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INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO DE PAGAMENTO DA PENSÃO DE ALIMENTOS
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
CONVENÇÃO DE LUGANO DE 2007
Sumário
I - A questão da competência internacional dos tribunais portugueses para poderem conhecer/julgar determinada ação, coloca-se quando a causa, através de qualquer um dos seus elementos, tenha conexão com uma outra ordem jurídica, além da portuguesa, ou, melhor, quando determinada situação, apesar de possuir, na perspetiva do ordenamento jurídico português, uma relação com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras, apresenta também uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa, sendo que é aos tribunais portugueses que cabe aferir da sua própria competência internacional, de acordo com as regras de competência internacional vigentes. II - A determinação da competência do tribunal para apreciar e decidir determinada ação ou incidente afere-se em função do pedido formulado pelo autor, interpretado à luz dos fundamentos em que o mesmo se apoia, ou seja, da causa de pedir que invoca, e tal como a relação jurídica é por ele delineada. III - À luz dos arts. 8º da CRP e 59º do CPC, quando o litígio apresente elementos de conexão com diversas ordens jurídicas, com vista a aquilatar da competência internacional importa começar por analisar se existe algum regulamento europeu ou instrumento internacional que atribua competência aos tribunais portugueses. Na hipótese negativa, importa, então, apurar se se verifica alguns dos elementos de conexão referidos nos arts. 62.º e 63.º do CPC. IV - De acordo com a Convenção de Lugano de 2007, relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, no que respeita a matéria de obrigação alimentar, tanto é possível, de acordo com a regra geral enunciada no art. 2º, nº 1, demandar o devedor no Estado onde o mesmo se encontra domiciliado, como, de acordo com a regra especial consagrada no art. 5º, nº 2, al. a), demandá-lo no tribunal do lugar em que o credor de alimentos tem o seu domicílio ou a sua residência habitual. Trata-se de uma faculdade legal, cabendo ao credor a opção por um desses dois tribunais. V - Os tribunais portugueses têm competência internacional para julgar um incidente relativo ao incumprimento do pagamento da pensão de alimentos que a progenitora, residente com a filha na ..., optou por intentar em Portugal contra o progenitor aqui residente.
Texto Integral
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães
RELATÓRIO AA, em representação legal e no interesse da sua filha BB, intentou, em 1.3.2024, no Juízo de Família e Menores de Famalicão, incidente de incumprimento do dever de prestar alimentos contra CC.
Pediu que:
a) se notifique o Exmo. Legal Representante da sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda., no sentido de proceder ao desconto, mensalmente e no valor atribuído ao Requerido, a título de vencimento mensal, do montante mensal a que atualmente se reporta a mencionada pensão de alimentos à filha BB, no caso €170,85 (cento e setenta euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescido da quantia de €200,00 (duzentos euros), esta para fazer face à indicada quantia vencida e que, conforme acima referido, respeitando aos meses de maio a dezembro de 2020, aos 12 meses dos anos de 2021, 2022, 2023 e aos meses de janeiro e fevereiro de 2024, perfaz um total de €7 381,02 (sete mil trezentos e oitenta e um euros e dois cêntimos), a título de pensão de alimentos e €1 170,25 (mil cento e setenta euros e vinte e cinco cêntimos) a título de despesas médico-hospitalares;
b) se ordene que os montantes em dívida sejam entregues à progenitora da criança, sem quaisquer encargos para esta, e informando-se a referida sociedade do IBAN da conta bancária da progenitora da criança acima mencionada, para o qual deverá ser transferida mensalmente a quantia de €370,85: IBAN ...95, tudo ao abrigo do disposto no artigo 48º, nº 1, alínea b) e nº 2, do R.G.P.T.C;
c) se notifique, também, a Entidade empregadora do Requerido de que deverá dar conhecimento nos autos do início dos descontos ora peticionados.
Como fundamento dos seus pedidos alegou, em síntese, que requerente e requerido são progenitores de BB cujo regime de responsabilidades parentais se encontra regulado por acordo devidamente homologado.
De acordo com o regime de responsabilidades parentais o requerido deve contribuir para o sustento da criança com uma prestação mensal de €150,00, depositada até ao dia 05 de cada mês, valor esse atualizável de acordo com a taxa de inflação do ano findo ou transato publicado pelo Instituto Nacional de Estatística e ambos os progenitores suportam em metade as despesas de saúde, médicas e medicamentosas relativas à criança, não cobertas pela Segurança Social nem por qualquer outro sistema ou subsistema de saúde.
