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NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA OU JOVEM
Sumário
I - A nulidade da sentença por falta de fundamentação (artigo 615, n.º 1, alínea b) do CPC) implica que essa falta seja absoluta ou, pelo menos, tão deficiente que não permita a compreensão do decidido. II - O processo judicial de promoção e proteção da criança e do jovem em perigo é um processo de jurisdição voluntária, e, como tal, rege-se, não por critérios de estrita legalidade, mas antes por juízos de equidade e oportunidade com vista à tutela dos interesses que visam salvaguardar, ou seja o “superior interesse” da criança ou jovem. (da responsabilidade do relator)
Texto Integral
Processo n.º 2255/23.3T8MAI-B.P1
Recorrente – AA
Recorridos – BB e Ministério Público
Jovem – CC
Relator: José Eusébio Almeida
Adjuntas: Ana Paula Amorim e Maria de Fátima Andrade
Acordam na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto:
I - Relatório
Os presentes autos de Processo Judicial de Promoção e Proteção, relativos ao jovem CC, nascido a ../../2013 e filho de BB e de AA foram instaurados a requerimento do Ministério Público, entregue a 15.06.22.
Nesse requerimento, o Ministério Público deu conta dos seguintes factos, ora em síntese:
- Em 17.05.22, foi reaberto o processo de promoção e proteção n.º ...85, que correu termos na CPCJ ..., a favor do CC, por sinalização do progenitor e da irmã mais velha do CC, DD, que deram conta da seguinte situação: - Os progenitores estão divorciados, tendo o CC ficado a residir com ambos, de forma alternada, enquanto a DD ficou a residir com o pai; - há cerca de 2, 3 meses, numa visita que fez a casa da mãe, a DD apercebeu-se de uma grande falta de higiene na habitação e falta de alimentos, e referiu que a mãe não se encontra bem psicologicamente e que o CC lhe disse que tem medo dela.
- O processo foi inicialmente instaurado por iniciativa do progenitor que dava conta da existência de conflitos graves com a progenitora a que os filhos estariam expostos e já na altura, era referenciada, pelo progenitor e pela DD, instabilidade emocional da progenitora.
- O processo viria a ser arquivado a 24.01.17, porque ultrapassada a situação de perigo.
- A 2.06.22, a CPCJ procedeu à audição da progenitora, que se opôs à intervenção da Comissão, e CPCJ não teve oportunidade de fazer a avaliação diagnóstica da situação.
- Os factos sinalizados não se mostram suficientemente concretizados e não puderam ser confirmados, mas, a confirmarem-se, indiciam que o CC poderá encontrar-se numa situação de perigo, por falta de prestação dos cuidados básicos e por estar exposto à eventual instabilidade emocional da progenitora.
A 20.06.22, foi proferido despacho a declarar aberta a fase de instrução e a solicitar a elaboração de relatório [Solicite à EMAT da SS a elaboração do competente relatório social de avaliação e diagnóstico – cfr. artigo 108.º da LPCJP –, relatando os factos justificativos da intervenção judicial, com indicação da medida a aplicar, em caso de confirmação do perigo, para o que se concede o prazo de 30 dias].
Não obstante as sucessivas insistências no sentido da conclusão do aludido relatório social, que se foi mostrando atrasado – realidade, acrescente-se, persistentemente ocorrida ao longo de todo o processo – e perante a sua não apresentação, foi, a 19.10.22, ouvida em declarações a Sra. Técnica do ISS, que declarou (conforme revela a respetiva ata): “não conseguiu concluir o relatório social, mas presta as seguintes informações que apurou: O progenitor mudou de residência, encontrando-se a residir na morada Travessa ..., ..., ..., ..., ... .... O menor está a residir com o pai desde junho, em .... A progenitora não teve qualquer visita ou convívio com o menor desde o final do ano letivo passado; desde então, só o contactou quatro a cinco vezes por via telefónica. O menor responde que não quer ir para casa da mãe, a casa da mãe está desorganizada; só aceita conviver com ela, sem pernoitas. Na escola, o menor é bom aluno, é educado, muito criativo, e traz a lancheira bem recheada. A mãe não vai buscar o menor à escola. O pai é uma pessoa presente, vai às reuniões da escola, mas o cargo de encarregado de educação é da mãe, o que dificulta em algumas situações, pois ela está alheada da educação do menor. O menor tem uma relação com a madrasta muito boa. A mãe é ausente, até se enganou na data de aniversário do filho; promete muita coisa e não cumpre. Conclui que a criança junto do pai está bem e que a aplicação de uma medida tutelar cível que acolha esta situação porá termo ao perigo e a estes autos”.
Na sequência (e conforme revela a mesma ata), o Ministério Público promoveu “que se designe data para a realização da inquirição seguida de conferência a que alude o artigo 112.º, da LPCJP, com a presença dos progenitores e da técnica da EMAT” e o tribunal proferiu o seguinte despacho: “Para tomada de declarações aos progenitores e à técnica que acompanha o caso, eventualmente seguida da conferência a que alude o artigo 112.º ou 112.º-A da LPCJP, como promovido, designo o próximo dia 07 de novembro, pelas 15:00 horas”.
