I - Incorre numa falácia Petitio Principii, socorrendo-se de um argumento em que a conclusão a ser provada é utilizada como premissa do mesmo argumento o Recorrente que dá como assente factos que, de acordo com o disposto no artigo 342º, nº1, do Código Civil, lhe compete demonstrar, relativos à execução de serviços pelo preço que reclama, que teriam sido acordados com a Ré no âmbito do contrato de empreitada com ela celebrado, inserindo deste modo esses factos enquanto premissas para concluir pela existência de um crédito a seu favor em virtude de a Ré não ter logrado demonstrar o pagamento daqueles serviços. O Recorrente usa a própria conclusão de que os trabalhos foram realizados pelo custo reclamado, acordado e aceite pelas partes, enquanto premissa, para chegar à dita conclusão, falácia lógica de onde parte para a presunção ínsita no n.º 1, do art. 799.º, do Código Civil, esquecendo que antes de aí chegar tem o Autor de provar que executou os serviços alegados, pelos preços que reclama, acordados e aceites entre as partes, pois só aí a Ré passará a ser devedora e só então será possível aplicar a invocada presunção.
II - Consagrando o nº1, do artigo 342º, do C. Civil, que regula a questão do ónus da prova, que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, não tendo o Autor logrado provar os factos que alegou, constitutivos do direito de que se arroga, tem o mesmo de sofrer as consequências desvantajosas de o não ter conseguido, com a improcedência da ação.
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de competência genérica de Ílhavo – Juiz 1
Recorrente: AA
Recorrida: BB
Relatora: Juíza Desembargadora Teresa Pinto da Silva
1º Adjunto: Juiz Desembargador Jorge Martins Ribeiro
2º Adjunto: Juiz Desembargador José Eusébio Almeida
I - RELATÓRIO
Em 22.06.2023, AA intentou procedimento de injunção contra BB, que deu origem à injunção nº 68437/23.8YIPRT, pedindo a notificação da Requerida a fim de lhe pagar a quantia de €14.996,50, sendo €13.591,50 de capital, €900,00 de juros de mora, €403,00 de outras quantias e €102 de taxa de justiça, fundamentando o pedido no não pagamento pela Requerida de parte do preço dos trabalhos de recuperação da moradia daquela, sita na ..., efetuados pelo Requerente a solicitação da Requerida, e que foram concluídos no mês de agosto de 2021, encontrando-se em dívida os seguintes montantes:
- €3751,50 relativo ao remanescente ainda em dívida respeitante à retirada do telhado existente na frente da moradia e colocação de telha sandwich tipo Campos, construção de uma divisão em painel e em tijolo e acabamentos em areado, interior revestido em pladur e pintado a branco;
- 9840,00€ relativo às obras de remodelação realizadas na cozinha, sala e acrescento de uma casa de banho e lavandaria, nomeadamente retirada do teto, cobertura e parte da parede da cozinha, ampliação da cozinha, instalação de água, esgotos e luz e coberto em telha sandwich para o quintal em estrutura metálica.
Notificada, a Requerida apresentou oposição em 1 de setembro de 2023, na qual começa por requerer a apensação aos presentes autos do processo nº 68439/23.4YIPRT, atenta a identidade das partes, do local onde a prestação terá ocorrido e da causa de pedir. No mais, excecionou a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, e impugnou parte dos factos alegados pelo Requerente. Conclui pela procedência da exceção dilatória invocada, pugnando pela sua absolvição da instância, e caso assim se não entenda, pela improcedência da ação, por não provada, absolvendo-se a Requerida do pedido.
Nos termos do disposto no artigo 16.º, n.º 1, do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro, foram os presentes autos remetidos à distribuição.
Em 30.10.23, em cumprimento de despacho a ordenar a sua notificação para se pronunciar quanto à matéria de exceção alegada pela Ré na oposição, bem como relativamente à requerida apensação, veio o Autor pugnar pela improcedência da exceção da ineptidão da petição inicial invocada pela Ré, não tendo tomado qualquer posição quanto à apensação de ações por aquela pretendida.
Em 14.11.2023, foi proferido despacho a determinar a apensação a estes autos do processo nº 68439/23.4YIPRT, a correr termos no J2 do Juízo de Competência Genérica de Ílhavo, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro. Esse processo tinha tido origem em requerimento de injunção apresentado pelo Requerente AA em 22 de julho de 2023 contra a Requerida BB, pedindo a notificação desta para lhe pagar a quantia de €9.925,21, sendo €8364,00 de capital, €1.157,21 de juros de mora, €302,00 de outras quantias e €102,00 de taxa de justiça, fundamentando o pedido no não pagamento pela Requerida de obras, com aplicação e fornecimento de material, na moradia dela sita na ..., efetuadas pelo Requerente a solicitação da Requerida, e que foram realizadas em agosto de 2021, encontrando-se em dívida a quantia de €8364,00 relativa a fornecimento de pedra Moca para janelas, portas e sacada, realização de padieiras e ombreiras para receber a caixilharia com aplicação, aplicação de portas, aros e guarnições, rodapé e flutuante, aplicação de piso, tijoleira com rodapé e azulejo, cimento cola e forma para remates das juntas, montagem das louças da casa de banho, banca da cozinha e acessórios da água e esgotos, retirada do portão basculante, aplicação de painel, calhas, tubos e acessórios, preparação de ombreiras, recolocação do portão e reparação do portão da frente com régua.
Nesse processo nº 68439/23.4YIPRT, devidamente notificada a Requerida do requerimento de injunção, veio também apresentar oposição em 1 de setembro de 2023, na qual requer a apensação desse processo aos presentes autos, atenta a identidade das partes, do local onde a prestação terá ocorrido e da causa de pedir. No mais, excecionou a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, e impugnou parte dos factos alegados pelo Requerente. Conclui pela procedência da exceção dilatória invocada, pugnando pela sua absolvição da instância, e, caso assim se não entenda, pela improcedência da ação, por não provada, absolvendo-se a Requerida do pedido.
Nos termos do disposto no artigo 16.º, n.º 1, do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro, foi a injunção nº 68439/23.4YIPRT apresentada à distribuição.
Em 6.11.23, em cumprimento de despacho a ordenar a sua notificação para se pronunciar quanto à matéria de exceção alegada pela Ré na oposição, veio o Autor pugnar pela improcedência da exceção da ineptidão da petição inicial por aquela deduzida e pelo prosseguimento da ação.