Desde ../../2020, o requerido encontra-se em incumprimento no que concerne ao acordo de responsabilidades parentais porquanto nunca mais pagou a pensão de alimentos da criança BB, bem como as despesas médico-hospitalares de que a criança necessitou, estando em dívida a quantia de €7 381,02 a título de pensão de alimentos e a quantia de €1 170,25 a título de despesas médico-hospitalares, no total de € 9 721, 52.
Juntou a decisão proferida no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento nº .../2017, que correu termos na Conservatória do Registo Civil ..., onde foi declarado dissolvido o seu casamento com o requerido e no âmbito do qual foi homologado o acordo relativo às responsabilidades parentais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e onde consta que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância são exercidas por ambos os progenitores, residindo a menor BB habitualmente com a mãe.
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O Ministério Público pronunciou-se no sentido de os tribunais portugueses não serem internacionalmente competentes para a causa, em virtude de a criança residir há anos na ... com a progenitora, promovendo que a exceção dilatória de incompetência internacional seja conhecida oficiosamente, com a consequente absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, nos termos do disposto nos artigos 96.º al. a), 97.º n.º 1, 99.º, 576.º n.º 1 e 2, 577.º al. a) e 578.º, todos do Código de Processo Civil.
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Notificada da antecedente promoção, a requerente defendeu a competência internacional dos tribunais portugueses com base no disposto no art. 2º, nº 1, da Convenção de Lugano, de 30.10.2007. Invocou ainda, com vista a sustentar a existência dessa competência, o disposto nos arts 9º, nº 7 do RGPTC e 62º, als a) b) e c), do CPC.
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Realizou-se a conferência de pais, na qual não se logrou obter o acordo dos progenitores, tendo sido determinada a notificação do requerido para alegar o que tivesse por conveniente.
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O requerido apresentou alegações pugnando pela improcedência do incidente de incumprimento e defendendo a incompetência do tribunal português para a sua apreciação.
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Em 27.6.2024 foi proferido despacho que fixou à causa o valor de € 30 000,01 e declarou o tribunal internacionalmente incompetente para apreciar o pedido formulado e, em consequência, absolveu o requerido da instância.
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A requerente não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1º O presente recurso de apelação versa sobre o teor do despacho com a referência CITIUS 191424932, que julgou internacionalmente incompetente o Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Famalicão, para apreciar ação de incumprimento do dever de prestar alimentos a criança portuguesa, residente atualmente na ..., bem assim, absolvendo o Requerido ora Recorrido da instância. 2º Atenta a factualidade vertida na petição inicial, resulta da causa de pedir que: a) a Recorrente e o Recorrido, ambos de nacionalidade portuguesa, foram casados até ../../2017, data em que se divorciaram b) do casamento de ambos resultou o nascimento, em Portugal, de duas filhas, DD, atualmente com 20 anos e BB, atualmente com 9 anos – sendo, apenas, sobre a menor BB que versa o objeto da presente ação, designadamente a violação do dever do seu pai lhe prestar alimentos c) no âmbito desse mesmo processo de divórcio por mútuo consentimento foi apresentado e homologado acordo acerca do exercício das responsabilidades parentais, o qual produz os mesmos efeitos das sentenças judiciais sobre idêntica matéria d) o progenitor, ora Recorrido, naquela regulação das responsabilidades parentais obrigou-se ao pagamento da quantia de €150 mensais, a título de pensão de alimentos, a favor da Menor BB e) em 2018 a Recorrente mudou-se com a criança para a ... f) o Recorrido mantem a sua residência em Portugal, designadamente em ..., sendo também aqui que dispõe de rendimentos, dado trabalhar por conta de outrem, designadamente para a empresa EMP01..., Unipessoal, Lda. f) desde abril de 2020 que o Recorrido não cumpre com a prestação de alimentos judicialmente homologada, visando a presente ação o seu cumprimento coercivo. 3º Ora, no caso em apreço, a aqui Recorrente já dispõe de acordo judicialmente homologado, o qual equivale a uma sentença, acordo esse que já regulou as responsabilidades parentais, nomeadamente os alimentos devidos à filha menor BB. 4º E, na ação que apresentou no Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Famalicão, a Recorrente não pretende alterá-lo, nem alterar o regime já fixado, apenas que seja efetivado o já estabelecido quanto ao dever de prestar alimentos por parte do Recorrido. 5º Razão pela qual, e tal como resulta da respetiva Petição Inicial com a referência ...25, se lançou mão do incidente de incumprimento previsto no artigo 48º do RGPTC para tornar efetivo o pagamento dos valores em dívida. 