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INVENTÁRIO PARA PARTILHA DE BENS DO EXTINTO CASAL
RECLAMAÇÃO À RELAÇÃO DE BENS
BENS COMUNS DO CASAL
PROVA
ESCRITURA DE JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL ESCRITA DO OUTORGANTE PERANTE OUTRO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE TRANSACÇÃO
Sumário
1- A escritura de justificação notarial é o mecanismo de natureza excecional gizado pelo legislador para colmatar a falta ou a insuficiência de título aquisitivo de um direito real por quem se arrogue titular do referido direito sobre um prédio e o pretenda inscrever no registo predial, ao permitir que esse interessado declare na escritura (acompanhado por três testemunhas, que corroborem as suas declarações) que, com exclusão de outrem, é titular do direito, com indicação expressa da concreta causa da sua aquisição e das específicas razões que o impossibilitam de comprovar essa causa e em que, quando seja alegada como causa de aquisição do direito real a usucapião baseada em posse não titulada, têm de ser mencionadas expressamente as concretas circunstâncias de facto que determinaram o início da posse e aquelas em que se consubstanciam e caracterizam a posse geradora da usucapião. 2- O título aquisitivo do direito real sobre o prédio não é a escritura de justificação notarial (mero documento que se destina a possibilitar o registo do direito real sobre o prédio no registo predial), mas sim os atos que nela são declarados pelos justificantes, uma vez que são esses factos que conduzem à aquisição do direito real em causa mediante o funcionamento da usucapião. 3- Fundando-se os atos aquisitivos do direito real expressos na escritura de justificação notarial nas próprias declarações dos justificantes, aquela pode ser impugnada judicialmente, a todo o tempo, antes ou depois de ter sido efetuado o registo com base nela, recaindo nessa ação (que configura uma ação de simples apreciação negativa) sobre os justificantes (réus) o ónus da prova da verificação dos factos constitutivos do direito justificado que declararam na escritura de justificação. 4- A escritura de justificação notarial consubstancia um documento autêntico, pelo que, quando não seja invocada a sua falsidade, faz prova plena quanto aos factos que nela são referidos como tendo sido praticados pelo notário e, bem assim, quanto aos que nela se encontram exarados e que foram percecionados pelo mesmo, mas não prova que as afirmações prestadas pelos nela outorgantes perante o notário sejam verdadeiras. 5- Contudo, quando as declarações feitas por um dos outorgantes sejam dirigidas ao outro ou a quem o represente e se traduzam no reconhecimento de um facto que lhe seja desfavorável e que favoreçam a sua contraparte, está-se na presença de uma confissão extrajudicial escrita que, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento e/ou da nulidade ou anulabilidade da declaração confessória fundada em falta ou vício de vontade, faz prova plena contra o confitente. 6- Tendo reclamante e cabeça de casal outorgado em 1998, escritura de justificação notarial em que declararam que os prédios objeto da reclamação foram doados verbalmente aos dois (então casados sob o regime da comunhão de adquiridos) pelos pais da reclamante, há mais de vinte anos, e que, há mais de vinte anos, ambos exercem, de forma ininterrupta, os atos de posse que descrevem nessa escritura, de modo que adquiriram o direito de propriedade sobre os identificados prédios por usucapião, considerando que essas declarações são prestadas pela reclamante perante o então seu marido, as declarações assim por ela efetuadas não podem deixar de ter por destinatário aquele (e vice-versa). As declarações assim prestadas pela reclamante são desfavoráveis aos seus interesses e são favoráveis aos interesses do então seu marido (e vice-versa), ao reconhecer que os prédios foram doados a ambos os então cônjuges (e não apenas a ela) e que os atos possessórios descritos na escritura eram exercitados por ambos (e não apenas pela mesma) e que, ambos adquiriram, na sequência desses atos possessórios, por via originária, ex novo, na esfera jurídica comum do entretanto extinto casal os mencionados prédios, pelo que, essas declarações confessórias têm-se por plenamente provadas. 7- Daí que não possa a reclamante vir, em sede de reclamação à relação de bens, no âmbito do processo de inventário subsequente a divórcio vir alegar que os prédios lhe foram doados exclusivamente a si e que os atos de posse que foram exercidos sobre os prédios foram apenas exercitados por si, sendo estes sua exclusiva propriedade (bens próprios). 8- A sentença homologatória da transação não retira à última a natureza de contrato típico e nominado, sujeito às regras interpretativas dos negócios jurídicos dos arts. 236º a 238º do CC. 9- Tendo a escritura de justificação notarial identificada em 6) sido impugnada judicialmente e tendo nessa ação sido lavrada transação em que os aí autores-reconvindos reconhecerem que os aí réus-reconvintes (ora reclamante e cabeça de casal) são proprietários dos prédios que se encontram identificados na escritura de justificação impugnada, reconhecendo todos que esses prédios foram doados aos últimos pelos pais da reclamante em 1984, o único sentido interpretativo a extrair do teor dessa transação é no sentido de que as aí partes aceitaram todo o teor das declarações que se encontram exaradas na dita escritura de justificação notarial, com exceção da data que nela consta ter ocorrido a doação verbal dos prédio (não há mais de vinte anos, mas antes em 1984) e que, consequentemente, os atos possessórios descritos na dita escritura foram iniciados pelos pais da reclamante (doadores verbais), que transmitiram essa sua posse para os últimos quando lhes doaram verbalmente os prédios em causa, que a continuaram, posto que, se assim não fosse, porque entre 1984 (data da doação verba) e 1998 (data da celebração da escritura de justificação notarial impugnada) apenas decorreram catorze anos, não estavam recolhidas as condições fáctico-jurídicas para que os impugnantes pudessem ter reconhecido, como reconheceram, o direito de propriedade da reclamante e do cabeça de casal sobre os prédios, fundado necessariamente na usucapião, e para que o tribunal a homologasse, conforme homologou, por sentença transitada em julgado, a dita transação. 10- Daí que também por via do efeito positivo da exceção de transação esta se imponha, de forma vinculativa e sem admissão de nova discussão, no âmbito do presente processo de inventário subsequente a divórcio, nos termos da qual os prédios identificados na escritura de justificação impugnada integram o património comum do extinto casal, tendo por ele sido adquiridos por via originária (não derivada), por usucapião.
Texto Integral
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I- RELATÓRIO
Por apenso aos autos de processo especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge (posteriormente convertidos em ação de divórcio por mútuo consentimento), instaurados em 14/02/2020, por AA contra BB, em que, por sentença proferida em ../../2020, transitada em julgado, foi decretado o divórcio entre requerente e requerida, em ../../2021, AA instaurou ação especial de inventário para partilha dos bens comuns do extinto casal.
Requereu que fosse nomeado para o cargo de cabeça de casal.
Juntou relação de bens em que relacionou, além do mais, o seguinte:
“Bem Imóvel: VERBA Nº 45 Prédio urbano destinado a habitação, composto por casa de rés-do-chão, com cinco divisões e logradouro, sito na Rua ..., ..., Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ...74 da União das Freguesias ..., ... e ... (proveniente da urbana n.º ...60 da extinta freguesia ...), concelho ..., omisso na Conservatória do Registo Predial ..., com o valor patrimonial de 52.782,93 €; Nota: o referido prédio urbano foi edificado no prédio rústico que integra a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de CC, progenitora da Requerida e da qual esta é herdeira, terreno esse que foi deixado em legado à Requerida através de testamento outorgado em 18.08.2005, no ... Cartório Notarial ..., exarado de fls. 71 a fls. 72, do livro de notas para testamentos e escrituras de revogação n.º 213”.
Nomeou-se o requerente para o cargo de cabeça de casal.
A requerida reclamou da relação de bens requerendo, além do mais, que se determinasse a exclusão do prédio relacionado sob a verba n.º 45 e, em sua substituição, se determinasse o relacionamento do seguinte direito de crédito do património do extinto casal sobre as heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de seus pais: “DireitodecréditosobreasherançasilíquidaseindivisasabertasporóbitodeDDedeCC,paisdainteressadaEE,consistentesnaconstrução,sobreprédiopertencenteàquelas,deumamoradiaunifamiliarcompostaporcasaderés-do-chãocomcincodivisões, inscritanamatrizpredialurbanasob o n.º ...74daUnião de Freguesia ...,...e...(provenientedamatriz urbana ...60daextinta freguesia ...),concelho ...,omissonaConservatória do Registo Predial ...,comovalorpatrimonialde€47.230,00eatribuídode€ 52.782,93”.
O cabeça de casal respondeu alegando que o prédio que relacionou sob a verba n.º 45 encontra-se devidamente relacionado.
Alegou que, tendo o extinto casal edificado a casa de habitação em terreno alheio (legado à interessada EE) haverá que “ter-se em linha de conta o regime da acessão industrial imobiliária, por força do qual o prédio urbano poderá ser adjudicado a qualquer dos cônjuges, sem prejuízo dos direitos que cabem às heranças que integram o respetivo terreno”.
Por despacho de 01/10/2021, ordenou-se a avaliação do prédio relacionado sob a verba n.º 45 e nomeou-se perito para proceder a essa avaliação, tendo o relatório pericial sido junto aos autos em 25/01/2022.
Notificado o relatório pericial acabado de referir ao cabeça de casal e à reclamante nada requereram.
Designou-se data para inquirição das testemunhas arroladas por reclamante e cabeça de casal.
Por requerimento entrado em juízo em 21/09/2022, o cabeça de casal requereu a junção aos autos de certidão da escritura de justificação notarial outorgada entre o mesmo e a reclamante em 04/03/1998, tendo por objeto o prédio urbano relacionado sob a verba n.º 45, e um prédio rústico, e, bem assim, cópia dos articulados, transação e sentença homologatória dessa transação proferida no âmbito do processo de ação sumária, que correu termos no ... Juízo do extinto Tribunal Judicial de Esposende sob o n.º 103/05...., instaurado por FF e marido, GG, contra o aqui cabeça de casal, a aqui reclamante, e bem assim, as testemunhas que intervieram na dita escritura de justificação notarial, HH, II e JJ.
Alegou, em síntese, que: em reunião com o seu mandatário transmitiu-lhe que tinha corrido termos um processo judicial versando sobre o prédio urbano (terreno) relacionado sob a verba n.º 45, onde foi edificada, na constância do matrimónio pelos ex-cônjuges, a casa de morada de família, cujo número de processo não tinha já presente; feitas as necessárias buscas veio a constatar-se tratar-se do processo que correra termos pelo ... Juízo do extinto Tribunal Judicial de Esposende sob o n.º 103/05....; consultado o processo em causa, contatou-se que, por via da transação nele celebrada, homologada por sentença transitada em julgado, o terreno onde se encontra edificada a casa de habitação relacionada sob a verba n.º 45 constitui bem comum do extinto casal, pois, “para além da escritura de justificação que ambos os interessados outorgaram no ano de 1998, o que corresponde a modo de aquisição originária, aqueles confessaram judicialmente que o terreno foi doado a ambos os interessados pelos pais da inventariada EE no ano de 1984, confissão que constitui caso julgado quanto a tal matéria. Razão pela qual o terreno em causa não se trata de um bem que pertença à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de CC, progenitora da interessada EE, mas sim de um bem de ambos os ex-cônjuges, sem prejuízo do seu valor ser conferido nas respetivas partilhas por aquele a quem for adjudicado nos presentes autos. Por decorrência do acabado de expor, carece de qualquer validade e não produz qualquer efeito o testamento outorgado em 18/08/2005, no ... Cartório Notarial ..., mediante o qual a mãe da interessada EE lhe legou, por conta da sua quota disponível, os mesmos prédios que foram objeto de justificação. Os factos acabados de referir resultam diretamente do teor de documentos autênticos (escritura e processo judicial), os quais fazem prova plena dos factos que referem (…). Além de que se tratam de documentos do conhecimento ex officio do tribunal, pois constam integralmente dos autos que, com o n.º 103/05...., correram termos no ... Juízo do extinto Tribunal Judicial de Esposende”.
Requereu que lhe fosse concedido prazo para juntar aos presentes autos certidão a extrair do processo n.º 103/05...., do ... Juízo do extinto Tribunal Judicial de Esposende, com inclusão de todos os documentos agora juntos, e, bem assim, se admitisse a retificação da relação de bens que apresentara mediante a correção da verba n.º 45, nos seguintes termos, por constituir bem comum do extinto casal: “Prédio rústico, composto de cultura com videiras em ramada, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., a confrontar do norte com DD, do sul com Estrada Municipal, do nascente com KK e do poente com LL, com a área de duzentos e cinquenta metros quadrados, inscrito na matriz predial rústica sob o n.º ...39 da União das Freguesias ... (proveniente da matriz rústica n.º ...04º da extinta freguesia ...), concelho ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...25/...”.
Por despacho proferido em 22/09/2022, concedeu-se prazo ao cabeça de casal para juntar aos autos a certidão por ele referida.
A dita certidão foi junta aos autos pelo cabeça de casal por requerimento de ../../2022.
Na sequência da sua notificação à reclamante, alegou que o teor da certidão confirma que o terreno onde foi edificado o prédio urbano relacionado sob a verba n.º 45 foi doado verbalmente pelos seus pais ao ex-casal, mas do seu teor não resulta que o referido terreno constitua bem comum deste, impondo-se aplicar ao caso o regime jurídico do art. 1791º do CC, na medida que os seus pais não teriam doado esse terreno também ao cabeça de casal caso o mesmo não estivesse casado, na altura da doação, com a reclamante.
Designou-se data para inquirição das testemunhas arroladas pelo cabeça de casal e pela reclamante e, concluída a inquirição, em 31/05/2024, proferiu-se sentença com a seguinte parte dispositiva:
“Atentas as considerações tecidas e os preceitos legais citados decide-se que constituem bens comuns do casal, a partilhar, os seguintes:
A) Móveis
Três camas de casal; 2-Seis mesas de cabeceira; 3 – Dois roupeiros; Três cadeiras de quarto; 4- Duas máquinas de costura de marca ...; 5-Um ferro de engomar; 6-Três candeeiros; 7- Vários conjuntos de roupa de cama; 8 – Três espelhos de quarto; 9- um esquentador; 10- Um micro ondas; 11- Uma máquina de café; 12- Uma torradeira; 13- Quatro cadeiras; 14- Utensílios de cozinha; 15-Máquina de lavar loiça; 16- Máquina de lavar roupa; 17- um faqueiro, copos e pratos avulsos; três cadeiras; 18- Um par de tesouras e uma machadinha; 19- duas bicicletas. B) Imóveis
– Prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, destinada a habitação, com cinco divisões, com logradouro, sito no Lugar ..., da freguesia ..., deste concelho, com a superfície coberta de cento e dezanove metros quadrados, e logradouro de duzentos e onze metros quadrados, a confrontar do norte com LL, do sul com KK, do nascente com DD e do poente com estrada municipal, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ...74 da União das Freguesias ..., ... e ... (proveniente da urbana n.º ...60 da extinta freguesia ...), concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...57/....
