INSOLVÊNCIA
COLIGAÇÃO ACTIVA DE CÔNJUGES
PLANO DE INSOLVÊNCIA
ADMISSIBILIDADE
FORMULAÇÃO CONJUNTA PELOS CÔNJUGES
CÔNJUGE TITULAR DE EMPRESA NÃO PEQUENA
Sumário


I. O plano de insolvência/recuperação assume-se como um expediente alternativo de satisfação dos interesses dos credores, face ao modelo supletivo definido na lei para o mesmo efeito.

II. É admissível a apresentação de um plano de insolvência, em caso de coligação inicial activa de cônjuges, quando, pese embora não tenha sido expressamente alegado, resulte sobejamente dos autos que um dos cônjuges foi titular de uma empresa não pequena (nomeadamente, por o passivo conjunto de ambos os cônjuges ser superior a € 300.000,00), nos últimos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. Em 03 de Fevereiro de 2024 AA e mulher, BB, residentes na Rua ..., em ..., intentaram um processo especial de insolvência, pedindo que:

· fosse recebido o plano de pagamentos que simultaneamente apresentaram, para aprovação pelos respectivos credores, determinando-se a suspensão do processo de insolvência até à decisão sobre o mesmo;
· (subsidiariamente, no caso do plano de pagamentos não vir a ser aceite pelos seus credores) fossem declarados insolventes, concedendo-se-lhes ainda o benefício de exoneração do passivo restante.

Alegaram para o efeito, em síntese, serem casados entre si, ser o Requerente (AA) reformado e sócio gerente de EMP01... Unipessoal, Limitada, encontrar-se a Requerente (BB) desempregada, e terem pendentes contra si diversas execuções.
Mais alegaram não terem rendimentos para cumprirem os compromissos assumidos (nomeadamente, em benefício da Sociedade referida), pese embora possuíssem património para satisfazer o respectivo passivo (que discriminaram), pretendendo com o plano de pagamentos apresentado evitar o agravamento da respectiva situação económico-financeira e pagar aos seus credores através dos autos.
Alegaram, por fim, reunirem condições para lhes ser concedido o benefício da exoneração do passivo restante.

1.1.2. Em 12 de Fevereiro de 2024 foi proferido despacho (que aqui se dá por integralmente reproduzido), declarando suspenso o processo de insolvência até ao trânsito em julgado da decisão a proferir (de homologação, ou de não homologação) sobre o plano de pagamentos, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Atento o plano de pagamento junto pelos devedores e nos termos do art. 255º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, suspendo o presente processo de insolvência até ao trânsito em julgado da decisão que homologar ou não homologar aquele plano de pagamentos.

*
Desentranhe o plano de pagamentos e autue-o por apenso, dando inicio ao incidente de Aprovação de Plano de Insolvência.
Aí, cumpra o disposto no art. 256º, nºs 1 e 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
(…)»

1.1.3. Em 18 de Março de 2024, tendo sido tramitado em apenso próprio (Apenso A) o dito de plano de pagamentos, Banco 1..., S.A. - Sucursal em Portugal veio reclamar o seu crédito sobre ambos os Requerentes (AA e mulher, BB), afirmando ser o mesmo, em 13 de Fevereiro de 2023, de € 307.800,88.
 
1.1.4. Em 23 de Maio de 2024, no Apenso A, tendo sido recusado o plano de pagamentos pelos credores dos Requerentes (AA e mulher, BB), foi proferida sentença (que aqui se dá por integralmente reproduzida), considerando-o não aprovado e cessada a suspensão do processo de insolvência, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Posto isto, verifica-se que o plano de pagamentos não foi aceite por credores cujos créditos representem mais de dois terços do valor total dos créditos relacionados pelos devedores, pelo que no presente caso sequer pode haver lugar ao suprimento da aprovação dos credores a que alude o artigo 258º do CIRE.
Face à recusa do plano de pagamentos pelos credores, considera-se não aprovado o plano de pagamentos, cessa a suspensão do processo de insolvência e são retomados os termos do processo de insolvência nos termos do artigo 262.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com a prolação de sentença de declaração de insolvência.
Termos em que declaro não aprovado o plano de pagamentos e determino a cessação da suspensão do processo de insolvência.
Registe e notifique.
(…)»

1.1.5. Em 07 de Junho de 2024 foi proferida sentença (que aqui se dá por integralmente reproduzida), declarando a insolvência dos Requerentes (AA e mulher, BB), fixando em 30 dias o prazo de reclamação de créditos e dispensando a realização da assembleia de credores, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Considerando assim o desfecho do referido incidente, afigura-se-nos concluir pela impossibilidade dos devedores em fazer face às suas obrigações e proceder ao pagamento das quantias em dívida. Donde, se impõe concluir que os devedores não têm possibilidade de cumprirem com as obrigações que assumiram. Fazendo agora o juízo de prognose atrás referido, considera o Tribunal que a factualidade vertida nos autos é suficiente, indicando a impossibilidade actual e generalizada dos devedores de cumprir pontualmente as suas obrigações vencidas. Perante a matéria fáctica supra elencada, impõe-se a afirmação do estado de insolvência.

Assim, declaro AA e BB, ambos residentes na Rua ..., ... ..., ..., insolventes.
(…)
*
Considerando que não é previsível a apresentação de plano de insolvência e que não foi requerido que a administração da insolvente seja efectuada pelo devedor, não se vislumbrando utilidade prática na realização de assembleia de credores, tanto mais que o mesmo objectivo será alcançado permitindo a intervenção processual por escrito, dispenso a realização de assembleia de credores - art. 36º, nº 1, al. n) do CIRE.
Deverá o(a) senhor(a) Administrador(a) da Insolvência apresentar o relatório a que se refere o art. 155º do CIRE no prazo de 45 dias após a prolação desta sentença.
Caso o mesmo não seja junto no prazo definido, desde já determino que se notifique o(a) senhor(a) Administrador(a) da Insolvência a fim de proceder a tal junção no prazo de 5 dias, justificando o seu atraso.
Junto o relatório a que se refere o art. 155º do CIRE, deve o mesmo ser notificado aos credores, bem como ao(s) insolvente(s), a fim de se poderem pronunciar, em 10 dias, devendo após ser aberta conclusão nos autos.
(…)»

1.1.6. Em 17 de Junho de 2024 o Insolvente (AA) apresentou um requerimento (que aqui se dá por integralmente reproduzido), onde pediu que fosse designado dia para realização da assembleia de credores e lhe fosse concedido o prazo de 10 dias para apresentar um plano de insolvência, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
1. Por sentença data de 7 de junho de 2024, foi o ora requerente declaro insolvente.

