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ATRIBUIÇÃO DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA -990º
CPC
ALTERAÇÃO
CRITÉRIOS MATERIAIS
Sumário
I - O processo de atribuição da casa de morada de família previsto no art. 990º, do CPC, aplica-se, quer ao pedido originário de atribuição da casa, quer ao pedido de alteração dessa atribuição. II - Tratando-se de um processo de jurisdição voluntária o julgador pode proferir a decisão que lhe parecer mais justa e equilibrada em face dos interesses em conflito, conforme resulta do artigo 987.º do CPC que dispõe que, nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna. III - No que toca aos critérios materiais de decisão de atribuição da casa de morada de família a lei apenas refere, no art. 1793º, nº 1, do CC, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal, o que constitui um elenco meramente exemplificativo, e não taxativo, como claramente decorre do uso da expressão “nomeadamente”. IV - A doutrina e a jurisprudência têm entendido quanto a esta temática que se deve ter em conta: - que a casa deve ser atribuída ao cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela, sendo irrelevantes a culpa pela separação ou divórcio; - que na apreciação da necessidade da casa releva a situação patrimonial dos cônjuges, havendo que apurar-se os rendimentos e proventos de cada um e os respetivos encargos, nomeadamente a obrigação de alimentos de um cônjuge ao outro bem como aos filhos; - que, quanto ao interesse dos filhos, se deverá aferir se é importante para aqueles viverem na casa que foi do casal com o progenitor guardião; - a idade e estado de saúde de algum dos cônjuges ou ex-cônjuges; - a localização da casa relativamente ao local de trabalho de cada um, a eventual disponibilidade do casal ou de um deles de dispor de outra casa onde possa residir; - aos bens e direitos que componham o património dos cônjuges ou ex-cônjuges. V - Não existe qualquer hierarquia entre os diversos fatores a ponderar e o juiz deverá adotar a solução que julgue mais conveniente e oportuna em face dos interesses em conflito, conforme critério de julgamento enunciado no art. 987º, do CPC, devendo, para o efeito analisar a globalidade desses fatores e a forma como eles se conexionam e interligam e optar pela solução que, no concreto caso em análise, lhe parecer mais justa e equilibrada.
Texto Integral
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães
RELATÓRIO
Por sentença proferida em 6.4.2021, no apenso A, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi atribuído a AA o direito de utilização da casa de morada de família até à partilha.
Desta decisão foi interposto recurso, o qual foi julgado improcedente, tendo sido confirmada a decisão recorrida (cf. decisões de 29.6.2021, ref. Citius 7591923, e de 30.9.2021, ref. Citius 7717571, proferidas no apenso A).
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BB veio requerer contra CC a alteração da atribuição da casa de morada de família, solicitando que lhe seja atribuído o uso da casa de morada de família para aí passar a viver com as filhas.
Como fundamento do seu pedido alegou, em síntese, que, por decisão de 13 de outubro de 2020, a residência das jovens DD e EE foi fixada junto da mãe, a quem, no apenso A, foi atribuído o direito de utilizar a casa de morada de família.
Em 9 de dezembro de 2021, foi homologado novo acordo que fixou a residência alternada das jovens com cada um dos progenitores. Para a sua viabilização, o requerente teve de arrendar um apartamento em ..., de modo a proporcionar às filhas conforto igual ao que elas tinham na casa de morada da família, suportando os custos da renda, água, luz e gás.
A casa de morada da família é um bem próprio do requerente, pois, apesar de ter sido ser adquirido na vigência do casamento, foi pago com dinheiro seu.
Foi o requerente que suportou e continua a suportar as despesas da casa de morada de família, nomeadamente, IMI, eletricidade, água, gás, condomínio e internet, pois como as filhas lá viviam, primeiro com a mãe, e depois na residência alternada de 15 em 15 dias, o requerente e progenitor não podia deixar de pagar essas despesas que a progenitora e aqui requerida nunca pagou. A requerida também não contribui com qualquer compensação, a título de renda, pela utilização do apartamento.
Por decisão de ../../2023, foram alteradas as responsabilidades parentais, entregando-se a guarda e os cuidados da filha EE ao pai.
Nessa medida, alteradas as circunstâncias em que foi atribuída a casa de morada de família à requerida, uma vez que a residência da filha foi entregue ao requerente, justifica-se, agora, a atribuição do seu uso ao mesmo.
A casa de morada de família é um T3 e não se justifica que a requerida lá continue a viver, uma vez que a guarda e cuidados da menor EE foi atribuída ao pai e a irmã DD, que já é maior, faz questão de não se separar da irmã. A mãe ficou com o direito quinzenal de visitas das filhas, pelo que poderá habitar num T1, pois, atendendo à sua nova situação económica e financeira, poderá pagar a renda e as despesas inerentes ao arrendamento de imóvel com aquela tipologia.