- Prédio rústico, composto de cultura com videiras em ramada, sito no Lugar ..., na freguesia ..., deste concelho, a confrontar do norte com DD, do sul com estrada municipal, do nascente com KK, e do poente com LL, com a área de duzentos e cinquenta metros quadrados, inscrito na matriz predial rústica sob o n.º ...39 da União das Freguesias ... (proveniente da matriz rústica n.º ...04º da extinta freguesia ...), concelho ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...25/....
*
Custas a suportar pela cabeça-de-casal e pela interessada em partes iguais”.
Inconformada com o segmento da sentença que julgou que os prédios urbano e rústico acabados de referir integram o património comum do extinto casal e que, por isso, integram esse património comum a partilhar entre a reclamante e o cabeça de casal, a reclamante, EE, interpôs recurso, em que formulou as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da decisão sobre o incidente de reclamação contra a relação de bens, proferida a 31 de maio de 2024, e versa sobre a decisão que julgou improcedente a reclamação quanto à verba n.º 45 do ativo da relação de bens, que considerou que o prédio urbano destinado a habitação, descrito na matriz predial urbana sob o art.º ...74, e o prédio rústico descrito na matriz predial rústica sob o art.º ...39 eram, toutcourt, bens comuns do casal.
2. Com efeito, nos termos gerais do Direito Civil, o ónus da prova cabe àquele que invoca um determinado direito e que, como tal, tem de invocar e fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado (art.º 342.º, n.º 1 do CC).
3. Nos presentes autos, estando perante um processo de inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditária, “as provas são indicadas com os requerimentos e respostas”, nos termos do n.º 2 do art.º 1105.º do CPC.
4. Ora, baseando-se a questão suscitada essencialmente na aquisição da propriedade dos bens referidos na verba n.º 45 da relação de bens, tal direito invocado teria de ter sido, na relação de bens, acompanhado de alegações e provas dos factos conducentes à aquisição da propriedade dos mesmos.
5. Pretendendo o cabeça-de-casal relacionar o prédio urbano destinado a habitação, descrito na matriz predial urbana sob o art.º ...74, e o prédio rústico descrito na matriz predial rústica sob o art.º ...39 na relação de bens, direito que o próprio invoca ter pela relacionação dos mesmos, cabe a este, nos termos do art.º 342.º do CC, alegar e provar os factos conducentes à aquisição de propriedade.
6. Pelo que tem, o Apelado, o ónus da prova dos factos que integram o denominado corpus e o denominado animus, em que a posse se traduz, ou seja, a atuação sobre a coisa por forma correspondente ao exercício do direito e a intenção de agir sobre ela como seu titular.
7. Isto porque, perante uma situação inversa, em que a reclamação contra a relação de bens se baseia numa pretensão, por parte da Reclamante, de inclusão de um determinado bem na relação de bens, cabe a esta o ónus da prova do direito invocado.
8. Assim, numa situação oposta, como a presente, em que é o Reclamado que pretende a manutenção/inclusão de um bem na relação de bens, o ónus da prova cabe a este, enquanto pessoa que se pretende valer do direito invocado.
9. Caso assim não fosse, estaria a ser posta em causa a própria coerência e uniformidade do sistema jurídico, conducente à violação do princípio da segurança jurídica inerente ao Direito, que pressupõe um mínimo de certeza, previsibilidade e estabilidade.
10. A Mm. ª Juiz aquo estribou a sua decisão nos documentos autênticos juntos aos autos, nomeadamente na escritura de justificação outorgada a 04 de agosto de 1984 e na ação de anulação da escritura de justificação que correu termos no extinto ... Juízo do Tribunal Judicial de Esposende.
11. Resulta da escritura de justificação outorgada a 04 de março de 1998, constante a fls. - dos autos, que Apelante e Apelado, naquela primeiros outorgantes, declararam que “(…)nãopossuemtítuloformalquelhespermitaregistarnacompetenteConservatóriaosidentificadosprédios,masque,noentanto,entraramnapossedosmesmos,hámaisdevinteanos,atravésdedoaçãomeramenteverbal(…)sempreestiveramesetêmmantidonaposseefruiçãodosidentificadosprédios,hámaisdevinteanos, (…)Que,dadasasenunciadascaracterísticasdetalposse,adquiriramosidentificadosprédiosporUSUCAPIÃO,nãodispondotodavia,dadoomododeaquisição,dedocumentooutituloformalquelhesfaciliteaprovadoseudireito,basedoregistoquepretendemfazeraseufavor.”
12. Por sua vez, a referida ação judicial, que correu termos sob o n.º 103/05...., interposta pela irmã da Apelante e marido, contra Apelante e Apelado, terminou com a celebração de transação, homologada por sentença que transitou em julgado, nos termos seguintes: “PRIMEIRAOsAutoresreconhecemqueosréussãodonosdosprédios(…);SEGUNDAAutoreseRéusreconhecemqueoterreno(…),foramdoadosverbalmenteaosréuspelospaisdaautoraeré,mulheres,"(…)
13. Sucede que, a escritura de justificação não é em si título, mas sim a posse.
14. A escritura de justificação, apenas faz prova que, no dia 04 de março de 1998, Apelante e Apelado fizeram aquelas declarações, o que nãosignificaquetaisdeclaraçõessejamverdadeiraseválidas – pelo que a mesma não é prova bastante da posse ou propriedade de um determinado bem.
15. A escritura de justificação e as declarações nela constantes não permitem fazer prova quanto aos factos alegados, nãotendo,porisso,relevânciaparaaapreciaçãodoméritodaquestão.
16. Ademais, dos documentos constantes nos autos, podemos concluir que não houve, por parte do Apelado, a posse conducente à usucapião.
17. O animusdomini é um dos principais pressupostos para a constituição de direitos reais com base na usucapião, e pode ser brevemente definido como a íntima vontade, intenção e convicção de ser proprietário de um determinado bem.
18. Para tal, têm de estar preenchidos dois pressupostos: o corpus, enquanto “exercícioatualdeumpoderdefactosobreacoisa”, e o animus enquanto “intençãodeagircomotitulardodireitocorrespondenteaosatosrealizados”.
19. Todavia, tal presunção constante do n.º 2 do art.º 1252.º do CC trata-se de uma presunção ilidível nos termos do art.º 350.º do CC, pelo que admite prova em contrário.
20. Assim sendo, os documentos constantes dos autos podemos verificar que o Apelado não exercia os dois pressupostos fundamentais que servem de base à usucapião: neste caso, o animuspossidendi.
21. Isto porque, apesar de no termo de transação logrado alcançar em sede do referido processo judicial, acordarem as partes que “reconhecemqueoterrenoondefoiedificado(…),foramdoadosverbalmenteaosréuspelospaisdaautoraeré,mulheres, (…)”, na contestação e reconvenção apresentada no processo, declarou o Apelado, no art.º 7.º, que “tal terreno foi doadoàRéesposa”.
22. O próprio Apelado reconhece que a doação verbal havia sido feita apenas à Apelante, pelo que, ainda que realizasse atos objetivos da posse, não tinha o animus conducente à mesma, uma vez que sabia que o terreno não era dele, mas sim da sua mulher, pelo que não tinha a intenção de agir como titular do mesmo –e, não estando cumpridos os pressupostos essenciais para a aquisição da posse com base na usucapião, não poderia nunca o Apelado ser proprietário dos referidos prédios.
23. Acresce que, as declarações constantes na escritura de justificação outorgada a 04 de março de 1998, são falsas – o que se retira do teor do termo de transação logrado alcançar no processo judicial que correu termos no extinto ... Juízo do Tribunal Judicial de Esposende, sob o n.º 103/05.....
24. Desde logo verifica-se uma contradição nas declarações prestadas, e a falsidade das mesmas, que o próprio Apelado reconhece no termo de transação alcançado na referida ação judicial. Na escritura de justificação outorgada em 1998, declararam Apelante e Apelado que têm a posse dos mencionados prédios “há mais de vinte anos”, por doação verbal que lhes foi feita pelos pais da Apelante, quando, no termo de transação declararam que este lhes fora doado em1984 – ora, de 1984 a 1998 não se passam vinte anos, mas sim catorze.
25.Tempo este que interfere, além da falsidade das declarações, com o tempo necessário para a aquisição da propriedade com base na posse de longa duração. Dispõe o art.º 1296.º do CC que “(…)ausucapiãosópodedar-senotermodequinzeanos,seapossefordeboafé(…)” - à data da escritura de justificação, a posse dos Apelado e Apelante não perfazia o tempo necessário à aquisição da propriedade, ou seja, os quinze anos.
26. Pelo que resulta à saciedade a falsidade das declarações prestadas na escritura de justificação outorgada a 04 de março de 1998.
27. Ademais, apesar de depois da outorga da escritura de justificação Apelante e Apelado tenham procedido ao registo dos mencionados prédios em seu nome, o registo com base na escritura de justificação não faz presumir qualquer direito.
28. Concluímos, por isso, que a prova existente nos autos não permite conhecer da propriedade dos prédios suprarreferidos, uma vez que não há prova nos autos quanto aos factos declarados, que eram, em si, pressuposto da ação.
29. Logo, sem factos que provem a aquisição, não poderia ser declarado o direito de propriedade, pelo que não podia ser proferida decisão sem aperfeiçoamento da prova.
30. Dada a complexidade da matéria subjacente às questões suscitadas, nos termos do disposto no art.º 1350.º, n.º 1 do CPC, caberia à Mm. ª Juiz aquo remeter os Interessados para os meios comuns.
31.Assim, perante a inexistência de elementos ou a impossibilidade de uma conclusão segura, e a evidenciada complexidade do mesmo, não poderia, com o devido respeito, a Mm. ª Juiz aquo ter decidido, sobretudo com as motivações, ou falta delas, que subjazeram à decisão proferida.
32. Isto porque, na base das questões suscitadas está o problema da usucapião que, por si, envolve a alegação de factos complexos, que implicam uma averiguação de índole complicada, e que exige uma larga produção de prova para que se possa discutir a aquisição, pela posse, do direito de propriedade.
33. Ora, “Requerendoaquestãocontrovertidamaisaprofundadainstrução,averiguaçãoeanálise,quenãopodeserobjetodesuficienteindagaçãonoprocessodeinventário,deveojuizremeterosinteressadosparaosmeioscomuns,queoferecemgarantiasprocessuaisacrescidas,permitindo-seàspartes,demodomaisativoeeficazinfluenciaradecisão”.
34. Acresce que, a remessa dos interessados para os meios comuns, que não determina por si a suspensão do processo, deve ter inerente uma exclusão, da relação, dos bens que tiverem sido objeto de reclamação.
35. Desta forma, a Mm. ª Juiz a quo devia de se ter abstido de decidir e, consequentemente, remetido as partes para os meios comuns, prosseguindo o processo de inventário com a exclusão da relação de bens, dos prédios que subjazem à reclamação.
36. Ainda que este não fosse o entendimento, sempre seria de considerar os bens em causa bens próprios da Apelante e que, como tal, não estão sujeitos a relacionação na relação de bens, por não estarem sujeitos a partilha.
37. Os prédios inscritos na matriz predial urbana sob o art.º ...74 da União das Freguesias ..., ... e ... e na matriz predial rústica sob o art.º ...39.º da União das Freguesias ..., advieram à posse e propriedade do extinto casal por doação dos pais da Apelante, tal como resulta da escritura de justificação outorgada a 04 de março de 1998 e do termo de transação logrado alcançar no processo judicial n.º 103/05...., na cláusula segunda.
38. Mais importa referir que, da escritura de justificação e doação remuneratória outorgada em 2 de agosto de 2012, na qual constam como primeiros outorgantes os pais da Apelante e como terceira outorgante, a Apelante, resulta também a doação dos mencionados prédios.
39. Posto que é indubitável que os bens advieram à propriedade da Apelante por doação de seus pais, cumpre apreciar e decidir se a doaçãofoifeitaaambos os cônjuges ou apenasàApelante e qual a consequência no que à partilha de bens concerne.
40. Da escritura de justificação e doação remuneratória outorgada a 29 de agosto de 2012, resulta que os prédios foramdoadosúnicaeexclusivamenteàApelante, no estado de casada com o Apelado, pelo que, nos termos do disposto nos art.º 1722.º do CC, os prédios em causa são bens próprios daquela.
41. Todavia, ainda que assim não se entendesse, e fosse de considerar que a doação foi feita a ambos, apelante e Apelado, o resultado a alcançar seria o mesmo.
42. Prevê o art.º 1791.º do CC, que as doações caducam por efeito do divórcio.
43. No presente caso, a doação feita a ambos, por terceiro (os pais da Apelante), teria sido realizada somente por consideração ao estado de casados – pelo que estamos perante uma das liberalidades previstas no art.º 1791.º do CC.
44. Apelante e Apelado já declararam que a doação verbal dos mencionados prédios, que presidiu às sucessivas escrituras e aos presentes autos, foi realizada com o propósito de, depois do casamento, os mesmos terem um terreno para construir habitação.
45.Destas declarações, conclui-se que o único propósito que levou à doação foi, precisamente, o estado de casados da Apelante e do Apelado.
46. Não resultando os referidos prédios na esfera do ex-casal por esforço comum do mesmo, e tendo estes sido doados apenas à ex-cônjuge mulher, ou aos ex-cônjuges, em qualquer das circunstâncias, nãopodemintegraropatrimóniocomum da Apelante e Apelado, porquanto: 1) consubstanciam-se num bem próprio da Apelante ou, 2) cessando os efeitos da doação por via do divórcio, o bem alvo de doação reverte automaticamente para o património dos doadores.
