quais as questões postas e quais os fundamentos invocados» (Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, pág. 179, com bold apócrifo) [6].
Está-se aqui perante uma das concretizações do princípio da auto-responsabilidade das partes.
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3.2.1.2. Incumprimento - Consequências
Incumprindo o recorrente o ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, n.º 1, do CPC (especificação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, dos concretos meios probatórios que impõem que sobre eles seja proferida uma decisão diferente - incluindo as exactas passagens da gravação dos depoimentos em que se estriba - e da decisão alternativa que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas), e tal como aí expressamente afirmando, terá o seu recurso que ser rejeitado («sob pena de rejeição»).
Com efeito, e ao contrário do que sucede com o recurso relativo à decisão sobre a matéria de direito (previsto no art.º 639.º, n.º 2 e n.º 3, do CPC), no recurso relativo à matéria de facto (previsto no art.º 640.º, do CPC) não se admite despacho de aperfeiçoamento.
«Esta solução é inteiramente compreensível e tem a sustentá-la a enorme pressão (geradora da correspondente responsabilidade) que durante décadas foi feita para que se modificasse o regime de impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliassem os poderes da Relação a esse respeito, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitiria corrigir. Além disso, pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção de prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas. Enfim, a comparação com o disposto no art. 639º não deixa margem para dúvidas quanto à intenção do legislador de reservar o convite ao aperfeiçoamento para os recursos da matéria de direito» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 128) [7].
Aliás, o entendimento da não admissibilidade de despacho de aperfeiçoamento face ao incumprimento, ou ao cumprimento deficiente, do ónus de impugnação da matéria de facto, já era generalizadamente aceite no âmbito do similar art.º 690.º-A do anterior CPC, de 1961 (conforme Carlos Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Almedina, pág. 203).
Do mesmo modo se deverá proceder quando, pese embora indicada a matéria de facto impugnada no corpo das alegações de recurso, essa indicação não seja depois reiterada nas respectivas conclusões [8], tendo o recorrente limitado desse modo o seu objecto.
Com efeito, importa distinguir a natureza, e as consequências, das diversas actuações possíveis do recorrente: uma primeira (relativa a um ónus primário), que contende com a delimitação do objecto do seu recurso, e que deixa absolutamente omissa, nas respectivas conclusões, a indicação da matéria de facto impugnada (limitando desse modo o recurso, e inexoravelmente, à sindicância da matéria de direito); e uma segunda (relativa aos ónus secundários), que contende com a análise jurídica do cumprimento do ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, do CPC, e que deixa absolutamente omissa, nas mesmas conclusões de recurso - e ao contrário do que previamente fizera no corpo das respectivas alegações -, a indicação dos concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, da decisão alternativa pretendida, e das exactas passagens da gravação que o fundariam.
Compreende-se que assim seja, já que, nesta segunda situação, a impugnação da matéria de facto - bem ou mal feita - faz parte do objecto do recurso [9]; e «o prazo de interposição do recurso é pela lei fixado em função do modo como o recorrente concebe o respectivo objecto» (Ac. da RG, de 07.04.2016, José Amaral, Processo n.º 4247/10.3TJVNF.G1).
Tendo a jurisprudência sufragado maioritariamente este entendimento [10], viu o mesmo ser consagrado no acórdão uniformizador de jurisprudência proferido pelo pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, em 17 de Outubro de 2023, onde se lê que: «Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações» [11].