O requerente está a ter despesas duplicadas, uma vez que teve que arrendar um apartamento, que não tem as mesmas condições que a casa de morada da família, para viver e cuidar das filhas em ..., além de que suporta todas as despesas da casa de morada de família.
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Realizou-se a tentativa de conciliação, nos termos do artigo 990º, n.º 1, do CPC, não tendo sido possível o acordo entre as partes.
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A requerida apresentou contestação alegando, em síntese, que o requerente apresenta uma condição económico-financeira superior à sua pois, enquanto a requerida aufere mensalmente € 1 300,00, o requerente aufere mensalmente a quantia global de € 4 400,00.
A requerida paga mensalmente um crédito pessoal no montante de € 190,00, a prestação de alimentos da sua filha EE, no montante de € 125,00, e as despesas de alimentação, vestuário e outros gastos da filha DD, estudante na Universidade .... Ainda suporta despesas mensais de combustível e refeições, porque leciona a cerca de 30km de casa, além das suas próprias despesas de sustento.
As rendas, para habitação, em ..., ascendem a cerca de € 600,00, para um T0, e a € 700,00/€800,00 para um T1.
A requerente teria de arrendar, no mínimo, um T2 para acomodar a filha mais velha, que vive consigo, e para acomodar a filha mais nova aos fins-de-semana, sendo que, caso coincidissem no mesmo período com a mãe, teriam que pernoitar num sofá, ou partilhar o quarto, caso a requerida dormisse no sofá.
Os rendimentos que aufere não lhe permitem satisfazer uma renda mensal, sendo certo que o requerente satisfaz o pagamento da renda do seu apartamento sem constrangimento financeiro.
Considerando a superioridade da capacidade económica do requerente, considerando que não tem meios financeiros para arrendar uma casa para acolher as suas filhas e considerando que, após a partilha dos bens, se decidirá que bens cabem a cada um dos cônjuges, nomeadamente, a titularidade do apartamento/casa de morada de família, entende que deve manter-se a decisão que lhe atribuiu, até à partilha, o uso da casa de morada de família.
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Teve lugar a tomada de declarações de parte e audição de testemunhas.
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Após, foi proferida a seguinte decisão: “Nestes termos, julga-se totalmente improcedente, por não provada, a pretensão do requerente, BB, e, consequentemente, absolve-se a requerida, CC, do pedido formulado. Custas pelo requerente, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça. Fixa-se o valor da causa em € 30 000,01. Notifique.”
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O requerente não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: “1– a meritíssima “Juíza à quo” está vinculada ao princípio da livre apreciação da prova e julga segundo a sua convicção, no entanto, este princípio não pode ser dissociado das regras da experiência comum, nem dos juízos de normalidade, mas foi o que aconteceu para decidir como decidiu, ignorando prova sustentada principalmente por documentos 2) – O requerente e aqui recorrente requereu o presente incidente de atribuição da casa de morada da família por se terem alterado as circunstâncias em que foi atribuída provisoriamente à requerida a mesma. 3) – Na altura a meritíssima juíza “aquo” contra a vontade das menores DD e EE, atribuiu provisoriamente a guarda e os cuidados das menores à mãe e concomitantemente a casa de morada da família. 4) – O aqui Requerente e recorrente, para poder minimizar o sofrimento das filhas e para que estas pudessem viver com ele pelo menos 15 dias alternadamente foi alterado o regime provisório fixado e estabelecido por acordo a residência alternada das menores, para tanto este teve que arrendar um apartamento ..., tendo a requerida ficado a viver na casa de morada da família. 5) – Como as menores continuavam a estar contrariadas, apesar da residência alternada com a mãe, o aqui requerente perante o sofrimento das filhas pediu a alteração das responsabilidades parentais e a guarda das menores para ele, originando o apenso, Proc.165/20..... 6) – As menores voltaram a ser ouvidas no âmbito deste, e voltaram, como aliás fizeram sempre, a referir que queriam viver só com o pai na casa que elas consideram como delas, ou seja, a casa de morada da família identificada em 4 dos factos provados 7) - No âmbito deste apenso não houve acordo na conferência de pais, então o Ministério público elaborou um parecer, cfr. doc. 1, com base no qual foi feita a decisão provisória de entregar a guarda e os cuidados da menor EE e da entretanto maior DD, ao pai e aqui recorrente cfr. doc. 2, no entanto apesar da alteração das circunstâncias a meritíssima juíza “a quo” não se pronunciou sobre a atribuição da casa de morada da família. 