A 7.11.22 (data designada no despacho antes transcrito) foi homologado [Foram os presentes autos de promoção e proteção instaurados para promoção e defesa do superior interesse de CC (...) exposto a perigo quando da permanência em casa da mãe. Na presente conferência, concordaram todos os presentes com aplicação da medida de apoio junto do progenitor. Atendendo a que tal medida satisfaz inteiramente os interesses do menor – que, de facto, se encontra aos cuidados exclusivos do pai desde o final do ano letivo passado -, preservando-o no meio natural mas com o necessário acompanhamento e supervisão, ao abrigo do disposto no art. 113.º n.º2 da Lei n.º 147/99 de 1/9, declaro encerrada a instrução e, ao abrigo do disposto nos artigos 35.º n.º 1 al. a), 39.º, 56.º e 113.º n.º2 da Lei 147/99 de 1-9, homologo o acordo antecedente, subscrito por todos os intervenientes, e aplico em favor do CC a medida de apoio junto dos pais, a ser executada junto do progenitor, de acordo com o plano anexo, aqui dado por reproduzido, pelo prazo de seis meses. Sem custas. Comunique, I.S.S. o teor da presente decisão, sendo ainda para remeterem oportunamente a este Tribunal o relatório de acompanhamento, em ordem à avaliação/revisão da medida] o acordo a aplicar a “medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, a ser executada junto do pai”, subscrita pela Sra. Técnica, Dra. EE, e por ambos os progenitores do CC e, de acordo com a qual – tal como acordado: “1.ª – Todos os presentes aceitam a aplicação da medida de apoio junto dos pais, a ser executada junto do pai, n.º 1 do art. 35.º da Lei 147/99 de 01/09; 2.ª – A duração será de 6 meses; 3.ª – O pai do menor obriga-se a prestar os cuidados de higiene, saúde e conforto de acordo com as orientações estabelecidas pelos técnicos do ISS, designadamente assegurar a comparência nas consultas médicas e manter frequência assídua e pontual na escola; 4.ª – A progenitora poderá ter o filho na sua companhia semanalmente, ao sábado (desde o final do futebol, até às 21:30 horas após jantar) e domingo (das 11:00 horas às 19:00 horas) de forma alternada e bem assim estabelecer com ele contactos telefónicos diários entre as 21:00 e as 21:30 horas; 5.ª – O cargo de encarregado de educação passa a ser assumido pelo pai; 6.ª – Todos os elementos envolvidos neste processo deverão colaborar com todas as solicitações feitas pelo Técnico Coordenador do Processo” (sublinhado nosso).
No prosseguimento do autos, a 12.09.2023, foi proferida decisão a prorrogar a medida de promoção e proteção pelo período de 6 meses [(...) resulta, no essencial, que os progenitores mantêm a sua residência em concelhos diferentes. Em termos escolares, o menor transitou para o 5.º ano de escolaridade, passando a integrar no próximo ano letivo, a EB 2/3 Professor ..., na .... Até à data tem apresentado positiva em todas as áreas disciplinares, evidenciando bons resultados escolares. É assíduo e pontual, sendo um aluno responsável e consciente das suas obrigações escolares. Não revela comportamentos disruptivos, sendo adequado, quer com o grupo de pares, quer com os adultos do estabelecimento de ensino. Quanto ao papel desempenhado pelo Encarregado de Educação, o progenitor, comparece sempre que solicitado e aborda, por sua própria iniciativa, o estabelecimento de ensino a fim de se inteirar da evolução escolar do seu educando. No que se refere às atividades lúdico-desportivas, CC pratica regularmente natação e futebol, sendo esta última a sua atividade de eleição. Em termos de saúde, CC não revela problemas de natureza física de relevo que mereçam intervenção especializada. Não obstante, tendo em consideração o contexto familiar, nomeadamente os problemas decorridos com a separação dos progenitores e a aparente instabilidade emocional por parte da progenitora, CC beneficia de consulta de psicologia, através da Câmara Municipal ..., as quais têm por finalidade promover o seu bem-estar psicossocial. De acordo com informação prestada pela psicóloga, as sessões de psicologia “(...) foram pautadas por momentos de ansiedade quando envolvia a expressão das suas emoções e o falar sobre os seus sentimentos e as suas preocupações. (...) Da avaliação psicológica realizada junto do menor, considera-se que não apresenta indicadores de mal-estar psicológico clinicamente significativos, no entanto, verificou-se que se trata de uma criança que por vezes, demonstra comportamentos compatíveis com sintomatologia ansiosa e instabilidade emocional (momentos de choro, dúvidas e sentimentos de culpa relativamente a algumas situações familiares). O CC demonstra nervosismo, postura hipoativa, preocupações referentes à sua situação familiar (nomeadamente, no que respeita à incerteza sobre as visitas maternas). É uma criança que expressa aquilo que está a sentir com algum à vontade. Contudo, a instabilidade emocional, no que respeita à incerteza de estar ou não com a progenitora, levam a que por vezes, demonstre ansiedade, insegurança e incertezas que interferem com o seu bem-estar psicossocial. Concomitantemente, o CC ao longo das sessões, assume uma postura de neutralidade em relação à progenitora demonstrando carinho pela mãe. Relativamente, ao contexto familiar onde CC está inserido, parece-nos funcional e capaz. O CC fala positivamente das pessoas que com ele habitam, expressando, sentimentos positivos em relação aos mesmos. (...) No Teste do desenho da Família – a partir de uma análise qualitativa e com o objetivo de avaliar o estado afetivo do CC e a estruturação da sua personalidade, pôde-se constatar uma forte tendência para a racionalidade. O CC, apesar de lhe ter sido solicitado que desenhasse uma família imaginária, não se desligou totalmente do real, projetando, na