47. Pelo que se tornam irrelevantes as alegações do Apelado no que concerne à comunicabilidade dos bens em apreço, e à partilha dos mesmos, nos termos do disposto nos art.ºs 1722.º e 1791.º do CC,
48. Sendo a Recorrente, indubitavelmente, a única e legítima proprietária dos mesmos, enquanto bens próprios desta.
49. Questão diferente é falar da casa de habitação edificada sobre os prédios em questão, esta sim, bem comum, construída na pendência do casamento a expensas de ambos os cônjuges, devendo ser relacionada nos autos como benfeitoria.
50. Com efeito, entende a Apelante que de acordo com os documentos juntos aos autos, a decisão teria de ser diferente e ter sido considerado que apenas as benfeitorias consistentes na construção do prédio urbano destinado à habitação são bem comum do casal, a partilhar.
51. Considera a Apelante que assiste apenas ao Apelado um direito de crédito correspondente à meação das benfeitorias realizadas na edificação da casa, que constituem em si um crédito sobre o proprietário da raiz ou nua propriedade, pelo que se deve alterar a matéria de facto nesse sentido.
52. Caso assim se não entendesse, sempre resultaria um direito de crédito da Apelante sobre o património comum do casal, da raiz ou nua propriedade dos prédios inscritos na matriz predial urbana sob o art.º ...74 da União das Freguesias ..., ... e ... e na matriz predial rústica sob o art.º ...39.º da União das Freguesias ....
53. Admitindo que não fosse este o entendimento, o que por mera hipótese se assume, e considerando-se que os mencionados prédios devem integrar a comunhão do ex-casal, tal inclusão consubstanciar-se-ia num enriquecimento sem causa do Apelado, que viria o seu património enriquecido às custas da Apelante, que, por sua vez, viria o seu património empobrecido para o Apelado, sem nenhum título ou motivo que justificasse tal enriquecimento.
Termos em que, por ter sido violado o disposto nos artigos 342.º, 1105.º, 1252.º, 1296.º e 1350.º, 1722.º, alínea b), 1729.º e 1791.º do CC, bem como o princípio da segurança jurídica e, por não ser a prova constante dos autos bastante para a apreciação da questão suscitada, dar-se provimento ao presente recurso se fará inteira, costumada e sã Justiça.
O cabeça de casal contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.
(.........9
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A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar duas questões:
a- Se a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto quanto à facticidade que nela foi julgada provada no ponto 4.c) e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida se impõe alterar esse ponto, julgando apenas provado o seguinte: “4.c) Asbenfeitoriasconsistentesnaedificaçãodeumacasadehabitação,compostoporrés-do-chão,comcincodivisões,comlogradouro,sobrearaizounuapropriedadedosprédios inscritosnamatrizpredialurbanasob o n.º ...74daUnião das Freguesias ...enamatrizpredialrústicasob o art.º ...39.ºdaUnião das Freguesias ...,equeébemprópriodaInteressadaEE.” (conclusão 51º das alegações de recurso)?
b- Se a decisão de mérito constante da sentença (que julgou que o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, destinada a habitação, com cinco divisões, com logradouro, sito no Lugar ..., da freguesia ..., concelho ..., com a superfície coberta de cento e dezanove metros quadrados, e logradouro de duzentos e onze metros quadrados, a confrontar do norte com LL, do sul com KK, do nascente com DD e do poente com estrada municipal, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ...74 da União das Freguesias ..., ... e ... - proveniente da urbana n.º ...60 da extinta freguesia ... -, concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...57/..., e, bem assim, o prédio rústico, composto de cultura com videiras em ramada, sito no Lugar ..., na freguesia ..., concelho ..., a confrontar do norte com DD, do sul com estrada municipal, do nascente com KK e do poente com LL, com a área de duzentos e cinquenta metros quadrados, inscrito na matriz predial rústica sob o n.º ...39 da União das Freguesias ... - proveniente da matriz rústica n.º ...04º da extinta freguesia ... -, concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...25/..., integram o património comum do extinto casal a partilhar no âmbito do presente processo de inventário subsequente a divórcio) padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe a sua revogação e determinar a exclusão desses prédios da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal (recorrido) - por se tratar de bens próprios da recorrente - e ordenar o aditamento a essa relação de um direito de crédito do património comum do extinto casal sobre a recorrente, a título de benfeitorias, consistentes na construção sobre os identificados prédios de uma casa de rés-do-chão, destinada a habitação, com cinco divisões, ou remeter, nos termos do art. 1350º, n.º 1 do CPC, os interessados para os meios comuns.
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade com relevância para a decisão a proferir no âmbito da reclamação apresentada pela recorrente à relação de bens junta aos autos pelo cabeça de casal (recorrido):
1- Por sentença, proferida em 10.09.2020, transitada em julgado em ../../2020, no âmbito do processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, convertido em divórcio por mútuo consentimento, que correu termos neste Juízo de Família e Menores – Juiz ... – sob o n.º 481/20...., foi dissolvido o casamento, por divórcio, entre o Requerente e a Requerida EE - cfr. doc. 1.
2- Requerente e Requerida encontravam-se casados no regime da comunhão de adquiridos – cfr. certidão de assento de casamento junta nos autos de processo de divórcio.
3- O Requerente foi nomeado cabeça de casal, por ser o cônjuge mais velho, nos termos do n.º 2 do artigo 1133º do Código de Processo Civil.
4- Constituem bens comuns do dissolvido casal:
RB [Bens móveis]
a)- Três camas de casal; 2- Seis mesas de cabeceira; 3 – Dois roupeiros; Três cadeiras de quarto; 4- Duas máquinas de costura de marca ...; 5- Um ferro de engomar; 6- Três candeeiros; 7- Vários conjuntos de roupa de cama; 8 – Três espelhos de quarto; 9- Um esquentador; 10- Um micro ondas; 11- Uma máquina de café; 12- Uma torradeira; 13- Quatro cadeiras; 14- Utensílios de cozinha; 15- Máquina de lavar loiça; 16- Máquina de lavar roupa; 17- Verbas 25 a 32; 36, 37 substituídas por faqueiro, copos e pratos avulsos; verba 40 – 3 Cadeiras;
- Um par de tesouras e uma machadinha;
- Duas bicicletas.
[Imóveis]
c)– Um prédio urbano composto de casa de rés do chão, destinada a habitação, com cinco divisões, com logradouro, sito no Lugar ..., da freguesia ..., deste concelho, com a superfície coberta de cento e dezanove metros quadrados, e o logradouro de duzentos e onze metros quadrados, a confrontar do norte com LL, do sul com KK, do nascente com DD e do poente com estrada municipal, não descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho, inscrito na matriz em nome do justificante marido sob o artigo ...60....º 2 – Prédio rústico, composto de cultura com videiras em ramada, sito no Lugar ..., na freguesia ..., desde concelho, a confrontar do norte com DD, do sul com estrada municipal, do nascente com KK, e do poente com LL, com a área de duzentos e cinquenta metros quadrados, não descrito na Conservatória do Registo Predial ..., inscrito na matriz em nome do justificante marido sob o artigo ...04.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A- Da impugnação do julgamento da matéria de facto
A recorrente impugna o julgamento da matéria de facto constante da sentença recorrida quanto à facticidade que nela foi julgada provada no ponto 4.c), advogando que: a escritura de justificação notarial que celebrou com o cabeça de casal, então seu marido, no dia 04 de março de 1998, apenas prova que, nesse dia, fizeram as declarações que nela se encontram exaradas, “o que não significa que tais declarações sejam válidas – pelo que não pode, de forma alguma, a escritura de justificação ser prova bastante da posse ou propriedade de um determinado bem”; “dos documentos constantes dos autos, podemos concluir que não houve, por parte do apelado, a posse conducente a usucapião”; no âmbito da ação sumária que correu termos no extinto ... Juízo do Tribunal Judicial sob o n.º 103/05...., instaurada por FF e marido, GG, contra a ora recorrente e o recorrido (cabeça de casal) e, bem assim, contra HH, II e JJ, em que aqueles impugnaram a dita escritura de justificação notarial, foi lavrada transação, homologada por sentença transitada em julgado, em que as nela partes reconheceram que “o terreno onde foi edificado” a casa de habitação por recorrente e recorrido na constância do matrimónio foi doado “(…) verbalmente aos réus pelos pais da autora e ré, mulheres (…) e o próprio apelado reconhece que a doação verbal havia sido feita apenas à apelada, pelo que, ainda que realizasse atos objetivos de posse (sobre aqueles prédios), não tinha o animus conducente à mesma, uma vez que sabia que o terreno não era dele, mas sim da sua mulher, pelo que não tinha a intenção de agir como titular” sobre aquele terreno; as declarações constantes daquela escritura de justificação notarial “são falsas”, falsidade essa que é evidenciada pelo teor da transação homologada por sentença transitada em julgado, proferida no âmbito da dita ação n.º 103/05...., uma vez que, “na escritura de justificação outorgada em 1998, declaram apelado e apelado que têm a posse dos mencionados prédios “há mais de vinte anos”, por doação que lhes foi feita pelos pais da Apelante, quando, no termo de transação, declaram que estes lhe foram doados em 1984 – ora, de 1984 a 1998 não se passam vinte anos, mas sim catorze anos”, o que demonstra “à saciedade” não só “a falsidade das declarações prestadas na escritura de justificação”, como que o período de catorze anos em que recorrente e recorrido terão exercido atos de posse sobre aqueles prédios, diversamente do que declararam na escritura de justificação, era insuficiente para que tivessem adquirido a propriedade sobre os mesmos por usucapião. Acresce que, da “escritura de justificação e doação remuneratória outorgada em 29 de agosto de 2012”, resulta que os prédios apenas foram doados pelos seus pais à própria recorrente, pelo que, atento o regime do casamento do extinto casal (a comunhão de adquiridos), os prédios em causa são bens próprios desta. “Todavia, ainda que assim não se entendesse, e fosse de considerar que a doação foi feita a ambos, apelante a apelado, de acordo com a escritura de justificação outorgada a 04 de março de 1998, e com a posterior transação alcançada na audiência de discussão e julgamento, no âmbito do processo n.º 103/05...., o resultado a alcançar seria o mesmo”, face ao regime jurídico do art. 1791º do CC, uma vez que os seus pais apenas declararam doar também os prédios ao recorrido “por consideração ao estado de casado” do mesmo com a recorrente.
Com base nos argumentos que se acabam de expender conclui a recorrente que os prédios identificados no ponto 4.c) da facticidade julgada provada na sentença sob sindicância são bens próprios dela e que apenas assiste ao recorrido (cabeça de casal) “um direito de crédito (sobre os mesmos) correspondente à meação das benfeitorias realizadas com a edificação da casa, que constituem em si um crédito sobre o proprietário da raiz ou nua propriedade. Pelo que se deve alterar a matéria de facto dada como provada nesse ponto 4.c), que deve passar a ter a seguinte redação: “4- Constituem bens comuns do dissolvido casal (…); c) As benfeitorias consistentes na edificação de uma casa de habitação, composto de casa de rés-do-chão, com cinco divisões, com logradouro, sobre a raiz ou nua propriedade dos prédios inscritos na matriz predial urbana sob o n.º ...74 da União das Freguesias ... e na matriz predial rústica sob o art. ...39º da União das Freguesias ..., e que é bem próprio da interessada EE” (sublinhado nosso).
Sucede que, analisados os argumentos invocados pela recorrente para suportar o pretenso erro de julgamento da matéria de facto em que terá incorrido a 1ª Instância ao julgar como provada a pretensa facticidade constante do ponto 4.c), verifica-se que os mesmos se reconduzem (não no sentido de que, ao julgar provada aquela pretensa facticidade, a 1ª Instância incorreu em erro de julgamento da matéria de facto), mas sim na imputação à decisão de mérito constante da sentença de erro de direito.
Note-se que à circunstância da recorrente confundir erro de julgamento da matéria de facto com erro de julgamento da matéria de direito não foi alheio o facto de, no ponto 4º, al. c) dos factos que julgou provados na sentença, a 1ª Instância não ter integrado nele qualquer matéria de facto, mas pura matéria conclusiva e de direito.
Com efeito, saber se os prédios identificados no ponto 4º, al. c) fazem (ou não) parte do património comum do extinto casal formado pela recorrente e pelo recorrido depende dos factos materiais que, em função dos meios de prova plena constantes do presente processo e dos que foram produzidos e apreciados em audiência contraditória, uma vez submetidos ao princípio geral da livre apreciação da prova, venham a ser julgados provados e não provados em sede de julgamento de matéria de facto e da respetiva subsunção jurídica ao direito substantivo que se lhes seja aplicável. A questão de se saber se aqueles prédios integram ou não o património comum do extinto casal reconduz-se, aliás, ao thema decidendum que o tribunal foi convocado a decidir no âmbito da presente reclamação à relação de bens apresentada pelo recorrido (cabeça de casal), o que significa que a 1ª Instância decidiu a questão fáctico-jurídica que foi convocada a decidir no âmbito da presente reclamação à relação de bens em sede de julgamento da matéria de facto, o que naturalmente não lhe é processualmente consentido fazer.
Na verdade, estabelece o n.º 3 do art. 607º do CPC que, na sentença deve o juiz “discriminar os factos que considera provados”, acrescentando-se no n.º 4 do mesmo preceito que, “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e não provados”.
Resulta das normas que se acabam de transcrever que integrando, em face do regime jurídico do CPC atualmente vigente, a sentença o julgamento da matéria de facto e o julgamento da matéria de direito, uma vez realizada a audiência final o julgador terá de proferir aquela, a qual contém o julgamento da matéria de facto e o julgamento da matéria de direito.
Em sede de julgamento da matéria de facto, o julgador terá, em função dos meios de prova plena constantes do processo e dos que foram produzidos e apreciados em sede de audiência final de discriminar os factos que julgar provados e de indicar os que julgar não provados.
A imposição da discriminação dos factos julgados provados significa que o julgador terá de na sentença, em sede de julgamento da matéria de facto, de indicar de forma autónoma e separadamente os mesmos; quando aos factos que julgar não provados basta-lhe que os indique, mas não tem de os individualizar de forma autónoma e separada.