8) - Na conferência de pais no âmbito deste apenso chegaram a acordo conforme consta de 12 dos fatos provados, porém a requerida apesar de ficar sem a guarda da menor EE e de a DD já ser maior, não dispensou a casa de morada da família para que aí pudesse viver o pai com as filhas, juntas, como ao longo de todos estes processos almejaram. 9) - O pai e aqui recorrente sempre a pensar no bem estar das filhas e para não as separar, pois o apartamento que arrendou é um T2, enquanto que a casa de morada da família que foi atribuída à requerida mãe é um T3, que esta agora não precisa pois vive sozinha 10) - A DD, já maior, vive na casa onde está a mãe, porque fica mais perto da universidade e está separada da irmã que vive com o pai e esta só de 15 em 15 dias é que vai passar um fim de semana com a mãe, pediram ao pai se não havia a possibilidade e passarem a viver os três lá em casa, uma vez que a mãe não precisa de um T3 como é a casa de morada da família atribuída à mãe, basta-lhe um T0 ou um T1. 11) - Como as circunstâncias que estiveram na base da atribuição da casa de morada da família à mãe, aqui recorrida, se alteraram, veio requerer que a casa de morada da família lhe fosse atribuída a si, uma vez que tinha a guarda da menor EE e não queria separar as filhas. 12) – A requerida, contestou, porque a ela não lhe interessa o bem estar das filhas, mas sim o seu próprio bem estar, pois apesar de trabalhar a cerca de 30 quilómetros de ..., prefere viver no centro de ... e fazer todos os dias os quilómetros e ida e volta, ocupando um T3, quando para ela era suficiente um T0 ou um T1, que no sítio onde dá aulas a renda não será superior a 300,00 € a 400,00 €. 13) - O Tribunal não tendo em conta os interesses das filhas do casal, a menor EE e a maior DD, mantendo-as separadas julga o incidente de atribuição da casa de morada da família como improcedente por não provado e absolve a requerida, em nosso entender sem fundamento. 14) - Defende que a requerida tem que ter uma casa ampla para receber as filhas de 15 em 15 dias a passar um simples fim de semana, mas não se importa de sacrificar as filhas que estão separadas durante meses a fio, só para proporcionar à mãe um fim de semana de 15 em 15 dias, isto é prevalecem os interesses da requerida em detrimento dos interesses das filhas que sempre quiseram viver juntas só com o pai. 15) – Por outro lado a meritíssima juíza “a quo” para justificar a decisão refere que os apartamentos T0, T1, ascendem a 600,00 €, e 700,00€/800,00 €, e que a requerida não pode suportar tal despesa, mas são rendas no centro de ..., agora a requerida pode muito bem arrendar um apartamento no seu local de trabalho, em ... onde arrendar um T0 ou um T1 é muito mais barato e com a vantagem de não ter os incómodos de se deslocar todos os dias de um lado para o outro para trabalhar. 16) - Ao contrário do defendido pela meritíssima juíza “a quo” a requerida não ganha assim tão pouco e como de despesas, apenas paga a pensão de alimentos à EE, 130,00 €, não paga nem renda nem as despesas da casa de morada da família, que sempre foram suportadas pelo requerente recorrente. 17) – Ademais, não foi dado como provado, nem como não provado, mas está no processo devidamente documentado, através de certidão de escritura pública e compra e venda que a requeria recebeu pela venda de uma casa á sua parte 100.00000€, que questionada referiu que tinha comprado um terreno, pergunta-se porque não comprou um apartamento ou deu de entrada para comprar. 18) - A presente sentença da qual se recorre, apenas defendeu e protegeu os interesses da requerida, pois continua a viver e a disfrutar dum T3 sozinha, sem pagar um tostão de despesas, pois o facto de o requerente ganhar mais, não tem que ser prejudicado, pois já paga a renda dum apartamento para viver com a filha menor, paga o colégio desta filha porque a mãe se recusou a pagar, paga a universidade á filha maior DD, bem como o sustento desta, pois a mãe pouco ou nada lhe dá, portanto a requerida além de ser uma privilegiada, ainda tem a cobertura do Tribunal, que com esta decisão, defendeu os interesses da mãe com sacrifício dos interesses das filhas, que não foram e não são tidos em causa, apesar da meritíssima juíza ter até citado jurisprudência nesse sentido. 19) – Ademais e com todo o respeito dos factos provados e não provados, impunha-se uma decisão diferente até porque é uma incongruência manter atribuída a casa de morada da família à requerida, quando as circunstâncias se alteraram, as filhas estão separadas e ela tem mais do que rendimento para arrendar um apartamento para lá viver e receber as filhas cada 15 dias num fim de semana com dignidade, como refere na sentença. 