Em 29.11.2023, na sequência de ofício a solicitar a remessa do processo nº 68439/23.4YIPRT, foi este apensado aos presentes autos, passando a constituir o apenso 68437/23.4YIPRT-A.
Em 13.12.2023, foi designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento, que veio a ter início em 15 de fevereiro de 2024, prolongando-se por mais três sessões, uma no dia 14 de março de 2024, outra no dia 16 de abril de 2024, e finalmente no dia 24 de abril de 2024, com a prolação da sentença, da qual consta o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo a presente ação presente e a apensa, originariamente com o n.º 68439/23.4YIPRT totalmente improcedentes e, em consequência, decido absolver a ré BB de todos os pedidos contra si formulados pelo Autor AA no âmbito desta ação.
Custas pela Autora.”
I - O autor, ora recorrente, não se pode conformar com a decisão da douta Sentença que julgou integralmente improcedente a pretensão de ver reconhecido um crédito no valor total de €24.717,71 (vinte e quatro mil euros, setecentos e dezassete euros e setenta e um cêntimos), emergente de contrato de empreitada celebrado com a ré, cujo objeto consistia na realização de trabalhos de reabilitação da moradia de ré, efetuados por sua solicitação.
II -Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que o Tribunal a quo decidiu contra a realidade dos factos apurados, e em desconformidade com os preceitos jurídicos aplicáveis ao caso sub judice,
III - Fazendo uma errada apreciação da matéria de facto dada como não provada, em resultado de uma incorreta valoração da prova produzida, constando dos autos todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa. Pelo que, o presente recurso de apelação incidirá também sobre a matéria de facto.
IV. O recorrente não pode concordar com o ponto 5 in fine da matéria de facto provada, nem com a circunstância de terem sido dado como não provados os factos indicados em A., B., C. e D., que aliás resultam, das declarações do autor, mas também das declarações prestadas em audiência de julgamento pela própria ré.
V. Assim, quanto ao mencionado no ponto 5 in fine -“o que foi pago pela ré” - convergem autor e ré que, quanto aos trabalhos de acrescento de uma divisão na frente da casa (um quarto), se encontra liquidado o valor de €5.000,00 (cinco mil euros), tal como demonstrado pelo documento 2 junto pelo autor aos autos.
VI. No entanto, esquece a ré que tais trabalhos não foram acordados por esse valor, mas por outro superior, que não foi pago, como decorre da prova documental e testemunhal.
VI. Esta questão, que consideramos indevidamente julgada, entronca no ponto A. dos factos não provados: “O autor e a ré acordaram que os trabalhos descritos em 4), seriam executados pelo preço de 5.750,00€, com o acréscimo de IVA.”. E ainda no ponto B. dos factos não provados: “No decurso da execução dos trabalhos descritos em 4), a ré solicitou diversas alterações ao previamente acordado, tendo sido alterada a utilização de painel sandwich tipo Campos, por tijolo, com acabamentos exteriores em areado e acabamentos interiores em pladur, pintado a branco, pelo preço acrescido de 2.300,00€, com o acréscimo de IVA.”
VII. Ora, quanto a estes factos em concreto esclareceu o autor nas suas declarações, que vão transcritas nas motivações do presente recurso, que existem dois orçamentos, um de €5750,00 e outro de €2300,00, dos quais foi recebendo por conta, mas não a sua totalidade, enquanto a ré admite que sabia que a obra lhe ficaria “a rondar os cinco mil euros”.
VIII. Resulta assim, de ambas as declarações, que autor e ré acordaram na execução de trabalhos de construção civil de uma divisão (um quarto) de raiz na casa da ré, divergindo quanto ao valor total que acordaram para o mesmo. Desvio este que aliás resulta dos interesses próprios de cada uma das partes.
IX. Pelo que, de acordo com as mais elementares regras da experiência e do normal acontecer, podemos admitir que, o acrescento de mais uma divisão, quando as obras principais já se encontravam totalmente realizadas, teria sempre um custo elevado, o qual não choca ser de €8.050,00 (oito mil e cinquenta euros), como indicado nos documentos juntos aos autos.
X. Razão pela qual, face à prova documental e à testemunhal que se acaba de transcrever, deveriam estes dois pontos ter sido dados como provados pelo Tribunal a quo.
XI. Já quanto ao ponto C. dos factos não provados e o qual também entendemos ter sido incorretamente julgado pelo Tribunal a quo: “No decurso da execução dos trabalhos descritos em 2), a solicitação da ré, pelo preço de 8.000,00€, com o acréscimo de IVA, o autor executou os seguintes trabalhos: retirou o teto, a cobertura e parte da parede da cozinha; ampliação constituída por cozinha e sala, com 7x6m2, onde será feita uma casa de banho e lavandaria; revestimento de paredes, cobertura, piso, teto a pladur; instalação de água esgotos e luz; coberto de telha sandwich para o quintal na estrutura metálica.”
XII. No que toca concretamente à ampliação da cozinha e sala, com 7x6m2, onde foi feita uma casa de banho e lavandaria, diremos que, esta obra é, no fundo, a razão de ser de um novo acrescento na execução da remodelação da casa da ré, o qual consta de documento 5 junto aos autos.
XIII. Sobre estes trabalhos a ré reconhece que os solicitou ao autor, em declarações que vão transcritas nas motivações do presente recurso, mas nada disse sobre os seus custos, que o autor orçamentou em €8.000,00.
XIV. Ora face à prova documental e testemunhal produzida, e acima transcrita, deveria este concreto ponto ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo.
XV. Por fim, quanto ao ponto D. dos factos não provados, que consideramos não corresponder à prova produzida: “No decurso da execução dos trabalhos descritos em 2), a solicitação da ré, pelo preço de 6.800,00€, com o acréscimo de IVA, o autor executou os seguintes trabalhos: fornecimento de pedra Moca para janelas, portas e sacada, onde foram realizadas padieiras, ombreiras para receber a caixilharia com aplicação; aplicação de portas, aros e guarnições, rodapé e flutuante, aplicação de piso, tijoleira com rodapé e azulejo, cimento cola e forma para remates das juntas; montagem das louças da casa de banho, banca da cozinha e acessórios da água e esgotos; retirada do portão basculante, aplicação de painel, calhas, tubos e acessórios, preparação de ombreiras para recolocação do portão, reparação do portão da frente com régua em substituição das existentes.”