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3.2.1.3. Entendimentos dominantes (e perfilhados)
Ainda que com naturais oscilações - nomeadamente, entre a 2.ª Instância e o Supremo Tribunal de Justiça - (muito bem sumariadas no Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 6617/07.5TBCSC.L1.S1, e no Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo n.º 157/12-8TVGMR.G1.S1) -, vêm sendo firmados os seguintes entendimentos (limitados ao que ora nos interessa):
. os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade,dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal (neste sentido, Ac. do STJ, de 28.04.2014, Abrantes Geraldes, Processo n.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1, Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria Graça Trigo, Processo n.º 8440/14.1T8PRT.P1.S1, Ac. do STJ, de 06.06.2018, Pinto Hespanhol, Processo n.º 552/13.5TTVIS.C1.S1, Ac. do STJ, 12.07.2018, Ferreira Pinto, Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1, Ac. do STJ, de 13.11.2018, Graça Amaral, Processo n.º 3396/14, ainda inédito, ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2); . dever-se-á usar de maior rigor na apreciação cumprimento do ónus previsto no n.º 1 do art.º 640.º do CPC (primário ou fundamental, de delimitação do objecto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo, mantido inalterado), face ao ónus previsto no seu n.º 2 (secundário, destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1); . o ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicação com exactidão das passagens da gravação onde se funda o recurso só será idónea a fundamentar a rejeição liminar do mesmo se dificultar, de forma substancial e, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (neste sentido, Ac. do STJ, de 26.05.2015, Hélder Roque, Processo n.º 1426/08.7CSNT.L1.S1, Ac. STJ de 22.09.2015, Pinto de Almeida, Processo n.º 29/12.6TBFAF.G1.S1, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, e Ac. do STJ, de 19.01.2016, Sebastião Póvoas, Processo n.º 3316/10.4TBLRA-C1-S1, onde se lê que o ónus em causa estará cumprido desde que o recorrente se reporte à fixação electrónica/digital e transcreva os excertos que entenda relevantes, de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório. Já depois dos citados, mas no mesmo sentido, Ac. do STJ, de 15.02.2018, Tomé Gomes, Processo n.º 134116/13.2YIPRT.E1.S1, e Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2);
. cumpre o ónus do art. 640.º, n.º 2, do CPC quando não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento, como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso (neste sentido, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, e Ac. do STJ, de 15.02.2018, Tomé Gomes, Processo n.º 134116/13.2YIPRT.E1.S1); ou quando o recorrente identificou as testemunhas EE, FF e GG, assim como a matéria sobre a qual foram ouvidas, referenciou as datas em que tais depoimentos foram prestados e o CD onde se encontra a respectiva gravação, indicando o seu tempo de duração, e, para além disso, transcreveu e destacou a negrito as passagens da gravação tidas por relevantes e que, em seu entender, relevavam para a alteração do decidido (neste sentido, Ac. do STJ, de 18.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo n.º 476/09.0TTVNG.P2.S1);
. a apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1); nem o faz o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem uma única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (neste sentido, Ac. do STJ, de 28.05.2015, Granja da Fonseca, Processo n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1); igualmente não cumpre a exigência legal a simples indicação do momento do início e do fim da gravação de um certo depoimento (neste sentido, Ac. do STJ, de 05.09.2018, Gonçalves Rocha, Processo n.º 15787/15.8T8PRT.P1.S2, Ac. do STJ, de 18.09.2018, José Rainho, Processo n.º 108/13.2TBPNH.C1.S1, ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2); e não a cumpre ainda o recorrente que pretenda que valha como transcriçãouma resenha ou súmula do que terão referido as pessoas de cujos depoimentos se quer fazer valer (na parte relevante), já que transcrever os depoimentos é reproduzi-los objetivamente (aquilo que as pessoas ouvidas verbalizaram), sem fazer intervir qualquer subjetividade, filtro ou juízo apreciativo (Ac. do STJ, de 18.06.2019, José Raínho, Processo n.º 152/18.3T8GRD.C1.S1);
. servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, mas bastando quanto aos demais requisitos que constem de forma explícita na motivação do recurso (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Ac. do STJ, de 04.03.2015, Leones Dantas, Processo n.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Ac. do STJ, de 01.10.2015, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ac. do STJ, de 03.12.2015, Melo Lima, Processo n.º 3217/12.1TTLSB.L1-S1, Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo n.º 157/12-8TVGMR.G1.S1, Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, Ac. do STJ, de 21.04.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 449/10.0TTVFR.P2.S1, Ac. do STJ, de 28.04.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1, Ac. do STJ, de 31.05.2016, Garcia Calejo, Processo n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1, Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 6617/07.5TBCSC.L1.S1, Ac. do STJ, de 13.10.2016, Gonçalves Rocha, Processo n.º 98/12.9TTGMR.G1.S1, Ac. do STJ, de 16.05.2018, Ribeiro Cardoso, Processo n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1, Ac. do STJ, de 06.06.2018, Ferreira Pinto, Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1, Ac. do STJ, de 06.06.2018, Pinto Hespanhol, Processo n.º 552/13.5TTVIS.C1.S1, Ac. do STJ, 12.07.2018, Ferreira Pinto, Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1, Ac. do STJ, de 31.10.2018, Chambel Mourisco, Processo n.º 2820/15.2T8LRS.L1.S1, Ac. do STJ, de 13.11.2018, Graça Amaral, Processo nº 3396/14, ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2);
.não cumprindo o recorrente os ónus impostos pelo art.º 640º, n.º 1, do CPC, dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art.º 639.º, n.º 3, do CPC (nesse sentido, Ac. da RG, de 19.06.2014, Manuel Bargado, Processo n.º 1458/10.5TBEPS.G1, Ac. do STJ, de 27.10.2016, Ribeiro Cardoso, Processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Ac. da RG, de 18.12.2017, Pedro Damião e Cunha, Processo n.º 292/08.7TBVLP.G1, Ac. do STJ, 27.09.2018, Sousa Lameira, Processo n.º 2611/12.2TBSTS.L1.S1, ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2) [12].
Logo, a «rejeiçãototal ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 128 e 129, com bold apócrifo).
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3.2.1.4. Caso concreto
Concretizando, considera-se que o Recorrente (AA) cumpriu o ónus de conclusão que lhe estava cometido pelo art.º 639.º, n.º 1, do CPC, mas não cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1 do mesmo diploma.
3.2.1.4.1. Ónus de conclusão
Com efeito, verifica-se que o Requerente (DD) recorrente, no corpo das suas alegações, indicou, por reporte ao elenco dos factos fixados na sentença recorrida, os concretos factos que considerava incorrectamente julgados (nomeadamente, os nela enunciados como não provados sob as als. a) a f), inclusive, do respectivo elenco), bem como os três novos a aditar (cuja redacção aí reproduziu) e o pretendido a eliminar (o facto provado enunciado sob o número 3.19).
De seguida, repetiu essa mesma indicação nas conclusões finais do seu recurso. Ora, e conforme se referiu supra (face, nomeadamente. ao disposto no art.º 635.º, n.º 4, e no art.º 639.º, n.º 1 e n.º 2, ambos do CPC, mas na esteira do já anteriormente defendido a propósito do CPC de 1961), entende-se que as «conclusões são, não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também o elemento definidor do objeto do recurso e balizador do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem» (Ac. do STJ, de 27.10.2016, Ribeiro Cardoso, Processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, com bold apócrifo).
Logo, e independentemente do que o recorrente tenha antes expendido (em sede de corpo de alegações de recurso), terão as mesmas que conter a indicação precisa de quais os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende, já que só assim «verdadeiramente [se] permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto» (Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1) [13].
Tendo-o o Requerente (DD) recorrente feito, deixou desse modo cumprido o ónus de conclusão que lhe estava cometido, sendo para o efeito irrelevante que no mesmo local não haja repetido a indicação dos concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente sobre tais factos, das exactas passagens das gravações dos depoimentos seleccionados para fundar a sua sindicância e da decisão que, no seu entender, se impunha sobre eles (e ao contrário do sustentado pela Requerida nas suas contra-alegações de recurso).