maioria, os membros que com ele habitam. A supressão da figura materna no desenho, sugere-nos que a relação do menor com a progenitora é quase inexistente e/ou geradora de sofrimento O acréscimo da irmã no seio familiar, poderá indicar que esta assume um papel importante para o menor e que este deseja a sua presença.” A psicóloga acrescenta que CC é uma criança muito sensível, que manifesta preocupação excessiva com o que o rodeia. Recentemente começou a manifestar preocupação, junto da psicóloga, com o facto de o pai poder morrer, questionando o que seria dele. Junto da Segurança Social, CC apresentou-se bem-disposto, sorridente e cooperante. Evidenciou possuir maturidade e capacidades cognitivas de acordo com a idade e sentido crítico. Falou sobre as suas férias de verão e das diferentes atividades lúdico-desportivas em que tem participado, as quais foram providenciadas pelo progenitor, descrevendo-as de forma prazerosa e pormenorizada. Partilhou, também, com satisfação, os bons resultados escolares e o facto de ter transitado para o 5.º ano. No que se refere aos progenitores, CC descreveu que gosta de ambos. Quanto à progenitora, partilhou que gosta de estar com ela, desejando, até, permanecer mais tempo junto dela. Contudo, referiu que se sente triste quando a mãe promete que o vem buscar e ela não comparece de acordo com o inicialmente combinado. Em relação ao pai, relatou que “com ele tenho mais atividade, tenho coisas melhores para a minha vida.” (...) O progenitor pugna pela manutenção do regime de convívios em vigor. A progenitora refere que se encontra desempregada, sendo, desde março de 2023, beneficiária da prestação de RSI, no valor de 313.67€/mês, no qual incluiu CC no agregado (209.11€ da mãe + 104,55€ do filho). É sua pretensão reintegrar-se no mercado de trabalho, estando a realizar esforços nesse sentido, para o que procedeu à assinatura de Contrato de Inserção. Em paralelo beneficia, há sensivelmente 3 meses, de cabaz de alimentos por parte da Santa Casa da Misericórdia ... a fim de suprimir as necessidades alimentares. No que se refere à saúde, AA é acompanhada nas especialidades de psiquiatria e de psicologia. (...) É pretensão da progenitora implementar, novamente, um regime de residência alternada (...) A Segurança Social põe à consideração do Tribunal o eventual arquivamento do presente processo pela circunstância de os fatores de perigo diagnosticados, se encontrarem, presentemente, minimizados, sugerindo que sejam acionadas as providências cíveis necessárias que melhor defendam o superior interesse de CC. O Ministério Público tomou posição no sentido da prorrogação da medida. É, também, o que nos julgamos ser mais prudente. O menor está integrado no agregado do progenitor, que revela condições para lhe proporcionar bem estar, segurança, educação e afeto. Acontece que com a cessação da medida, passaria a executar-se novamente o regime anteriormente em vigor, o que cremos ser precipitado. [sublinhado nosso]. Ademais, em face das informações constantes do relatório social, o Ministério Público promoveu a realização de exame psicológico e psiquiátrico à progenitora, o que parece justificar- se, de forma a perceber-se se estão reunidas as condições para que o menor possa ficar novamente aos seus cuidados e, na afirmativa, em que termos. Ou seja, se o relatório aponta no sentido de que o menor, no agregado do progenitor, tem asseguradas todas as suas necessidades, o que importa perceber é se beneficiará das mesmas condições – designadamente no plano emocional – se estiver aos cuidados da progenitora de forma mais prolongada. (...) decido prorrogar a medida de apoio junto dos pais, a executar junto do pai, pelo período de 6 meses. Notifique e comunique à Segurança Social. A revisão obrigatória terá de ocorrer até ao próximo dia 12 de março.
Assim:
a) Solicite ao I.S.S. o envio relatório de acompanhamento de revisão – cfr. art. 108.º, n.º 2, da LPCJP – até um mês antes do final do prazo;
b) Junto o relatório, cumpra ao disposto nos arts. 84.º e 85.º da LPCJP.
c) Após abra vista ao Ministério Público.
d) Não sendo junto o relatório no prazo mencionado em a), insista pelo seu envio, no prazo de 10 dias, e cumpra o disposto nos arts 84.º e 85.º da L.P.C.J.P..
e) Junto o relatório e cumprido o disposto nos arts. 84.º e 85.º da LPCJP, abra vista ao Ministério Público.
f) Após o prazo concedido em d), mantendo-se a inércia do I.S.S., conclua]”.
Na persistência dos atrasos na elaboração dos relatórios sociais (não obstante todas as insistências) veio a ser proferida, apenas a 30.04.2024, a decisão objeto do presente recurso, e que transcreve:
“Por acordo de promoção e proteção homologado por sentença de 07.11.2022, foi aplicada a favor do menor CC, nascido em ../../2013 a medida de apoio junto dos pais, a ser executada junto do progenitor, pelo período de 6 meses.
Foi cumprido o disposto nos arts. 84.º e 85.º da LPCJP. Foi junto relatório da Segurança Social a pugnar pela prorrogação da medida. O Ministério Público pronunciou-se no mesmo sentido. Cumpre decidir.
Dispõe o art. 62.º, n.º 1, da L.P.C.J.P., que “[S]em prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 37.º, as medidas aplicadas são obrigatoriamente revistas findo o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial, e, em qualquer caso, decorridos períodos nunca superiores a seis meses, inclusive as medidas de acolhimento residencial e enquanto a criança aí permaneça”.
Por seu turno, estabelece o n.º 3 do mesmo dispositivo que “[A] decisão de revisão determina a verificação das condições de execução da medida e pode determinar, ainda: a) A cessação da medida; b) A substituição da medida por outra mais adequada; c) A continuação ou a prorrogação da execução da medida”.