20) – Nunca é demais repetir a douta Sentença salvaguarda apenas os interesses da requerida em detrimento dos do requerente e principalmente das filhas. Uma coisa é certa se o Tribunal, tem respeitado a vontade das filhas do casal na altura menores que afirmaram que queriam viver só com o pai na casa de ... e tem atribuído a guarda das filhas ao pai e atribuído a este a casa de morada da família, identificada em 4, não tinha havido os processos que houve e aquelas filhas não tinha sofrido o que sofrearam e continuam a estar separadas porque não se faz JUSTIÇA. 21 - Por ultimo, o Requerente alegou o apartamento de ... é um bem próprio e juntou uma certidão do Inventário para partilha dos bens comuns do casal que corre termos no Juízo de Competência Genérica de Mogadouro onde consta a Alegação que fez no Inventário, comprovada pelos documentos juntos pelo requerente e aqui recorrente, não foi impugnado o alegado, nem os documentos, pelo que faz prova plena e cabal de que o dinheiro com que pagou o Apartamento de ... era próprio portanto este também é um bem próprio, só seu, Como é aliás unânime a Jurisprudência sobre esta matéria, ver o Acórdão do STJ, para uniformização de jurisprudência de 02-07-2015 Proc. Nº 899/10.2TVLSB.L2.S1 e cfr. tb. Acórdão do STJ de 23-01-2020 Col. Jur. Ac. STJ, nº 302, Ano XXVIII, Tomo I/2020, pag. 213. Portanto mais uma vez não se compreende como a meritíssima Juíza “a quo” nem sequer se pronunciou, sobre este assunto que é em nossa opinião muito relevante.”
Terminou pedindo que se revogue a sentença recorrida no sentido de atribuir a casa de morada da família ao requerente/recorrente para aí viver com as filhas salvaguardando os superiores interesses destas.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo, tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação, o qual lhe atribuiu efeito suspensivo, em conformidade com o disposto no art. 990º, nº 3, do CPC (cf. despacho de 29.11.2024, ref. Citius 9849406).
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Foram colhidos os vistos legais.
OBJETO DO RECURSO
Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.
Neste enquadramento, a questão a decidir consiste em saber se o direito de utilização da casa de morada de família, que foi atribuído à requerida até à partilha, deve ser alterado e atribuído ao requerente.
FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTOS DE FACTO
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos:
1. Em 26 de Abril de 2003, em ..., BB e CC, contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial.
2. Em ../../2005, nasceu, em ..., DD, filha de BB e CC.
3. Em ../../2009, nasceu, em ..., EE, filha de BB e CC.
4. Em 20 de Fevereiro de 2004, por escrito, perante notário, FF declarou vender a BB, que declarou comprar, pelo preço de € 80.000,00, a fracção autónoma, designada pela letra ..., correspondente a um apartamento tipo ..., destinado a habitação, sito Travessa ..., ..., em ..., com o valor patrimonial tributário de 31.248,00, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...83 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º. ...31, figurando a sua aquisição inscrita a favor de requerente e requerido.
5. No ano lectivo de 2019/2020, requerente, requerida e as filhas habitaram na fracção descrita em 4.
6. Por decisão de 13 de Outubro de 2020 foi fixado regime, provisório, relativo às responsabilidades parentais sobre DD e EE, estipulando-se, além do mais, que as meninas ficariam a residir com a mãe.
7. Por decisão de 6 de Abril de 2021, transitada em julgado, foi atribuída à requerente, AA, o direito de utilização da casa de morada de família, instalada no prédio id. em 4, até à partilha.
8. Por decisão judicial de 9 de Dezembro de 2021, foi homologado o acordo de regulação das responsabilidades parentais relativamente às jovens, DD e EE, estipulando-se, além do mais, uma residência alternada, quinzenal.
9. No que respeita ao pagamento das despesas dos filhos, o pai assumiu o pagamento das despesas do colégio das filhas, estipulando-se uma divisão das restantes despesas de educação, das despesas de saúde e de vestuário, na proporção de 2/3, para o pai, e de 1/3 para a mãe.
10. Pelo menos desde a decisão de fixação da residência alternada, o requerente e as filhas, no período de residência com o pai, habitaram numa fracção autónoma arrendada, em ....
11. Por decisão de ../../2023, decidiu-se, provisoriamente, alterar o regime de regulação das responsabilidades parentais, fixando a residência da jovem EE junto do pai, estabelecendo-se um regime de convívios com a mãe e uma prestação de alimentos, a cargo desta, no montante de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros).
12. Por decisão de 2 de Maio de 2024, transitada em julgado, foi homologado o acordo dos pais quanto ao regime de regulação das responsabilidades parentais, fixando-se a residência da EE junto do pai, um regime de contactos livre e de convívios, quinzenais, com a mãe, entre 6.ª e 2.ª feira, uma prestação de alimentos de € 130,00 (cento e trinta euros), anualmente actualizável em € 5,00 (cinco euros), a partir de Maio de 2025, mantendo-se a anterior divisão das despesas de educação e saúde.