Acresce que os factos que o julgador tem de julgar provados e não provados pela forma acabada de descrever são os factos essenciais que constituem a causa de pedir invocada pelo autor na petição inicial e que foram por ele alegados nesse articulado inicial e, bem assim, os factos essenciais em que se baseiam as exceções invocadas pelas partes e que tenham sido alegados pelo réu na contestação (quanto às exceções que nela deduza) ou que tenham sido alegados pelos autor na réplica, não sendo esta admissível, no início da audiência de partes, ou não havendo lugar a ela, no início da audiência final (quanto às contra exceções que oponha às exceções invocadas pelo réu na contestação), mas também os factos complementares ou concretizadores dos essenciais (estes necessariamente alegados), cuja prova, independentemente de terem ou não sido alegados pelas últimas, que resultem da instrução da causa e em relação aos quais as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar em audiência contraditória, nomeadamente, produzindo quanto a eles prova (arts. 5º, n.º s 1 e 2, al. b), 552º, n.º 1. al. d), 572º, al. c), 587º, n.º 2 e 3º, n.º 4, todos do CPC). Quanto aos factos instrumentais que (independentemente da sua alegação pelas partes) resultem provados em sede de instrução da causa, na medida em que desempenham no processo uma função secundária, ao indiciarem a prova ou não prova dos factos essenciais (necessariamente alegados) e/ou dos complementares, os mesmos têm de ser julgados provados na sentença, mas não em sede de elenco de factos nela julgados provados e não provados, mas antes na motivação/fundamentação do julgamento da matéria de facto, conforme o determina o n.º 4 do art. 607º do CPC, ao estatuir que: “Na fundamentação da sentença, o juiz (…), indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais (…)”[2].
Finalmente, os factos (essenciais, complementares ou instrumentais, estes últimos a serem considerados – julgados provados - na fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto) que o julgador, em sede de julgamento da matéria de facto, tem de julgar como provados ou não provados (individualizando, de forma autónoma e separada os provados, e indicando os não provados) são factos materiais. E por factos materiais entende-se as ocorrências concretas da vida real, o estado, a qualidade ou situação real das pessoas e das coisas; neles se compreendendo não só os acontecimentos do mundo exterior diretamente captáveis pelas perceções - pelos sentidos - do homem, mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo[3].
Daí que, salvo melhor opinião, o julgador deve abster-se de incluir, em sede de julgamento da matéria de facto, nas decisões judiciais que profira meios de prova, expressões conclusivas, de direito e, matéria de facto que se mostre inócua para a decisão de mérito a proferir, atento o objeto da ação (pedido, causa de pedir e exceções) e as várias soluções plausíveis de direito que lhe possam ser aplicadas.
Com efeito, já defendia Alberto dos Reis que “é questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior”[4]; e já expendia que a atividade do juiz se deve circunscrever ao apuramento dos factos materiais, devendo evitar que no questionário entrem noções, fórmulas, categorias ou conceitos jurídicos, inserindo apenas, nos quesitos e na matéria de facto assente, factos materiais e concretos”[5].
Na linha de que ao elenco dos factos provados e não provados na sentença, o juiz apenas deve levar factos materiais, tem-se pronunciado a jurisprudência nacional maioritária, designadamente, após a entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26/06, que reviu o CPC, na sequência do que, conforme já referido, a sentença passou a incluir o julgamento da matéria de facto e de direito e que não contém um dispositivo legal equivalente ao anterior art. 646º, n.º 4.
Na verdade, tem-se continuado maioritariamente a considerar como não escritas as respostas do julgador sobre matéria qualificada como de direito; e a equiparar às conclusões de direito, por analogia, as conclusões de facto, isto é, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados (sem prejuízo de se dever equiparar a factos as expressões verbais, com um sentido técnico-jurídico determinado, que são utilizadas comummente pelas pessoas sem qualquer preparação jurídica, na sua linguagem do dia a dia, falada ou escrita, com um sentido idêntico, contanto que essas expressões não integrem o próprio objeto do processo, ou seja, não invadam o domínio de uma questão de direito essencial, traduzindo uma resposta antecipada da questão de direito decidenda)[6].
Nesse sentido enfatizam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa que, ao eliminar o antigo art. 646º, n.º 4 do atual vigente CPC (onde se estabelecia que: “Têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”), o legislador optou pela “admissibilidade de uma metodologia em que, com mais maleabilidade, se faça o cruzamento entre a matéria de facto e a matéria de direito, tanto mais que a circunstância de ambos os segmentos surgiram agregados na mesma peça processual facilita e simplifica a decisão do litígio”. Porém, tal “opção não significa, obviamente, que seja doravante admissível a assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspetos que dependem da decisão da matéria de facto”[7].
Assim, apesar da eliminação do anterior n.º 4 do art. 646º do atual vigente CPC, em face do disposto no seu art. 607º, n.º s 3 e 4, mantem-se com plena atualidade no âmbito da atual lei adjetiva nacional a doutrina sufragada por Alberto dos Reis, reiterada por Artur Anselmo de Castro, ao expender que: “São ainda de equiparar aos factos, os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido; por outras palavas, os que, contendo a enunciação do facto pelos próprios carateres gerais da lei, sejam de uso corrente na linguagem comum, como «pagar», «emprestar», «vender», «arrendar», «dar em penhor», etc. Poderão então figurar, esses próprios termos, devendo tomar-se no sentido corrente ou comum, ou no próprio sentido em que a lei os tome, quando coincidente, desde que as partes não disputem sobre eles, podendo ainda figurar sempre na especificação e ainda no questionário quando não constituem o próprio objeto do litígio” (sublinhado nosso)[8].
Decorre do excurso antecedente que, ao ter naquele ponto 4.al. c) da facticidade que julgou provada a 1ª Instância respondido antecipadamente à questão fáctico-jurídica que se impõe decidir no âmbito da presente reclamação à relação de bens, impõe-se determinar a eliminação do seu teor do elenco dos factos julgados provados na sentença sob sindicância.
Termos em que, sem mais, por desnecessárias, considerações, ordena-se a eliminação do elenco dos factos provados na sentença recorrida da totalidade do teor do ponto 4º, alínea c). A.1- Do suprimento oficioso do vício da deficiência do julgamento da matéria de facto
Verificando-se que o julgamento da matéria realizado pela 1ª Instância padece do vício da deficiência[9], na medida em que nele se omitiu a prova (ou não prova) dos factos essenciais necessários ao apuramento se os prédios objeto da reclamação à relação de bens apresentada pelo cabeça de casal (recorrido) – identificados na escritura de justificação notarial junta aos autos - integram (ou não) o património comum do extinto casal formada por recorrente e recorrida, cumpre ao tribunal de recurso, de modo oficioso, fazendo uso dos poderes de substituição que lhe são conferidos pelo n.º 1 do art. 662º do CPC, suprir esse vício, sempre que os meios de prova constante do processo e da gravação lho permitam fazer com a necessária segurança (julgando como provada ou não provada a facticidade essencial em relação aos quais se omitiu pronúncia). De contrário, impõe-se que, fazendo uso dos poderes de cassação da al. al. c), do n.º 2, do art. 662º, anule a sentença e ordene a ampliação do julgamento da matéria de facto quanto a essa facticidade, seguindo-se após a prolação de nova sentença.
No caso sobre que versam os autos os factos relevantes para a decidir a questão de direito convocada pela recorrente na reclamação à relação de bens constam de documentos autênticos que se encontram juntos ao presente processo e em relação aos quais não foi suscitada a sua falsidade, pelo que, aqueles factos (exarados nesses documentos autênticos), nos termos do disposto nos arts. 362º, 363º, n.ºs 1 e 2, 369º e 371º, n.º 1 do CC, encontram-se plenamente provados.
Destarte, ao abrigo do disposto no art. 662º, n.º 1 do CPC,ordena-se o aditamento ao elenco dos factos julgados provados na sentença recorrida da seguinte facticidade:
5- Por escritura pública outorgada, em 24 de março de 1998, no Cartório Notarial ..., pelo cabeça de casal, AA, e pela reclamante, EE, enquanto Primeiros Outorgantes, e por HH, II e JJ, estes enquanto Segundos Outorgantes, foi declarado o seguinte: “OS PRIMEIROS OUTORGANTES DECLARARAM: Que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, dos seguintes bens: N.º 1- Um prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, destinada a habitação, com cinco divisões sito no Lugar ..., da freguesia ..., deste concelho, com a superfície coberta de cento e dezanove metros quadrados, e logradouro de duzentos e onze metros quadrados, a confrontar do norte com LL, do sul com KK, do nascente com DD e do poente com estrada municipal, não descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho, inscrito na matriz em nome do justificante marido sob o artigo ...60, com a valor patrimonial de 432.000$00, e o atribuído de QUINHENTOS CONTOS. N.º 2 – Prédio rústico, composto de cultura com videiras em ramada, sito no Lugar ..., na freguesia ..., deste concelho, a confrontar do norte com DD, do sul com estrada municipal, do nascente com MM, e do poente com LL, com a área de duzentos e cinquenta metros quadrados, não descrito na Conservatória do Registo Predial ..., inscrito na matriz em nome do justificante marido sob o artigo ...04, com o valor patrimonial de 2.662$00, e o atribuído de CEM MIL ESCUDOS. Que não possuem título formal que lhes permita registar na competente conservatória os identificados prédios, mas que, no entanto, entraram na posse dos mesmos, há mais de vinte anos, através de doação meramente verbal feita por DD e mulher CC, residentes na dita freguesia .... Que sempre estiveram e se têm mantido na posse e fruição dos identificados prédios há mais de vinte anos, habitando o primeiro e cultivando o segundo, pagando impostos e administrando-os, com ânimo de quem exercita direito próprio, fazendo-o de boa fé, por ignorarem lesar direito alheio, pacificamente, porque sem violência, contínua e publicamente, com conhecimento de toda a gente, sem interrupção ou oposição de quem quer que seja. Que, dadas as características de tal posse, adquiriram os identificados prédios por usucapião, não dispondo todavia, dado o modo de aquisição, de documento ou título formal que lhes facilite a prova do seu direito, base do registo que pretendem fazer a ser favor. E, para suprir a falta de título, prestam estas declarações para efeitos de primeira inscrição no Registo Predial. DECLARAM, DEPOIS, OS SEGUNDOS OUTORGANTES: Que, confirmam integralmente as declarações acabadas de prestar. (…)” – cfr. certidão da escritura de justificação junta aos presentes autos em 21/09/2022.
6- Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...05, freguesia ..., o prédio urbano sito em ..., Rua ..., freguesia ..., ... e ..., composto por casa de rés do chão e logradouro, o qual se encontra inscrito pela ap. ...2, de 1998/06/05, a favor de AA e BB, figurando como causa de aquisição pelos últimos do direito de propriedade sobre o referido prédio a usucapião – cfr. certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial ..., junta aos presentes autos em 21/09/2022.
7- Encontra-se descrito na mesma Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...05, freguesia ..., o prédio rústico sito no Lugar ..., composto por terreno de cultura com videiras em ramada, o qual se encontra inscrito pela ap. ...2, de 1998/06/05, a favor de AA e BB, figurando como causa de aquisição pelos últimos do direito de propriedade sobre o identificado prédio a usucapião – cfr. certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial ..., junta aos presentes autos em 21/09/2022.
8- FF e marido, NN, instauraram, em 18/01/2005, ação sumária de impugnação judicial da escritura de justificação identificada em 5), que correu termos no extinto ... Juízo do Tribunal Judicial de Esposende, sob o n.º 103/05...., contra AA e mulher, EE, HH, II e JJ, pedindo a condenação destes: “a) A ver declaradas falsas as declarações feitas na escritura aludida no item 1ª da petição inicial; b) E, consequentemente, a ver declarada nula a invocada escritura; c) A reconhecer que o terreno onde está implantado artigo urbano ...60, de ..., é propriedade dos pais da Autora mulher, DD e mulher, CC; d) E, finalmente, a ordenar o cancelamento dos registos feitos com base na invocada escritura em relação ao referido artigo 2260º” – cfr. certidão junta aos presentes autos em ../../2022, extraída dos autos de ação declarativa que correu termos pelo extinto ... Juízo do Tribunal Judicial de Esposende sob o n.º 103/05.....
9- No âmbito dessa ação, os aí Réus, AA e mulher, BB, contestaram a ação, em que alegaram, além do mais, que: “As declarações prestadas na escritura de justificação são verdadeiras”, e onde deduziram reconvenção, pedindo que: “Deve a reconvenção ser julgada provada e procedente e, em consequência: a) declarar-se que os Réus são donos e legítimos possuidores dos prédios identificados nos artigos 25º e 27º desta peça; b) condenar-se os Autores a reconhecer o direito de propriedade dos Réus sobre os prédios identificados nos artigos 25º e 27º desta peça” - cfr. certidão junta aos presentes autos em ../../2022, extraída dos autos de ação declarativa que correu termos pelo extinto ... Juízo do Tribunal Judicial de Esposende sob o n.º 103/05.....
10- Em 27/12/2005, no âmbito daquela ação foi proferido despacho saneador, transitado em julgado, em que se julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa e, em consequência, absolveu-se os aí Réus da instância. Admitiu-se a reconvenção e ordenou-se o prosseguimento da ação unicamente para conhecimento da reconvenção - cfr. certidão junta aos presentes autos em ../../2022, extraída dos autos de ação declarativa que correu termos pelo extinto ... Juízo do Tribunal Judicial de Esposende sob o n.º 103/05.....
11- Na sessão de audiência final realizada no âmbito daquela ação, em 05/12/2007, entre aí Réus-reconvintes, AA e mulher, EE, e os aí Autores-reconvindos, FF e marido, GG, foi celebrada a seguinte transação: Primeira Os Autores reconhecem que os Réus são donos dos prédios identificados nos artigos 25º e 27º da reconvenção, descritos na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...57 – ... (artigo 2260º - urbano) e sob o n.º ...25 – ... (artigo ... - rústico). Segunda Autores e Réus reconhecem que o terreno onde foi edificado o prédio urbano – artigo 2260º de ... e o prédio rústico – artigo ... ..., foram doados aos Réus pelos pais da autora e ré mulheres, DD e CC em 1984. Terrenos cujo valor deve ser conferido aquando do falecimento dos pais” - cfr. certidão junta aos presentes autos em ../../2022, extraída dos autos de ação declarativa que correu termos pelo extinto ... Juízo do Tribunal Judicial de Esposende sob o n.º 103/05.....
12- A transação acabada de referir foi homologada, por sentença proferida em 05/12/2007, transitada em julgado em 15/12/2007 - cfr. certidão junta aos presentes autos em ../../2022, extraída dos autos de ação declarativa que correu termos pelo extinto ... Juízo do Tribunal Judicial de Esposende sob o n.º 103/05.....