6º Pelo que não está em causa qualquer regulação do exercício das responsabilidades parentais ou a sua alteração/modificação, mas sim, tornar efetiva a prestação de alimentos fixada no acordo judicialmente homologado, providência que se tornou necessária devido ao incumprimento reiterado do Recorrido. 7º É evidente que, tratando-se como se trata de uma situação jurídica plurilocalizada, os tribunais portugueses só podem conhecer de litígio emergente de uma relação transnacional quando forem internacionalmente competentes. 8º Por sua vez, a competência do tribunal afere-se pela natureza da relação jurídica tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido) e os respetivos fundamentos (causa de pedir), independentemente da apreciação do seu acerto substancial. 9º No caso sub judice a causa de pedir consistiu na alegação da ocorrência de uma situação de incumprimento de um acordo judicialmente homologado, pedindo a Recorrente que o ora Recorrido seja condenado a pagar as quantias devidas a título de alimentos, que se encontram em dívida. 10º Por força do princípio do primado do Direito da União as normas constantes de convenções internacionais vigoram sobre o direito interno, razão pela qual, antes de analisarmos as normas contidas nos artigos 59º, ss do C.P.C., termos de averiguar se existe algum instrumento de direito internacional público a regular a questão – cf. artigo 8º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa. 11º De facto, como (nesta parte) bem fundamenta a sentença em crise, o Regulamento (CE) 4/2009, de 10 de janeiro, não é aplicável à ..., pois a mesma não é membro da União Europeia. 12º Por sua vez, a Convenção de Haia de 1996, aprovada em Portugal pelo Decreto nº 52/2008, à qual a ... também aderiu, será aplicável se a situação em apreço couber no respetivo âmbito de aplicação. 13º Ora, o artigo 1º da Convenção de Haia de 1996, no seu nº 1 estabelece que a Convenção tem por objeto determinar qual o Estado cujas autoridades têm competência para tomar as medidas orientadas à proteção da pessoa ou bens da criança (cf. al a), do artigo 1º). 14º Como se disse, no caso sub judice está em apreciação o Incidente de Incumprimento de Responsabilidades parentais, relativamente à obrigação de alimentos. 15º Por sua vez, o artigo 5º, nº 1, da Convenção de Haia consagra que as «autoridades judiciárias ou administrativas do Estado Contratante no qual a criança tem a sua residência habitual possuem competência para tomar as medidas necessárias à proteção da pessoa ou bens da criança». 16º De facto, aplicando-se as normas da aludida Convenção Internacional ao caso em apreço, em que se a criança mantem, atualmente, a residência habitual na ..., parece, à primeira vista, ser aquele o país competente internacionalmente para apreciar tal incidente, tal como decidido na sentença em crise. 17º Contudo, uma vez que o está em causa nesta ação é unicamente a obrigação de alimentos que a progenitora pretende tornar efetiva (não estando em causa a regulação do exercício das responsabilidades, nem a alteração da regulação já estabelecida anteriormente), constata-se que a aludida Convenção não é aplicável ao caso apreço, visto que o seu artigo 4º alínea e) exclui do âmbito de aplicação material as obrigações alimentares. 18º O que se entende, dado que mais facilmente se obtém o cumprimento da respetiva obrigação no local onde o devedor tem os respetivos bens. 19º Ademais, e pese embora a sentença em crise mencione que «as questões suscitadas neste incidente não se cingem a uma mera cobrança de alimentos, como se pode aquilatar da resposta apresentada pelo progenitor. Na verdade, o progenitor alega uma série de circunstância que, em sua opinião, põem em causa o modo como decorreu e decorre a regulação das responsabilidades parentais da BB» o certo é que nenhuma prova oferece o Requerido ora Recorrido quanto aos fundamentos por si invocados, sendo certo que é sobre o mesmo que impende o ónus de prova!! (a tal propósito, cf. artigo 342º do Código Civil). 20º Além de que, como dissemos anteriormente, a competência internacional fixa-se com a causa de pedir, a qual, repete-se, apenas tem por base o incumprimento do dever de alimentos por parte do Progenitor da criança! 21º Se o Requerido ora Recorrido pretende alterar ou modificar a regulação das responsabilidades da sua filha menor, BB, terá, naturalmente, de intentar uma ação para o efeito. 22º Não é esse, como se disse, o âmbito da presente ação. 23º Pelo que não é aplicável a Convenção de Haia de 1996, dado que no seu artigo 4º, alínea e), exclui do seu âmbito de aplicação material o cumprimento de obrigação alimentícia. 24º Também não será de aplicar a Convenção de Haia, de 23 de novembro de 2007 (cobrança internacional de alimentos em benefício de filhos e de outros membros da família), porque a ... não aderiu à mesma. 25º São, assim, vigentes em Portugal e na ..., sobre esta matéria, a Convenção de Nova Iorque de 20/06/56, sobre cobrança de alimentos no estrangeiro (com ratificação em Portugal mediante o DL 45 942 de 28/09/64) e a Convenção de Lugano de 30/10/2007, relativa à competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial (JO.L 339, de 21/12/2007). 