I - Uma deficiente fundamentação (motivação fáctica), em que se verifique insuficiente ou errada análise das provas produzidas, não constitui falta de fundamentação determinativa de nulidade da sentença (error in procedendo), podendo, contudo, integrar erro de julgamento a afetar a decisão de mérito (error in judicando).
II - E nos casos em que o vício da deficiente fundamentação se coloque ao nível da decisão sobre a matéria de facto, esse vício tem de ser solucionado mediante as regras próprias enunciadas nos n.ºs 1 e 2 do art. 662º, do Código de Processo Civil.
III - Assentando o julgamento de facto a efetuar pelo Tribunal da Relação na autonomia decisória deste Tribunal, deve ser alterada a decisão de facto a formar-se diferente convicção sobre a prova produzida, sendo de manter o decidido na concordância probatória.
IV - As declarações de parte, interessadas e, em regra, por natureza, não isentas, não podem, em princípio, fundamentar a prova da versão dos factos apresentada pelo próprio declarante em seu benefício sem que sejam corroboradas por outros elementos de prova idóneos, credíveis e convincentes.
V - Provada a propriedade da coisa reivindicada e que esta se encontra em poder da Ré, tem a mesma de a entregar na falta de prova, por si, de factos em que assentem a legítima detenção (nº2, do art. 1311º e nº2, do art. 342º, ambos do Código Civil).
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto
Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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Recorrente: a Ré, AA
Recorrida: a Autora, BB
BB intentou a presente ação declarativa de condenação contra AA pedindo a condenação desta a reconhecer o seu direito de propriedade sobre o prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial, a restituir-lho livre de pessoas, animais e bens e a pagar-lhe, a título de enriquecimento sem causa, a quantia mensal de 250,00 €, até à sua efetiva restituição.
Alega, para tanto e resumidamente, ser proprietária de um prédio urbano que recebeu de seus falecidos pais, que estes em 22 de julho de 1963 deram, verbalmente, de arrendamento, para habitação, o imóvel a CC e esposa, DD, respetivamente cunhado e à irmã da ré, negócio esse que em 26 de novembro de 2009 foi reduzido a escrito, e que, tendo falecido CC e posteriormente, em 5 de abril de 2022, a sua esposa, tal contrato caducou (sendo, mesmo, que, já em 28 de fevereiro de 2022, o contrato teria sido cessado, por os filhos do casal de arrendatários lhe terem entregue a chave), mantendo-se, contudo, a Ré no local, invocando ser sucessora da irmã, sem que, sequer, habite a casa, apesar de ali vir criando animais e de vir a impedir o uso pela autora e, mesmo, após interpelação escrita da ilegitimidade da ocupação do imóvel, a ré, por escrito, comunicou que ia proceder ao depósito de rendas, no valor de 20€, cada, junto da Banco 1..., sendo que, com a sua conduta, vem impedindo a fruição do imóvel pela autora, com a perda do valor que peticiona e o seu correspondente enriquecimento.
Contestou a Ré invocando em sua defesa, como facto impeditivo do direito da Autora, ser arrendatária do imóvel e nele habitar desde a data em que o mesmo foi dado de arrendamento, e, inclusivamente, ter efetuado o pagamento de rendas.
Respondeu a autora negando o alegado pela Ré.
parte dispositiva:
“Pelo acima exposto, julga-se a presente ação procedente, com a condenação da ré a reconhecer o direito de propriedade da autora sobre o prédio identificado em 1 e a restituir-lhe o referido prédio, deixando-o livre de pessoas, animais e bens, pagando-lhe uma quantia mensal correspondente à perda de rendimento pela ocupação do imóvel a título de enriquecimento sem causa, a liquidar em execução de sentença, a contar desde o trânsito da decisão até à sua efetiva restituição.
Custas pela ré”.
CONCLUSÕES:
(…)
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1ª- Da nulidade da sentença, por padecer do vício de falta de fundamentação.
2ª- Quanto à impugnação da decisão de facto:
- Da observância dos ónus de impugnação da decisão de facto;
- Do mérito da impugnação da decisão de facto/modificabilidade de tal decisão:
. Critérios do julgamento (âmbito da apreciação e autonomia decisória).
. Da modificabilidade da decisão de facto.
3ª- Da modificabilidade da decisão de mérito.