2. Sendo que, foi nomeado senhor administrador de insolvência correndo prazos conforme decorre do artigo 128 e seguintes do CIRE,

3. Sucede que, e de acordo com o artigo 36º nº 2, a não realização da assembleia de credores não se aplica nos casos em que for requerida a exoneração do passivo restante pelo devedor no momento da apresentação à insolvência e no caso de ser previsível a apresentação de um plano de insolvência ou ainda que se determine a administração da insolvência seja efetuada pelo devedor.

4. Ora, nos termos do nº1 do artigo 193º do CIRE, podem apresentar proposta de plano de insolvência o administrador da insolvência, o devedor, qualquer pessoa que responda legalmente pelas dívidas da insolvência e qualquer credor ou grupo de credores cujos créditos representem pelo menos um quinto do total dos créditos não subordinados reconhecidos na sentença de verificação e graduação de créditos ou na estimativa do juiz, se tal sentença ainda não tiver sido proferida;

5. Caberá ao juiz, nos termos do disposto no art.º 207º do CIRE, sindicar a seriedade das propostas, excluindo-as sempre que se configurem como meros expedientes dilatórios;

6. Não existe qualquer norma que impeça os credores de, ao longo do processo, apresentar uma proposta de plano de insolvência, desde que de conteúdo e estrutura diferentes daquela que anteriormente não foi aprovada;

7. As normas do CIRE apontam no sentido da possibilidade de apresentação de mais que uma proposta de plano de insolvência:

8. Sendo que, o art. 192º, nº1 refere que o pagamento dos créditos, a liquidação da massa insolvente e a sua repartição podem ser regulados num plano de insolvência; já o artigo 193º nº 1 dispõe que podem apresentar proposta de plano de insolvência o administrador de insolvência, o devedor, qualquer pessoa… e qualquer credor…

9. Como resulta do nº3 do art. 24º do CIRE, a apresentação pelo devedor do plano de insolvência pode ter lugar na petição inicial, mas também num momento processual posterior não expressamente regulamentado, pelo que, representando aquele uma forma de Auto composição de interesses, a oportunidade da sua apresentação apenas cessa quando os atos de liquidação ou partilha (já efetivada) impossibilitem, na prática ou em termos jurídicos, a sua execução.

10. Atenta a importância atribuída pelo legislador à eventual recuperação das pessoas individuais como a empresas e posto que o próprio administrador da insolvência se pode opor a propostas de planos de insolvência que sejam manifestamente inexequíveis ou cuja aprovação seja manifestamente inverosímil (als. b) e c) do nº1 do art. 207º do CIRE), é de considerar que tal rejeição apenas pode ocorrer nos casos previstos nesse preceito.”

11. Com efeito, mostra-se imperioso, nos termos e para os efeitos do artigo 156º do CIRE, seja designada assembleia de credores, e seja concedido o prazo de 10 dias para apresentação de novo plano de insolvência.
(…)»

1.1.7. Em 12 de Julho de 2024 foi proferido despacho, indeferindo a concessão de prazo para apresentação de um plano de insolvência, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
A primeira dificuldade apresentada pelo requerido é a de que apesar da presente insolvência se referir a ambos os cônjuges, somente o devedor AA veio requerer o prazo de 10 dias para apresentação de um plano de insolvência.
Acresce que foi alegado na p.i. que o requerente marido é reformado e a esposa atualmente encontra-se desempregada.
No que diz respeito ao requerente marido além de reformado, é ainda este sócio e gerente na sociedade EMP01... Unipessoal Lda., sendo tal sociedade do ramo de confeção de artigos têxteis de interiores e exteriores.
Não foi alegado, nem resulta dos autos que os devedores insolventes sejam, ou tenham sido, empresários nos últimos três anos de uma grande empresa, situações às quais seria aplicável a possibilidade de apresentação de um plano de insolvência, como decorre, pela negativa, do regime previsto nos artigos 249.º e 250.º do CIRE.
Por essa razão está-lhe vedada a possibilidade de apresentação de plano de insolvência a que aludem os artigos 192.º e seguintes do CIRE.
Nos termos do que dispõe o art. 250º, quando os devedores forem pessoas singulares, a tais processos não são aplicáveis as disposições dos títulos IX e X, referentes ao plano de insolvência e à administração pelo devedor, respetivamente.
Assim, nestes processos, estando em causa a insolvência de uma pessoa singular, que não seja empresária ou que seja titular de uma pequena empresa, está vedada a possibilidade de ser apresentado um plano de insolvência.
Conforme é referido no AC. TRC, de 13-09-2016, processo 1497/13.4TBLRA-A.C1, disponível em www.dgsi.pt, “A qualidade de sócio, gerente ou administrador de uma sociedade comercial não equivale à titularidade de qualquer empresa.”
Em igual sentido, o ac. TRC, de 13-10-2015, processo 996/15.8T8LRA-E.C1, em www.dgsi.pt, “A qualidade de sócio, gerente ou administrador de uma sociedade comercial não equivale à titularidade de qualquer empresa e, como tal, o sócio gerente de uma sociedade, sendo pessoa singular e não tendo sido (ele próprio e em nome individual) titular da exploração de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, fica sujeito ao regime aplicável aos devedores não empresários (cfr. art. 249º do CIRE), não podendo apresentar um plano de insolvência e apenas lhe sendo permitida a apresentação de um plano de pagamento aos credores.”
Em face do exposto, por inadmissibilidade legal, indefiro o requerido prazo para apresentação de um plano de insolvência pelo devedor insolvente.
Notifique.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformada com esta decisão, o Insolvente (AA) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse revogada e se desse «aos Recorrentes a possibilidade de apresentarem um plano de insolvência e seja determinado a marcação de assembleia de credores».

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões):

I. O meritíssimo juiz indefere o pedido requerido pelo insolvente, no que concerne ao pedido de prazo para apresentação de plano de insolvência, omitindo ainda a pronúncia quanto ao pedido de assembleia de credores nos termos do artigo 36º do CIRE.