13- CC outorgou testamento, em 18 de agosto de 2005, no ... Cartório Notarial ..., em que declarou:
“Que lega, por conta da sua meação, e por conta da quota disponível, a sua filha EE, os dois prédios seguintes: 1- Terreno situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., que confronta do norte com LL, sul com KK, nascente com DD e poente com estrada municipal, no qual a legatária, sua filha, construiu a casa de habitação que está inscrita na matriz urbana sob o artigo ...60; 2- Rústico, situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., que confronta do norte com DD, sul com estrada, nascente com KK e poente com LL, inscrito na matriz rústica sob o artigo ...04” – cfr. certidão do testamento outorgado por CC a CC, junta aos presentes autos em ../../2021.
14- DD outorgou testamento, em 18 de agosto de 2005, no ... Cartório Notarial ..., em que declarou:
“Que lega, por conta da sua meação, e por conta da quota disponível, a sua filha EE, os dois prédios seguintes: 1- Terreno situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., que confronta do norte com LL, sul com KK, nascente com DD e poente com estrada municipal, no qual a legatária, sua filha, construiu a casa de habitação que está inscrita na matriz urbana sob o artigo ...60; 2- Rústico, situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., que confronta do norte com DD, sul com estrada, nascente com KK e poente com LL, inscrito na matriz rústica sob o artigo ...04” – cfr. certidão do testamento outorgado por DD, junta aos presentes autos em 26/05/2021.
15- Por escritura pública de justificação e doação remuneratória, lavrada em 29 de agosto de 2012, no Cartório Notarial sito na Alameda ..., ..., em que figuram como Primeiros Outorgantes DD e mulher, CC, e como Terceira Outorgante BB, foi declarado o seguinte: “Declararam os Primeiros Outorgantes: Que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio rústico, composto de mato, situado em ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 853 m2, a confrontar do norte com LL e outros, do sul com KK, do nascente com OO e outro, e do poente com AA, inscrito na matriz predial rústica sob o art. ...90º (…). (…). Que por conta da sua quota disponível, fazem à terceira outorgante, sua filha, doação remuneratória dos seguintes imóveis, não possuindo quaisquer outros prédios rústicos confinantes: Verba número um O imóvel atrás identificado, a que atribuem o valor de noventa e quatro cêntimos. Verba número dois Prédio rústico, composto de terreno de cultura, com videiras em ramada, situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob o art. ...04º, com o valor patrimonial atribuído de treze euros e vinte e oito cêntimos, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...25/..., registado a favor da terceira outorgante e marido pela inscrição apresentação ..., sero seis, zero cinco. Que este prédio rústico já havia sido dado verbalmente em 1984 pelos primeiros outorgantes à terceira outorgante, tendo esta naquela data entrado na posse do prédio e registando-o em seu nome com base na usucapião. (…) Que esta doação é feita com a obrigação de a donatária cuidar dos doadores sempre que para tal for solicitada e seja necessário em consequência do seu estado de saúde, designadamente acompanhamento na velhice e na doença. Declarou a terceira outorgante: Que aceita esta doação nos termos exarados” – cfr. certidão da escritura de justificação e doação remuneratória junta aos presentes autos em 26/05/2021. B- Do mérito
A 1ª Instância julgou a reclamação apresentada pela recorrente contra a relação de bens improcedente (em que pugnava pela exclusão da relação do prédio urbano nela descrito sob a verba n.º 45, por este integrar a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seus pais, pretendendo apenas assistir ao património comum do extinto casal um direito de crédito correspondente às benfeitorias relativas ao valor da casa de morada de família que nele edificou), e, em consequência, ordenou que o prédio urbano relacionado sob a verba n.º 45 e, bem assim, o prédio rústico composto de cultura com videiras em ramada permanecessem/fossem inscritos nessa relação de bens, por integrarem o património comum do extinto casal e, como tal, teriam de ser partilhados no âmbito do presente processo de inventário subsequente a divórcio.
O fundamento fáctico-jurídico em que a 1ª Instância ancorou o assim decidido fundamentou-se na circunstância de que, “contrariamente ao indicado na relação de bens, o terreno onde se encontra edificada a habitação do dissolvido casal (verba n.º 45) é também ele bem comum do casal, não integrando, tal terreno, por isso, a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de CC, progenitora da interessada EE. Com efeito, consultados” os autos, surpreende-se neles “a existência de uma escritura de justificação outorgada por ambos os interessados no dia 04/04/1998”, em que declararam serem donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio urbano composto de casa de rés do chão e, bem assim, de um prédio rústico, composto de cultura com videiras e ramadas, em cuja posse entraram “há mais de vinte anos, através de doação meramente verbal feita por DD e mulher PP, residentes na dita freguesia .... Que sempre estiveram e se têm mantido na posse e fruição dos identificados prédios, há mais de vinte anos, habitando o primeiro e cultivando o segundo, pagando impostos e administrando-os com ânimo de quem exercita direito próprio, fazendo-o de boa-fé, por ignorarem lesar direito alheio, pacificamente, porque sem violência, contínua e publicamente, com conhecimento de toda a gente, sem interrupção de quem quer que seja. Que, dadas as enunciadas características da posse, adquiriram os identificados prédios, não dispondo, todavia, dado o modo de aquisição, de documento ou título formal que lhes facilite a prova do seu direito, base do registo que pretendem fazer a seu favor”. Após a outorga da escritura de justificação, e feita a publicação da mesma, os justificantes registaram os referidos imóveis a seu favor na Conservatória do Registo Predial (…). Não obstante se tratarem de dois artigos matriciais, com descrições prediais e com referência a diferentes freguesias, o certo é que se trata de um único prédio, isto é, correspondem ambos os artigos ao terreno onde se encontra implantada a habitação e respetivo logradouro (verba n.º 45 da relação de bens), devendo-se a divergência, quanto às distintas freguesias, ao facto de se situarem no respetivo limite. (…). Acresce que, compulsado o processo judicial que correu termos sob o n.º 103/05...., do ... Juízo do extinto Tribunal Judicial de Esposende”, constata-se que nele os aí autores impugnaram a referida escritura de justificação notarial, onde acabou por ser lavrada transação, homologada por sentença transitada em julgado, em que reconheceram que o terreno (isto é, o prédio urbano e o prédio rústico) onde foi edificada a casa são propriedade da aqui reclamante e do cabeça de casal, por lhes ter sido doado verbalmente pelos pais da reclamante em 1984. “Para além da escritura de justificação que ambos os interessados outorgaram no ano de 1998, o que corresponde ao modo de aquisição originária, confessaram ainda judicialmente que o terreno foi doado a ambos os interessados pelos pais da interessada EE no ano de 1984” e a “sentença proferida naqueles autos tem força de caso julgado no presente processo”. Deste modo, o fundamento para o tribunal a quo ter considerado que o prédio urbano e o prédio rústico são bens comuns do extinto casal formado pela recorrente e pelo recorrido e para, consequentemente, ter ordenado que os mesmos fossem consignados na relação de bens, a fim de serem partilhados no presente processo de inventário subsequente a divórcio, fundou-se, por um lado, no teor da escritura de justificação notarial celebrada em 24/03/1998, em que recorrente e recorrido confessaram terem adquirido o direito de propriedade sobre os mesmos por via originária, mediante o funcionamento do instituto da usucapião, isto é, ex novo na sua esfera jurídico-patrimonial e, por outro, no caso julgado material que cobre a sentença homologatória da transação celebrada no âmbito do processo de impugnação judicial da escritura de justificação notarial, que correu termos no extinto ... Juízo do Tribunal Judicial de Esposende sob o n.º 103/05...., em que os aí autores (impugnantes) e os aqui recorrente e recorrida (aí réus/impugnados e reconvintes) transigiram quando ao objeto dessa ação no sentido de reconhecerem o direito de propriedade sobre os identificados prédios aos últimos, por lhe terem sido doados em 1984 pelos pais da recorrente, caso julgado material esse que, atentos os seus efeitos positivos, impõe, com força obrigatória e sem nova discussão, o decidido naquela sentença homologatória da transação celebrada nos presentes autos de inventário.
Sem colocar em crise que o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...57 da freguesia ..., e o prédio rústico descrito na mesma Conservatória sob o n.º ...25 da freguesia ... (identificados na escritura de justificação notarial outorgada em 04/03/1998, entre recorrente e recorrido) integram o terreno em que, na constância do matrimónio, o extinto casal edificou aquela que foi a casa de morada de família, a recorrente imputa ao assim decidido erro de direito, pretendendo que ambos os prédios são bens pessoais seus, atento o regime de bens do casamento (a comunhão de adquiridos), dado que lhe foram doados pelos seus pais, e mesmo que se considerasse que foram doados a ambos os elementos do extinto casal, a conclusão jurídica a extrair seria a mesma, atenta a circunstância dos seus pais terem doado os prédios também ao recorrido por ele ser então casado com aquela, face ao regime jurídico do art. 1791º do CC, que determina a caducidade das doações feitas pelos seus pais ao recorrido (ex-cônjuge marido) ope legis com o decretamento do divórcio.
No que tange ao valor probatório que a 1ª Instância atribuiu às declarações que aquela e o recorrido prestaram no âmbito da escritura de justificação notarial outorgada em 24 de março de 1998, advoga a recorrente que a dita escritura, dado consubstanciar um documento autêntico, apenas prova plenamente que a mesma e o recorrido fizeram as declarações que nela se encontram exaradas, mas não prova a veracidade dessas declarações. Acresce que, conforme decorre da transação celebrada no âmbito da ação de impugnação dessa escritura, que correu termos sob o n.º 103/05, do extinto ... Juízo do Tribunal Judicial de Esposende, homologada por sentença transitada em julgado, recorrente e recorrido reconheceram nela que os prédios em causa lhes foram doados pelos pais da primeira verbalmente, em 1984, o que demonstra não só que as declarações que fizeram na dita escritura de justificação notarial são falsas, como que não adquiriram esses prédios por usucapião, na medida em que, entre 1984 e 1998 (data da celebração da escritura de justificação notarial) não decorreram vinte anos, mas apenas catorze anos, o que é insuficiente para a aquisição da propriedade sobre os prédios por via originária, por usucapião.
Vejamos se assiste razão à recorrente para os erros de direito que assaca à sentença recorrida. B.1- Escritura de justificação notarial
Estabelece o art. 116º do Código do Registo Predial (CRP), sob a epígrafe “Justificação relativa ao trato sucessivo”, que: “1- O adquirente que não disponha de documento para a prova do seu direito pode obter a primeira inscrição mediante escritura de justificação notarial ou decisão proferida no âmbito do processo de justificação prevista neste capítulo. 2- Caso exista inscrição de aquisição, reconhecimento ou mera posse, a falta de intervenção do respetivo titular, exigida pela regra do n.º 2 do artigo 34º, pode ser suprida mediante escritura de justificação notarial ou decisão proferida no âmbito do processo de justificação prevista neste capítulo. 3- Na hipótese prevista no número anterior, a usucapião implica novo trato sucessivo a partir do titular do direito assim justificado”.
Sobre a escritura de justificação rege ainda a Subseção III do Código do Notariado (CN), que tem por epígrafe “Justificações Notariais”, onde aquela se encontra regulada nos arts. 89º a 101º.
No que ao caso dos autos relava importa o regime jurídico previstos nos arts. 89º, 96º, n.º 1 e 101º do CN.
No art. 89º estabelece-se que: “1- A justificação, para efeitos do n.º 1 do art. 116º do Código do Registo Predial, consiste na declaração feita pelo interessado, em que este se afirme, com exclusão de outrem, titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e referindo as razões que o impossibilitam de a comprovar pelos meios normais. 2- Quando for alegada a usucapião baseado em posse não titulada, devem mencionar-se expressamente as circunstâncias de facto que determinam o início da posse, bem como as que consubstanciam e caracterizam a posse geradora da usucapião”.
No art. 96º, n.º 1 que: “As declarações prestadas pelos justificantes são confirmadas por três declarantes”.
E, finalmente, no art. 101º, que tem por epígrafe “Impugnação”, estatui-se que: “1- Se algum interessado impugnar em juízo o facto justificado deve requerer simultaneamente ao tribunal a imediata comunicação ao notário da pendência da ação. 2- Só podem ser passadas certidões de escritura de justificação decorridos 30 dias sobre a data em que o extrato for publicado, se dentro desse prazo não for recebida comunicação da pendência da impugnação. 3- O disposto no número anterior não prejudica a passagem de certidão para efeito de impugnação, menção que da mesma deve constar expressamente. 4- Em caso de impugnação, as certidões só podem ser passadas depois de averbada a decisão definitiva da ação. 5- No caso de justificação simultânea, nos termos do artigo 93º, não podem ser extraídas quaisquer certidões da escritura sem observância do prazo e das condições referidas nos números anteriores”.
Decorre do regime jurídico que se acaba de transcrever que a escritura de justificação notarial é um mecanismo de natureza excecional, que foi gizado pelo legislador perante a necessidade de se colmatar a falta ou insuficiência de título legalmente previsto (constitutivo ou aquisitivo de um direito real sobre um concreto imóvel) por parte de quem se arrogue titular desse direito e o pretenda inscrever no registo.
A escritura de justificação notarial assenta no pressuposto de que o interessado não dispõe de documento bastante para comprovar o direito real de que se arroga titular sobre o prédio, que o habilite a inscrevê-lo no registo predial, permitindo-lhe a lei que, mediante recurso à escritura de justificação notarial obtenha a documentação (a própria escritura) necessária à primeira inscrição no registo (no caso de se tratar de prédio nele não descrito) ou para reatar ou estabelecer um novo trato sucessivo (no caso de se tratar de prédio já com inscrição de aquisição, reconhecimento ou mera posse) a fim de suprir a ausência de intervenção do titular do direito inscrito.
Nas palavras de Borges Araújo, “na génese do sistema em que assenta a justificação notarial está o princípio do trato sucessivo, sendo, portanto, um meio simplificado e expedito de se obter um novo título para responder à necessidade do registo predial obrigatório”[10].