1. FACTOS PROVADOS
Foram os seguintes os factos considerados provados pelo Tribunal de 1ª instância com relevância para a decisão (transcrição):
1. A A. é dona e legítima proprietária do prédio urbano, destinado a habitação, sito na Travessa ..., ..., na freguesia ..., do concelho de Lousada (...), omisso na Conservatória do Registo Predial de Lousada, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., com o valor patrimonial atual de 6.820,80€ (doc. 1 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
2. Tal prédio veio ao domínio e posse da A. por escritura de habilitação e partilha por óbito de seus pais, lavrada no dia 12 de novembro de 1980, no Cartório Notarial de Lousada (doc. 2 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
3. Como quer que seja, a A. e seus antepossuidores durante mais de 20 ou 30 anos, com exclusão de outros, por atos repetidos e sempre renovados, de forma contínua, têm extraído todas as utilidades do aludido prédio, nomeadamente habitando-o ou dando-o de arrendamento e colhendo os seus frutos, pagando todas as contribuições e impostos, na ignorância de lesarem interesses ou direitos alheios, de forma pacífica, sem a oposição de ninguém ou contestação de quem quer que seja.
4. Pelo que, se de outro título carecesse, era seu o aludido prédio por usucapião, facto que expressamente invoca.
5. No dia 22 de julho de 1963, por contrato verbal, foi dado de arrendamento o prédio identificado em 1 ao cunhado e à irmã da ora ré, CC e sua esposa DD, ambos já falecidos.
6. Posteriormente, em 26 de novembro de 2009, a autora e os citados CC e sua esposa DD reduziram a escrito o contrato de arrendamento para habitação então celebrado.
7. Conforme consta da cláusula 6.ª do contrato de arrendamento para habitação “o local arrendado destina-se, exclusivamente, à habitação do Segundo Outorgante e respetivo agregado familiar, não lhe podendo ser dado outro uso ou fim, sob pena de resolução contratual.”
8. Após o falecimento de CC, ficou o prédio urbano identificado em 1 a ser habitado pela sua esposa.
9. Mais tarde, em 5 de abril de 2022, veio a falecer DD, irmã da ré.
10. Depois, aquando da visita ao prédio, a autora constatou que a ré tem vindo a utilizar o prédio identificado em 1 mantendo no local a criação de animais domésticos.
11. Arrogando-se sucessora da falecida DD.
12. A autora e a ré celebraram um contrato de arrendamento rural ao agricultor autónomo, que diz respeito exclusivamente a prédios rústicos.
13. Todavia, conforme notificação judicial avulsa, datada de 05/11/2022, com o processo n.º 3193/20.7T8LOU, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo Local Cível de Lousada, foi a ré notificada para entregar os prédios rústicos arrendados no dia 19/12/2022, livre de pessoas, animais e bens.
14. A ré utiliza o prédio identificado em 1, propriedade da autora, para a criação de animais.
15. Após a entrega das chaves, a ré deslocou-se à habitação da autora para lhe entregar a quantia de 20€, informando que seria o pagamento da renda do prédio identificado em 1.
16. A autora não aceitou.
17. No dia 12/04/2022 a autora enviou missiva à ré, a dar conhecimento que a utilização é totalmente indevida, uma vez que nunca foi contratualizado entre a autora e a ré qualquer contrato de arrendamento habitacional e tão pouco tinha sido autorizada a utilizar o prédio aqui em causa.
18. Manifestando logo que a aqui a ré se encontrava a violar os direitos de propriedade da autora ao utilizar o prédio identificado em 1, sem qualquer autorização ou contratualização.
19. No dia 27 de abril de 2022, a ré enviou uma missiva à autora a comunicar que procedeu ao depósito da renda do mês de março e do mês de abril de 2022, no valor de 20€, cada, junto da Banco 1....
20. A ré chegou a viver no imóvel referido em 1, quando a sua irmã e o seu cunhado eram vivos.
Não considera o tribunal demostrado:
A. Que atentos os atuais valores do mercado de arrendamento, o prédio permitiria um rendimento mensal à autora em quantia nunca inferior a 250,00 €.
B. Que a autora acordou ceder em arrendamento o imóvel referido em 1 à ré.
C. Que para além do referido em 22, a ré reside no imóvel, ininterruptamente, desde julho de 1963 até à presente data, continuando a habitar de forma permanente o locado, onde tem o centro da sua vida familiar e social.