II. Ora com tal decisão não pode o recorrente concordar senão vejamos;

III. A apresentação de plano de insolvência pelos Recorrentes é admissível, conforme resulta a contrário dos artigos 249.º e ss. do CIRE;

IV. Nos artigos 249.º e ss. do CIRE estão previstas as disposições específicas para insolvência de quem não sejam empresários e titulares de pequenas empresas, prevendo o artigo 250.º a inadmissibilidade de plano de insolvência nesses casos;

V. Para se apurar a aplicabilidade das referidas disposições legais, é necessário a verificação de um dos seguintes requisitos: devedor não tiver sido titular de exploração de qualquer empresa nos 3 anos antes do início do processo de insolvência, conforme artigo 249.º, n.º 1, a) do CIRE; o devedor seja titular de pequena empresa, sendo que é considerado titular de pequena empresa quem se encontre nas situações no artigo 249.º, n.º 1, b) do CIRE;

VI. No caso em apreço, os Recorrentes são titulares de empresa nos 3 anos anteriores ao processo de insolvência, pelo que é inaplicável o artigo 249.º, n.º 1, a) do CIRE;

VII. Resulta também do próprio processo de insolvência, que os Recorrentes têm um passivo superior a € 300.000,00. O que determina a inaplicabilidade do artigo 249.º, n.º 1, alínea b) do CIRE.

VIII. Atendendo ao disposto, não se verificando as hipóteses legais a que alude o artigo 249.º do CIRE, conclui-se que são inaplicáveis as disposições do capítulo II do CIRE, referente a "Insolvências de não empresários e titulares de pequenas empresas ";

IX. A aplicabilidade de tais disposições legais depende da verificação das seguintes situações a que alude o artigo 249.º do CIRE, a saber: não ter sido o insolvente titular de exploração de qualquer empresa nos 3 anos anteriores ao início do processo de insolvência - artigo 249.º, n.º 1, a) do CIRE; ser o insolvente titular de pequena empresa, sendo a noção de pequena empresa a que resulta do artigo 249.º, n.º 1, b) do CIRE e depende da verificação de todos os elementos que constam das suas subalíneas. Sendo que a redação desta alínea conduz claramente no sentido dos elementos constantes das subalíneas serem de verificação cumulativa.

X. Pelo que não podemos considerar que são titulares de pequena empresa, tal como esta é definida no referido preceito legal.

XI. Sendo os recorrentes empresários nos 3 anos anteriores ao processo de insolvência e não sendo titulares de pequena empresa, são inaplicáveis as disposições do capítulo do CIRE, referente "Insolvências de não empresários e titulares de pequenas empresas."

XII. Pelo que é admissível a apresentação de um plano de insolvência.

XIII. Pelo que, em consonância com os princípios da adequação formal e da cooperação, deve ser admitido tal plano de pagamentos; nos termos do disposto no artigo 192º e seguintes do CIRE.

XIV. O que no presente caso a meritíssima juiz a quo não teve em consideração.

XV. Demais, será ainda de ter consideração, que no despacho ora recorrido a meritíssima juiz por omissão não se pronunciou acerca do pedido de marcação de assembleia de credores,

XVI. A omissão de pronúncia é um vício gerador de nulidade da decisão judicial que ocorre quando o tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer motivo ou argumento aduzido pelas partes.

XVII. A pronúncia cuja omissão releva incide, assim, sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objeto que é submetido à cognição do tribunal, correspondendo aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir (ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir) e não aos motivos ou às razões alegadas.

XVIII. Esta norma está em correlação com o art.º 608º, nº 2, do Código de Processo Civil. O juiz tem que resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sob pena de omissão de pronúncia.

XIX. Além dessas só aprecia e decide aquelas cujo conhecimento a lei lhe imponha ou permita.

XX. A nulidade invocada há de resultar da violação do referido dever.

XXI. Tal causa de nulidade consiste no facto de a decisão não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer.

XXII. Quanto a este aspeto e como é consabido, tem constituído posição pacífica na doutrina a que vai no sentido de relacionar este vício da sentença com o dispositivo do art.º 608º do C.P.C., designadamente, com o seu nº 2, havendo, assim, de, por ele, ser integrado.

XXIII. Daí que se possa afirmar que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida não ter tido aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão.

XXIV. E, assim sendo, óbvio resulta que o conceito (questões) terá ser considerado num sentido amplo, ou seja, englobando tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das exceções e da causa de pedir e às controvérsias que sobre elas as partes hajam suscitado.

XXV. Pelo que, à evidência se conclui que nele se não materializa qualquer análise desta questão suscitada pelos Recorrentes, resultando, assim, com linear clareza, uma efetiva omissão que, obviamente, acarreta a nulidade de tal despacho, por omissão de pronúncia, nos termos do n.º 1, do artigo 615.º e do n.º 3, do artigo 613.º, ambos do CPC.

XXVI. E assim sendo, dúvidas não restam, pois, de que, em face do estatuído no artigo 615, nº 1, alínea d), do C.P.C., o despacho ora recorrido se encontra afetado por vícios que originam a sua nulidade, com fundamento em omissão de pronúncia.

XXVII. A nossa jurisprudência tem sido clara, conforme se verifica pelo Acórdão da Relação de Guimarães de 5-04-2018 sobre os autos de processo nº 938/15.0T8VRL-A.G1, disponível em www.dgsi.pt, “A nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não ter tido aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão”.

XXVIII. Este entendimento é o único compatível com os princípios da adequação formal e da cooperação, os quais se encontram constitucionalmente tutelados pelos princípios do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consignados no art.º 20.º da Constituição.

XXIX. Ora o despacho recorrido viola os princípios da adequação formal e da cooperação, os quais se encontram constitucionalmente tutelados pelos princípios do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consignados no art.º 20.º da Constituição.

XXX. Termos em que deve ser revogado o douto despacho, por nulo, sendo, consequentemente, concedida aos Recorrentes a possibilidade de apresentarem um plano de insolvência e seja determinado a marcação de assembleia de credores.
*
1.2.2. Contra-alegações
Não foram juntas quaisquer contra-alegações.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [1].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
*
2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

2.2.1. Identificação das questões
Mercê do exposto, e do recurso interposto pelo Insolvente (AA) duas questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem:

1.ª - É o despacho recorrido nulo, por ter deixado de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar (subsumindo-se desse modo ao disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d), I parte, do CPC) ?