Para esses efeitos, conforme dispõe o n.º 1 do art. 89º do CN, a justificação consiste na declaração feita pelo interessado, em que afirme que, com exclusão de outrem, ser titular de um direito real sobre um determinado prédio e em que especifique a causa de aquisição do direito em causa e as concretas razões que o impossibilitam de comprovar essa causa de aquisição daquele direito pelos meios legalmente previstos (v.g. escritura de compra e venda, doação, dação em pagamento, etc.). Quando o justificante declare como título aquisitivo do direito real a que se arrogue titular sobre o prédio a usucapião baseada em posse não titulada, terá de indicar expressamente na escritura as concretas circunstâncias de facto que determinaram o início da posse e aquelas que integram a posse que vem exercendo sobre o prédio e que, na sua perspetiva, faz surgir ex novo, por via originária, o direito real na sua esfera jurídica, mediante o funcionamento do instituto da usucapião.
Tais declarações prestadas pelo justificante têm se der confirmadas por três declarantes, conforme é exigido pelo art. 96º, n.º 1 do CN.
A escritura de justificação notarial não constitui, portanto, um título constitutivo ou translativo de direitos reais sobre prédios, não possuindo aquela qualquer eficácia constitutiva ou translativa desses direito, tratando-se, muito simplesmente, de um instrumento ágil e simplificado de documentação de um facto aquisitivo de um direito real sobre um determinado prédio por parte do justificante, a fim de que possa superar a falta do título “normal” (escritura de compra e venda, doação, etc.) para efeitos de o poder registar no registo predial[11].
A escritura de justificação não constitui, por isso, o título aquisitivo do direito real que o justificante se arroga titular sobre o prédio. São antes os atos concretos (corroborados por três testemunhas) que nela declara que, quando subsumidos ao direito substantivo aplicável, são aptos a conduzir à aquisição do direito real.
Por isso, é que se compreende que, na escritura de justificação tenha o declarante e as testemunhas de declarar qual o concreto direito real que o mesmo, com exclusão de outrem, afirma ser titular sobre o prédio, a concreta causa de aquisição do direito em causa e, bem assim, os concretos motivos que o impossibilitam de comprovar essa causa de aquisição do direito real pelos meios normais/títulos legalmente previstos para a sua aquisição. E quando declarem que a causa de aquisição do direito real se funda na usucapião baseada em posse não titulada, têm de especificar expressamente as concretas circunstâncias de facto em que se iniciou a posse, nomeadamente, se se trata de posse originária ou derivada e, neste caso, a identificação do iniciador da posse e o meio pelo qual este a transmitiu ao declarante, assim como os concretos atos que o último e o transmitente da posse exerceram sobre o prédio e que integram a posse geradora da usucapião.
No entanto, fundando-se a escritura de justificação notarial nas próprias declarações do justificante, ainda que respaldadas por três testemunhas que as confirmem, aquela não oferece naturalmente garantias sólidas de segurança de que os factos constitutivos do direito real que nela são declarados tenham efetiva aderência com a realidade ontológica realmente acontecida/verificada.
Por isso, compreende-se que o art. 101º do CN preveja que a escritura de justificação pode ser impugnada judicialmente, sem que essa impugnação esteja sujeita a qualquer prazo de caducidade[12], ou seja, a impugnação pode ter lugar a todo o tempo, antes ou depois de com base na escritura de justificação se ter registado o direito justificado, por qualquer interessado que entenda que os seus direitos sobre o prédio são afetados/prejudicados pelo direito real inscrito no registo com base na mesma.
Por outro lado, fundando-se a documentação (a escritura de justificação) que permitiu ao interessado a inscrição no registo do direito real justificado a seu favor nas declarações que o próprio e as três testemunhas nela prestaram, compreende-se que seja pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que a ação de impugnação da escritura de justificação notarial configura uma ação de simples apreciação negativa em que, nos termos do disposto no art. 334º, n.º 1 do CC, recai sobre os nela réus (justificantes) o ónus da prova da verificação dos factos constitutivos do direito justificado que declararam na escritura de justificação notarial impugnada, bastando, por sua vez, ao autor da ação (impugnante) alegar os factos exarados na escritura e que estes não são verdadeiros.
Neste sentido, expende-se no acórdão de uniformização de jurisprudência (AUJ) n.º 1/2008, publicado no DR., I Série, n.º 63, de 31/03/2008, págs. 1871 a 189, que:
“Na ação de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos arts. 116º, n.º 1 do Código do Registo Predial e 89º e 101º do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhe a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7º do Código do Registo Predial”.
Dito por outras palavras, como assertiva e lucidamente se escreve no acórdão do STJ, de 12/05/2016, a que já fizemos referência, a ação de impugnação judicial de escritura de justificação configura-se “como uma ação de simples apreciação negativa, incluída no elenco contencioso, petitória, tendente a derrubar os factos e direitos arrogados, que não prescreve pelo decurso do tempo, sem prejuízo dos direitos entretanto adquiridos por usucapião, nos termos do art. 1313º do CC. Revestindo essa ação impugnatória tal natureza, incumbe ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, como prescreve o n.º 1 do ar. 343º do CC, recaindo sobre o autor apenas o ónus de alegação dos factos vertidos na escritura impugnada. Não provando o réu tais factos, a ação procederá, tendo por efeito a ineficácia do ato de justificação notarial e a consequente impossibilidade do registo de aquisição visada ou o cancelamento do registo entretanto efetuado nessa base. Provando o réu tais factos, forma-se, entre as partes, caso julgado material sobre a existência do direito arrogado e procede-se ao registo que, em relação a terceiros, opera presunção iuris tantum de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, conforme estatuído no art. 7º do CRP”[13]. B.2- Da força probatória da escritura de justificação notarial
Fixadas que estão as finalidades prosseguidas pelo legislador com a escritura de justificação notarial, esta consubstancia um documento, nos termos do art. 362º do CC, onde se dispõe que a prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto.
Na medida em que a escritura de justificação é lavrada por notário, dentro do circulo de interesses que lhe são atribuídos pelo Código do Notariado, quando nela sejam observadas as formalidades legais prescritas nesse Código, a escritura de justificação notarial consubstancia um documento autêntico (art. 363º, n.ºs 1 e 2 do CC) e como tal, quando não seja invocada a sua falsidade, aquela faz prova plena dos factos que nela são referidos como tendo sido praticados pelo notário e, bem assim, dos que nela são referidos como se tendo passado na sua presença, quer dizer, dos factos que nela são atestados com base nas perceções daquele (arts. 371º, n.º 1 e 372º do CC).
Isto é, “o valor probatório pleno do documento autêntico não respeita a tudo o que se diz ou se contém no documento, mas somente aos factos que se referem praticados pela autoridade ou oficial respetivo (ex: procedi a este ou àquele exame), e quando aos factos que são referidos no documento com base nas perceções da entidade documentadora. Se, no documento, o notário afirma que, perante ele, o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado que o outorgante o disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante, ou que esta não tenha sido viciada por erro, dolo ou coação, ou que o ato não seja simulado”[14].
Contudo, importa ter presente que quando as declarações constem de documento autêntico (como é o caso de uma escritura de justificação notarial) ou particular e se dirijam à parte contrária ou quem a represente (ao outro outorgante no documento) e se traduzam no reconhecimento de um facto que seja desfavorável ao declarante e que favoreça a parte contrária, está-se na presença de uma confissão extrajudicial escrita, a qual, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento em causa e/ou da invocação da nulidade ou anulabilidade da declaração confessória, por falta ou vício de vontade, faz prova plena dos factos confessados contra o confitente (arts. 352º e 358º, n.º 2 do CC)[15].
Revertendo ao caso dos autos, apurou-se que, em 24 de março de 1998, a recorrente EE, e o recorrido (cabeça-de-casal), AA, outorgaram escritura de justificação notarial, no Cartório Notarial ..., em que declararam: “Que são dons e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, dos seguintes bens: N.º 1- Um prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, destinada a habitação, com cinco divisões sito no Lugar ..., da freguesia ..., deste concelho, com a superfície coberta de cento e dezanove metros quadrados, e logradouro de duzentos e onze metros quadrados, a confrontar do norte com LL, do sul com KK, do nascente com DD e do poente com estrada municipal, não descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho, inscrito na matriz em nome do justificante marido sob o artigo ...60, com a valor patrimonial de 432.000$00, e o atribuído de QUINHENTOS CONTOS. N.º 2 – Prédio rústico, composto de cultura com videiras em ramada, sito no Lugar ..., na freguesia ..., deste concelho, a confrontar do norte com DD, do sul com estrada municipal, do nascente com MM, e do poente com LL, com a área de duzentos e cinquenta metros quadrados, não descrito na Conservatória do Registo Predial ..., inscrito na matriz em nome do justificante marido sob o artigo ...04, com o valor patrimonial de 2.662$00, e o atribuído de CEM MIL ESCUDOS. Que não possuem título formal que lhes permita registar na competente conservatória os identificados prédios, mas que, no entanto, entraram na posse dos mesmos, há mais de vinte anos, através de doação meramente verbal feita por DD e mulher CC, residentes na dita freguesia .... Que sempre estiveram e se têm mantido na posse e fruição dos identificados prédios há mais de vinte anos, habitando o primeiro e cultivando o segundo, pagando impostos e administrando-os, com ânimo de quem exercita direito próprio, fazendo-o de boa fé, por ignorarem lesar direito alheio, pacificamente, porque sem violência, contínua e publicamente, com conhecimento de toda a gente, sem interrupção ou oposição de quem quer que seja. Que, dadas as características de tal posse, adquiriram os identificados prédios por usucapião, não dispondo todavia, dado o modo de aquisição, de documento ou título formal que lhes facilite a prova do seu direito, base do registo que pretendem fazer a ser favor. E, para suprir a falta de título, prestam estas declarações para efeitos de primeira inscrição no Registo Predial”.
Apesar das declarações que se acabam de referir serem feitas por recorrente e recorrido tendo por fito a inscrição no registo do direito de propriedade a que se arrogam titulares sobre os prédios aí identificados, por via originária, mediante o funcionamento do instituto da usucapião, não se pode desconsiderar que se essas declarações se dirigem, em termos externos, ao conservador do registo predial onde pretendem, pela primeira vez, inscrever no registo o direito de propriedade sobre aqueles prédios (prédios objeto da reclamação à relação de bens) e aos terceiros que se possam considerar prejudicados com o direito de propriedade que aqueles assim justificaram, em termos internos (isto é, quando eles emanam essas declarações um perante o outro), as declarações que a recorrente emanou não podem deixar de ter como destinatário o recorrido e vice-versa, e que as declarações que os mesmos assim mutuamente emanaram entre si mostram-se prejudiciais aos interesses do outorgante que as emanou e favorecem os interesses do outro declarante, ao declarar que os ditos prédios foram doados a ambos (recorrente e recorrido) - e não exclusivamente à recorrente - por doação meramente verbal feita pelos pais da primeira, há mais de vinte anos e que ambos (e não apenas um deles) “estiveram e se têm mantido na posse e fruição dos identificados prédios, há mais de vinte anos, habitando o primeiro e cultivando o segundo, pagando impostos e administrando-os” (o que se reconduz ao elemento material da posse – “corpus”), com ânimo de quem exercita um direito próprio (o que se reconduz ao elemento subjetivo da posse – “animus”), fazendo-o e boa fé, por ignorarem lesar direito alheio, pacificamente, porque sem violência, contínua e publicamente, com conhecimento de toda a gente, sem interrupção ou oposição de que quer que seja”.
Ora, tendo a recorrente confessado na escritura de justificação notarial de 24/03/1998 perante o seu então cônjuge (ora recorrido e cabeça de casal) que os prédios identificados nessa escritura foram doados verbalmente pelos pais daquela aos dois elementos do então casal, há mais de vinte anos, por referência à data em que, em 24 de março de 1998, a outorgaram, e que são ambos que, sem interrupção ou oposição de quem quer que seja, há mais de vinte anos vêm exercendo, e continuam a exercer, os poderes de facto que aí descrevem sobre esses mesmos prédios (o que consubstancia o “corpus” possessório), na convicção de serem proprietários deles (“animus”), e sendo o assim declarado pela recorrente desfavorável aos seus interesses e favorável aos interesses do seu então marido (recorrido), não só esses factos por eles mutuamente confessados um ao outro se têm por plenamente provados, como os mencionados atos possessórios, nos termos do disposto nos arts. 1251º, 1258º, 1259º, 1260º, 1261º, 1287º e 1296º do CC, levou a que ambos (e não apenas a recorrente) tivessem adquirido por via originária, isto é, ex novo, o direito de propriedade sobre aqueles prédios.
Por conseguinte, não tendo a recorrente invocado a falsidade da dita escritura de justificação notarial de 24 de março de 1998, nem que as declarações confessórias que nela expressou perante o seu então marido (recorrido) se encontrassem afetadas por falta ou vício de vontade (únicos fundamentos que podia invocar, por forma a afastar a prova plena dos factos que nela confessou em benefício do então seu marido), tais factos, nos termos do disposto nos arts. 352º e 358º, n.º 2 do CC, têm-se por plenamente provados, impondo-se, em consequência, concluir que recorrente e recorrido adquiriram o direito de propriedade sobre os prédios por via originária, ou seja, ex novo na sua esfera jurídico-patrimonial, mediante a usucapião.
Daí que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não assista razão à recorrente quando pretende que a escritura de justificação notarial, enquanto documento autêntico, apenas faz prova plena de que a mesma e o seu então marido fizeram as declarações que nessa escritura se encontram exaradas, mas não que “tais declarações sejam validas”, isto é, verdadeiras.
Na verdade, ao assim alegar, a recorrente ignora ou desconsidera que as declarações por si feitas na dita escritura de justificação notarial encerram uma confissão escrita extrajudicial, feita perante o então seu marido, que não pode deixar de tê-lo como destinatário, nos termos da qual os prédios foram doados a ambos os cônjuges, verbalmente, há mais de vinte anos, por referência à data da celebração daquela escritura, em 24/03/1998, pelos pais daquela, os quais, há mais de vinte anos, são possuídos por ambos, sem interrupção, exercendo os mesmos os concretos poderes materiais (“corpus”) que nela descrevem sobre os prédios em causa, “comânimo de quem exercita direito próprio”, isto é, com intenção de quem exerce o direito de propriedade sobre os mesmos prédios, na ignorância de lesarem direito alheio, sem violência, com conhecimento de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, o que determinou que esses atos por ela assim confessados se tenham por plenamente provados e tenham determinado que ambos tivessem adquirido, por via originária (e não derivada dos pais daquela, para o que lhes falece título translativo válido, uma vez que a doação por estes feita àqueles foi verbal), ex novo, o direito de propriedade sobre os prédios.