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3.2.1.4.2. Ónus de impugnação
Prosseguindo, e agora relativamente ao cumprimento do ónus de impugnação, verifica-se que o Recorrente (AA) indicou ainda, no corpo das alegações do seu recurso (para além dos concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados): os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente (uma diferente ponderação do depoimento de parte prestado pela Requerida, e dos depoimentos prestados pelas testemunhas GG e HH); as exactas passagens das gravações dos depoimentos seleccionados para fundar a sua sindicância, fazendo-o por meio da sua reprodução por escrito (o que, e ao contrário do sustentado pela Requerida nas suas contra-alegações, é suficiente para este efeito, dispensando a indicação do exacto trecho/passagem da gravação áudio em causa); e a decisão que, no seu entender, se impunha (o darem-se como demonstrados os factos não provados enunciados na sentença recorrida sob as als. a) a f), o aditarem-se ao elenco dos factos provados três novos, com a redacção que indicou, e o eliminar-se do elenco dos factos provados o nele enunciado sob o número 19).
Contudo, e a propósito da indicação dos concretos meios probatório que imporiam decisão diferente, fê-lo de forma absolutamente genérica, e não individualizada quanto aos concretos factos impugnados; e essa deficiência torna a indicação feita inidónea para se ter por cumprida essa exigência legal.
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Com efeito, tendo o Requerente (AA) recorrente impugnado seis factos não provados, onde se verteram diversas realidades, limitou-se a indicar para a sua demonstração a parte que transcreveu dos depoimentos prestados pela Requerida (BB) e pelas testemunhas GG e HH, sem, porém, reportar essa prova, e de acordo com a respectiva pertinência para o efeito, a cada um dos factos em causa (antes a oferecendo em bloco para todos eles).
Ora, teria o Requerente (AA) recorrente que ter reportado cada um dos referidos depoimentos aos diferentes e múltiplos factos impugnados, ou demonstrar/justificar que cada um deles suportaria a impugnação de todos e qualquer um daqueles factos, o que sempre exigiria a concreta dilucidação do seu teor face a cada facto impugnado.
Recorda-se, a propósito, que «a impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão». Compreende-se, por isso, que se defenda que se «a recorrente identificou os pontos de facto que considera mal julgados, por referência aos quesitos da base instrutória, mas limitou-se a indicar os depoimentos prestados e os documentos que listou, sem fazer a referência indispensável àqueles pontos de facto,especificando que concretos meios de prova impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado», incumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC (Ac. do STJ, de 19.02.2015, Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1, com bold apócrifo).
Aceita-se que assim seja, já que a «delimitação [do objecto do recurso] tem de ser concreta e específica e o recorrente tem de indicar, com clareza e precisão, os meios de prova em que fundamenta a sua impugnação, bem como as concretas razões de censura. Tal tem de ser especificado quanto a cada concreto facto. Não pode ser efetuado em termos latos, genéricos e em bloco». Por isso, e de novo, se a «recorrente (…) não especifica os meios probatórios que determinariam decisão diversa da tomada em Primeira Instância para cada um dos factos que pretende impugnar»incumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC (Ac. da RG, de 24.01.2019, Eugénia Maria Moura Marinho da Cunha, Processo n.º 3113/17.6T8VCT.G1).
Ora, e tal como a Requerida (BB) enfatizou nas suas contra-alegações de recurso, esta concreta exigência legal não foi cumprida pelo Recorrente (AA), nomeadamente no corpo das alegações do respectivo recurso.
Acresce que esta exigência, expressa e inequivocamente imposta por lei, também não redunda num ónus excessivo para o recorrente, que precisamente para o efeito dispõe de uma majoração de dez dias para interposição do seu recurso, face àquele outro em que não impugne a matéria de facto (art.º 638.º, n.º 1 e n.º 7, do CPC).
Dir-se-á ainda, e tal como a Requerida (BB) fez notar nas suas contra-alegações, que inexiste qualquer testemunha identificada nos autos (e neles tendo deposto) com o nome «HH», ficando-se, assim, sem se saber igualmente se o Requerente (AA) recorrente selecionou para a sua sindicância da matéria de facto a testemunha II, a testemunha JJ, ou qualquer outra.