XVI. Antes de mais, diremos que, é normal e compreensível que face a uma obra da envergadura da destes autos nem todos os trabalhos constam dos orçamentos que acompanham a sua execução, sendo (infelizmente) comum que, no final, o dono da obra seja confrontado com um conjunto de extras, que não haviam sido inicialmente contabilizados. Que é o que acontece precisamente com a listagem identificada como documento 6 e que corresponde a um dos valores que o autor não recebeu por parte da ré.
XVII. Quanto a estes extras, o autor esclareceu (vide declarações transcritas nas motivações do presente recurso) serem referentes a materiais e mão de obra que não foi incluída em cada uma das fases da obra (reconstrução; construção de um novo quarto e ampliação da sala com construção de wc com lavandaria). Situação que a ré disse não assumir por entender serem integrantes do primeiro orçamento.
XVIII. Ora, o facto de a ré desconsiderar tais trabalhos de aplicação e montagem como serviços extra, não pode ser suficiente para pôr em causa a sua veracidade, pelo que, reiteramos, face à prova documental e à testemunhal que se acaba de transcrever, deveria este concreto ponto ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo.
XIX. Na sentença ora recorrida a decisão tomada é fundamentada porque “o autor – como sobre ele se impunha – frustrou o ónus probatório dos factos descritos, razão pela qual este tribunal os julgou indemonstrados”. E diz-se ainda que “o autor não logrou conseguir, titubeando, em larga medida, na forma como descreveu a reunião da vontade negocial, nas suas palavras, firmada entre si e a ré”.
XX. Ora, olvidou o Tribunal a quo que o autor é um homem já de idade avançada – ao contrário da ré que é jovem -, o que justifica algumas falhas de memória (os acontecimentos são de 2020/2021) e hesitações quanto aos factos.
XXI. Contrariamente, afirma-se na sentença recorrida: “sobre as declarações prestadas pela ré, poderemos concluir que se apresentam como mais estruturadas, firmes e organizadas”.
XXII. Tal constatação do Tribunal a quo estriba-se, a nosso ver, no facto de a ré ter afirmado, a dada altura do seu depoimento, que tomava nota numa agenda de todos os pagamentos que fazia ao autor nos concretos dias em que os fazia
XXIII. Essa afirmação, conjugada com a repetida alegação de que tinha pago todos os trabalhos executados pelo autor, aos poucos, entre outubro de 2020 e data que não precisou do ano 2021 (vide declarações transcritas nas motivações do presente recurso), produziu, salvo o devido respeito, a convicção no Tribunal a quo que a ré sabia o que dizia e que falava com verdade e correção sobre o que se passou na relação contratual que estabeleceu com o autor.
XXIV. Efetivamente, e após garantir que todos os pagamentos que efetuou estavam anotados nas agendas, o Tribunal a quo determinou a sua junção, a título devolutivo, aos autos para análise.
XXV. Vejamos, pois, o que consta nas referidas agendas da ré em notas manuscritas e inscritas em específicos dias do calendário:
“2020 (capa castanha)
06/10 — Entrada Sr. AA — €7.000
17/11 — 2ª Sr. AA — €6.000
27/11 —Sr AA — €5.000
12/12 - Sr AA — €2.000 (1000 meus e 1000 mama emprestou)”.
XXVI. Assim, até ao dia 12 de dezembro de 2020 a ré pagou os €20.000 (documento 1 junto aos autos) que correspondiam às obras de reabilitação da casa de acordo com a sua planta original.
XXVII. Após essa data, consta o seguinte:
“21/12 - Sr AA —€1.000 + €350 = €1.350
(24/12 — telha 2.500 camião fornecedor Sr AA)”.
XXVIII. Já na agenda de 2021 a ré inscreveu as seguintes notas em cada um dos dias respetivos:
“2021 (capa com cores da Jamaica)
02/02 - Sr AA — €500
10/02 - Sr AA — €500
18/02 - Sr AA — €1.000
27/02 - Sr AA — €400
02/03 Sr AA —€1.000
17/03 - Sr AA — €800
02/04 - Sr AA —"final da frente” --€190”
XXIX. Com a indicação “final da frente” depreende-se que a ré considera ter pago a soma total de €5.740,00 (cinco mil setecentos e quarenta euros), que corresponde, grosso modo, ao documento 3 junto aos autos.
XXX. E continua:
“16/04 - Sr AA — €1.000 (400 + 600)
19/04 - Sr AA — €500
26/04 - Sr AA — €250
10/05 Sr AA — €500
17/05 - Sr AA — €250
22/05 - Sr AA — €500
23/05 Sr AA — €250
15/06 Sr AA — €500
28/06 - Sr AA — €500”
XXXI. Em finais de junho de 2021 terminam os apontamentos dos valores entregues por conta das obras a cargo do autor, pelo que, de acordo com as declarações da ré (vide declarações transcritas nas motivações do presente recurso) para ela estava tudo pago.
XXXII. Ora, feitas as contas, e com exceção do valor do primeiro orçamento de €20.000,00 (documento 1) e do segundo orçamento de €5.750,00 (documento 2), a ré confirma, através dos seus apontamentos, que entregou ao autor um total de mais €4.250,00 (quatro mil duzentos e cinquenta euros).
XXXIII. Temos assim, por simples cálculo aritmético, e apenas de acordo com a versão propalada pela ré, que esta não logrou provar o pagamento da totalidade dos montantes peticionados pelo autor, ocorrendo uma diferença a favor do autor de €12.850,00 (doze mil oitocentos e cinquenta euros).
SEM PRESCINDIR OU CONCEDER QUANTO AO SUPRA ALEGADO,
XXXIV. Se o Tribunal a quo se convenceu da credibilidade das declarações da ré, uma vez que até considera que “a ré afiança, sem qualquer hesitação, que todos os trabalhos por si solicitados ao autor e por ele executados se encontram acoberto dos acordos iniciais descritos em 2) e 4), cujo pagamento foi por ela satisfeito”, por maioria de razão, devia ter dado como provado o que consta da prova documental (agenda) carreada para os autos pela ré, isto é, as agendas.
XXXV. Se o fizesse teria necessariamente de concluir que a ré não pagou todos os trabalhos executados pelo autor e que ainda se encontra por liquidar a quantia de €12.850,00, dando assim, como parcialmente procedente a pretensão do autor e condenando a ré no pagamento dos valores em falta e supra referenciados.