13. A requerida é professora e exerce a sua actividade profissional no Agrupamento de Escolas ..., ..., auferindo, mensalmente, a retribuição de cerca de € 1.300,00 (mil, trezentos euros).
14. Satisfaz uma prestação mensal de cerca de € 190,00 (cento e noventa euros) para amortização de crédito pessoal.
15. O requerente é licenciado em História, foi professor e aposentou-se em Fevereiro de 2009.
16. Em Fevereiro de 2002, auferia € 1.667,31 (mil, seiscentos e sessenta e sete euros, trinta e um cêntimos) mensais de pensão de reforma, a que acrescia a quantia mensal de cerca de € 1.500,00 de pensão de invalidez como deficiente das forças armadas.
17. A jovem DD frequenta a Universidade ... e alterna a sua residência entre a casa do pai e a casa da mãe.
18. A requerida entrega à filha DD algumas quantias para as suas despesas pessoais.
19. Actualmente, na cidade ..., a contraprestação mensal pelo arrendamento de um T0 ascende a cerca de € 600,00 e pelo arrendamento de um T1 a cerca de € 700,00/€800,00.
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Na 1ª instância foram considerados nãoprovados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos:
A) a filha DD vive com o pai.
B) A requerida despende cerca de € 200,00 com a filha DD;
C) Despende, em média € 150,00, por mês, em combustível e em almoços cerca de € 130,00, por mês.
D) Para as suas despesas pessoais com comida, vestuário e calçado despende uma média de € 200,00 euros/mês.
FUNDAMENTOS DE DIREITO
Como supra se referiu, a questão a decidir consiste em saber se o direito de utilização da casa de morada de família, que foi atribuído à requerida até à partilha, deve ser alterado e atribuído ao requerente.
De acordo com o art. 10º, nºs 3 e 4, da Lei de Bases da Habitação (Lei n.º 83/2019, de 3 de setembro), a casa de morada de família é aquela onde, de forma permanente, estável e duradoura, se encontra sediado o centro da vida familiar dos cônjuges ou unidos de facto, a qual goza de especial proteção legal.
Quando ocorre a separação dos cônjuges (único caso que no recurso se coloca pelo que não iremos abordar a situação dos unidos de facto) e não existe acordo sobre a utilização a casa de morada de família, surge uma situação de conflito que o tribunal tem de resolver, atribuindo a um ou a outro a casa em questão, não podendo impor a duas pessoas que decidiram romper os seus laços familiares, através do divórcio, a convivência em comum daquele espaço (cf. António José Fialho, in Guia Prático do Divórcio e das Responsabilidades Parentais”, Edição do Centro de Estudos Judiciários, 2012, pág. 50).
Assim, relativamente à casa de morada de família que seja bem comum ou bem próprio de um dos cônjuges, dispõe o art. 1793º, do CC:
1. Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.
2. O arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem.
3 - O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária.
Do ponto de vista processual, no que concerne à atribuição da casa de morada de família, dispõe o art. 990º, do CPC:
1 - Aquele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos termos do artigo 1793.º do Código Civil, ou a transmissão do direito ao arrendamento, nos termos do artigo 1105.º do mesmo Código, deduz o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito.
2 - O juiz convoca os interessados ou ex-cônjuges para uma tentativa de conciliação a que se aplica, com as necessárias adaptações, o preceituado nos n.ºs 1, 7 e 8 do artigo 931.º, sendo, porém, o prazo de oposição o previsto no artigo 293.º
3 - Haja ou não contestação, o juiz decide depois de proceder às diligências necessárias, cabendo sempre da decisão apelação, com efeito suspensivo.
4 - Se estiver pendente ou tiver corrido ação de divórcio ou separação, o pedido é deduzido por apenso.
Este artigo abrange, quer o pedido originário de atribuição da casa de morada de família, quer o pedido de alteração dessa atribuição. Na verdade, o “facto de se tratar de um processo de jurisdição voluntária determina a tangibilidade do caso julgado e, assim, a possibilidade de a decisão ser modificada em função da alteração das circunstâncias, efeito que, aliás, foi expressamente assegurado no nº 3 do art. 1793º do CC” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa In CPC Anotado, Vol. II, pág. 444).
Da natureza de processo de jurisdição voluntária decorre ainda que o julgador não está vinculado a critérios de legalidade estrita, podendo proferir a decisão que lhe parecer mais justa e equilibrada em face dos interesses em conflito. É o que resulta do artigo 987.º do CPC que dispõe que, nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (cf. Sandra Marques in A Transmissão da Casa de Morada de Família, pág. 27).