26º A Convenção de Nova Iorque de 1956 prevê os mecanismos a que a parte credora, residente num Estado, contratante pode lançar mão para demandar a parte devedora que reside noutro Estado contratante, mediante pedido feito à autoridade do Estado em que se encontra (artigo 3º da convenção), sendo, portanto, aplicável se o Requerente credor intentar a ação no tribunal do Estado onde reside. 27º Não é, evidentemente, o caso dos autos, em que a Requerente ora Recorrente intentou a ação, não no Estado em que reside atualmente, mas sim no Estado onde reside o Requerido, sendo certo que esta Convenção não contém normas definidoras da competência dos tribunais. 28º Já a Convenção de Lugano de 30/10/2007 contempla, no seu Título II, normas de competência internacional dos tribunais, prevendo, na secção I, as disposições gerais de competência e aí estabelecendo, no artigo 2º, nº1, a seguinte regra-geral, «sem prejuízo do disposto na presente convenção, as pessoas domiciliadas no território de um Estado vinculado pela presente convenção devem ser demandados, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado». 29º Deste modo, no que respeita às obrigações de alimentos, estabelece o artigo 5º nº1 da secção II (competências especiais), que «Uma pessoa com domicílio no território de um Estado vinculado pode ser demandada noutro Estado vinculado pela presente convenção (…) nº2: Em matéria de obrigação alimentar: a) Perante o tribunal em que o credor de alimentos tem o seu domicílio ou a sua residência habitual» (sublinhado nosso). 30º Sendo assim, a norma do artigo 5º, nº1 e nº 2, alínea a) da Convenção de Lugano, que permite que a ação de alimentos seja intentada no tribunal do domicílio do Demandante, constitui apena uma opção possível à regra-geral prevista no artigo 2º nº1, de que as ações devem ser intentadas no Estado do domicílio do Demandado. 31º Nos presentes autos optou-se por não se usar a alternativa do artigo 5º nº1 e 2 a), da Convenção de Lugano, tendo a ação sido intentada no domicílio do demandado, ao abrigo do artigo 2º nº1 da Convenção de Lugano de 30/10/2007, pelo que o tribunal português é internacionalmente competente. 32º Ainda que inexistisse instrumento de direito internacional público a regular a questão, sempre os Tribunais Portugueses teriam competência internacional ao abrigo das suas disposições internas, designadamente as constantes nas diversas alíneas do artigo 62º, do C.P.C. 33º Como se sabe, a competência internacional acompanha a competência interna de raiz territorial, pois, se de acordo com as regras em razão do território, algum tribunal português for territorialmente competente, também lhe é atribuída a competência internacional, por via do princípio da coincidência, previsto na alínea a), do artigo 62º, do C.P.C. 34º As regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa em matéria de providências tutelares cíveis são as que constam do atual artigo 9º R.G.P.T.C. 35º Nos termos do artigo 9º do R.G.P.T.C., para decretar providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado. 36º E dispõe, ainda, o nº 9 desta norma que, sem prejuízo das regras de conexão e do previsto em lei especial, são irrelevantes as modificações de facto que ocorram após a instauração do processo. 37º Contudo, no seu no seu nº 7, prevê-se a situação de «no momento da instauração do processo a criança residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente», estabelecendo que, nessa situação, é competente para apreciar e decidir a causa «o tribunal da residência do requerente ou do requerido». 38º Sendo, ainda, a competência internacional dos tribunais portugueses atribuída por força do disposto nas alíneas b) e c), do artigo 62º do C.P.C. 39º Desde logo, considerando que está em causa uma situação relacionada com a concretização do direito a alimentos duma criança, (cobrança coerciva da prestação de alimentos, através de procedimento pré-executivo previsto no artigo 48º do R.G.P.T.C.), também garantirá mais facilmente os interesses da criança a sua concretização no local da residência do requerido, país onde aquele possuirá bens ou a fonte de rendimentos, pelo que, por força do critério da necessidade, o tribunal português é internacionalmente competente (cf. alínea c), do artigo 62º, do C.P.C.). 40º A este propósito, não se poderá ainda olvidar que, com a Declaração dos Direitos da Criança o princípio do superior interesse da criança foi consolidado ao se consagrar que, «a criança gozará de proteção especial e deverão ser-lhe dadas oportunidades e facilidades através da lei e outros meios para o seu desenvolvimento psíquico, mental, espiritual e social num ambiente saudável e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na elaboração das leis com este propósito, o superior interesse da criança constituirá a preocupação fundamental» – Princípio 2º da Declaração dos Direitos da Criança de 1959. 