Dos autos resulta que as perícias psiquiátricas e psicológicas efetuadas à progenitora referem a existência de sintomatologia ansiosa e depressiva moderada reativa a situação de stress decorrente da vivência da separação. A progenitora não apresenta, contudo, razões de natureza psicopatológica que prejudiquem o exercício capaz das responsabilidades parentais. Confirmam ainda a existência de vínculo afetivo estruturado com o filho e sentimento de perda pela separação e afastamento.
Do relatório junto no dia 28 de março decorre que a criança se mostra bem-disposta e colaborante.
Sobre os convívios com a progenitora, refere que, após o incidente que ocorreu num desses contactos, no qual descreveu que a progenitora o magoou, sem querer, com o telemóvel no seu rosto, solicitou ao pai que o fosse buscar, por não se sentir tranquilo junto da mãe. Não compreendeu e receou a atitude da mãe porque, segundo as suas palavras, “estava estranha”.
Tal ocorrência culminou, posteriormente, na recusa por parte do CC em pernoitar na residência da mãe mesma e em atender algumas das suas chamadas.
Com o dissipar desta ocorrência, a criança, gradualmente, está a sentir-se, mais confiante na relação com a mãe.
Sobre os períodos de permanência junto dos dois progenitores, diz que quer estar com o pai, mas pretende estar mais tempo com a mãe, ainda que com reservas quanto à eventuais pernoitas. Sobre os contactos telefónicos com a mãe, refere que por vezes não lhe apetece falar com ela.
Contudo, nas sessões de psicologia de que beneficia, CC, mais recentemente, sugeriu a possibilidade de uma pernoita junto da mãe, tendo apresentado à Segurança Social uma proposta de regime de convívios para com a progenitora idêntico ao verbalizado junto da Psicóloga.
O progenitor e a irmã, DD, referem que o menor nutre afeto pela progenitora, mas, simultaneamente, manifestam preocupação pelas alterações emocionais que esta possa apresentar, na presença do filho, e as quais poderão repercutir-se no bem-estar do mesmo.
Até ao momento, o menor tem estado, de forma regular com a progenitora, mas sem qualquer pernoita.
A progenitora continua a manifestar interesse em que CC beneficie de uma guarda partilhada.
A Segurança Social sugere que se continua a observar, por parte do menor, um sentimento de ambivalência em relação à figura materna: se por um lado, manifesta afeto e desejo em alargar os convívios presenciais com a progenitora, por outro lado, apresenta reservas relativamente a questões de segurança, percecionando variações emocionais na progenitora que não lhe transmitem, por vezes, o necessário sentimento securizador.
O Ministério Público tomou posição no sentido da prorrogação da medida.
É, também, o que nos julgamos ser mais prudente.
O menor está integrado no agregado do progenitor, que revela condições para lhe
proporcionar bem estar, segurança, educação e afeto.
Por outro lado, em face das informações constantes do relatório social, parece-nos consensual que é importante o alargamento de convívios com a progenitora, promovido de forma gradual, por forma a aferir-se o sentimento de segurança da criança para com a figura materna.
Em face do exposto, ao abrigo do disposto no art. 62.º, n.º 3, alínea c) da LPCJP, decido prorrogar a medida de apoio junto dos pais, a executar junto do pai, pelo período de 6 meses, devendo ser alargado o período de convívios entre o menor e a progenitora, em consonância com a informação que antecede, ou seja:
- no primeiro fim de semana de cada mês, o menor estará na companhia do progenitor;
- no segundo fim de semana, pernoitará junto da mãe de sábado para domingo, a qual respeitará os horários das atividades desportivas;
- no terceiro fim de semana, conviverá com o progenitor no sábado e com a progenitora ao domingo, pernoitando junto do pai;
- no quarto fim de semana estará junto da progenitora ao sábado, após a atividade desportiva, sendo entregue ao progenitor entre as 21h00 e as 21h30;
- as quartas-feiras, e no período de aulas, na primeira e terceira semanas de cada mês, ou seja, de duas em duas semanas, jantará com a progenitora.
*
Notifique e comunique à Segurança Social.
*
A revisão obrigatória terá de ocorrer até ao próximo dia 30 de outubro. Assim: a) Solicite ao I.S.S. o envio relatório de acompanhamento de revisão – cfr. art. 108.º, n.º 2, da LPCJP – até um mês antes do final do prazo; b) Junto o relatório, cumpra ao disposto nos arts. 84.º e 85.º da LPCJP. c) Após abra vista ao Ministério Público.
d) Não sendo junto o relatório no prazo mencionado em a), insista pelo seu envio, no prazo de 10 dias, e cumpra o disposto nos arts. 84.º e 85.º da L.P.C.J.P.. e) Junto o relatório e cumprido o disposto nos arts. 84.º e 85.º da LPCJP, abra vista ao Ministério Público. f) Após o prazo concedido em d), mantendo-se a inércia do I.S.S., conclua.”.
II – Do recurso
Inconformada com a decisão acabada de transcrever, a mãe do jovem CC veio recorrer, tendo concluído:
1 - O recurso vem interposto do despacho que decretou, a favor do jovem CC, nascido em ../../2013, a prorrogação da medida de apoio junto dos pais, a ser executada junto do progenitor.
2 - A apelante não se conforma com esta decisão, uma vez que entende que o tribunal, face aos elementos constantes nos autos, deveria ter cessado a medida que vigorou até 12.03.2024 e arquivado o processo, por ter cessado a situação de perigo que determinou a instauração do processo de promoção e proteção.