Também não faz qualquer sentido a alegação da recorrente de que os concretos atos que na escritura de justificação em análise confessou serem exercitados pelo recorrido sobre os prédios não eram por eles exercidos com animus possidendi, na medida em que aquele teria, na contestação e reconvenção apresentada no âmbito da ação declarativa, que correu termos no ... Juízo do extinto Tribunal Judicial de Esposende sob o n.º 103/05...., reconhecido que os prédios teriam sido doados pelos pais daquela apenas a esta, pelo que, na sua perspetiva, ainda que aquele tivesse realizado “atos objetivos de posse, não tinha o animus conducente à mesma, uma vez que sabia que o terreno não era dele, mas sim da sua mulher, pelo que não tinha a intenção de agir como titular do mesmo”, ou quando pretende que as declarações que foram por si (e pelo recorrido) expressas na dita escritura de justificação são falsas, falsidade essa que é evidenciada pelo teor da transação celebrada no âmbito daquela ação declarativa n.º 103/05, uma vez que, na escritura de justificação outorgada em 1998, recorrente e recorrido “declararam que têm a posse dos mencionados prédios há mais e vinte anos, por doação verbal que lhes foi feita pelos pais da apelante, quando, no termo de transação, declararam que estes lhes foram doados em 1984”, e quando “de 1984 a 1998 não se passam vinte anos, mas sim catorze”.
Com efeito, ao assim alegar a recorrente desconsidera que não invocou a falsidade da escritura de justificação notarial em que emanou as declarações confessórias já acima enunciadas e analisadas, incluindo que os atos possessórios que nessa escritura se encontram descritos, à data da sua celebração, em 24/03/1998, eram (e continuavam) a ser praticados por si e pelo então seu marido (recorrido) sobre os prédios, há mais de vinte anos, de forma ininterrupta, e que “com ânimo de quem exercita direito próprio” e, bem assim, que não cuidou em alegar (e, por isso, está impedida de provar) que essas declarações confessórias que nela fez em benefício do então seu marido (recorrido) fosse nula ou anulável por falta ou vício de vontade, únicos meios que lhe estavam legalmente facultados para que pudesse afastar a força probatória plena de que beneficiam as declarações confessórias que por si foram nela emanadas.
Acresce que a recorrente desconsidera que no âmbito da referida ação n.º 103/05.... foi lavrada transação, homologada por sentença transitada em julgado, em que foi reconhecido que aquela e o recorrido (e não apenas ela) são donos dos prédios objeto da dita escritura de justificação (impugnada nessa ação), por os mesmos lhe terem sido doados (a ambos) pelos pais daquela em 1984, o que, conforme infra se verá, não tem o alcance que pretende extrair deste último facto.
Cumpre ainda referir que, na nossa perspetiva, não colhe a alegação da recorrente segundo a qual, atento o regime do casamento, os prédios são seus bens próprios, por lhe terem sido doados exclusivamente pelos seus pais e que o resultado a alcançar seria o mesmo caso se entendesse que a doação foi feita a ambos os então cônjuges, atento o disposto no art. 1791º do CC.
Na verdade, para que assim fosse, era necessário que os pais da recorrente tivessem doado os prédios a ambos os então cônjuges, ou, como esta pretende também acontecer, exclusivamente a si, de modo juridicamente válido, através da celebração da competente escritura pública de doação, o que não foi o caso, na medida em que, conforme recorrente e recorrido declararam na escritura de justificação notarial (e reafirmaram na ação de impugnação dessa escritura) e, portanto, se encontra plenamente provado por confissão (e, conforme infra se verá, também por via do efeito positivo da exceção da transação que cobre a sentença, transitada em julgado, que a homologou, proferida naquela ação), os pais da recorrente doaram os prédios a ambos os cônjuges (não exclusivamente à recorrente), de forma verbal, o que, nos termos do art. 220º do CC, determina a nulidade dessa doação verbal e, por isso, não operou a transferência do direito de propriedade sobre os prédios da esfera jurídico-patrimonial dos doadores para a dos donatários (recorrente e recorrido).
Foi, aliás, precisamente o reconhecimento da nulidade que afeta a doação verbal assim feita pelos pais da recorrente, por vício de forma, que levou que esta e o recorrido se tivessem socorrido da escritura de justificação notarial de 24 de março de 1998, como modo de registarem, ex novo, o direito de propriedade sobre os prédios a favor de ambos (elementos do então casal) no registo.
De resto, cumpre referir que, caso os pais da recorrente tivessem doado os prédios a ambos os então cônjuges em consideração ao estado de casados destes, de modo formalmente válido (o que não foi o caso), a consequência jurídica que decorreria do divórcio, nos termos do art. 1791º do CC, seria a caducidade da doação que os mesmos fizeram em benefício dos donatários (recorrente e recorrido), o que teria como consequência jurídica que os prédios doados, com o trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio, ingressassem ope legis, isto é, automaticamente na esfera jurídico-patrimonial dos pais da recorrente (doadores)[16], e não, conforme por ela vem pretendido, na sua exclusiva esfera jurídico-patrimonial.
Finalmente, tendo os pais da recorrente doado verbalmente os prédios à última e ao então seu marido e tendo estes, por via dos atos possessórios descritos na escritura de justificação de 24/03/1998, adquirido, por via originária, o direito de propriedade sobre os mesmos, aqueles deixaram de ser proprietários dos prédios, pelo que não podiam já deles dispor em sede testamentária ou por escritura de doação remuneratória a favor da recorrente.
Resulta do excurso antecedente que, ao julgar que os prédios urbano e rústico que se encontram identificados na escritura de justificação de 24 de março de 1998 (e que são objeto da presente reclamação à relação de bens), são bens comuns do extinto casal formado por recorrente e recorrida e que, consequentemente, integram o património comum a partilhar no âmbito dos presentes autos de inventário subsequente a divórcio, a 1ª Instância não incorreu em nenhum dos erros de direito que são assacados pela recorrente à sentença recorrida.
Contudo, ainda que se considerasse que a escritura de justificação notarial não encerra qualquer declaração confessória da recorrente para com o recorrido, na medida em que ambos nela figuram como declarantes e fazem as mesmas declarações (o que não se subscreve), o resultado jurídico a extrair seria o mesmo por via do trânsito em julgado da sentença que homologou a transação judicial celebrada no âmbito da ação declarativa que correu termos sob o n.º 103/05...., do ... Juízo do extinto Tribunal Judicial de Esposende.
A referida ação declarativa foi instaurada, em 18/01/2005, por FF e marido, NN, contra os aqui recorrente e recorrido, bem como contra HH, II e JJ, que outorgaram na mencionada escritura de justificação notarial de 24/03/1998 enquanto testemunhas, e nela os aí autores impugnaram judicialmente a dita escritura de justificação notarial (cfr. ponto 8º dos factos provados).
Recorrente e recorrido contestaram a ação e nela deduziram reconvenção em que pediram, em sede reconvencional, que se declarasse que os mesmos são donos e legítimos possuidores dos prédios objeto da identificada escritura de justificação notarial e se condenasse os nela autores-reconvindos, FF e marido, GG, a reconhecer o seu direito de propriedade sobre esses prédios (cfr. ponto 9º dos factos apurados).
Por despacho saneador proferido em 27/12/2005, transitado em julgado, julgou-se procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa e, em consequência, absolveu-se os aí réus da instância e ordenou-se o prosseguimento do processo unicamente para efeitos de se apreciar a reconvenção (cfr. ponto 10º dos factos apurados).
Em 05/12/2007, os réus-reconvintes, AA e mulher, EE (respetivamente, recorrido e recorrente) e os autores-reconvindos celebraram transação, em que reconheceram que os primeiros são donos dos prédios urbano e rústico identificados na escritura de justificação notarial impugnada e que estes lhes foram doados pelos pais da ora recorrente em 1984, tendo essa transação sido homologada por sentença transitada em julgado em 15/12/2007 (cfr. pontos 11º e 12º dos factos apurados).
O art. 1248º do CC define a transação como o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões (n.º 1), as quais podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido (n.º 2).
O contrato de transação pode assumir a modalidade de transação extrajudicial (quando tenha por escopo prevenir um litígio) ou a modalidade de transação judicial (quando se destine a terminar, total ou parcialmente, um litígio que já se encontra exposto num processo judicial pendente e seja celebrada no próprio processo), tratando-se em ambas as modalidades de um contrato típico e nominado, em que as partes, fazendo uso da liberdade contratual (art. 405º do CC), dentro dos limites da lei e independentemente da solução jurídica que decorreria da aplicação do direito processual e substantiva ao caso, decidem pôr termo, total ou parcialmente, ao conflito, mediante mútuas concessões, isto é, constituindo, regulando, modificando ou extinguindo relações jurídicas entre elas em função dos seus interesses e conveniências.
Enquanto contrato típico e nominado, a transação judicial encontra-se submetida aos requisitos gerais estabelecidos pela lei substantiva para a válida celebração dos negócios jurídicos, designadamente, quanto aos sujeitos, à vontade, à sua exteriorização, ao objeto negocial e às regras interpretativas[17]. E enquanto contrato processual, a transação encontra-se submetida a determinados requisitos fixados na lei adjetiva, como é o caso, do objeto do processo se encontrar na disponibilidade das partes (art. 289º do CPC), os sujeitos que transigem disporem de capacidade e legitimidade para o fazer (art. 287º do CPC, entre outros) e da pertinência do objeto da transação celebrada para o processo, isto é, da sua coincidência com o pedido deduzido no processo, sem que se exija, contudo, uma absoluta coincidência entre o objeto da transação e o pedido[18].
Com efeito, para que a transação judicial adquira força executiva e força vinculativa intra e extraprocessualmente aquela carece de ser homologada pelo juiz por sentença, que transite em julgado, sem que esse ato judicial retire à transação a sua natureza de negócio jurídico, isto é, de contrato típico e nominado, e sem que, por isso, afaste a aplicação ao mesmo do regime jurídico aplicável à validade dos negócios jurídicos em geral (arts. 280º a 284º e 294º do CC), as normas gerais relativas à conclusão dos negócios jurídicos (arts. 224º a 235º do CC), as relativas à falta e vícios da vontade (arts. 240º a 257º do CC) e/ou as relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos (arts. 236º a 238º do CC)[19].
O papel que se encontra reservado ao juiz em sede de homologação (ou não) da transação judicial é uma função de puro controlo de apreciação da legalidade da transação celebrada, atento o seu objeto e à qualidade das pessoas nela intervenientes (n.º 3 do art. 290º do CPC) e de atribuir ao negócio jurídico assim celebrado força executiva, sem que tome posição acerca do fundo/mérito do contrato de transação celebrado, de cujo alcance e sentido fica de fora e de que não lhe cabe indagar.
Dito por outras palavras, quando homologa uma transação o juiz não procede a qualquer apreciação do mérito ou da substância da relação jurídica material controvertida que lhe foi submetida pelas partes à sua apreciação e decisão, nem toma posição a propósito do mérito (ou demérito) da transação celebrada, limitando-se a efetuar, em sede de apreciação da legalidade, se a transação celebrada se mostra (ou não) conforme às regras gerais aplicáveis aos negócios jurídicos em termos de partes (capacidade e legitimidade) de objeto e, bem assim se estão (ou não) verificados os requisitos processuais impostos pela lei adjetiva para que a possa homologar.
Não é, pois, o juiz quem, dentro dos cânones fixados pela lei substantiva e processual, uma vez realizado o julgamento da matéria de facto e convocadas as normas substantivas que considera serem aplicáveis à facticidade que julgou provada e não provada, atenta a relação jurídica material controvertida delineada pelo autor na petição inicial e complementada pela defesa por exceção que foi deduzida pelo réu na contestação e pelas eventuais contra exceções que tenham sido opostas pelo autor a essas exceções, uma vez interpretadas essas normas e feita a subsunção jurídica a essa facticidade que julgou provada e não provada, emana o dictat autoritário quanto ao modo como o litígio deve ser solucionado, mas antes são as própria partes que, no uso da sua liberdade contratual e de acordo com os seus interesses, dentro dos limites da lei, mas indiferentes ao resultado que resultaria da aplicação das normas processuais e substantivas para o conflito que as contrapõe, escolhem o modo de o solucionar/resolver, limitando-se o juiz a exercer uma função de puro controlo da legalidade da transação celebrada quanto ao seu objeto e à qualidade das pessoas nela intervenientes e a atribuir-lhe força executiva e de incontestabilidade intra e extraprocessualmente.
Acresce precisar que, embora a sentença homologatória da transação judicial seja uma decisão de mérito[20], nela o juiz não verifica se se encontram ou não preenchidos os pressupostos processuais, nem procede ao julgamento da matéria de facto, nem à aplicação do direito substantivo aos factos que tenha julgado provados e não provados. Em suma, não se está perante uma decisão de mérito com as características próprias de uma sentença, em que é o juiz que efetivamente dirime a relação jurídica material controvertida delineada em termos subjetivos (quanto aos sujeitos) e objetivos (quanto ao pedido e à causa de pedir) pelas partes, mediante a observância das normas processuais e substantivas que delimitam o seu campo de cognição, de instrução e de decisão (o denominado tema decidendum), mas conforme se acaba de referir, são as próprias partes quem, em função dos seus interesses e conveniências, dirimem o litígio, independentemente da solução jurídica que para ele decorreria da aplicação do direito processual e substantivo.
Por isso é que, não conhecendo o juiz, na sentença homologatória de transação judicial, do mérito ou da substância da relação jurídica material controvertida que lhe foi submetida pelas partes a julgamento não faça sentido invocar-se quanto àquela o instituto do caso julgado em qualquer uma das suas dimensões positiva ou negativa, mas antes em exceção inominada de transação homologada por sentença transitada em julgado[21].