XXXVI. Por fim, considerou o Tribunal a quo que se verificou no caso sub judice a celebração de um contrato de empreitada nos termos do artigo 1207º do Código Civil, pelo que, consequentemente, teria de averiguar se os contraentes cumpriram com as suas obrigações, mormente se o peticionado incumprimento do pagamento do preço pela ré se verificava.
XXXVII. Ora, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor (cfr. artigo 798º do Código Civil), sendo que incumbe ao devedor ilidir a culpa, produzindo prova que afaste tal presunção (cfr. artigo 799º do Código Civil).
XXXVIII. Ocorre que, o Tribunal a quo, por errónea apreciação da prova produzida, entendeu que “o autor não logrou demonstrar a convergência entre o autor e a ré de vontades negociais subjacentes aos pedidos formulados”.
XXXIX. Tal conclusão viola o disposto nas normas do Código Civil acima indicadas, uma vez que cabia à ré ilidir a presunção de culpa no incumprimento contratual e demostrar que havia pago todas as quantias que lhe foram solicitadas, o que claramente não se verificou.
XL. Decorre ainda da prova produzia em audiência de julgamento que o autor cumpriu com a execução de todos os trabalhos que lhe foram sendo pedidos, pelo que tem o direito a exigir o cumprimento da obrigação que recai sobre a ré, isto é, o pagamento integral do preço peticionado in casu (cfr. artigo 817º do Código Civil).
XLI. Sem prescindir ou conceder, atendendo à prova documental que a ré carreou para os autos, sempre deveria o Tribunal a quo ter dado como provadas a entregas por conta que constam nas notas manuscritas das agendas, o que levaria a concluir que a ré conseguiu provar parcialmente o pagamento do preço, mas que não o logrou fazer em relação à quantia de €12.850,00 (doze mil oitocentos e cinquenta euros), que se encontra ainda em incumprimento.
XLII. Assim sendo, e por tudo o quanto acabamos de alegar, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra em que proceda total ou parcialmente a pretensão do autor – como é de Justiça!
I – A sentença recorrida constitui uma detalhada, coerente e inteligível descrição do processo racional que motivou a decisão, quer sobre a matéria de facto, sempre baseada nos concretos documentos e ou depoimentos que demonstra ter tido o cuidado de escrutinar, concatenando-os, na explanação do seu raciocínio, quer sobre o direito aplicável, sendo, por isso, insusceptível de ser posta em causa com as considerações trazidas pela recorrente. Assim acontecendo, reflectir sobre os argumentos que intentam pô-la em causa reveste um cunho primordialmente de urbanidade e depende estritamente do mérito do recorrente, evidenciado na forma como expõe o problema, no cuidado com que o faz e na seriedade da convicção que exprime sobre a existência das acusadas faltas ou erros.
I.1. Afigura-se-nos inexistir qualquer mérito para o almejado efeito, ou sorte para o que o recorrente se abalança, quando o que se colhe das alegações é um emaranhado de “erros”, “enganos” e imprecisões, mesmo mentiras, verdadeiras falácias que atestam a sua indignidade.
I.2. Foi pois feita uma correcta aplicação do disposto no art. 607.º, n.º 4, de acordo com o prescrito na 1.ª parte, do n.º 5, da mesma norma.
II – Em nenhuma parte do recurso à matéria de facto se encontra um exemplo de inquestionável erro de apreciação das provas, de constatação da existência de um concreto meio de prova que demonstre claramente o erro, ou de um meio de prova que haja sido desconsiderado e que, por si sós, inquinem o julgamento realizado neste particular, mas antes constituir toda a alegação neste particular o produto de uma escolha, altamente selectiva e tendenciosa, de partes de um longo julgamento, processado ao longo de duas sessões, pelo que terá de improceder.
II.1. O corpo desta conclusão decorre das disposições conjugadas, da al. b), do n.º 1, do art. 640.º e do n.º 1, do art. 662.º, ambos do CPCivil, de onde o Tribunal da Relação apenas pode alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido do interessado e de acordo com o que em tal pedido for expressamente indicado, impuser decisão diversa.
III – Na parte referente ao direito, invocado, embora não propriamente autonomizado, nas conclusões XXXVI. e seguintes, XXXVII, até final, o recorrente evidencia um petitio principii, já que persiste em afirmar a prova inicial, primária, que indiscutivelmente lhe compete, como bem se explica na douta decisão recorrida e decorre do n.º 1, do art. 342.º, do CCivil, da execução dos serviços pelos preços que reclama, os quais teriam sido acordados e logo aceites entre as partes, plenamente realizada, inserindo assim estes factos enquanto premissas para concluir pela existência de um crédito a seu favor, cujo pagamento não teria sido realizado pela recorrida. Isto é, a verdadeira e própria conclusão, de que os trabalhos foram realizados pelo custo invocado, acordado e aceite pelas partes, de que decorreria o crédito invocado, é usada enquanto premissa para chegar à dita conclusão, falácia lógica de onde o recorrente parte para a presunção ínsita no n.º 1, do art. 799.º, do CCivil, esquecendo que antes de aqui chegarmos, teremos, no caso do autor, ora recorrente, de provar que a recorrida é devedora, pois só no caso de o ser se lhe aplica a invocada presunção.
IV – Por cautela, dir-se-á que mesmo provando o recorrente, como definitivamente não provou, a realização das demais alterações que menciona, uma vez que foi comprovadamente fixado um preço global para realização da obra, a invocada autorização teria de ser dada por escrito, com fixação do aumento de preço, nos termos do n.º 3, do art. 1214.º, do CCivil, sob pena de, tendo-as provado, o que também não fez, não poder exigir senão o correspondente ao eventual enriquecimento, por elas, da recorrida, prova que naturalmente lhe competia e que definitivamente nem sequer intentou.
Termos em que julgando o recurso totalmente improcedente, V. Exas. estarão a ensinar e a realizar o DIREITO e a JUSTIÇA que ao caso cabe.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões vertidas pela Recorrente nas suas alegações (arts. 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais prévias, destinando-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não à prolação de decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido.
Mercê do exposto, da análise das conclusões vertidas pelo Recorrente nas suas alegações decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:
1ª - Se foi validamente deduzida e procede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença quanto ao ponto 5. in fine dos factos provados e quanto às alíneas A), B), C) e D) dos factos não provados.
2ª - Da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso e, independentemente disso, se ocorreu erro de julgamento do Tribunal a quo quanto ao ónus de prova da obrigação contratual assumida por cada uma das partes no contrato celebrado entre Autor e Ré.