41º Assim, «todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas, ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança» - Artigo 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989. 42º Igualmente se mostra preenchido o critério da causalidade – alínea b) do artigo 62º – em virtude de alguns dos factos que integram a causa de pedir na ação terem sido praticados em território português (designadamente o facto de a menor ter nacionalidade portuguesa, ter residido em Portugal até 2018 e, principalmente, pelo facto de o acordo homologatório acerca do exercício das responsabilidades parentais ter sido feito, também, em Portugal). 43º Pelo que o tribunal português, concretamente o Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Famalicão, é internacionalmente competente para apreciar o litígio em questão, inexistindo a exceção dilatória da incompetência internacional. 44º Devendo, como tal, a sentença em crise ser revogada e substituída por outra que declare que os tribunais portugueses, concretamente o Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Famalicão, tem competência internacional para tramitar e decidir esta ação de incumprimento das prestações de alimentos não pagas e devidas à criança BB, ordenando as diligências necessárias para tornar efetiva a prestação de alimentos, fixada em acordo judicialmente homologado, designadamente as previstas no nº 1, alínea b) e nº 2, do artigo 48º, do R.G.P.T.C. 45º A sentença em crise violou e/ou aplicou erradamente o disposto nos artigos 9º nº 7, 48º, ambos do R.G.T.P., artigo 59º, 62º e 63º do C.P.C. artigo 4º da Convenção de Haia, outorgada em 19 de outubro de 1996, em vigor nesta matéria e artigo 2º, nº 1, Convenção de Lugano de 30 de outubro de 2007.”
Terminou pedindo que se declare que os tribunais portugueses, concretamente o Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Famalicão, têm competência internacional para tramitar e decidir a presente ação de incumprimento das prestações de alimentos não pagas e devidas à criança BB, e se ordenem as diligências para tornar efetiva a prestação de alimentos, fixada em acordo judicialmente homologado, designadamente as previstas na alínea b) do nº 1 e nº 2, do artigo 48º, do RGPTC.
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O requerido contra-alegou defendendo que o recurso deve ser rejeitado, nos termos dos arts. 637º, nº 2 e 655º, do CPC, por as conclusões não serem sintéticas e que, a assim não ser, deve ser mantida a decisão recorrida.
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O Ministério Público apresentou contra-alegações pugnando pela rejeição do recurso por falta de alegações e secundando o invocado pelo requerido no recurso por si interposto.
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Em 19.11.2024 foi proferido despacho (ref. Citius 9823416) que indeferiu a pretensão do requerido e do Ministério Público no sentido de o recurso ser rejeitado.
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O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.
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Foram colhidos os vistos legais.
OBJETO DO RECURSO
Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.
Neste enquadramento, a questão a decidir consiste em saber se o Juízo de Família e Menores de Famalicão é, ou não, internacionalmente competente para a tramitação dos presentes autos.
FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTOS DE FACTO
A decisão recorrida considerou resultar dos autos a seguinte factualidade:
1. A requerente, o requerido e a filha de ambos, BB, são de nacionalidade portuguesa.
2. A requerente e a BB residem na ... desde 2018.
3. O requerido reside em EE.
4. A BB nasceu a ../../2014.
A par desta factualidade há ainda a ter em conta a que se encontra descrita no relatório supra e que resulta do iter processual.
FUNDAMENTOS DE DIREITO
Analisemos se o tribunal a quo, no caso, o Juízo de Família e Menores de Famalicão, é, ou não, internacionalmente competente para o processamento dos presentes autos.
A competência é um pressuposto processual que consiste na repartição do poder jurisdicional entre os diversos tribunais.
Para a economia do presente recurso interessa a análise da competência internacional pois foi este pressuposto que a decisão recorrida considerou inexistir.
Como explica Paulo Pimenta (in Processo Civil Declarativo, 3ª ed., pág. 105) “[u]ma questão litigiosa pode, face a este ou àquele seu elemento subjetivo ou objetivo, estar em contacto com mais do que uma ordem jurídica, caso em que se torna necessário determinar os limites da competência internacional dos tribunais de cada um dos Estados. Com efeito, a cada Estado corresponde, quer em matéria de legislação, quer em matéria de jurisdição, uma área de intervenção relativamente restrita. Deste modo, há que definir os critérios atributivos da competência internacional dos tribunais portugueses, ou seja, apurar a chamada jurisdição do Estado português. Esta ocorre quando os tribunais portugueses se arrogam o direito de exercer a função jurisdicional e assumem mesmo o dever de assim atuarem.”