2.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do direito, por existir fundamento legal permitindo a apresentação pelo Insolvente (AA) de um plano de insolvência (e ao contrário do que o dito Tribunal ajuizou) ?
*
2.2.2. Ordem do seu conhecimento
Lê-se no art.º 663.º, n.º 2, do CPC, que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º».
Mais se lê, no art.º 608.º, n.º 2, do CPC, que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Ora, tendo sido invocada pelo Recorrente (AA) a nulidade da decisão proferida pelo Tribunal a quo (vício que, a verificar-se, obsta à sua validade), deverá a mesma ser conhecida de imediato, e de forma prévia à remanescente questão objecto aqui de sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento da mesma [3].
*
III - QUESTÃO PRÉVIA
           
3.1. Nulidades da decisão judicial versus Erro de julgamento
As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou à sua validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art.º 615.º, do CPC [4].
*
3.2. Nulidades da decisão judicial
3.2.1.1. Omissão de pronúncia
Lê-se no art.º 615.º, n.º 1, al. d), I parte, do CPC, e no que ora nos interessa, que «é nula a sentença [5]quando»:

. omissão de pronúncia - «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar».

Em coerência, e de forma prévia, lê-se no art.º 608.º, n.º 2, do CPC, que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Há, porém, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver): «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra Editora, pág.143, com bold apócrifo).
Ora, as questões postas, a resolver, «suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)» (Alberto dos Reis, op. cit., pág. 54). Logo, «as “questões” a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões» (Ac. do STJ, de 16.04.2013, António Joaquim Piçarra, Processo n.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1); e não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (a estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido).
Por outras palavras, as «partes, quando se apresentam a demandar ou a contradizer, invocam direitos ou reclamam a verificação de certos deveres jurídicos, uns e outros com influência na decisão do litígio; isto quer dizer que a «questão» da procedência ou improcedência do pedido não é geralmente uma questão singular, no sentido de que possa ser decidida pela formulação de um único juízo, estando normalmente condicionada à apreciação e julgamento de outras situações jurídicas, de cuja decisão resultará o reconhecimento do mérito ou do demérito da causa. Se se exige, por exemplo, o cumprimento de uma obrigação, e o devedor invoca a nulidade do título, ou a prescrição da dívida, ou o pagamento, qualquer destas questões tem necessariamente de ser apreciada e decidida porque a procedência do pedido dependa da solução que lhes for dada; mas já não terá o juiz de, em relação a cada uma delas, apreciar todos os argumentos ou razões aduzidas pelos litigantes, na defesa dos seus pontos de vista, embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes, como se dizia na antiga prática forense» (Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, Almedina, Lisboa, pág. 228, com bold apócrifo).
Logo, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado [6].
Esta nulidade só ocorrerá, então, quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das «razões» ou dos «argumentos» invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo contudo da questão (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287, com bold apócrifo).
*
Já, porém, não ocorrerá a dita nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra (Ac. do STJ, de 03.10.2002, Araújo de Barros, Processo n.º 02B1844). Compreende-se que assim seja, uma vez que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui (Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo n.º 00A3277).

Igualmente «não se verifica a nulidade de uma decisão judicial - que se afere pelo disposto nos arts. 615.º (sentença) e 666.º (acórdãos) - quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou» (Ac. do STJ, de 20.03.2014, Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 1052/08.0TVPRT.P1.S1).
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3.2.1.2. Dispensa de realização da assembleia de credores
Lê-se no art.º 36.º, n.º 1, al. n), do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas [7], que, na «sentença que declarar a insolvência, o juiz» designa «dia e hora, entre os 45 e os 60 dias subsequentes, para a realização da reunião da assembleia de credores aludida no artigo 156.º, designada por assembleia de apreciação do relatório, ou declara, fundamentadamente, prescindir da realização da mencionada assembleia».
Mais se lê, no n.º 2 do art.º 36.º citado, que o «disposto na parte final da alínea n) do número anterior não se aplica nos casos em que for previsível a apresentação de um plano de insolvência ou em que se determine que a administração da insolvência seja efetuada pelo devedor».
Logo, a realização da assembleia de credores para apreciação do relatório previsto no art.º 156.º do CIRE (elaborado pelo administrador da insolvência) é obrigatória quando seja previsível a apresentação de um plano de insolvência, ou quando se determine que a administração da insolvência seja efectuada pelo devedor.
Recorda-se, a propósito, que a administração da insolvência pelo devedor pressupõe que «na massa insolvente esteja compreendida uma empresa» (art.º 223.º do CIRE); e que, na «sentença declaratória da insolvência o juiz pode determinar que a administração da massa insolvente seja assegurada pelo devedor» quando, cumulativamente, sendo o devedor o requerente da insolvência, «a tenha requerido», «tenha já apresentado, ou se comprometa a fazê-lo no prazo de 30 dias após a sentença de declaração de insolvência, um plano de insolvência que preveja a continuidade da exploração da empresa por si próprio», e não «haja razões para recear atrasos na marcha do processo ou outras desvantagens para os credores» (art.º 234.º, n.º 1 e n.º 2, do CIRE).
Compreende-se, por isso, que se afirme que, em «boa verdade», a segunda «situação determinante da obrigatoriedade da reunião da assembleia, tal como referenciada na parte final do n.º 2, não tem autonomia face à que se indica em» primeiro lugar: «como se vê do art.º 224.º, n.º 2, pressuposto essencial para que o juiz possa, na sentença declaratória, conferir a administração da massa ao devedor é que ele tenha já apresentado, ou se comprometa a fazê-lo em curto prazo um plano de insolvência - ex vi da al. b). Temos pois que, sempre se observa - porventura até por excesso se o plano já estiver apresentado ao tempo da prolação da sentença - a referida» primeira «situação que implica a necessidade de convocação da assembleia».
Contudo, «pode haver indícios de posterior apresentação do plano sem que a administração tenha sido atribuída ao devedor, como, v.g., sucederá em que o processo seja promovido por um credor com indicação da intenção de procurar e propor soluções alternativas à liquidação universal, mesmo quando em razão das circunstâncias concretas, o requerente suscita - e até veja deferidas - medidas cautelares ao abrigo dos art.ºs 32.º e segs.» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, págs. 259 e 260, com bold apócrifo).

Já nos demais casos (que não de previsibilidade da apresentação de um plano de insolvência ou de administração da insolvência pelo devedor) o juiz tem a faculdade de prescindir da sua realização, desde que o faça de forma fundamentada, nomeadamente indicando as razões que alicerçam esse seu juízo na própria sentença que declara a insolvência.