“O propósito da lei será o de assegurar que, decretado o divórcio ou a separação, a casa de morada de família possa ser utilizada pelo cônjuge ou ex-cônjuge a quem for mais justo atribuí-la tendo em conta as necessidades de um e de outro” (Pereira Coelho, RLJ, 122º, pg. 137 apud Ac. do TRP de 01/02/2011, acessível em www.dgsi.pt)
Nesta ação, a “causa de pedir será integrada pela alegação dos factos referentes à necessidade de casa de morada de família, em função das condições económicas, da situação profissional ou de outros fatores relevantes, designadamente relacionados com os filhos do casal” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa In CPC Anotado, Vol. II, pág. 443).
No que toca aos critérios materiais de decisão de atribuição da casa de morada de família a lei apenas refere, no art. 1793º, nº 1, do CC, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal. Trata-se de um elenco meramente exemplificativo, e não taxativo, como claramente decorre do uso da expressão “nomeadamente”.
A doutrina e a jurisprudência têm entendido quanto a esta temática que se deve ter em conta:
- que a casa deve ser atribuída ao cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela, sendo irrelevantes a culpa pela separação ou divórcio;
- que na apreciação da necessidade da casa releva a situação patrimonial dos cônjuges, havendo que apurar-se os rendimentos e proventos de cada um e os respetivos encargos, nomeadamente a obrigação de alimentos de um cônjuge ao outro bem como aos filhos;
- que, quanto ao interesse dos filhos, se deverá aferir se é importante para aqueles viverem na casa que foi do casal com o progenitor guardião;
- a idade e estado de saúde de algum dos cônjuges ou ex-cônjuges;
- a localização da casa relativamente ao local de trabalho de cada um, a eventual disponibilidade do casal ou de um deles de dispor de outra casa onde possa residir;
- aos bens e direitos que componham o património dos cônjuges ou ex-cônjuges (cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa in CPC Anotado, Vol. II, pág. 444 e Sandra Marques in A Transmissão da Casa de Morada de Família, págs. 31 e 32, com diversa citação doutrinal e jurisprudencial).
Não existe qualquer hierarquia entre os diversos fatores a ponderar e o juiz deverá adotar a solução que julgue mais conveniente e oportuna em face dos interesses em conflito, conforme critério de julgamento enunciado no art. 987 º, do CPC. Para o efeito deverá analisar a globalidade desses fatores e a forma como eles se conexionam e interligam e optar pela solução que, no concreto caso em análise, lhe parecer mais justa e equilibrada.
Conforme decorre expressamente do disposto no artº 988º do CPC, nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.
Esta possibilidade de alteração é reiterada no nº 3 do artº 1793º do CC segundo o qual o regime fixado quanto à casa de morada de família, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária.
É assim necessário, para que possa ocorrer uma alteração de uma decisão quanto à casa de morada de família, que tenham ocorrido circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração do decidido.
Assentes nestas premissas e descendo agora ao caso concreto, verifica-se que a sentença recorrida considerou que “[n]ão haverá dúvida de que a alteração da residência da jovem EE para junto do pai (entretanto a jovem DD chegou à maioridade) configura uma circunstância superveniente, por ocorrida posteriormente à decisão de atribuição da casa de morada de família à mãe”.
Este pressuposto, atinente à possibilidade de alteração da decisão por verificação de circunstâncias supervenientes, está assente, pois não se encontra questionado no recurso.
Assim, apenas “importa apreciar se essa circunstância/ou outras provadas são substanciais, tendencialmente definitivas, alterando a base da decisão anterior, justificando a sua modificação”, tal como referido na sentença recorrida.
A decisão recorrida, em resposta a tal questão, considerou que, pese embora a alteração superveniente das circunstâncias, a mesma não era de molde a justificar que fosse atribuído ao recorrente o uso da casa de morada de família.
Como fundamento desta conclusão, considerou, no essencial e em resumo, que a recorrida tem mais necessidade da casa do que o recorrente, porque aufere menos de metade dos rendimentos deste e teria de despender mais de metade do seu vencimento mensal para viver numa casa arrendada. Já o recorrente tem capacidade económica que lhe permite suportar o pagamento de uma casa arrendada, como tem sucedido, sem que daí lhe advenha qualquer constrangimento económico.
Analisando o critério da necessidade dos filhos, a sentença recorrida considerou que a filha DD vive alternadamente com cada um dos progenitores e que a filha EE vive com o pai, mas passa fins de semana alternados com a mãe, e concluiu que também à luz deste critério “se mantém o interesse em terem uma casa, que já conhecem, para o seu tempo com a mãe; como, desde 2021, têm uma casa para o seu tempo com o pai.”