A competência internacional dos tribunais portugueses traduz-se, pois, na competência dos tribunais da ordem jurídica portuguesa para conhecer de situações que, apesar de possuírem, na perspetiva do ordenamento jurídico português, uma relação com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras, apresentam também uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa.
A questão da competência internacional dos tribunais portugueses para poderem conhecer/julgar determinada ação, coloca-se quando a causa, através de qualquer um dos seus elementos, tenha conexão com uma outra ordem jurídica, além da portuguesa, ou, melhor, quando determinada situação, apesar de possuir, na perspetiva do ordenamento jurídico português, uma relação com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras, apresenta também uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa, sendo que é aos tribunais portugueses que cabe aferir da sua própria competência internacional, de acordo com as regras de competência internacional vigentes (cf. acórdãos do STJ, de 8.4.2010, P 4632/07.8TBBCL.G1.S1, e da Relação de Lisboa, de 11.1.2024, P 9751/19.5T8LSB.L1-6, in www.dgsi.pt).
“Dito de uma outra forma, perante questão decidenda que apresente pontos de conexão entre duas ordens jurídicas de países diferentes, e, importando definir a quem cabe a competência, então no âmbito da competência internacional equaciona-se essencialmente “a competência dos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros. Verdadeiramente, do que se trata aqui é dos limites da jurisdição do Estado Português; de definir quando é que este se arroga o direito e se impõe o dever de exercitar a sua função jurisdicional” (acórdão da Relação de Lisboa, de 11.1.2024, P 9751/19.5T8LSB.L1-6, in www.dgsi.pt).
A determinação da competência do tribunal para apreciar e decidir determinada ação ou incidente afere-se em função do pedido formulado pelo autor, interpretado à luz dos fundamentos em que o mesmo se apoia, ou seja, da causa de pedir que invoca, e tal como a relação jurídica é por ele delineada.
No caso dos autos, analisando a factualidade invocada e os pedidos formulados no requerimento inicial, os quais se encontram sintetizados no relatório supra, concluímos que a requerente instaurou um incidente de incumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais por parte do requerido no que concerne ao pagamento da pensão mensal de alimentos fixada e na contribuição para as despesas médicas da criança.
É face a este pedido e causa de pedir que tem que ser aferida a competência dos tribunais portugueses para apreciar a causa. Assim, divergimos da decisão recorrida quando afirma que “as questões suscitadas neste incidente não se cingem a uma mera cobrança de alimentos, como se pode aquilatar da resposta apresentada pelo progenitor. Na verdade, o progenitor alega uma série de circunstâncias que, em sua opinião, põem em causa o modo como decorreu e decorre a regulação das responsabilidades parentais da BB. Daqui decorre que o tribunal melhor apetrechado para dirimir tais questões será o suíço e não o português.”
Na verdade, ainda que o progenitor nas alegações que apresentou tenha efetivamente suscitado questões que vão para além do mero incumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais relativo à pensão de alimentos lato sensu (pensão de alimentos mensal e contribuição para despesas médicas), tal alegação é irrelevante para efeitos de aferir a competência internacional do tribunal a qual, repete-se, se determina unicamente de acordo com o pedido e causa de pedir invocados pela requerente no requerimento inicial.
E a requerente não pediu qualquer alteração do regime das responsabilidades parentais; pediu unicamente que, na sequência da existência de incumprimento do regime vigente por parte do requerido, se adotem medidas tendentes ao cumprimento coercivo do mesmo, conforme estabelecido nos arts. 41º e 48º do RGPTC.
Ou seja, como a progenitora refere na motivação do recurso, a sua pretensão consiste em “tornar efetiva a prestação de alimentos fixada no acordo judicialmente homologado, providência que se tornou necessária devido ao incumprimento reiterado do Requerido.(...) Trata-se, portanto, apenas e só, do incumprimento de uma obrigação alimentícia e não de qualquer alteração ou modificação das responsabilidades parentais”.
Embora o art. 41º, nº 4, do RGPTC, permita que, na conferência, os pais possam acordar na alteração do que se encontra fixado quanto ao exercício das responsabilidades parentais, tendo em conta o interesse da criança, tal possibilidade não altera a natureza do incidente inicialmente deduzido pois, não havendo essa alteração consensual, o incidente de incumprimento prosseguirá, devendo o juiz mandar proceder nos termos do artigo 38.º e seguintes e, por fim, decidirá, conforme disposto no nº 7 do art. 41º, todos do RGPTC.
Essa decisão naturalmente que se refere ao incumprimento do regime vigente suscitado no requerimento inicial, e não às questões de eventuais alterações do mesmo suscitadas pelo outro progenitor nas alegações, as quais, se se justificarem, poderão ter lugar, mas nos moldes processuais referidos no art. 42º do RGPTC.