Lê-se ainda, no n.º 3 do citado art.º 36.º, que, nos «casos em que não é designado dia para realização da assembleia de apreciação do relatório, nos termos da alínea n) do n.º 1, e qualquer interessado, no prazo para apresentação das reclamações de créditos, requeira ao tribunal a sua convocação, o juiz designa dia e hora, entre os 45 e os 60 dias subsequentes à sentença que declarar a insolvência, para a sua realização».
Logo, ainda que o juiz tenha, de acordo com a lei, dispensado a realização da assembleia de credores, poderá a mesma ter de ser afinal realizada, bastando para o efeito que qualquer interessado o requeira, desde que o faça no prazo fixado para a reclamação de créditos.
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3.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, tendo sido proferida em 07 de Junho de 2024 sentença a declarar a insolvência dos Requerentes (AA e mulher, BB), e fixado na mesma o prazo de 30 dias para reclamação de créditos, se dispensou a convocação da assembleia de credores para apreciação do relatório que viesse a ser apresentado pelo administrador da insolvência, previsto no art.º 156.º do CIRE.
Mais se verifica que essa dispensa foi fundamentada no facto de não se verificarem nos autos as duas situações que tornariam a dita assembleia obrigatória, isto é, não ser  «previsível a apresentação de plano de insolvência» e não ter sido «requerido que a administração da insolvente seja efectuada pelo devedor», considerando-se, por isso, não existir «utilidade prática na realização de assembleia de credores, tanto mais que o mesmo objectivo será alcançado permitindo a intervenção processual por escrito».
Verifica-se ainda que, tendo o Insolvente (AA) em 17 de Junho de 2024 apresentado um requerimento, onde pediu que fosse designado dia para realização da assembleia de credores antes dispensada, fê-lo esclarecendo pretender apresentar nos 10 dias seguintes um plano de insolvência.
Por fim, verifica-se que o Tribunal a quo proferiu despacho, considerando ser indemissível a apresentação de qualquer «plano de insolvência pelo devedor insolvente»; e nada referiu quanto ao pedido de realização da assembleia de credores.
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não se considera que, desse modo, tenha incorrido numa qualquer omissão de pronúncia.

Com efeito, face ao teor do requerimento do Insolvente (AA), verifica-se que este formulou a sua concreta pretensão de realização de uma assembleia de credores exclusivamente por referência à sua intenção de apresentar, em 10 dias, um plano de insolvência.
Ora, tendo o Tribunal a quo decidido que o dito plano de insolência era alegadamente inadmissível, do mesmo modo passo considerou prejudicado o conhecimento e/ou decisão do pedido de realização de uma assembleia de credores destinada à apreciá-lo, fazendo-o, não de forma directa e expressa, mas sim de forma indirecta e tácita (ao resultar precisamente da ponderação da sua prévia decisão).
Dir-se-á, ainda, que a eventual incorreção do juízo do Tribunal a quo sobre a possibilidade de apresentação de um plano de insolvência é irrelevante para se verificar a existência ou inexistência da alegada nulidade por omissão de pronúncia, dando apenas lugar, se verificada, à devolução ao mesmo da apreciação da questão a cujo conhecimento deixou então de se poder ter por prejudicado
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Concluindo, improcede a arguição de nulidade (por omissão de pronúncia) feita pelo Recorrente (AA) ao despacho recorrido.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da remanescente (segunda) questão enunciada encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

5.1. Plano de insolvência/recuperação
5.1.1. Definição
Lê-se no art.º 1.º, n.º 1, do CIRE, que o «processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores».
Estabeleceu-se, deste modo, uma nova ordem de valores para o processo de insolvência, com pretendida prevalência de um plano de insolvência, face ao regime legal supletivo [8].
De forma conforme, lê-se no art.º 192.º, do CIRE, que o «pagamento dos créditos sobre a insolvência, a liquidação da massa insolvente e a sua repartição pelos titulares daqueles créditos e pelo devedor, bem como a responsabilidade do devedor depois de findo o processo de insolvência, podem ser regulados num plano de insolvência em derrogação das normas do presente Código».
Dir-se-á que, sobrevindo o plano de insolvência à declaração desta, assume-se aquele como um expediente alternativo de satisfação dos credores - e não como um mecanismo, proprio sensu, de recuperação do insolvente -, face à liquidação universal do seu património, enquanto, modelo supletivo definido na lei para acorrer aos interesses daqueles primeiros [9].

Mais se lê, no art.º 195.º, n.º 1, do CIRE, que o «plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência». Com efeito, e de acordo com o art.º 196.º, n.º 1, do CIRE, o  mesmo «pode, nomeadamente, conter as seguintes providências com incidência no passivo do devedor: a) O perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, com ou sem cláusula ‘salvo regresso de melhor fortuna’; b) O condicionamento do reembolso de todos os créditos ou de parte deles às disponibilidades do devedor; c) A modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro dos créditos; d) A constituição de garantias; e) A cessão de bens aos credores».

Precisa-se, porém, que não existe qualquer tipicidade legal, quando ao conteúdo do dito plano de insolvência, que se caracteriza maioritariamente pela sua liberdade, mercê do que seja entendido como mais ajustado à tutela dos credores que o aprovem [10].
Compreende-se, por isso, que se afirme que se trata, «por conseguinte, de um regime especial, que, numa perspetiva de autocomposição, assente num negócio jurídico atípico, visa privilegiar a vontade dos credores quanto ao modo como pretendem ver protegidos os seus interesses e satisfeitos os seus direitos de crédito» (Marco Carvalho Gonçalves, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, Outubro de 2023, pág. 531).
Ora, dentro desta larga margem de liberdade, o plano de insolvência «é susceptível de impor aos credores uma compressão generalizada e grave das suas faculdades típicas: pode afectar a esfera jurídica dos interessados e interferir com os direitos de terceiros independentemente do seu consentimento - desde que a lei o autorize expressamente (artº 192 nº 2 do CIRE). Pode, por isso, por exemplo, sujeitar um credor a um tratamento mais desfavorável sem necessidade de consentimento expresso - dado que é suficiente o consentimento tácito (artº 194 nº 2 do CIRE).
Pode mesmo afectar créditos públicos - créditos do Estado, das Instituições de Segurança Social e de outras públicas, sujeitos a regimes especiais (artº 196 nº 2, a silentio). O regime compreende-se: o plano é uma convenção, um negócio jurídico processual - mas um negócio jurídico outro, específico do Direito de Insolvência, a qual a lei atribui uma força jurídica especial de afectação de direitos» (Ac. da RC, de 17.03.2015, Henrique Antunes, Processo n.º 338/13.7TBOFR-A.C1).
Recorda-se, a propósito, que se lê no art.º 217.º, n.º 1, do CIRE, que, com a sentença de homologação da deliberação da assembleia de credores que aprove o plano de insolvência, «produzem-se as alterações dos créditos sobre a insolvência introduzidas pelo» mesmo, «independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou verificados». Esta produção, ipso iure, das alterações de tais créditos (v.g. valor exigível, prazo de pagamento, e/ou garantias), consubstancia mesmo um dos efeitos mais relevantes do comum dos planos de insolvência/recuperação.
O «papel do juiz neste processo» é, ainda assim, «muito restrito, porquanto o legislador faz radicar a defesa daquele interesse público, em que se traduz a saúde da economia», precisamente «na primazia da vontade da maioria qualificada dos credores, confiando quase plenamente, nestes e no administrador judicial» (Ac. de 10.03.2015, Alexandre Reis, Processo n.º 36/14.4TBOLR.C1).