3 - Como se verá, o despacho recorrido não se encontra devidamente fundamentado de facto e de direito, padecendo, por isso, de nulidade.
4 - Mais se entende que o despacho violou os princípios orientadores da intervenção, previstos no artigo 4.º, alíneas a), d), e), f), g), h) e j) da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (doravante LPCJP).
5 - As decisões que apliquem as medidas de promoção e proteção devem ser fundamentadas de facto e de direito.
6 - No caso em apreço, o despacho recorrido não elenca a matéria de facto que entendeu dar como provada para sustentar a decisão da revisão da medida.
7 - Inexistindo, igualmente, fundamentação de direito na aplicação da medida, nomeadamente quanto à subsunção dos factos aos princípios de direito que norteiam o processo de promoção e proteção.
8 – A falta de fundamentação determina a nulidade da decisão, nos termos e para os efeitos do artigo 615, n.º 1, al. b) do CPC.
9 - Acresce que, analisada a factualidade que se elencou e que deveria ter sido julgada provada e considerada na decisão a proferir quanto à revisão/cessação da medida, concluir-se-á que o presente despacho violou os seguintes princípios acima descritos: Interesse superior da criança e do jovem, Intervenção mínima, Proporcionalidade e atualidade, Responsabilidade parental, Primado da continuidade das relações psicológicas profundas, Prevalência da família, Audição obrigatória e participação.
10 - De facto, o jovem CC que manifesta há vários meses a vontade de estar mais tempo com a mãe, sofrendo, inclusive, com o afastamento que lhe é imposto há mais de dezoito meses pelo presente processo, continua a não ter o seu interesse acautelado na medida em que, na execução da medida revista em setembro de 2023, onde se previa já o alargamento dos convívios com a mãe, continuou e continua privado de tais convívios.
11 - Acresce que, a decisão proferida viola, ainda, os demais princípios orientadores do processo, especificamente o da intervenção mínima, proporcionalidade e atualidade, responsabilidade parental, primado da continuidade das relações psicológicas profundas, prevalência da família, audição obrigatória e participação.
12 - Isto porque, i) não existe qualquer situação de perigo para o menor CC, ii) todas as perícias médicas ordenadas concluíram pela capacidade da progenitora no exercício das responsabilidades parentais bem como pelo sofrimento do menor no afastamento de que tem sido alvo da progenitora.
13 - A intromissão do Estado na vida das crianças, reveste carácter excecional, apenas se justificando perante a incapacidade das famílias para lhes proporcionar as condições necessárias ao seu integral desenvolvimento.
14 - Assim, o artigo 3.º da LPCJP, faz depender a intervenção do Estado para promoção dos direitos das crianças e jovens da existência de uma situação de perigo atual, nos termos definidos nos seus n.ºs 1 e 2, ou seja, quando se verifique uma situação de facto que ameace a segurança, saúde, formação ou desenvolvimento da criança ou do jovem sem que os pais ou a pessoa responsável pela criança atuem no sentido de afastar esse perigo.
15 - Conciliando a prossecução desse objetivo com as limitações a uma injustificada ingerência, o artigo 4.º da LPCJP enuncia um conjunto de princípios orientadores da intervenção de promoção e proteção.
16 - Ora, na situação vertente, não se verifica atualmente, nem subsiste, em relação ao jovem CC, qualquer uma das situações de perigo exemplificadas no n.º 2 do artigo 3.º da LPCJP, ou qualquer outra, pelo que, assim sendo não há legitimidade para intervenção no domínio da lei de promoção e proteção.
17 - Como resulta da factualidade descrita acima, a situação de perigo que determinou a instauração deste processo, encontra-se ultrapassada.
18 - De facto, não se identificam, no momento, indicadores de risco que sustentem a manutenção do presente processo.
19 - Analisada a factualidade existente nos autos, é evidente que a decisão de prorrogação da medida proferida no despacho de 30.04.2024, violou os princípios orientadores do processo de promoção e proteção, já que, inexistindo em concreto uma situação de perigo no momento da tomada de decisão, não pode o estado, através do Tribunal, intervir.
20 - O que determina, só por si, a cessação da medida e o arquivamento do processo de promoção e proteção.
O progenitor do jovem CC respondeu ao recurso, sustentando a bondade do decidido em primeira instância e a improcedência da apelação. Em síntese, referiu:
- A situação de perigo do CC ocorreu em virtude dos comportamentos da progenitora que conduziram à necessidade de abertura dos presentes autos e ao acolhimento total do menor à guarda e aos cuidados do progenitor.
- Na pendência dos autos foram solicitadas múltiplas informações relevantes acerca da vivência quotidiana do menor e das suas necessidades, da relação com a progenitora e do estado de saúde desta, assim como da relação com o progenitor.
- As conclusões dos relatórios que instruem os autos são, todas elas, conclusivas no sentido de se dever manter o menor à guarda e aos cuidados do progenitor, alargando as visitas e contactos com a progenitora, por forma a restabelecer de modo gradual a relação com esta.
- A sentença aprecia de modo atento, crítico e devidamente justificado, a atual conjetura do CC, as suas necessidades e a sua relação com os progenitores. Promove em igual sentido da conclusão dos pareceres que instruem os autos e caminha, de forma gradual e sustentada, para o restabelecimento da relação (e confiança) do menor com a sua progenitora, sabendo, de antemão, que o menor, aos cuidados do pai, está estável, seguro e com um crescimento saudável.