Factos não provados
A. O autor e a ré acordaram que os trabalhos descritos em 4), seriam executados pelo preço de 5.750,00€, com o acréscimo de IVA.
B. No decurso da execução dos trabalhos descritos em 4), a ré solicitou diversas alterações ao previamente acordado, tendo sido alterada a utilização de painel sandwich tipo Campos, por tijolo, com acabamentos exteriores em areado e acabamentos interiores em pladur, pintado a branco, pelo preço acrescido de 2.300,00€, com o acréscimo de IVA.
C. No decurso da execução dos trabalhos descritos em 2), a solicitação da ré, pelo preço de 8.000,00€, com o acréscimo de IVA, o autor executou os seguintes trabalhos:
- retirou o teto, a cobertura e parte da parede da cozinha;
- ampliação constituída por cozinha e sala, com 7x6m2, onde será feita uma casa de banho e lavandaria;
- revestimento de paredes, cobertura, piso, teto a pladur;
- instalação de água esgotos e luz;
- coberto de telha sandwich para o quintal na estrutura metálica.
D. No decurso da execução dos trabalhos descritos em 2), a solicitação da ré, pelo preço de 6.800,00€, com o acréscimo de IVA, o autor executou os seguintes trabalhos:
- fornecimento de pedra Moca para janelas, portas e sacada, onde foram realizadas padieiras, ombreiras para receber a caixilharia com aplicação,
- aplicação de portas, aros e guarnições, rodapé e flutuante, aplicação de piso, tijoleira com rodapé e azulejo, cimento cola e forma para remates das juntas;
- montagem das louças da casa de banho, banca da cozinha e acessórios da água e esgotos;
- retirada do portão basculante, aplicação de painel, calhas, tubos e acessórios, preparação de ombreiras para recolocação do portão, reparação do portão da frente com régua em substituição das existentes.
1 – Se foi validamente deduzida e procede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença quanto ao ponto 5. in fine dos factos provados e quanto às alíneas A), B), C) e D) dos factos não provados
Pretende o Apelante a reapreciação da decisão da matéria de facto, por considerar que foi feita uma incorreta apreciação da prova quanto à matéria considerada provada pela 1ª instância na parte final do ponto 5 (“o que foi pago pela Ré”) bem como quanto aos factos não provados constantes das alíneas A), B), C) e D) daquela decisão.
O Recorrente cumpriu os pressupostos de ordem formal para se proceder à reapreciação da decisão da matéria de facto, mais precisamente o ónus de impugnação a que alude o artigo 640º, do Código de Processo Civil, porquanto:
- Indicou claramente os concretos pontos de facto constantes da decisão que considera afetados por erro de julgamento: ponto 5. in fine dos factos provados e as alíneas A), B), C) e D) dos factos não provados.
- Fundamentou as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios, tendo invocado como motivos da sua divergência a prova documental constante dos autos e as declarações de parte do Autor e da Ré.
- Discriminou as passagens da gravação em que funda o seu recurso, uma vez que os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tinham sido gravados, procedendo à transcrição dos excertos que considerou relevantes.
- Enunciou qual a decisão que, em seu entender, deveria ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas: eliminação da parte final do ponto 5. dos factos provados e darem-se como provados os factos constantes das alíneas A), B), C) e D) da factualidade não provada.
Mostram-se, por conseguinte, preenchidos todos os pressupostos necessários para a Relação reapreciar a prova.
Cumpre salientar que essa reapreciação deve conter-se dentro dos seguintes parâmetros:
i) o Tribunal da Relação só tem de se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente (a menos que se venha a revelar necessária a pronúncia sobre facticidade não impugnada para que não haja contradições);
ii) sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
iii) nesse novo julgamento, o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Dentro destes limites, o Tribunal da Relação está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto à imediação e oralidade.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do Código de Processo Civil), que está atribuído quer ao Tribunal da 1ª instância quer ao Tribunal de recurso, embora se reconheça que na formação da convicção do julgador podem intervir elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade permitem apreender. Recorrendo aos ensinamentos de António Santos Abrantes Geraldes[1], “É inegável que a gravação dos depoimentos por registo áudio ou por meio que permita a fixação da imagem (vídeo) nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tando ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reações perante as objeções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de perceção das referidas reações que, porventura, influenciaram o juiz de 1ª instância.”
Com é referido por aquele autor em nota de rodapé (547), na obra citada, página 348, «Já no Preâmbulo do Decreto nº 12.353, de 22-9-1926, se assinalava, com toda a pertinência, que “a psicologia judiciária ensina que um dos elementos a que deve atender-se para apreciar o valor de um depoimento é a atitude da testemunha, o modo como ela se apresenta, a forma por que depõe, o tom de firmeza ou de embaraço que imprime às suas declarações. Não é exagerado afirmar-se que mais do que aquilo que a testemunha diz vale o modo por que o diz”.
E nas Ordenações (Livro 1º, título 86, parágrafo 1º), determinava-se aos inquiridores que “atentem bem com que aspeto e constância falam (as testemunhas) e se variam, ou vacilam, ou mudam de cor, ou se torvam na fala, em maneira que lhes pareça que são falsas ou suspeitas…».
Por estas razões, está em melhor situação para apreciar os depoimentos prestados o julgador de primeira instância, uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos que não transparecem na gravação dos depoimentos, devendo, contudo, esclarecer, na decisão, os elementos considerados que entendeu de relevo.
Não obstante essas dificuldades com que o Tribunal da Relação se defronta, a verdade é que deverá modificar a decisão da matéria de facto se e quando, analisando devidamente todos os meios de prova, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, consiga concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação por parte do Tribunal de 1ª Instância relativamente aos concretos pontos de facto impugnados pelo Recorrente. De salientar que pode, também, dar-se o caso de, mesmo que o erro na apreciação da prova se não verifique, o Tribunal da Relação, usando da sua autonomia decisória, entender que deve introduzir as alterações solicitadas pelo Recorrente no compósito fáctico da causa, por diversa convicção sobre as provas, pois que o princípio da livre convicção de julgador vigora não só no julgamento de facto em 1ª instância, como também no julgamento de facto da Relação, não estando este Tribunal vinculado à livre convicção do julgador do Tribunal inferior.