Por fim, lê-se no art.º 192.º, n.º 3, do CIRE, que o «plano que se destine a prover à recuperação do devedor designa-se plano de recuperação, devendo tal menção constar em todos os documentos e publicações respeitantes ao mesmo».
Neste último caso, o plano de insolvência visa a finalidade de recuperação da empresa, «mesmo se não se verifica a condição natural de aplicabilidade das providências de recuperação (a viabilidade da empresa) e, correspectivamente», permite «que o processo (supletivo) de insolvência siga o seu curso e a liquidação tenha lugar não obstante ela se verificar» (Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, pág. 328).
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5.1.2. Legitimidade para apresentar
Lê-se no art.º 193.º, n.º 1, do CIRE que podem «apresentar proposta de plano de insolvência o administrador da insolvência, o devedor, qualquer pessoa que responda legalmente pelas dívidas da insolvência e qualquer credor ou grupo de credores cujos créditos representem pelo menos um quinto do total dos créditos não subordinados reconhecidos na sentença de verificação e graduação de créditos, ou na estimativa do juiz, se tal sentença ainda não tiver sido proferida».
Logo, e latamente, qualquer interessado no processo de insolvência pode apresentar um plano de insolvência, faculdade que é também extensível ao administrador da insolvência.

Contudo, o art.º 193.º do CIRE terá de ser lido em conjugação com os art.ºs 249.º e 250.º do CIRE, afirmando-se neste último que aos «processos de insolvência abrangidos pelo presente capítulo não são aplicáveis as disposições dos títulos IX e X», respectivamente dedicados ao plano de insolvência e à administração da mesma pelo devedor.
O âmbito do dito capítulo é definido precisamente pelo art.º 249.º citado, onde se lê que o «disposto neste capítulo [II, dedicado à insolvência de não empresários e titulares de pequenas empresas] é aplicável se o devedor for uma pessoa singular, e, em alternativa:
a) Não tiver sido titular da exploração de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência;
b) À data do início do processo:
i) Não tiver dívidas laborais;
ii) O número dos seus credores não for superior a 20;
iii) O seu passivo global não exceder (euro) 300000».
Logo, considera-se não empresário a pessoa singular que não tenha sido titular de qualquer empresa nos três anos anteriores no início do processo de insolvência, sendo o conceito de empresa fornecido pelo art.º 5.º do CIRE [11]; e sendo irrelevante o tipo de actividade por ela exercida.
Já como pequeno empresário considera-se a pessoa singular que tenha um passivo com características e dimensão próprias (isto é, não inclua créditos laborais, não tenha mais de 20 credores e não seja superior a € 300.000,00). Quer num caso, quer noutro, podendo a pessoa singular não empresária, ou pequena empresária, beneficiar da apresentação de um plano de pagamentos, não lhe é permitida à partida a apresentação de um plano de insolvência.

Lê-se ainda, no n.º 2 do art.º 249.º citado, que, apresentando-se «ambos os cônjuges à insolvência, ou sendo o processo instaurado contra ambos, nos termos do artigo 264.º, os requisitos previstos no número anterior devem verificar-se relativamente a cada um dos cônjuges».
Logo, estando-se perante uma coligação inicial de cônjuges (por iniciativa dos próprios ou de terceiro), para que se tenha por excluída a possibilidade de apresentação por eles de um plano de insolvência, exige-se que nenhum dos dois tenha sido titular de uma empresa no período em referência.
Precisa-se, porém, que, para este efeito, a «qualidade de sócio, gerente ou administrador de uma sociedade comercial não equivale à titularidade de qualquer empresa» (Ac. da RC, de 13.09.2016, Maria Domingas Simões, Processo n.º 1497/13.4TBLRA-A.C1); e, por isso, o «sócio, gerente ou administrador de uma sociedade comercial (…), sendo pessoa singular e não tendo sido (ele próprio e em nome individual) titular da exploração de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, fica sujeito ao regime aplicável aos devedores não empresários (cfr. art. 249º do CIRE), não podendo apresentar um plano de insolvência e apenas lhe sendo permitida a apresentação de um plano de pagamento aos credores» (Ac. da RC, de 13.10.2015, Catarina Gonçalves, Processo n.º 996/15.8T8LRA-E.C1).
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5.1.3. Oportunidade de apresentação
Lê-se no art.º 24.º, n.º 3, do CIRE que, sem «prejuízo de apresentação posterior, nos termos do disposto nos artigos 223.º e seguintes, a petição [de apresentação à insolvência] apresentada pelo devedor pode ser acompanhada de um plano de insolvência».
Logo, não obstante o devedor que se apresente à insolvência possa apresentar desde logo um plano de insolvência, não o fazendo então, não fica precludida a possibilidade de o apresentar mais tarde, no decurso do processo [12].