- A extinção dos autos tutelares conduziria à aplicação do último regime de responsabilidades parentais fixado, ou seja, ao CC ficar entregue à guarda e aos cuidados da progenitora, ao arrepio de toda a realidade conhecida e, em especial, do facto de o menor se encontrar aos cuidados do pai há cerca de 2 anos
O Ministério público igualmente respondeu. Em sede de “Questão Prévia” sustentou a inadmissibilidade do recurso e, concluindo, veio a escrever:
I - À luz do disposto no artigo 123 n.º 1, da LPCJP, as decisões de revisão que se pronunciem sobre a prorrogação da medida de proteção não são recorríveis;
II – Não se verifica a nulidade de falta de fundamentação prevista no artigo 615 n.º 1 alínea b) do CPC, na medida em que a decisão de prorrogação da medida se apresenta como corolário lógico dos considerandos de facto em que assenta;
III - Muito embora deva atender-se a todos os interesses legítimos, nomeadamente ao interesse da progenitora na aproximação afetiva relativamente ao filho, a intervenção do tribunal, em sede de promoção e proteção das crianças em perigo, deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança – alínea a) do art. 4.º da LPCJP;
IV – No caso, a decisão de prorrogar a medida de promoção e proteção decretada está em consonância com os princípios de intervenção mínima, de proporcionalidade e de atualidade, já que é a forma adequada de monitorizar o progressivo alargamento do regime de convívios da criança com a mãe.
Foi, de seguida, proferido despacho que não admitiu o recurso. Desse despacho, a recorrente reclamou e, na sequência dessa reclamação, foi decidido: “Em conformidade, admite-se o recurso interposto pela progenitora, o qual é de apelação, com subida imediata e em separado – atente-se que os autos prosseguem na primeira instância com outras diligências e, eventualmente, com nova revisão da medida – devendo as partes (e Ministério Público) fazerem a indicação prevista no artigo 646, n.º 1 do CPC”.
Transitado o despacho proferido em sede de reclamação, foi organizado o respetivo apenso e os autos de recurso remetidos a este Tribunal da Relação.
Atendendo ao determinado na parte final do despacho recorrido, indagou-se da manutenção da medida aplicada. O tribunal recorrido informou que a mesma se mantinha e se aguardava o relatório da Segurança Social. Decorreu o prazo previsto para a revisão da medida, sem que a mesma tenha ocorrido. Na primeira instância, a progenitora requereu a sua cessação e o progenitor, no pressuposto dessa cessação, requereu a realização de conferência, a fim de ser regulado o exercício das responsabilidades parentais. Da consulta dos autos – que prosseguem termos em primeira instância – verifica-se que o requerido pelos progenitores não teve qualquer pronúncia, certamente por continuar a aguardar-se o relatório da Segurança Social, não obstante todo o tempo decorrido, e as insistências para a sua conclusão.
Sem embargo, há que atender ao sentido e causa próprios do (presente) recurso, no qual está em questão – e só pode estar – a concreta decisão recorrida. Com efeito, ouvidas as partes sobre a eventual inutilidade superveniente deste recurso, apenas a progenitora se pronunciou, defendendo a sua utilidade. E, reconhecendo-o, os autos prosseguiram com os Vistos legais.
Assim, nada vemos – atenta a manutenção da medida de promoção e proteção – que obste à apreciação do recurso, cujo objeto, atentas as conclusões da apelante, se traduz em saber se a decisão recorrida padece de nulidade, por falta de fundamentação e se a medida de promoção e proteção, ao contrário do decidido, devia ter cessado, porquanto não se verificam os pressupostos de que depende a sua determinação/prorrogação.
III – Fundamentação III.I – Fundamentação de facto
Entendemos que os factos constantes do relatório antecedente se mostram bastantes ao conhecimento do recurso e, desde logo, ao conhecimento da nulidade invocada pela apelante. Como melhor veremos, a decisão recorrida encontra-se fundamentada, desde logo em sede fáctica e, estando aqui transcrita, para a mesma remetemos.
III.II – Fundamentação de Direito Da nulidade
Invoca a apelante a nulidade da decisão recorrida, entendendo que a mesma não se mostra fundamentada, quer de facto, quer de direito.
O artigo 615, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil – expressamente invocado pela recorrente – comina com nulidade a sentença “quando: (...) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Como referem José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre [Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 4.ª Edição, Almedina, 2021, págs. 735/736] “Ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art. 607-3). Há nulidade (no sentido lato de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (ac. STJ de 17.10.90, ROBERTO VALENTE, AJ, 12, p. 20: constitui nulidade a falta de discriminação dos factos provados). Não a constitui a mera deficiência de fundamentação (ac. do TRP de 6.1.94), CJ, 1984, I, p. 198: a simples indicação do preceito legal aplicável constitui fundamentação suficiente da decisão de condenação da parte como litigante de má-fé)”.
O entendimento de só a falta absoluta de fundamentação conduzir à nulidade da decisão mostra-se consistente na jurisprudência e aceite pela generalidade da doutrina. Como referem António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa [Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina 2022, pág. 793, anotação 10.] a nulidade da sentença “que não especifique os fundamentos de facto e de direito ou que se caraterize pela sua ininteligibilidade (quanto a um caso de fundamentação ininteligível ou impercetível, cf. RP 8-9-20, 15756/17), previsões que a jurisprudência tem vindo a interpretar de forma uniforme, de modo a incluir apenas a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente e ainda menos o putativo desacerto da decisão (STJ 10-5-21, 3701/18, STJ 9-9-20, 1533.17, STJ 20.11.19, 62/07, STJ 2-6-16, 781/11). E, ainda no mesmo sentido, refere Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida [Direito Processual Civil, Volume II, 3.ª Edição, Almedina, 2022, pág. 451] que “Só integra este vício, nos termos da doutrina e da jurisprudência correntes, a falta absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação simplesmente escassa, deficiente, medíocre ou mesmo errada”.