D. Que a ré ali pernoita, toma as refeições, recebe os seus familiares e recebe toda a sua correspondência.
E. Que a ré ali tem todos os seus pertences, nomeadamente roupas, calçado, móveis, recordações.
1ª- Da nulidade da sentença por falta de fundamentação.
Arguiu a Ré/Apelante, no recurso que apresentou, a nulidade da sentença por a mesma padecer do vício de falta de fundamentação.
Analisemos, em primeiro lugar, da invocada nulidade, pois que a mesma contende com a validade da própria decisão.
Começa por se referir que as “Causas de nulidade da sentença”, vêm taxativamente consagradas no nº1, do art 615º, do Código de Processo Civil, diploma a que nos reportamos na falta de outra referência. São tipificados, vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, reportando-se à estrutura, à inteligibilidade e aos limites, sendo vícios do silogismo judiciário inerentes à sua formação e à harmonia formal entre as premissas e a conclusão, que não podem ser confundidas com erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito. Trata-se de um error in procedendo, nada tendo a ver com os erros de julgamento. E, como vícios intrínsecos daquela peça processual, as nulidades da sentença são apreciadas em função do texto da sentença e do discurso lógico que nela é desenvolvido, não podendo ser confundidas com erros de julgamento de facto nem com erros de aplicação das normas jurídicas aos factos. Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas e/ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, antes o mérito da relação material controvertida, nela apreciada (a substância), não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso.
Sendo frequente a confusão entre a nulidade da decisão (que, a proceder, pode conduzir à anulação da sentença) e a discordância do resultado obtido, cumpre deixar claro que os vícios da sentença não podem ser confundidos com erros de julgamento, erros quanto à decisão de mérito, estes decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou aplicação do direito (error juris) de forma que o decidido não corresponde à realidade normativa (que, na procedência, conduzem à alteração da decisão da matéria de facto e/ou à revogação da decisão). E, com efeito, “Ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art. 607-3). Há nulidade (no sentido de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (ac. do STJ de 17.10.90, Roberto Valente, AJ, 12, p. 20: constitui nulidade a falta de discriminação dos factos provados). Não a constitui a mera deficiência de fundamentação (ac. do TRP de 6.1.94, CJ, 1994, I. p 197: a simples indicação do preceito legal aplicável constitui fundamentação suficiente da decisão…”[1].
No que concerne a insuficiência de fundamentação de facto, diga-se que, integrando a sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto como a fundamentação dessa decisão (art. 607º, nº3 e 4), “deve considerar-se que a nulidade consagrada na alínea b), do nº1 (falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão) apenas se reporta à primeira, sendo à segunda, diversamente, aplicável o regime do art. 662, nºs 2-d e 3, alíneas b) e d) (ac. do TRP de 5.3.15, Aristides Rodrigues de Almeida, www.dgsi.pt.proc.1644/11, e ac. do TRP de 29.6.15, Paula Leal de Carvalho, www.dgsi.pt, proc 839/13)”[2] .
Assim, “é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito ou que se caracterize pela sua ininteligibilidade, previsões que a jurisprudência tem vindo a interpretar de forma uniforme, de modo a incluir apenas a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente e ainda menos o putativo desacerto da decisão (STJ 2-6-16,781/11)”[3]. Orienta-se a jurisprudência uniformemente no sentido de não padecer de nulidade decisão escassamente fundamentada ou decisão que não acolha os argumentos do apelante e decida em sentido oposto ao que o mesmo se apresentou a propugnar, sendo esta a situação que se verifica no caso concreto.
Deste modo, importa distinguir entre erros de atividade ou de construção da sentença, geradores de nulidade a que se reporta aquele art. 615º, n.º 1, dos erros de julgamento, que apenas afetam o valor doutrinal da decisão, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada, atacáveis em via de recurso e não determinativos daquela invalidade.
A deficiente fundamentação, em que apenas se verifica uma insuficiente ou errada análise das provas produzidas ou uma indevida enunciação e interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, não constitui omissão de fundamentação, determinativa de nulidade da sentença, mas mero erro de julgamento, atacável e sindicável em via de recurso.