Adiantamos, desde já, que consideramos que a decisão se encontra correta, à luz dos critérios legais, analisados casuisticamente, assentando em fundamentação jurídica pertinente e assertiva.
Concretizando melhor, verifica-se que, no que toca ao regime de responsabilidades parentais, a filha DD, que já tem 19 anos, sendo, portanto, maior, frequenta a Universidade ... e alterna a sua residência entre a casa do pai e a casa da mãe (factos 2 e 17); a filha EE, que tem 15 anos, vive com o pai, desde junho de 2023, e mantém contactos livres com a mãe, com periodicidade quinzenal, entre 6ª e 2ª feira (factos 3, 11 e 12).
O que significa que não ocorre a situação fáctica invocada pelo recorrente para sustentar a alteração peticionada, o qual alegou que a recorrida não precisa da casa pois vive sozinha e só recebe as filhas de 15 em 15 dias, porquanto se provou factualidade diferente.
Assim, perante a factualidade provada, conclui-se que a recorrida, se não tiver o direito de utilização da casa de morada de família, terá de encontrar uma habitação onde possa habitar com a filha DD e onde possa receber, de 15 em 15 dias, a filha EE. Para o efeito, terá de providenciar por uma habitação com tipologia T2, em condições admissíveis, em que as filhas partilhariam um quarto e o outro seria ocupado pela recorrida, ou, no limite, com tipologia T1, em condições mínimas, em que teriam de se repartir entre um quarto e uma sala.
Vejamos, então, se as condições económicas da recorrida lhe permitem providenciar por uma habitação com as aludidas caraterísticas.
Provou-se que a recorrida exerce a sua atividade de professora em ... e aufere a retribuição mensal de € 1 300,00 (facto 13).
Mensalmente paga a quantia de € 190 para amortização de um crédito pessoal e a quantia de € 130 de pensão de alimentos à filha EE (factos 12 e 14), num total de € € 320.
Paga também 1/3 das despesas escolares da filha EE (com exclusão do colégio que é pago pelo progenitor) bem como as suas despesas de saúde e vestuário e entrega à filha DD quantias para as suas despesas pessoais (factos 9, 12 e 18). Quanto a estas contribuições não resulta da factualidade provada os respetivos montantes.
A recorrida terá ainda as normais despesas de alimentação, vestuário, saúde e deslocação para o local de trabalho (de ... para ...), cujos montantes também não resultam quantificados.
O arrendamento de um T1 em ... ascende a cerca de € 700/€ 800 (facto 19).
Assim, em despesas mensais fixas quantificadas e admitindo que conseguisse arrendar um T1 por € 750, a recorrida teria de gastar mensalmente € 1 070,00 (€ 320 + € 750).
O que significa que lhe restaria a quantia de € 230 para fazer face a todas as restantes despesas mensais, o que é manifestamente insuficiente (€ 1 300 - € 1 070).
No que concerne ao recorrente, o mesmo, em 2002, auferia a quantia mensal global de € 3 167,31 (facto 16).
Passados 22 anos, auferirá seguramente valor superior, por via das atualizações de pensões entretanto ocorridas.
O recorrente arrendou uma fração autónoma em ... para viver com as filhas quando foi fixado o regime de residência alternada (facto 10).
Não consta da factualidade provada o valor que paga por esse arrendamento, mas, admitindo que tenha arrendado um T2 e que o valor do arrendamento seja na ordem dos € 950 (por comparação com os valores referidos no facto 19 para um T1), os seus rendimentos mensais permitem-lhe suportar, sem dificuldades económicas, tal renda, tanto mais que os mesmos atualmente serão superiores aos rendimentos de € 3 167,31 que foram dados como provados no facto 16 e que são reportados ao ano de 2002.
Por isso, confrontando as situações económicas do recorrente e da recorrida, conclui-se que a necessidade da recorrida de utilização da casa de morada de família é superior à do recorrente, pois este tem possibilidade de suportar o custo do arrendamento de uma habitação, ao passo que o rendimento da recorrida não lhe permite fazê-lo.
A argumentação do recorrente de que a recorrida poderá arrendar uma casa em ... por um valor bastante inferior, poupando igualmente nas despesas de deslocação visto que trabalha nesse local, não é pertinente, pois há que não esquecer que a filha DD vive também com a recorrida, embora alternadamente, e a mesma estuda na Universidade .... Tal implica que, se fossem viver para ..., a recorrida teria que suportar as despesas de deslocação da filha DD pelo que o valor que pouparia em arrendamento seria consumido nas deslocações. Acresce que essas deslocações também representariam um transtorno para a filha DD, designadamente a nível de dispêndio de tempo.
O recorrente invoca que a recorrida recebeu € 100 000,00 pela venda de uma casa, valor que poderia ter utilizado para comprar um apartamento (cf. conclusão 17).