Mais se lê, no art.º 155.º, n.º 1, al. c), do CIRE, que o «administrador da insolvência elabora um relatório contendo» a «indicação das perspectivas de manutenção da empresa do devedor, no todo ou em parte, da conveniência de se aprovar um plano de insolvência, e das consequências decorrentes para os credores nos diversos cenários figuráveis».
Logo, embora da lei «não resulte a obrigatoriedade de apresentação de uma proposta , mesmo quando entenda que  a opção por um plano de insolvência consubstancia a alternativa mais propícia à tutela dos interesses dos credores, o administrador deve sempre, no seu relatório, pronunciar-se sobre as vantagens de seguir por esse caminho, o que, aliás, ganha mais acuidade no caso de existência de uma empresa no património do devedor, cujas perspectiva de manutenção ela deve então também indicar» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 709).

Lê-se ainda, no art.º 156.º do CIRE, que se «a assembleia [de credores de apreciação do relatório] cometer ao administrador da insolvência o encargo de elaborar um plano de insolvência pode determinar a suspensão da liquidação e partilha da massa insolvente» (n.º 3); e a «assembleia pode, em reunião ulterior, modificar ou revogar as deliberações tomadas» (n.º 6).
 De forma conforme, lê-se no art.º 193.º do CIRE, que o «administrador da insolvência deve apresentar em prazo razoável a proposta de plano de insolvência de cuja elaboração seja encarregado pela assembleia de credores» (n.º 2); e, não sendo a proposta de sua iniciativa, o «administrador elabora a proposta de plano de insolvência em colaboração com a comissão de credores, se existir, com a comissão ou representantes dos trabalhadores e com o devedor, devendo conformar-se com as directrizes que tenham sido aprovadas em assembleia de credores» (n.º 3).
Logo, tenha, «ou não, o administrador adiantado, de imediato, alguma proposta, a assembleia de credores pode, logo na reunião de apreciação do relatório, a que se refere o indicado art.º 156.º, deliberar cometer-lhe o encargo de elaborar um plano, seja fazendo-o ex novo, na eventualidade de ainda nada existir, seja ajustando ou modificando o que inicialmente tiver proposto em função de directrizes aprovadas pela própria assembleia»; e pode, inclusivamente, «a assembleia de apreciação do relatório declinar a opção de elaboração de um plano, vindo posteriormente a seguir outro caminho, revogando, se necessário, a deliberação anterior.
Isto significa que não há, em termos processuais, um momento próprio e exclusivo para a assembleia de credores decidir equacionar ou mesmo enveredar pelo caminho de alternativa à liquidação universal da massa insolvente segundo o modelo supletivo da lei» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 709).

Sendo assim, e por identidade de razão (tanto mais que o plano de insolvência não se dirige exclusivamente a empresas e pode, simplesmente, consubstanciar a escolha da modalidade de liquidação patrimonial distinta da que a lei estabelece como modelo), quer os credores (agindo isolada ou colectivamente), quer o responsável pelas dívidas do insolvente, quer o próprio devedor, poderão a todo o tempo, no decurso do processo, propor a adopção de um plano [13]; e poderão, inclusivamente, apresentar mais do que um, ao longo de todo o processo [14], face ao disposto no art.º 207.º, n.º , al. d), do CIRE [15], regime que, pese embora disposto apenas para o devedor, por identidade ou maioria de razão, deve ter-se por extensível aos demais legitimados [16].
«Caberá então ao juiz, no âmbito do poder de controlo preliminar que lhe é conferido pelo art.º 207.º, sindicar a seriedade das propostas e a susceptibilidade de poderem alcançar o objetivo a que se destinam, excluindo-as sempre que, designadamente, se configurem como meros expedientes dilatórios, visto que, em tal eventualidade, estar-se-á perante situação de manifesta inverosimilhança de aprovação [vd. n.º 1, al. b)]» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 710).
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5.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
5.2.1. Requerente cônjuge (em coligação inicial activa)
Concretizando, verifica-se que, sendo os Insolventes (AA e CC) casados entre si, apresentaram-se, inicial e conjuntamente, à insolvência, tendo visto a mesma ser declarada quanto a ambos.
Mais se verifica que posteriormente, e ainda antes da apresentação pelo administrador da insolvência do relatório previsto no art.º 156.º do CIRE, veio o Requerente marido (AA) requerer que lhe fosse concedido o prazo de 10 dias para apresentar um plano de insolvência.
Verifica-se ainda que o Tribunal a quo considerou que o mesmo o não poderá fazer, desacompanhado da Requerente mulher (CC).
Contudo, e salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.

Com efeito, e desde logo, não resulta do requerimento em causa que, pese embora formulado apenas pelo Requerente marido (AA), o plano de insolvência que anunciou vir a ser apresentado não o venha a ser conjuntamente com a Requerente mulher (CC); e, na dúvida, deveria pelo menos o Tribunal a quo tê-la dissipado, pedindo esse prévio esclarecimento ao Requente marido.
Acresce que a lei não consagrou esta exigência de formulação conjunta pelos cônjuges de um eventual plano de insolvência, ao contrário do que expressamente fez a propósito da formulação de uma eventual proposta de plano de pagamentos, no art.º 264.º, n.º 4, al. b), do CIRE; e o despacho recorrido também não fundamentou de outro modo este seu entendimento.

Logo, mostra-se nesta parte o despacho recorrido destituído de fundamento.
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5.2.2. Requerente titular de empresa não pequena
Concretizando novamente, verifica-se que o Tribunal a quo considerou ainda como fundamento de inadmissibilidade do eventual plano de insolvência a apresentar o não ter sido «alegado, nem» resultar «dos autos que os devedores insolventes sejam, ou tenham sido, empresários nos últimos três anos de uma grande empresa».
Contudo, e salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.

Com efeito, logo em sede de requerimento inicial os Requerentes (AA e mulher, CC) esclareceram ser o Requerente marido sócio e gerente de EMP01... Unipessoal, Limitada, ou seja, como da sua própria natureza resulta, composta e gerida por ele; e resulta do Apenso A que são ambos devedores de um passivo global superior a € 300.000,00.
Dir-se-á, por isso, que, pese embora não tenha sido expressamente alegado, no requerimento em análise, que pelo menos um dos Requerentes (e, em caso de coligação de cônjuges, tanto basta) seja, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, titular de uma empresa não pequena, essa mesma realidade resulta sobejamente dos autos.