Concluindo, considera-se que o Requerente (AA) recorrente não cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640º, n.º 1, do CPC, relativamente aos factos não provados que impugnou, porque não indicou no corpo das suas alegações de recurso os concretos meios probatórios que sobre eles impunham decisão diversa da recorrida[14].
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Mostram-se, por isso, definitivamente assentes os factos não provados enunciados na sentença recorrida sob as als. a) a f), inclusive.
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3.2.2. Carácter instrumental da impugnação da decisão de facto 3.2.2.1. Definição
Veio a jurisprudência precisar ainda que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.
Com efeito, a «impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior CPC], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, AntónioBeça Pereira, Processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo).
Logo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto «quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente», convertendo-a numa «pura actividade gratuita ou diletante» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo n.º 1024/12.0T2AVR.C1).
Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, AntónioBeça Pereira, Processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo) [15].
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3.2.2.2. Caso concreto (cumprimento do ónus de impugnação)
Concretizando, verifica-se que o Recorrente (AA) veio ainda, no seu recurso sobre a matéria de facto, pedir: que se aditassem três novos factos ao elenco dos provados («1 - A Requerida requereu a sua própria insolvência», «2 - A Requerida foi declarada insolvente» e «3 - A Requerida requereu a insolvência de EMP01..., Limitada para que todos os assuntos pendentes ficassem encerrados e não fosse responsabilizada»); e pedir que se eliminasse, do elenco dos provados, o nele enunciado sob o número 19 («No dia 2 de Maio de 2023 foi registada na Conservatória do Registo Comercial ... a sociedade comercial EMP04..., Unipessoal, Lda., com o capital social de € 5.000,00, pertencente, na sua totalidade, a EMP04..., casada com o Requerente no regime da comunhão de adquiridos, tendo a sua sede na Avenida ..., ..., concelho ..., e tendo como objeto a prestação de serviços de metalomecânica»).
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, face à demais matéria já assente nos autos, e ainda que esta sua concreta pretensão fosse deferida, seria a mesma insuficiente (e, por isso, inócua) para alterar a decisão de mérito proferida pelo Tribunal a quo.
Acresce, e quanto aos três primeiros factos (pretendidos aditar) que: não tendo os mesmos sido inicialmente alegados, também não foram introduzidos nos autos por meio de qualquer articulado superveniente, pelo que nunca poderiam ser agora considerados; nem o próprio Recorrente (AA) indicou, ainda que perfunctoriamente, de que modo a insolvência da própria Requerida (BB) seria idónea a influenciar o juízo de mérito sobre a sua pretensão, radicado exclusivamente na actuação daquela como gerente de dada sociedade; e a prova de qualquer deles só poderia fazer-se por meio de idóneos documentos autênticos (certidões de processos judiciais), que não foram juntos.
Já relativamente ao facto pretendido eliminar do elenco dos provados, foi o próprio Recorrente (AA) quem desde logo fundou essa sua pretensão na alegada irrelevância do mesmo para a decisão de mérito a proferir.
Declara-se, por isso, prejudicado o conhecimento do remanescente objecto do recurso sobre a matéria de facto do Requerente (AA).
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Mostra-se, assim, totalmente improcedente o recurso sobre a matéria de facto apresentado pelo Requerente (AA); e, por isso, mantém-se inalterada a decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO (objecto prejudicado)
O pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que respeita à interpretação e aplicação do Direito, dependia do prévio sucesso daimpugnação da decisão sobre a matéria de facto, não se revestindo de autonomia.
Com efeito, o Recorrente (Requerente) não sindicou ter existido erro «na determinação da norma aplicável», ou na forma como deveria «ter sido interpretada e aplicada», mas sim e apenas a suficiência da matéria de facto resultante da prova produzida para estender a aplicação do direito correctamente seleccionado e interpretado à procedência total dos pedidos que formulara.