Partindo destas premissas, que deverão conduzir o julgamento da matéria de facto por parte deste Tribunal da Relação, que passamos a efetuar, tendo, para tal, procedido à audição integral dos registos fonográficos e analisado devidamente toda a prova documental junta aos autos, impõe-se, antecipando desde já a nossa conclusão, dizer que se concorda com a parte da sentença onde vem motivada a decisão de facto, sendo certo que os argumentos apresentados pelo Apelante não justificam alterar a decisão de facto.
Dito de outro modo, considerando a prova indicada pelo Apelante e após análise de toda a restante prova produzida, concluímos que a mesma não é suficiente para dar uma resposta diversa aos factos impugnados, pelo que a impugnação da decisão de facto tem necessariamente de improceder pelas razões que, de seguida, se passam a expor.
No que respeita ao ponto 5. in fine dos factos provados, onde o Tribunal de 1ª Instância consignou “o que foi pago pela Ré”, sustenta o Recorrente a eliminação desta parte porquanto, não obstante convergirem Autor e Ré quanto ao pagamento desta àquele da quantia de cinco mil euros relativamente aos trabalhos de acrescento de uma divisão na frente da casa (um quarto), entende que se provou que esses trabalhos não foram acordados entre Autor e Ré por esse valor mas por outro superior, qual seja, €8.050,00, que não foi pago. E daí entender que devem ser dados como provados os pontos A) e B) dos factos não provados, considerando ainda que também devem ter-se como provados os factos constantes dos pontos C) e D) da factualidade não provada.
Quanto a estes pontos de facto impugnados pelo Recorrente o Tribunal de 1ª instância baseou a sua convicção nos seguintes termos:
“A decisão do Tribunal quanto à matéria de facto alicerçou-se na valoração crítica conjugada dos documentos juntos aos autos pelo Autor e pela Ré no início da audiência final, bem como nos depoimentos das testemunhas aí inquiridas e, bem assim, nas declarações tomadas a cada uma das partes, tendo sempre como pano de fundo a incidência do ónus de prova concretamente distribuído pelas partes.
(…)
Para dar como provados os factos descritos em 2) a 6) este tribunal estribou-se no teor das declarações de parte prestadas pelo autor AA e, outrossim, das declarações de parte prestadas pela ré BB, que de forma concertada e em uníssono, os corroboraram.
Na verdade, como explicaremos, se calcorrearmos toda a prova produzida, facilmente concluiremos que os pontos da matéria de facto que se assentaram foram os únicos em que o autor e a ré convergiram, determinando a sua demonstração.
Foi ainda relevante o teor do documento denominado de orçamento, datado de 6 de outubro de 2020, cujo conteúdo foi aceite por autor e ré.
Posto isto, centremo-nos, então, naquele que constitui o busílis do raciocínio probatório nesta ação e que contende com as alíneas A) a D) dos factos não provados.
As alíneas da matéria de facto a que se respondem provêm da alegação do autor vertida no seu requerimento inicial injuntivo de que, para além dos que se assentaram, executou os trabalhos descritos na execução da obra de reabilitação da predita uma moradia, sita na ..., pertença da ré; que os executou por prévia solicitação da ré, por preço previamente convencionado, o que, na verdade, são factos constitutivos do direito por si alegado, razão pela qual o respetivo ónus probatório sobre si impende – cfr.: artigo 342.º, n.º 1, do CPC.
Conquanto, se analisarmos os elementos probatórios produzidos em sede de audiência final impor-se-á a conclusão de que o autor – como sobre ela se impunha – frustrou o ónus probatório dos factos descritos, razão pela qual este tribunal os julgou indemonstrados.
Em jeito de parênteses, diremos que a presente relação contratual é o exemplo paradigmático de execução de trabalhos à margem da economia regulada, responsável e segura, embrenhada, ao invés, na neblina da economia paralela, muito proveitosa quando se desenvolve com sucesso, desastrosa quando assim não é.
Prosseguindo.
Em sede de audiência final, sobre esta matéria prestaram declarações o autor AA, e, por outro lado, a ré BB, e, outrossim, depuseram as testemunhas CC – cuja razão de ciência se centrou na circunstância de ter exercido alguns trabalhos de pedreiro na obra em discussão nestes autos, por conta do autor –, de DD, de EE e de FF – cuja razão de ciência se centrou na circunstância de terem, a solicitação da autora, verificado alguns defeitos, que densificaram, na casa de habitação da ré.
Vejamos, então.
Se escalpelizarmos as declarações de parte do autor e as da ré, uma conclusão se imporá de imediato, concretamente a de que têm posições absolutamente dissidentes entre si quanto à verificação dos factos em apreciação.
Se por um lado a ré afiança, sem qualquer hesitação, que todos os trabalhos por si solicitados ao autor e por ele executados se encontram a coberto dos acordos iniciais descritos em 2) e 4), cujo pagamento foi por ela satisfeito.
Por outro lado, o autor garante que todos os trabalhos que nesta ação peticiona extravasaram o acordado inicialmente, razão pela qual lhe é devido o preço correspondente.
Sucede que chamado a discriminar detalhadamente os trabalhos por si executados, a solicitação da ré e o preço por ambos convencionado – por aceitação –, o autor não logrou conseguir, titubeando, em larga medida, na forma como descreveu a reunião da vontade negocial, nas suas palavras, firmada entre si e a ré.
E saliente-se que nem com a exibição dos documentos por si juntos aos autos, que intitulou de orçamentos, o conseguiu fazer com objetividade e circunstanciação que se impunham – uma vez que é o autor que invoca a intervenção do tribunal –, permanecendo todas as suas declarações no árido e tortuoso caminho que a execução de atividades não declaradas premeia.
Neste passo, com o fito de corroborar a versão do autor trazida a este pleito, a testemunha CC – cuja razão de ciência acima descrevemos –, desconhecendo o concretamente acordado entre o autor e a ré, pôde afiançar a este tribunal o que executou na obra descrita em 2), por conta do autor, descrevendo que assentou cerâmica, deu um jeito no pladur e pintou paredes, não se lembrando por quanto tempo permaneceu em obra.
De todo o modo, pugnamos pela sua insuficiência face à insipiência da razão de ciência desta testemunha.
Por outro lado, se nos debruçarmos sobre as declarações prestadas pela ré, poderemos concluir que se nos apresentam como mais estruturadas, firmes e organizadas, assentes, com relevância para os presentes autos, nos seguintes pontos de referência: na execução sucessiva pelo autor dos trabalhos de reabilitação da casa de habitação descrita em 2), mediante o pagamento sucessivo que, na mesma medida, ia sendo protagonizado pela ré; e na incorporação dos trabalhos cujo pagamento o autor peticiona na execução dos trabalhos descritos em 2) e 3).