Embora não tenhamos uma ideia tão absoluta, que exija a total falta de fundamentação da decisão para que ocorra a sua nulidade, porquanto sempre será necessário que o decidido seja percetível e compreensível e pode haver deficiências que o impeçam, no caso presente, entendemos que tal não ocorre.
Tenha-se presente que a fundamentação de uma decisão não comporta um parâmetro absoluto e a exigência legal, decorrente do disposto no artigo 607, n.º 4, tem de ser interpretada de acordo com a natureza do processo e das questões pertinentes a resolver.
Ora, não esquecendo a natureza dos presentes autos (de promoção e proteção), dúvidas não há que a decisão apelada dispõe de factologia que toma por relevante, e aplica o direito de modo coerente aos factos que relata. É certo que não o faz de modo estritamente formal, mas não deixa de realçar o quanto resulta da prova, nomeada e relevantemente do relatório social. Relatório social que, por natureza, e como prova pericial, aduz factos que, podendo considera-se conclusivos, não deixam de ser percetíveis. Acrescente-se que a apelante não impugna a decisão relativa à matéria de facto, desde logo, a sua eventual insuficiência, parecendo discordar apenas, verdadeiramente, da prorrogação da medida de promoção e proteção.
Em suma, e concluindo: a decisão recorrida não sofre de nulidade por falta de fundamentação.
Prosseguindo.
No mais, a recorrente sustenta que a medida de promoção e proteção devia ter cessado, contrariamente ao decidido, porquanto não se verificam os pressupostos para a sua determinação ou, no caso, prorrogação.
Vejamos.
A decisão recorrida refere, em síntese:
- as perícias psiquiátricas e psicológicas efetuadas à progenitora referem a existência de sintomatologia ansiosa e depressiva moderada reativa a situação de stress decorrente da vivência da separação. A progenitora não apresenta, contudo, razões de natureza psicopatológica que prejudiquem o exercício capaz das responsabilidades parentais. Confirmam ainda a existência de vínculo afetivo estruturado com o filho e sentimento de perda pela separação e afastamento.
- a criança se mostra bem-disposta e colaborante. Sobre os convívios com a progenitora, refere que, após o incidente que ocorreu num desses contactos, no qual descreveu que a progenitora o magoou, sem querer, com o telemóvel no seu rosto, solicitou ao pai que o fosse buscar, por não se sentir tranquilo junto da mãe. Não compreendeu e receou a atitude da mãe porque, segundo as suas palavras, “estava estranha”.
- Tal ocorrência culminou, posteriormente, na recusa por parte do CC em pernoitar na residência da mãe mesma e em atender algumas das suas chamadas.
Com o dissipar desta ocorrência, a criança, gradualmente, está a sentir-se, mais confiante na relação com a mãe.
- quer estar com o pai, mas pretende estar mais tempo com a mãe, ainda que com reservas quanto à eventuais pernoitas.
- O progenitor e a irmã, DD, referem que o menor nutre afeto pela progenitora, mas, simultaneamente, manifestam preocupação pelas alterações emocionais que esta possa apresentar, na presença do filho, e as quais poderão repercutir-se no bem-estar do mesmo.
- A Segurança Social sugere que se continua a observar, por parte do menor, um sentimento de ambivalência em relação à figura materna: se por um lado, manifesta afeto e desejo em alargar os convívios presenciais com a progenitora, por outro lado, apresenta reservas relativamente a questões de segurança, percecionando variações emocionais na progenitora.
E, decidindo, o tribunal recorrido entendeu que “O menor está integrado no agregado do progenitor, que revela condições para lhe proporcionar bem estar, segurança, educação e afeto”, mas, por outro lado “face das informações constantes do relatório social, parece-nos consensual que é importante o alargamento de convívios com a progenitora, promovido de forma gradual, por forma a aferir-se o sentimento de segurança da criança para com a figura materna”. E, “ao abrigo do disposto no art. 62.º, n.º 3, alínea c) da LPCJP” decidiu “prorrogar a medida de apoio junto dos pais, a executar junto do pai, pelo período de 6 meses, devendo ser alargado o período de convívios entre o menor e a progenitora, em consonância com a informação que antecede, ou seja: (...)”
Como decorre, o tribunal recorrido, decidiu prorrogar a medida, mas alargando o convívio do jovem CC com a progenitora (recorrente).
A apelante, no entanto, sustenta que não estamos perante um situação de perigo que legitime a intervenção – artigo 3.º da LPCJP [1 - A intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo. 2 - Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações: a) Está abandonada ou vive entregue a si própria; b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais; e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento; f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional; g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação. h) Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional]
Bem como considera que a decisão recorrida violou “os princípios orientadores da intervenção, previstos no artigo 4.º, alíneas a), d), e), f), g), h) e j) [A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios: a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto; (...) d) Intervenção mínima - a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo; e) Proporcionalidade e atualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade; f) Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem; g) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante; h) Prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável; (...) j) Audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção].