Assim, não tendo o Requerente (AA) tido êxito na pretensão de alteração da matéria de facto considerada para o efeito na sentença recorrida, ficou necessariamente prejudicado o conhecimento do recurso sobre a matéria de direito que dele dependesse, nos termos do art. 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, do mesmo diploma.
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela improcedência total do recurso de apelação do Requerente (AA).
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V - DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Requerente (AA), e, em consequência, em
· Confirmam integralmente a sentença recorrida.
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Custas da apelação pelo Requerente (art.º 527.º, n.º 1, do CPC).
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Guimarães, 18 de Dezembro de 2024.
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Carlos Pereira Duarte; 2.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias.
[1] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - inwww.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). [2]Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido». [3] A exigência de rigor, no cumprimento do ónus de impugnação, manifestou-se igualmente a propósito do art.º 685º-B, n.º 1, al. a), do anterior CPC, de 1961, conforme Ac. da RC, de 11.07.2012, Henrique Antunes, Processo n.º 781/09, onde expressamente se lê que este «especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor», constituindo «simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso». [4]Reafirmando hoje este entendimento, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, Almedina, págs. 172 e 173, onde se lê que, «expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão». [5]No mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código De Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, págs. 762, nota 3, quando afirmam que «objeto do recurso é integrado pelas respectivas conclusões», sem prejuízo das «questões de conhecimento oficioso relativamente às quais existam elementos que possam ser apreciados» (o que reafirmam a pág. 767, nota 4, e a pág. 770, nota 3, da mesma obra). [6] Não podem, por isso, valer como conclusões «arrazoados longos e confusos, em que se não discriminem com facilidade as questões postas e os fundamentos invocados» (Professor Aberto dos Reis, Código de ProcessoCivil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, pág. 361.
No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 06.12.2012, Lopes do Rego, Processo n.º 373/06.1TBARC-A.P1.S1, que inclusivamente apelida o ónus em causa como «ónus de concisão». [7] No mesmo sentido, Rui Pinto, Notas Ao Código De Processo Civil, Volume II, 2.ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, pág. 142, nota 4. [8]Aparentemente no mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código De Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, quando a pág. 768, nota 6, reservam o despacho de aperfeiçoamento ao recurso «em matéria de direito»; e quando a pág. 720, nota 2, referem - sem qualquer crítica, ou afastamento - que, segundo «a jurisprudência largamente maioritária, não existe relativamente ao recurso da decisão da matéria de facto despacho de aperfeiçoamento». Fazem, porém, notar que esta solução, «em vez de autorizar uma aplicação excessivamente rigorista da lei, deve fazer pender para uma solução que se revele proporcionada relativamente à gravidade da falha verificada».
Na jurisprudência mais recente, veja-se o Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2, onde se lê que, relativamente «ao recurso da decisão da matéria de facto, está vedada ao relator a possibilidade de proferir despacho de aperfeiçoamento, na medida em que, em matéria de recursos, o artigo 652º, nº1, al. a), do Código de Processo Civil, limita essa possibilidade às “conclusões das alegações, nos termos do nº 3 do artigo 639º”». [9]Serão, por exemplo, os casos em que o recorrente, enunciando os pontos de facto que pretende impugnar, é porém omisso quanto aos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida (Ac. da RP, de 10.07.2013, Manuel Domingos Fernandes, Processo n.º 391/11.8TBCHV.P1), ou não cumpre os ónus secundários do n.º 2 do art.º 640.º do CPC, designadamente, de exacta indicação das passagens da gravação (Ac. do STJ, de 22.10.2015, Lopes do Rego, Processo n.º 2394/11.3TBVCT.G1.S1, ou Ac. do STJ, de 26.11.2015, António Leones Dantas, Processo n.º 291/12.4TTLRA.C1.S1). [10]Neste sentido: Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1; Ac. do STJ, de 04.03.2015, Leones Dantas, Processo n.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2; Ac. do STJ, de 01.10.2015, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1; Ac. do STJ, de 03.12.2015, Melo Lima, Processo n.