Por outro lado, também é irrelevante a afirmação de que o tribunal suíço está melhor apetrechado para dirimir as questões suscitadas, porquanto a competência se afere à luz das normas legais que a atribuem, e não do critério do tribunal melhor apetrechado para decidir a questão, o qual só é relevante se a lei o erigir em fator de conexão com uma ordem jurídica para efeitos de determinar a competência internacional.
Assentes na premissa de que os autos constituem apenas um incidente de incumprimento da pensão de alimentos lato sensu, vejamos, então, se o tribunal português é, ou não, competente para apreciar esse incidente.
Nos autos está assente que a criança e os respetivos progenitores são portugueses.
De acordo com o regime vigente, as responsabilidades parentais são exercidas em comum por ambos os progenitores, residindo a criança com a mãe.
A requerente e a filha BB vivem na ... desde 2018, ao passo que o requerido vive em .... Portanto, quando foi instaurado o incidente de incumprimento, o que sucedeu em 1.3.2024, a criança já residia na ..., com a mãe.
Dispõe o art. 41º, nº 1, do RGPTC, que se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos.
O art. 48º do RGPTC elenca, nas als. a) a c) do nº 1, diversos meios de tornar efetiva a prestação de alimentos quando a pessoa judicialmente obrigada a prestá-los não satisfizer as quantias em dívida nos 10 dias seguintes ao vencimento.
Dispõe o art. 9º, nº 1, do RGPTC, que para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado, sendo que, face ao disposto no art. 3º, al. c), do mesmo diploma, a regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes constitui uma providência tutelar cível.
De acordo com o disposto no art. 85º, do CC, o menor tem domicílio no lugar da residência da família e, se ela não existir, no domicílio do progenitor a cuja guarda estiver.
Nos termos do art. 9º, nºs 4 e 7, do RGPTC, no caso de exercício conjunto das responsabilidades parentais, é competente o tribunal da residência daquele com quem residir a criança e se, no momento da instauração do processo a criança residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, é competente para apreciar e decidir a causa o tribunal da residência do requerente ou do requerido.
Sobre a competência internacional, dispõe o art. 59º, do CPC, que, sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.
De acordo com o art. 8º, da CRP:
1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português.
2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.
3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram diretamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respetivos tratados constitutivos.
4. As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.
À luz destas normas, quando o litígio apresente elementos de conexão com diversas ordens jurídicas, com vista a aquilatar da competência internacional importa começar por analisar se existe algum regulamento europeu ou instrumento internacional que atribua competência aos tribunais portugueses. Na hipótese negativa, importa, então, apurar se se verifica alguns dos elementos de conexão referidos nos arts. 62.º e 63.º do CPC.
À luz da primeira parte do art. 59º, do CPC, relativa a instrumentos internacionais, a decisão recorrida considerou ser aplicável a Convenção de Haia, de 19.10.1996, relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e de medidas de proteção da criança. Invocando o art. 5º, nº 1, dessa Convenção, segundo o qual as autoridades judiciais ou administrativas do Estado-Contratante da residência habitual da criança têm a jurisdição para tomar as medidas dirigidas à proteção da pessoa ou do património da criança, e considerando que a criança vive na ... com a mãe desde 2018, entendeu que a competência internacional para o processamento dos autos pertence ao tribunal suíço, e não ao tribunal português, tendo declarado a incompetência absoluta deste último para apreciar o pedido formulado.
Não acompanhamos este entendimento porquanto consideramos que esta Convenção não é aplicável à situação em apreço. Com efeito, como já supra referimos, os presentes autos respeitam a um incidente de incumprimento quanto ao pagamento da pensão de alimentos lato sensu, aqui se englobando a pensão mensal e a contribuição para as despesas médicas. Ora, de acordo com o art. 4º, al. e), a Convenção não se aplica sobre obrigações alimentícias.
A ... não é membro da União Europeia pelo que não lhe é aplicável o Regulamento (CE) 4/2009 de 18/12/2008 referente a matéria de obrigações alimentares.
Consideramos ser aplicável a Convenção de Lugano de 2007, relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, a qual vincula todos os Estados membros da União Europeia, onde se inclui Portugal, e vincula também a ....
Essa convenção aplica-se em matéria civil e comercial e independentemente da natureza da jurisdição. Porém, não abrange, as matérias fiscais, aduaneiras e administrativas (art. 1º, nº 1).
Por outro lado, são excluídos da sua aplicação:
a) O estado e a capacidade das pessoas singulares, os regimes matrimoniais, os testamentos e as sucessões;
b) As falências, as concordatas e outros processos análogos;
c) A segurança social;
d) A arbitragem (art. 1º, nº 2).