E diga-se que tais pontos assentes na convicção da ré são absolutamente consentâneos com as mais elementares regras da experiência e do normal suceder, por permitir a execução paulatina das obras em discussão e mediante as possibilidades económicas da ré, ficando ambas as premissas na natural dependência uma da outra.
Acrescente-se que os documentos juntos aos autos pelo autor e pela ré, na parte que foram impugnados pela contraparte, respetivamente, em nada ajudam na resolução deste dissidendo, uma vez que o seu conteúdo é da autoria da parte apresentante, sem que a outra parte tenha dele prévio conhecimento, não passando de meras notas, esboços ou rascunhos, passíveis de servir os faciosos interesses de cada um deles.
Por último, na esteira apenas do que expusemos, sublinhemos a imprestabilidade dos depoimentos das testemunhas DD, de EE e de FF.
Como é bom de ver, deparamo-nos perante duas versões absolutamente dissidentes, assentes em declarações de cada uma das partes, que desacompanhado de qualquer outro elemento de prova cabal conduz à indemonstração dos factos correspondentes, decidindo-se a questão contra aquele que detinha o respetivo ónus probatório, como seja, como atrás se anunciou, o autor – cfr. artigo 346.º, do Código Civil.
É, pois, esta a convicção deste Tribunal.”
E, acrescentamos nós, também é essa a convicção deste Tribunal da Relação, sendo de validar tal raciocínio motivacional em que se sustentou a decisão recorrida.
Analisada toda a prova produzida, nada resulta que permita fundamentar qualquer resposta positiva aos factos impugnados, dados como não provados na sentença.
Tendo presente os mencionados princípios orientadores, integralmente revisitada a prova e vista a decisão da matéria de facto, supra, ficou-nos a convicção de que, in casu, não existe o erro de julgamento que o Recorrente aponta, ao invés a matéria de facto foi livremente e bem decidida, pelo que não podemos, com segurança, divergir do juízo probatório do Tribunal a quo.
Efetuada a análise da prova, não há elementos probatórios produzidos no processo que imponham ou justifiquem decisão diversa – como exige o nº1, do artigo 662.º, para que o Tribunal da Relação possa alterar a decisão da matéria de facto.
Assim, ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum, os meios de prova produzidos, que não foram validamente contraditados por quaisquer outros meios de prova, concluímos que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne à matéria de facto, se mostra conforme com a prova produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém, na íntegra.
E, na verdade, não obstante as críticas que são dirigidas pelo Recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados, qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência, bem tendo decido o Tribunal a quo ao julgar como não provada a matéria em causa.
A convicção desse Tribunal para as respostas negativas tem, a nosso ver, apoio nos ditos meios de prova produzidos e, na ausência de prova que permita fundar resposta diversa, é de manter a factualidade tal como decidido na sentença recorrida, não sendo de aderir ao mero convencimento subjetivo e genérico sustentado pelo Apelante nas suas alegações. A respeito destas, importa salientar que o próprio Recorrente acaba por reconhecer a falta de meios probatórios que sustentem a sua posição, porquanto decorre das suas alegações que:
- Quanto aos pontos A) e B) dos factos não provados: Começa por reconhecer que “Resulta assim, de ambas as declarações, que autor e ré acordaram na execução de trabalhos de construção civil de uma divisão (um quarto) de raiz na casa da ré, divergindo quanto ao valor total que acordaram para o mesmo. Desvio este que aliás resulta dos interesses próprios de cada uma das partes.” Para depois argumentar “Pelo que, de acordo com as mais elementares regras da experiência e do normal acontecer, podemos admitir que o acrescento de mais uma divisão, quando as obras principais já se encontravam totalmente realizadas, teria sempre um custo elevado, o qual não nos choca ser de €8.050,00 (oito mil e cinquenta euros), como indicado nos documentos juntos aos autos.”
Esta argumentação é claramente improcedente, não havendo nenhuma regra da experiência que permita sustentar o custo de qualquer obra e, em concreto, o custo de um quarto.
- Quanto ao ponto C) dos factos não provados: alega que “resulta claro de ambas as declarações que a ré solicitou alterações ao inicialmente ajustado, designadamente trabalhos de ampliação da área onde se encontra implantada a sala e a cozinha, mandando construir de raiz uma casa de banho de serviço, com lavandaria incorporada” para depois concluir, sem qualquer fundamento, que “a tais trabalhos teria de corresponder um novo custo (de materiais e mão de obra) que, de acordo com as mais elementares regras da experiência e do normal acontecer, não espanta ser de €8.000,00 (oito mil euros).” Esta argumentação é claramente improcedente, como já acima se evidenciou, não havendo uma qualquer regra da experiência que permita calcular o custo de uma construção.
- No que respeita ao ponto D) dos factos não provados: alega que “o facto de a ré desconsiderar tais trabalhos de aplicação e montagem como serviços extra, não pode ser suficiente para pôr em causa a sua veracidade”, para depois, ciente da fragilidade das declarações prestadas pelo Autor, procura justificá-la a coberto da idade deste “olvidou o Tribunal a quo que o autor é um homem já de idade avançada – ao contrário da ré que é jovem -, o que justifica algumas falhas de memória (os acontecimentos são de 2020/2021) e hesitações quanto aos factos.”, sendo certo que também não colhe esta argumentação, pois que nada nos autos /gravação inculca a ideia de que as declarações do Autor foram de algum modo limitadas pelo fator idade. É certo que no decurso das suas declarações foram várias as vezes que o Autor proferiu afirmações do tipo “não sei”, “não me lembro”, “já passou tanto tempo”, mas, ouvidas as gravações, afigura-se plausível concluir que claramente não o foram por causa da sua idade, recorrendo às mesmas sempre que era confrontado, designadamente pelo Tribunal, com as incoerências e incongruências das declarações que estava a prestar.
Vale isto por dizer que o Recorrente não concorda com o decidido relativamente aos supra mencionados factos provados, mas não carreou para os autos prova suficientemente consistente que imponha decisão diversa.