Como resulta da Exposição de Motivos da Lei já citada, a intervenção (do Estado) limita-se “às situações de risco que ponham em perigo a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou do jovem”. Assim, a “legitimidade da intervenção decorre da circunstância de a criança e do jovem se encontrarem em situação de perigo induzida pelos pais, representante legal ou por quem tenha a sua guarda de facto, ou sempre que esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros, da criança ou do jovem e aqueles não atuem adequadamente para o afastar” [Tomé D’Almeida Ramião, Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, Anotada e Comentada, 9.ª Edição, Quid Juris, 2019, pág. 31].
No entanto, a legitimidade da intervenção, consagrada no n.º 2 do artigo 3.º da LPCJP corresponde a uma enumeração meramente exemplificativa, ou seja, “não constitui uma tipificação das únicas situações de perigo” ainda que constitua “um elemento clarificador e facilitador da intervenção” [Procuradoria-Geral Regional do Porto, Coordenação Maria Raquel Desterro, Et. al., Comentário à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, Almedina, 2020, pág. 45].
Comentando o mesmo preceito (artigo 3.º) e numa visão mais abrangente, Paulo Guerra [Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada, 6.ª edição, Almedina, 2024, págs. 29/30] não deixa de dizer que o direito á proteção da criança se exige quando esta “se encontra em perigo pois a sua situação está desequilibrada e desajustada, pretendendo-se que o seu desenvolvimento físico, moral e psíquico ocorra de forma harmoniosa, num ambiente familiar afetivo, educativo e responsável, sem descontinuidades graves, de modo a tornar-se um cidadão de corpo inteiro e capaz de atingir o objetivo de qualquer ser humano: a felicidade (e repare-se que nesta Lei já se considera que uma criança está em perigo quando não recebe a afeição adequada à sua idade e situação pessoal”.
No caso em análise, importa ter presente que a medida de promoção e proteção foi determinada, por decisão negociada, ou seja, determinada por homologação do acordo dos pais, nesse sentido. Por outro lado, sendo qualquer situação de perigo o resultado de uma avaliação concreta e, por isso, de contornos variáveis, as medidas de promoção e proteção visam que seja afastado o perigo em que se encontre a criança ou jovem, mas igualmente “proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral” (artigo 34, alínea b) da LPCJP). Repetimos: formação, educação, desenvolvimento integral. Note-se, também que a medida aplicada e aqui em causa – apoio junto dos pais, ou de um deles - é uma das medidas executadas em meio natural de vida, a primeira do elenco previsto no artigo 35 da LPCJP, cuja sequência “não é aleatória, mas segue uma lógica da maior para a maior ingerência na vida familiar da criança ou jovem”, ou seja, “A ordem das medidas indica um critério de preferência legal das primeiras em relação às últimas. Assim, e de acordo com o aludido critério preferencial de aplicação, entre as medidas de promoção e proteção possíveis devem privilegiar-se – quando as mesmas forem suficientes – as medidas em meio natural de vida, de modo a preservar as afetividades e o núcleo familiar da criança ou jovem [Procuradoria-Geral Regional do Porto, Coordenação Maria Raquel Desterro, Et. al., Comentário à Lei... cit., págs. 194/ 195].
Por último citamos o acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 4.03.2024 [onde interveio este coletivo, sendo Relatora a Desembargadora Fátima Andrade, aqui segunda Adjunta: Processo n.º 24/20.0T8SJM.P1, dgsi] e no qual se sumaria, além do mais: “O processo judicial de promoção e proteção da criança e do jovem em risco é um processo de jurisdição voluntária, tal como decorre do artigo 100º da LPCJP. E, enquanto tal, regem-se estes processos não por critérios de estrita legalidade, mas antes por juízos de equidade e oportunidade com vista à tutela dos interesses que visam salvaguardar (vide artigo 987º do CPC) – in casu o “interesse superior da criança e do jovem”, devendo a intervenção “atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses no caso concreto” [artigo 4º al. a) da LPCJP].
Das considerações que antecedem, e ressalvando melhor saber, devemos concluir que a medida de promoção e proteção se enquadrou na legitima intervenção decorrente da falta de afeição adequada ao Jovem (alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da LPCJP) e a medida, que teve em conta o superior interesse do jovem, corresponde, atenta a sua caraterização, a uma intervenção mínima e proporcional, com responsabilização dos pais e primado da proximidade à família e o jovem foi ouvido na elaboração do relatório. Assim, se não consideramos que foram violados os princípios orientadores da intervenção (artigo 4.º da LPCJP), igualmente devemos dizer que os elementos fácticos disponíveis mantêm atualidade (artigo 4.º, alínea e) da LPCJCP), justificadora da decisão tomada em abril passado, e aqui em recurso.
Tenha-se presente, a propósito, que tal decisão, sendo de prorrogação da medida, é também de alteração, porquanto amplia o convívio entre o jovem CC e a progenitora, aqui recorrente. Dito de outro modo, nenhum elemento fáctico nem nenhuma razão jurídica impõem que a decisão recorrida, naturalmente ao tempo em que foi proferida, deva ser revogada em razão de inexistirem os respetivos pressupostos, determinando-se, nesta sede recursória, a sua cessação.
Em suma, a decisão não é nula, pois não padece de falta de fundamentação. A prorrogação da medida de promoção e proteção – modificada a com ampliação dos convívio entre o jovem e a mãe – mostra-se coerente com a factualidade então considerada e não viola as normas da LPCJP invocadas pela recorrente.
As custas são devidas pela apelante, atento o decaimento, e por não ser aplicável, no caso, o disposto no artigo 4.º, n.º 2, alínea f) do RCP.
IV – Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso e, em conformidade, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Porto, 11.12.2024
José Eusébio Almeida
Ana Paula Amorim
Fátima Andrade