Sobre esta argumentação importa dizer, em primeiro lugar, que esta questão nunca foi suscitada perante o tribunal a quo, estando a ser invocada pela primeira vez em sede de recurso, pelo que, dado constituir questão nova e não se tratar de situação de que seja possível conhecer oficiosamente, não é admissível o seu conhecimento.
Em segundo lugar, e ainda que assim não fosse, essa matéria não resulta da factualidade dada como provada e a decisão a proferir só pode assentar nos factos provados, e não em quaisquer outros, sendo certo que não foi deduzida impugnação quanto à matéria de facto.
O recorrente invoca também que alegou que a casa de morada de família é um bem próprio seu e que a decisão recorrida não se pronunciou sobre esta matéria (cf. conclusão 21).
Porém, lendo a sentença recorrida, verifica-se que a mesma se pronunciou expressamente sobre essa questão dizendo, designadamente que “o requerente alega que a casa de morada de família é bem próprio por ter sido suportado com dinheiros próprios; matéria conclusiva, de direito, que a ter sido concretizada e demonstrada seria indiferente para a solução a adoptar. Como se disse, a casa de morada de família é a residência habitual dos cônjuges. Quando a casa onde estes habitam é comum ou própria do outro surge, tal como no caso do arrendamento, a necessidade de defender a estabilidade da família. Daí que a norma do artigo 1793º do CC dite que o Tribunal pode dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal (podendo, apenas, ser discutida a atribuição de contraprestação pelo seu uso, o que não foi pedido nos autos)”.
Para além de se ter pronunciado sobre a questão, o tribunal recorrido fê-lo de forma correta e acertada, por alinhada com o estatuído no art. 1793º, nº 1, do CC, já supra transcrito, normativo que permite a atribuição da casa de morada de família independentemente de ela ser bem próprio ou comum, admitindo a sua atribuição a um cônjuge mesmo que a casa seja um bem próprio do outro.
Por tudo quanto se deixou antedito, e sopesando todos os interesses e necessidades em confronto, entende-se que, pese embora a alteração das circunstâncias entretanto ocorrida, ainda assim não se justifica alterar o direito de a recorrida utilizar a casa de morada de família, até à partilha, por a sua necessidade dessa utilização ser superior à do recorrente.
Consequentemente, improcede o recurso sendo de confirmar a decisão recorrida.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso sido julgado improcedente, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação pelo recorrente.
Notifique.
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Sumário (da responsabilidade da relatora, conforme art. 663º, nº 7, do CPC):
I - O processo de atribuição da casa de morada de família previsto no art. 990º, do CPC, aplica-se, quer ao pedido originário de atribuição da casa, quer ao pedido de alteração dessa atribuição.
II - Tratando-se de um processo de jurisdição voluntária o julgador pode proferir a decisão que lhe parecer mais justa e equilibrada em face dos interesses em conflito, conforme resulta do artigo 987.º do CPC que dispõe que, nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.
III - No que toca aos critérios materiais de decisão de atribuição da casa de morada de família a lei apenas refere, no art. 1793º, nº 1, do CC, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal, o que constitui um elenco meramente exemplificativo, e não taxativo, como claramente decorre do uso da expressão “nomeadamente”.
IV - A doutrina e a jurisprudência têm entendido quanto a esta temática que se deve ter em conta:
- que a casa deve ser atribuída ao cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela, sendo irrelevantes a culpa pela separação ou divórcio;
- que na apreciação da necessidade da casa releva a situação patrimonial dos cônjuges, havendo que apurar-se os rendimentos e proventos de cada um e os respetivos encargos, nomeadamente a obrigação de alimentos de um cônjuge ao outro bem como aos filhos;
- que, quanto ao interesse dos filhos, se deverá aferir se é importante para aqueles viverem na casa que foi do casal com o progenitor guardião;
- a idade e estado de saúde de algum dos cônjuges ou ex-cônjuges;
- a localização da casa relativamente ao local de trabalho de cada um, a eventual disponibilidade do casal ou de um deles de dispor de outra casa onde possa residir;
- aos bens e direitos que componham o património dos cônjuges ou ex-cônjuges.
V - Não existe qualquer hierarquia entre os diversos fatores a ponderar e o juiz deverá adotar a solução que julgue mais conveniente e oportuna em face dos interesses em conflito, conforme critério de julgamento enunciado no art. 987º, do CPC, devendo, para o efeito analisar a globalidade desses fatores e a forma como eles se conexionam e interligam e optar pela solução que, no concreto caso em análise, lhe parecer mais justa e equilibrada.
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Guimarães, 18 de dezembro de 2024
(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) José Alberto Martins Moreira Dias
(2º/ª Adjunto/a) Pedro Maurício