Concluímos, por conseguinte, pela inexistência de qualquer erro de julgamento da decisão de facto, tendo o Tribunal de 1ª instância, de forma livre e adequada, formado a sua convicção ante a prova prestada perante si e, por isso, com oralidade e imediação, convicção que é também a nossa, como vimos, pelo que, verificando-se concordância entre a apreciação probatória do Tribunal a quo e o Tribunal da Relação, porque a decisão sobre a matéria de facto não merece reparo, considera-se definitivamente fixada a matéria de facto dada como provada e não provada na sentença recorrida.
Improcede, por conseguinte, nesta parte a apelação.
Em sede de enquadramento jurídico, confirmada a matéria de facto enunciada na sentença recorrida, afastada fica desde logo o conhecimento da questão da repercussão da alteração da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso.
Não obstante, cumpre ainda decidir se ocorreu erro de julgamento do Tribunal a quo quanto ao ónus de prova da obrigação contratual assumida por cada uma das partes no contrato celebrado entre Autor e Ré, justificando os factos provados e o direito aplicável decisão de procedência da ação, total ou parcial.
Na sentença recorrida, considerou-se que entre o Autor e a Ré foi celebrado um contrato de empreitada. E ali se consignou que estamos no âmbito da responsabilidade contratual, onde “ao credor cabe alegar e provar, não só a existência de um contrato, mas também as obrigações dele resultantes para o devedor, especialmente as que não tiverem sido cumpridas e que se reclamam, pois quanto ao incumprimento, como é consabido, a lei presume a culpa do devedor (art. 798º, do Código Civil).
In casu, se calcorrearmos a matéria de facto, verificámos que o Autor não logrou demonstrar a convergência entre o Autor e a Ré de vontades negociais subjacentes aos pedidos formulados nestas ações, devendo, nessa medida, os mesmos improceder, absolvendo-se a ré de tudo quanto a si peticionado”.
Contra o assim decidido vem o Recorrente sustentar que:
- Se o Tribunal a quo se convenceu da credibilidade das declarações da ré, uma vez que até considera que a ré afiança, sem qualquer hesitação, que todos os trabalhos por si solicitados ao autor e por ele executados se encontram a coberto dos acordos iniciais descritos em 2) e 4), cujo pagamento foi por ela satisfeito, por maioria de razão devia ter dado como provado o que consta da prova documental carreada para os autos pela ré, isto é, as agendas. Se o fizesse teria necessariamente de concluir que a Ré não pagou todos os trabalhos executados pelo Autor e que ainda se encontra por liquidar a quantia de €12.850,00, dando assim como parcialmente procedente a sua pretensão e condenando a Ré no pagamento dos valores em falta.
- Se o Tribunal a quo considerou que estávamos perante a celebração de um contrato de empreitada nos termos do art. 1207º, do Código Civil, teria de averiguar se os contraentes cumpriram com as suas obrigações, mormente se o peticionado incumprimento do pagamento do preço pela Ré se verificava. Por isso, invocando o disposto no artigo 799º, do Código Civil, considera que o Tribunal, ao concluir que o Autor não logrou demonstrar a convergência entre ele e a ré de vontades negociais subjacentes aos pedidos formulados violou as citadas disposições legais, uma vez que cabia à Ré ilidir a presunção de culpa no incumprimento contratual e demonstrar que havia pago todas as quantias que lhe foram solicitadas, o que não se verificou.
No que concerne a esta questão claramente que a argumentação do Recorrente tem de improceder.
De facto, sendo aceite que estamos no âmbito de um contrato de empreitada, cabia ao Autor a prova da existência do contrato e do cumprimento da sua obrigação de realização da obra conforme o acordado, bem como que as quantias que aqui vem peticionar correspondem ao preço acordado com a Ré para pagamento da globalidade da empreitada. No entanto, como resulta dos factos provados, o Autor apenas logrou tal prova parcialmente, porquanto para além da execução dos trabalhos descritos nos pontos 2. e 4. dos factos provados, pelo preço de, respetivamente, €20.000,00 e €5.000,00, não logrou o Autor provar que realizou quaisquer outros trabalhos no âmbito do contrato celebrado com a Ré.
Ora, quanto aos trabalhos que o Autor demonstrou fazerem parte do âmbito do contrato celebrado com a Ré, na realidade, esta logrou provar, como lhe incumbia, de acordo com as regras da repartição do ónus da prova previstas no artigo 342º, do Código Civil, o seu pagamento, como decorre claramente dos pontos 3. e 5., parte final, dos factos provados.
Diferentemente do que o Autor parece sustentar, já não terá naturalmente a Ré de provar que pagou o preço de trabalhos que, não obstante terem sido alegados pelo Autor como realizados e fazendo parte do âmbito do contrato com aquela celebrado, este não logrou provar que os tenha executado, pelo preço que reclama, no âmbito do contrato celebrado com a Ré.
Podemos assim concluir, como aliás o sustenta a Recorrida, que nesta parte o Recorrente incorre numa falácia Petitio Principii, socorrendo-se de um argumento em que a conclusão a ser provada é utilizada como premissa do mesmo argumento. Ou seja, dá como assente factos que, de acordo com o disposto no artigo 342º, nº1, do Código Civil, lhe compete demonstrar relativos à execução de serviços pelo preço que reclama, que teriam sido acordados com a Ré no âmbito do contrato com ela celebrado, inserindo deste modo esses factos enquanto premissas, para concluir pela existência de um crédito a seu favor em virtude de a Ré não ter logrado demonstrar o pagamento daqueles serviços. O Recorrente usa a própria conclusão de que os trabalhos foram realizados pelo custo reclamado, acordado e aceite pelas partes, enquanto premissa, para chegar à dita conclusão, falácia lógica de onde parte para a presunção ínsita no n.º 1, do art. 799.º, do Código Civil, esquecendo que antes de aí chegar tem o Autor de provar que executou os serviços alegados, pelos preços que reclama, acordados e aceites entre as partes, pois só aí a Ré passará a ser devedora e só então será possível aplicar a invocada presunção.
Na verdade, consagrando o nº1, do artigo 342º, do C. Civil, que regula a questão do ónus da prova, que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, não tendo o Autor logrado provar os factos que alegou, constitutivos do direito de que se arroga, tem o mesmo de sofrer as consequências desvantajosas de o não ter conseguido.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pelo apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
Como a apelação foi julgada improcedente, mercê do princípio da causalidade, as custas serão da responsabilidade do Recorrente, sem prejuízo da decisão que vier a recair sobre o requerimento de proteção jurídica por ele formulado.