Integrando a obrigação alimentícia matéria civil e não abrangida pela exclusão do art. 1º, nº 2, é-lhe aplicável a Convenção.
Sem prejuízo do disposto na convenção, as pessoas domiciliadas no território de um Estado vinculado pela convenção devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado (art. 2º, nº 1).
As pessoas domiciliadas no território de um Estado vinculado pela convenção só podem ser demandadas perante os tribunais de outro Estado vinculado pela convenção por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do título II (art. 3º, nº 1).
De acordo com o art. 5º, nº 2, a), da secção 2 do título II, uma pessoa com domicílio no território de um Estado vinculado pela convenção pode ser demandada noutro Estado vinculado pela convenção, designadamente, e no que respeita a matéria de obrigação alimentar, no tribunal do lugar em que o credor de alimentos tem o seu domicílio ou a sua residência habitual.
Assim, e no que respeita a matéria de obrigação alimentar, tanto é possível, de acordo com a regra geral enunciada no art. 2º, nº 1, demandar o devedor no Estado onde o mesmo se encontra domiciliado, como, de acordo com a regra especial consagrada no art. 5º, nº 2, al. a), demandá-lo no tribunal do lugar em que o credor de alimentos tem o seu domicílio ou a sua residência habitual.
Trata-se de uma faculdade legal, cabendo ao credor a opção por um desses dois tribunais.
No caso em apreço, o requerido, a quem é imputado o incumprimento quanto ao pagamento da pensão de alimentos, tem domicílio em Portugal, mais concretamente em .... Consequentemente, pode ser demandado em Portugal, à luz da regra geral constante do art. 2º, nº 1 da Convenção. De onde se conclui que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para apreciar o presente incidente relativo ao incumprimento do pagamento da pensão de alimentos, de acordo com o disposto no art. 2º, nº 1 da Convenção de Lugano de 2007, conjugado com o disposto na 1ª parte do art. 59º, do CPC.
Assim sendo, o recurso procede com a consequente revogação do despacho recorrido, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso sido julgado procedente, é o recorrido responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada, porquanto é parte vencida.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida e consideram que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para a tramitação do presente incidente de incumprimento relativo ao pagamento da pensão de alimentos instaurado no Juízo de Família e Menores de Famalicão, determinando que o mesmo aí prossiga os seus ulteriores termos legais.
Custas da apelação pelo recorrido.
Notifique.
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Sumário (da responsabilidade da relatora, conforme art. 663º, nº 7, do CPC):
I - A questão da competência internacional dos tribunais portugueses para poderem conhecer/julgar determinada ação, coloca-se quando a causa, através de qualquer um dos seus elementos, tenha conexão com uma outra ordem jurídica, além da portuguesa, ou, melhor, quando determinada situação, apesar de possuir, na perspetiva do ordenamento jurídico português, uma relação com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras, apresenta também uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa, sendo que é aos tribunais portugueses que cabe aferir da sua própria competência internacional, de acordo com as regras de competência internacional vigentes.
II - A determinação da competência do tribunal para apreciar e decidir determinada ação ou incidente afere-se em função do pedido formulado pelo autor, interpretado à luz dos fundamentos em que o mesmo se apoia, ou seja, da causa de pedir que invoca, e tal como a relação jurídica é por ele delineada.
III - À luz dos arts. 8º da CRP e 59º do CPC, quando o litígio apresente elementos de conexão com diversas ordens jurídicas, com vista a aquilatar da competência internacional importa começar por analisar se existe algum regulamento europeu ou instrumento internacional que atribua competência aos tribunais portugueses. Na hipótese negativa, importa, então, apurar se se verifica alguns dos elementos de conexão referidos nos arts. 62.º e 63.º do CPC.
IV - De acordo com a Convenção de Lugano de 2007, relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, no que respeita a matéria de obrigação alimentar, tanto é possível, de acordo com a regra geral enunciada no art. 2º, nº 1, demandar o devedor no Estado onde o mesmo se encontra domiciliado, como, de acordo com a regra especial consagrada no art. 5º, nº 2, al. a), demandá-lo no tribunal do lugar em que o credor de alimentos tem o seu domicílio ou a sua residência habitual.
Trata-se de uma faculdade legal, cabendo ao credor a opção por um desses dois tribunais.
V - Os tribunais portugueses têm competência internacional para julgar um incidente relativo ao incumprimento do pagamento da pensão de alimentos que a progenitora, residente com a filha na ..., optou por intentar em Portugal contra o progenitor aqui residente.
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Guimarães, 18 de dezembro de 2024
(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) José Alberto Martins Moreira Dias
(2º/ª Adjunto/a) Gonçalo Oliveira Magalhães