Logo, também nesta parte se mostra o despacho recorrido destituído de fundamento.
*
Importa, pois, decidir em conformidade, pela procedência do recurso interposto pelo Insolvente (AA); e determinar, em conformidade, que o Tribunal a quo se pronuncie agora (porque o respectivo conhecimento deixou de estar prejudicado) sobre o pedido de convocação de uma assembleia de credores.
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VI - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo Insolvente (AA) e, em consequência, em

· Revogar o despacho recorrido, concedendo ao Insolvente o prazo de 10 dias para apresentar um plano de insolvência, devendo ainda o Tribunal a quo pronunciar-se agora sobre o pedido de realização de uma assembleia de credores (formulado pelo Insolvente).
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Custas pelo Insolvente recorrente, atento o critério da utilidade (art.º 527.º, do CPC).
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Guimarães, 18 de Dezembro de 2024.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes;
2.º Adjunto - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício


[1] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). 
[2] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[3] No mesmo sentido, de distinção das nulidades da sentença dos vícios que afectam a própria elaboração da decisão de facto (estes últimos entendidos como passíveis de serem qualificados como nulidades processuais, nos termos do art.º 195.º, n.º 1 do CPC), Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2.
[4] Neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo n.º 00858/14.
[5] O que a seguir se refere é igualmente a aplicável aos despachos (conforme art.º 613.º, n.º 3, do CPC) e aos acórdãos (conforme art.º 666.º, n.º 1, do CPC).
[6] Neste sentido: Ac. do STJ, de 07.07.1994, Miranda Gusmão, BMJ, n.º 439, pág. 526; Ac. do STJ, de 22.06.1999, Ferreira Ramos, CJ, 1999, Tomo II, pág. 161; Ac. da RL, de 10.02.2004, Ana Grácio, CJ, 2004, Tomo I, pág. 105; ou Ac. da RL, de 04.10.2007, Fernanda Isabel Pereira.

[7] O Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas - doravante CIRE - foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/04, de 18 de Março, e objecto desde então de sucessivas alterações.
[8] Neste sentido, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016-6.ª edição, Almedina, Outubro de 2014, pág. 297, onde se lê que, se «na sua versão original o Código estava imbuído da finalidade primacial de satisfação dos interesses dos credores, pela forma que entendessem mais adequada (a liquidação e a recuperação dependiam exclusivamente da decisão dos credores, transformados em “proprietários económicos da empresa”), agora, e por imposição dos compromissos Internacionais firmados, a finalidade primacial é a satisfação dos interesses dos credores pela forma prevista num plano de insolvência e, quando tal não seja possível, através da liquidação do património do devedor insolvente e da repartição do produto obtido pelos credores. Se, inicialmente, existia uma tramitação regra e só subsidiariamente atuava o plano de insolvência, depois da alteração introduzida ao CIRE pela Lei n.º 16/2021, de 20 de abril, é vontade do legislador que o plano de insolvência constitua a regra e só subsidiariamente vigore a tramitação supletiva».
[9] Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, págs. 704 e 705, onde se lê que «é possível a adoção de um plano de insolvência que não integre a adoção de medidas tendentes a assegurar a continuidade da empresa, podendo, v.g., constituir simplesmente um esquema de liquidação da massa insolvente por um modo diferente do que se acha supletivamente fixado na lei.
Por outro lado, mesmo quando o plano se reconduz a uma ou a um conjunto de providências recuperatórias da empresa do devedor, elas revestem um carácter instrumental, enquanto meio predominantemente dirigido à realização dos interesses dos credores, e é em razão da sua apetência para alcançar esse objetivo que o próprio plano deve ser apreciado, quer, desde logo, para efeitos da admissão da proposta pelo juiz (cfr. art.º 27.º), quer para, uma vez aprovado pela assembleia, poder ser judicialmente homologado».
Ainda Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2015-8.ª edição, Almedina, Julho de 2015, pág. 223, onde se lê que é «de salientar que a localização sistemática da figura acentua a nova vertente de fazer prevalecer a declaração de insolvência sobre as providências de recuperação, assim se alterando a filosofia do CPEREF».
Igualmente Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016-6.ª edição, Almedina, Outubro de 2014, pág. 297, onde se lê que se «a intenção do legislador era dar prioridade à recuperação, não o conseguiu: desde logo, porque o plano de insolvência (tal como é afirmado expressamente no n.º 1) pode não ter como finalidade a recuperação. Depois, porque não há mecanismos legais ou judiciais especificamente criados para garantir a prioridade da aprovação do plano de insolvência».
[10] Contudo, vem alguma doutrina apresentando classificações exemplificativas de possíveis modalidades do plano de insolvência, a saber: o plano de liquidação da massa insolvente; o plano de recuperação; o plano de transmissão da empresa; e o plano misto, que combina todas ou algumas das modalidades anteriores.
Neste sentido: Menezes Cordeiro, O Direito, n.º 137, III, pág. 503; Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016-2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2016, pág. 446 e 447; ou Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, pág. 328.
[11] Lê-se no art.º 5.º do CIRE que, para «efeitos deste Código, considera-se empresa toda a organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer actividade económica».
[12] Neste sentido, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016-6.ª edição, Almedina, Outubro de 2014, pág. 298, onde se lê que, «de acordo com o art. 24º, nº 3, quando o devedor se apresente à insolvência, ele pode juntar à petição inicial um plano de insolvência, sem prejuízo de apresentação posterior». 
[13] Neste sentido:  Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, págs. 709 e 710; e Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016-6.ª edição, Almedina, Outubro de 2014, pág. 297.
[14] Neste sentido, Ac. da RG, de 30.11.2022, Maria Gorete Morais, Processo n.º 5468/19.9T8VNF-AP.G1, onde se lê que a «apresentação de uma proposta de plano de insolvência pelo devedor, que não veio a ser aprovada, não é impeditiva de, posteriormente, o mesmo apresentar uma nova proposta».
[15] Lê-se no art.º 207.º do CIRE:
«1 - O juiz não admite a proposta de plano de insolvência:
a) Se houver violação dos preceitos sobre a legitimidade para apresentar a proposta ou sobre o conteúdo do plano e os vícios forem insupríveis ou não forem sanados no prazo razoável que fixar para o efeito;
b) Quando a aprovação do plano pela assembleia de credores ou a posterior homologação pelo juiz forem manifestamente inverosímeis;
c) Quando o plano for manifestamente inexequível;
d) Quando, sendo o proponente o devedor, o administrador da insolvência se opuser à admissão, com o acordo da comissão de credores, se existir, contanto que anteriormente tenha já sido apresentada pelo devedor e admitida pelo juiz alguma proposta de plano».
[16]  Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 710.