Neste sentido expende Alberto dos Reis que: “A transação pressupõe uma autocomposição (…). As partes ao celebrarem a transação, não se preocupam com a declaração da relação jurídica duvidosa, não realizam um ato semelhante ao do juiz; põem termo à lide segundo o seu interesse ou a sua conveniência, sem quererem saber se o resultado a que chegam é conforme ao direito constituído, isto é, se o litígio viria a ter solução idêntica, caso fosse decidido pelo juiz. Suponhamos que, realizada uma transação, judicial ou extrajudicial, uma das partes propõe contra a outra uma ação cujo objeto versa precisamente sobre a relação abrangida pela transação. O que deve fazer o réu? Atento o disposto nos artigos (…) poderia parecer que a defesa a opor, por parte do réu, é a exceção do caso julgado; mas não é assim. A exceção referida pressupõe que, tendo uma causa sido decidida por sentença com trânsito em julgado, se propõe posteriormente a mesma causa. Esse pressuposto não se verifica no caso sujeito. A lide não foi decidida por sentença anterior; foi composta por acordo das partes. É certo que sobre a transação judicial há-de incidir sentença do tribunal, sem o que o ato de vontade das partes não produz efeito; mas a função dessa sentença não é decidir a controvérsia substantiva, é unicamente fiscalizar a regularidade e validade do acordo. De maneira que a verdadeira fonte da solução do litígio é o ato de vontade das partes e não a sentença do juiz. Portanto, desde que o conflito em si não foi decidido por sentença, não tem cabimento a exceção de caso julgado. As partes estão perante uma situação que tem o mesmo valor e a mesma eficácia que o caso julgado;mas não estão, de verdade, perante um caso julgado. Em vez de opor a exceção de caso julgado, o que o réu deve opor é a exceção de transação”[22] (destacado e sublinhado nosso).
Destarte, não retirando a sentença homologatória da transação que foi celebrada entre, por um lado, a aqui recorrente e recorrido, enquanto réus reconvintes no âmbito daquela ação n.º 103/05.... que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial de Esposende, e por outro, os nela autores-reconvindos a natureza de negócio jurídico, a transação que por eles foi celebrada e em que estes reconheceram que os aqui recorrente e recorrido (aí réus-reconvintes) são proprietários dos prédios urbano e rústico identificados na escritura de justificação que impugnaram nessa ação, reconhecendo ambas as aí partes (reconvintes e reconvindos) que aqueles prédios foram doados pelos pais da reconvinte-mulher (ora recorrente) a ambos os reconvintes (recorrente e recorrido) em 1984, essa transação tem de ser interpretada de acordo com os cânones interpretativos enunciados nos arts. 236º a 238º do CC.
Ora, tendo presente que essa transação foi celebrada no âmbito da ação de impugnação da escritura de justificação outorgada pelos aí réus-reconvintes em 24/03/1998, em que aqueles declararam serem “donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, dos seguintes bens: um prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, destinada a habitação, com cinco divisões (…),inscrito na matriz em nome do justificante marido sob o artigo ...60, (…); e de um “prédio rústico, composto de cultura com videiras em ramada, (…), inscrito na matriz em nome do justificante marido sob o artigo ...04, (…)”, em cuja posse entraram “há mais de vinte anos, através de doação meramente verbal feita por DD e mulher CC, residentes na dita freguesia ...”, e em relação aos quais “sempre estiveram e se têm mantido na posse e fruição, há mais de vinte anos, habitando o primeiro e cultivando o segundo, pagando impostos e administrando-os, com ânimo de quem exercita direito próprio, fazendo-o de boa fé, por ignorarem lesar direito alheio, pacificamente, porque sem violência, contínua e publicamente, com conhecimento de toda a gente, sem interrupção ou oposição de quem quer que seja”, dir-se-á que o único sentido interpretativo que qualquer declaratório médio que se visse confrontado com o teor da transação assim celebrada e se encontrasse na posição do real declaratário é no sentido de que os aí reconvintes (aqui recorrente e recorrido) e reconvindos na transação que celebraram aceitaram todo o teor das declarações vertidas pelos primeiros na escritura de justificação notarial impugnada (isto é, que os aí reconvintes - recorrente e recorrido - sempre se mantiveram na posse e fruição dos identificados prédios há mais de vinte anos, habitando o urbano e cultivando o rústico, pagando impostos e administrando-os, com ânimo de quem exercita direito próprio, fazendo-o de boa fé, por ignorarem lesar direito alheio, pacificamente, porque sem violência, continua e publicamente, com o conhecimento de toda a gente, sem interrupção ou oposição de quem quer que seja), com exceção da declaração que nela fizeram de que os mencionados prédios lhes teriam sido doados pelos pais da reconvinte-mulher (recorrente) há mais de vinte anos, mas sim em 1984, aceitando, portanto, que a posse que recorrente e recorrida dizem naquela escritura de justificação exercer sobre os prédios é uma posse derivada, que foi iniciada pelos pais da recorrente e que os mesmos lhes transmitiram quando lhes doaram verbalmente os prédios, conforme é consentido pelo art. 1264º, n.º 1 do CC[23].
Com efeito, se assim não fosse, isto é, caso a posse de recorrente e recorrido não fosse derivada, no sentido de ter sido iniciada pelos doadores (pais da recorrente) e de ter sido por eles transmitida a recorrente e recorrido quando lhes doaram verbalmente (título translativo da propriedade juridicamente inválido, mas apto a transferir a posse, ou seja, o poder de facto sobre os prédios, até porque, nos termos do disposto no art. 1258º do CC, admite-se que a posse possa não ser titulada), em 1984, os prédios, que a continuaram, porque, entre 1984 e 1998, decorreram escassos catorze anos, não estavam recolhidas as condições fáctico-jurídicas que, nos termos da lei substantiva (art. 1296º do CC) permitissem aquela, ao recorrente e aos reconvindos naquela ação de impugnação da escritura de justificação notarial, que lhes permitissem reconhecer, como reconheceram, que os proprietários desses prédios, fundada necessariamente na usucapião, eram a recorrente e o recorrido, nem para o juiz homologar essa transação, como fez, e cuja sentença homologatória transitou em julgado.
Ora, por via do efeito positivo da exceção de transação, decorrente do trânsito em julgado da sentença que a homologou, que impõe de forma vinculativa os termos do que nela foi acordado entre os aqui recorrente e recorrido (reconvintes na ação declarativa n.º 103/05...., do ... Juízo do extinto Tribunal Judicial de Esposende, em que a dita transação foi por eles celebrada com os aí reconvindos e homologada por sentença transitada em julgado) e os nela impugnantes, nos termos do que os prédios foram por adquiridos pelos primeiros, por via originária, integrando, por isso, o património comum a partilhar no âmbito do presente processo de inventário subsequente a divórcio, sempre se impunha concluir também por aqui pela improcedência do presente recurso e pela confirmação da sentença recorrida.
Decorre do excurso antecedente, impor-se julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
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(.....)
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V- Decisão
Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sem prejuízo das alterações introduzidas ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância e acima identificadas, acordam em julgar o presente recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão de mérito constante da sentença recorrida.
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Custas pela recorrente dado que, apesar das alterações introduzidas ao julgamento da matéria de facto, a decisão de mérito constante da sentença recorrida manteve-se inalterada, pelo que ficou “vencida” (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Guimarães, 18 de dezembro de 2024
José Alberto Moreira Dias – Relator
Fernando Manuel Barroso Cabanelas – 1º Adjunto
Maria Gorete Morais – 2ª Adjunta
[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396. [2] Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, Almedina, 2014, págs. 320 e 321; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., Almedina, págs. 743 a 744, em que expendem: “Tanto na enunciação dos factos provados e não provados, dentro dos limites dos temas da prova que foram enunciados ou que porventura foram adicionados posteriormente, o juiz deve sinalizar cada um dos factos essenciais que foram alegados no processo por cada uma das partes, de forma a cobrir todas as soluções plausíveis da questão ou questões de direito e evitar que, em sede de recurso de apelação, seja sentida a necessidade de anulação da audiência final para ampliação da matéria de facto (art. 662º, n.º 2, al. e), in fine). (…). Em tal enunciação cabe necessariamente uma pronúncia (positiva, negativa, restritiva ou explicativa) sobre os factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundar as exceções, e de outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a ação ou a exceção proceda. (…). A enunciação dos factos complementares e concretizadores far-se-á desde que se revelem imprescindíveis para a procedência da ação ou da defesa, tendo em conta os diversos segmentos normativos relevantes para o caso. Quanto aos factos instrumentais, para além de não carecerem de alegação (aliás, o ónus de alegação respeita somente aos factos essenciais, isto é, àqueles de cuja prova depende a procedência ou improcedência da ação ou da defesa), podem ser livremente discutidos e apreciados na audiência final. Consequentemente, atenta a função secundária que desempenham no processo, tendente a justificar simplesmente a prova dos factos essenciais, para além de, em regra, não integrarem os temas da prova, nem sequer deverão ser objeto de um juízo probatório específico”. [3] Ac. STJ., de 09/03/2003, Proc. 03B1816, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos a que se venha a fazer referência sem menção em contrário [4] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, 4ª ed., Coimbra Editora, págs. 206 e 207. [5] Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 212. [6] Acs. STJ., de 01/10/2019, Proc. 109/17.1T8ACB.C1.S1; de 07/05/2014, Proc. 39/12.3T4AGD.C1.S1; de 11/07/2012, Proc. 3360/14.0TTLSB.L1.S1; e de 14/11/2006, Proc. 06A2992. [7] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 746, nota 23. [8] Artur Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, pág. 269; Ac. STJ, de 12/09/2019, Proc. 1333/15.7T8LMG.C1.S1. [9] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. IV, Coimbra Editora, 1987, pág. 853, para quem o vício da deficiência do julgamento da matéria de facto “não pode deixar de abranger tanto o caso de falta absoluta de decisão, como o caso de decisão incompleta, insuficiente ou ilegal”.
No mesmo sentido Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 293, ao ponderar que: “Outras decisões podem revelar-se total ou parcialmente deficientes, obscuras ou contraditórias, resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladora de incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração do caso. Verificados algum dos referidos vícios, para além de serem sujeitos a apreciação oficiosa da Relação, esta poderá supri-los a partir dos elementos que constam do processo ou gravação. Em concreto, a superação da contradição pode derivar da prevalência que deva ser dada, por exemplo, a certo elemento constante do processo dotado de força probatória plena (v.g. documento autêntico, acordo das partes, confissão) ou por via da conjugação com outros segmentos da decisão ou com a matéria de facto que já deveria considerar-se provado. Pode ainda decorrer da reponderação dos meios de prova que se encontrem disponíveis e nos quais o tribunal a quo se tenha baseado” (destacado nosso). [10] Borges Araújo, “Prática Notarial”, Almedina, 4ª ed., pág. 399.
Acs. do STJ. de 12/05/2016, Proc. 9950/11.8TBVNG.P1.S1, R.G., de 07/06/2018, Proc. 309/16.1T8VRL.G1, em que se pondera que: “A escritura de justificação notarial tem por escopo providenciar aos interessados um meio de titulação de factos relativos a imóveis que, ou não possam ser provados pela forma original, ou cuja eficácia desencadeia legalmente, sem necessidade de observância de forma escrita, como a usucapião ou a acessão”. [11] Ac. R.C., de 26/05/2009, Proc. 84/2001.C1. [12] Acs. STJ., de 12/05/2016, Proc. 9950/11.8TBVNG.P1.S1; RG., de 17/09/2020, Proc. 6145/17.0T8GMR.G1 [13] Ac. STJ., de 12/05/2016, Proc. 9950/11.8TBVNG.P1.S1, já antes citado.
No mesmo sentido Acs. STJ., de 09/07/2015, proc. 448/09.5TCFUN.L1.S1; de 07/04/2011, Proc. 569/04.0TCSNT.L1.S1; RG., de 29/09/2022, Proc. 81/20.0T8VFL.G1; de 21/04/2022, Proc. 51/21.1T8PTB.G1; de 23/05/2019, Proc. 1473/17.8T8BGC.G1, [14] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, págs. 327 e 328. No mesmo sentido Vaz Serra, RLJ, 111º, pág. 302, Acs. STJ., de 14/05/1996, Proc. 96B073; de 02/06/1999, CJ/STJ, 1999, t. 2º, pág. 136; de 04/02/2010, Proc. 4114/06.5YLSB.S1; RC., de 26/05/2009, Proc. 84/2001.C1. [15] Acs. STJ., de 30/09/2009, Proc. 09S0623; de 05/02/2013, proc. 433/2001, Sumários, 2013, pág. 81; AC. R.G., de 01/03/2018, Proc. 755/14.5TFAF.G1 (relatado pelo aqui relator). [16] Acs. STJ., de 12/12/2023, Proc. 2800/20.6T8FAR.E1.S1; RC., de 12/07/2017, Proc. 2884716.1T8CBR.C1. [17] Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 198. [18] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, págs. 586 e 587. [19] Neste sentido Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 198, em que pondera: “A desistência, a confissão e a transação devem ser apreciadas atendendo à sua qualidade como negócios processuais e como atos jurídicos. Como negócios processuais, elas deveriam exigir os normais pressupostos dos atos processuais (como a capacidade e a representação judiciárias, o patrocínio judiciário e o interesse processual). Mas, como se pode concluir especialmente da invalidade (substantiva) prevista nos arts. 300º, n.º 5 e 301º, n.ºs 1 e 3 (atuais arts. 290º, n.º 3 e 291º, n.ºs 1 e 2 do CPC vigente), esses pressupostos só têm autonomia quando não sejam consumidos pelos requisitos gerais dos atos jurídicos. Isto é, esses negócios processuais, quando não são tipificados como negócios materiais – como sucede com a transação (art. 1248º, n.º 1 do CC) -, são tratados, no seu regime, como os correspondentes negócios substantivos, produtores de idênticos efeitos (ou seja, como, por exemplo, o negócio unilateral de reconhecimento de uma dívida, art. 458º, n.º 1 do CC).
Acs. STJ., de 07/12/2016, Proc. 187/13.2TBPRD.P1.S1; RG., de 03/11/2004, Proc. 1775/04.1. [20] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 587. [21] Acs. STJ. de 07/12/2016, já anteriormente identificado; RG., de 26/03/2015, Proc. 2454/14.9TBBR.G1; de 03/11/2004, Proc. 1775/04.1; RL., de 29/10/2019, Proc. 672/17.7T8PDL.L1-1; de 11/01/2008, Proc. 8008/16.8T8SNT-B.L1-2; RE., de 12/04/2018, Proc. 1017/17.8FAR.E1. [22] Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, págs. 497 a 499. [23] Ac. STJ., de 12/05/2016, Proc. 9950/11.8TBVNG.P1.S1 em que se expende que uma doação verbal, apesar de ser juridicamente inválida, sendo insuscetível de transferir o direito de propriedade do doador para o donatário, é, contudo, apta a transferir para o adquirente a posse (poder de facto) que o doador vinha exercendo sobre o prédio doado para o donatário.