º 3217/12.1TTLSB.L1-S1; Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo n.º 157/12-8TVGMR.G1.S1; Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1; Ac. do STJ, de 21.04.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 449/10.0TTVFR.P2.S1; Ac. do STJ, de 28.04.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1; Ac. do STJ, de 31.05.2016, Garcia Calejo, Processo n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1; Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 6617/07.5TBCSC.L1.S1; Ac. do STJ, de 13.10.2016, Gonçalves Rocha, Processo n.º 98/12.9TTGMR.G1.S1; Ac. do STJ, de 16.05.2018, Ribeiro Cardoso, Processo n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1; Ac. do STJ, de 06.06.2018, Ferreira Pinto, Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1; Ac. do STJ, de 06.06.2018, Pinto Hespanhol, Processo n.º 552/13.5TTVIS.C1.S1; Ac. do STJ, 12.07.2018, Ferreira Pinto, Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1; Ac. do STJ, de 31.10.2018, Chambel Mourisco, Processo n.º 2820/15.2T8LRS.L1.S1; Ac. do STJ, de 13.11.2018, Graça Amaral, Processo nº 3396/14; ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2. [11]O AUJ nº 12/2023 (de 17.10.2023, Ana Resende, Processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1), foi publicado no DR-220/2023, SÉRIE I, de 14 de Novembro de 2023. [12] Contudo, em sentido contrário, Ac. do STJ, de 26.05.2015, Hélder Roque, Processo n.º 1426/08.7TCSNT.L1.S1, onde se lê que a cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art.º 640.º do CPC (a propósito da «exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso»), não funciona aqui, automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente, desde logo, a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação. [13]Neste sentido se vem, reiterada e coerentemente, pronunciando a jurisprudência (à luz do anterior e do actual CPC), conforme (e para além dos citados antes): . Ac. do STJ, de 04.03.2015, Leonel Dantas, Processo n.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2 - «I - As exigências decorrentes dos nºs. 1 e 2 do artigo 685.º-B do anterior Código de Processo Civil têm por objecto as alegações no seu todo, não visando apenas as conclusões que, nos casos em que o recurso tenha por objecto matéria de facto, deverão respeitar também o n.º 1 do artigo 685.º-A do mesmo código. II- Não se exige, assim, ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza exaustivamente o alegado na fundamentação das alegações. III- Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 685.º-A do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados». . Ac. do STJ, de 22.09.2015, Pinto de Almeida, Processo n.º 29/12.6TBFAF.G1.S1 - «II - Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o Recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objecto do recurso, quer no que respeita à respectiva fundamentação. III - Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC). IV - A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada». . Ac. do STJ, de 26.11.2015, Leonel Dantas, Processo n.º 291/12.4TTLRA.C1.S - «III - Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados». . Ac. do STJ, de 03.12.2015, Melo Lima, Processo n.º 3217/12.1TTLSB.L1.S1 - «II- O art.º 640.º, do CPC exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados. III- Não obstante, este conjunto de exigências reporta-se especificamente à fundamentação do recurso não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art.º 640.º, n.ºs 1e 2 do CPC.. IV - Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados». . Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1 - «Tendo a Recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna». . Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1 - «I - No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II. Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso». [14]Neste sentido, Ac. do STJ, de 22.09.2015, Pinto de Almeida, Processo n.º 29/12.6TBFAF.G1.S1, onde se lê que, na «impugnação da decisão de facto, recai sobre o Recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objecto do recurso, quer no que respeita à respectiva fundamentação», sendo que «na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC)».
Não o fazendo, a respectiva inobservância «é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada». [15]No mesmo sentido: . Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 6628/10.3TBLRA.C1 - onde se lê que, de «harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC)», pelo que se «o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância»; e isso «sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação». . Ac. do STJ, de 09.02.2021, Maria João Vaz Tomé, Processo n.º 26069/18.3T8PRT.P1.S1 - onde se lê que «nada impede a Relação de apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por se tratar de ato inútil».