E nos casos em que o vício da deficiente fundamentação se coloque ao nível da decisão sobre a matéria de facto, esse vício tem de ser solucionado mediante as regras próprias enunciadas nos n.ºs 1 e 2 do art. 662º.
In casu, a nulidade da sentença é arguida por falta da devida apreciação (motivação) e valoração de prova, por falta de fundamentação fáctica, confundindo a apelante a invocação da nulidade da sentença com a existência de erro de julgamento, este o efetivo fundamento do seu recurso, que será conhecido de seguida.
Não padece, pois, a decisão do apontado vício formal, que improcede.
Ponderando os critérios e balizas que deverão conduzir o julgamento da Relação e os argumentos apresentados pela apelante e debruçando-nos sobre a parte da sentença onde vem motivada a decisão de facto, entendemos não se justificar alterar a decisão de facto pelas razões que se passam a expor.
Impugna a apelante a decisão da matéria de facto constante da decisão recorrida, pretendendo que seja alterada por forma a os factos dados como provados nos pontos 1, 5, 6, 8, 10, 14 e 20 passem a não provados ou a ter outro teor e os factos não provados constantes das alíneas B, C, D e E passem a provados, por considerar ter o Tribunal recorrido incorrido em erro ao conferir credibilidade às testemunhas da Autora e ao depoimento desta, quando as suas declarações de parte e os depoimentos das suas testemunhas se revelaram mais credíveis, esclarecedores e fieis à verdade.
Conhecendo.
Quanto ao ponto 1 dos factos provados, com a seguinte redação:
“1. A A. é dona e legítima proprietária do prédio urbano, destinado a habitação, sito na Travessa ..., ..., na freguesia ..., do concelho de Lousada (...), omisso na Conservatória do Registo Predial de Lousada, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., com o valor patrimonial atual de 6.820,80€ (doc. 1 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais)”,
pretende a Ré que passe a ter a seguinte redação:
"A A. é dona e legítima proprietária do prédio urbano, destinado a habitação, sito na Travessa ..., ..., na freguesia ..., do concelho de Lousada (...), omisso na Conservatória do Registo Predial de Lousada, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., com o valor patrimonial actual de 16.788.10€."
e requer que face à alteração do teor deste facto provado, seja o valor da ação corrigido para a quantia de 16.788,10€, conforme foi peticionado pela Recorrente na sua contestação, por ter havido lapso, sendo o prédio em causa, onde a Ré habitou com a sua irmã DD e o cunhado, o nº52 (o 55, também da Ré, reporta-se ao arrendado à outra irmã, EE).
Assim sucede, na verdade, como resulta da prova documental produzida nos autos, referida pela apelante no corpo das alegações[8], alguma junta e convocada pela própria Autora na petição inicial, sendo, por isso manifesto o lapso em que a Autora incorreu no artigo 1º, da petição inicial, que passou para o ponto 1, dos factos provados, e, consequentemente, cabe corrigir o referido ponto conforme solicitado (v. o próprio contrato de arrendamento reduzido a escrito que a Autora refere).
Não cabe, porém, corrigir o valor da ação, indeferindo-se a requerida correção, por tal se tratar de uma questão nova, não apreciada na sentença e que, por isso não pode ser apreciada por este Tribunal, de recurso, para além de o valor da ação se mostrar já, definitivamente, fixado no despacho saneador, não cabendo, por isso, proceder à requerida correção.
“É certo que a ré, durante algum tempo, residiu com a sua irmã e cunhado no imóvel, tal como a própria autora admitiu.
Contudo, para além da sua negação pela autora, e pelo reconhecimento recebido desta de que foram arrendatários do espaço CC e sua esposa DD, cunhado e irmã da ré, nenhum elemento se recebeu que permitisse com a necessária segurança deduzir que a ré assumiu tal posição com a concordância do senhorio, nomeadamente da autora: não apresentou nenhum recibo de renda, não demonstrou qualquer pagamento efetivo, para além dos depósitos a que retro faz alusão, e nenhuma das testemunhas ouvidas foi capaz de confirmar tal realidade.
Pelo contrário, a autora afastou tal aceitação, aceitando unicamente a existência no passado de um vínculo relativo a prédios rústicos, no que foi secundada pelas suas filhas ouvidas em juízo, FF e GG, que convivem com a sua mãe e vão tomando contacto com o que se passa no local.
E EE, irmã da ré, ela assumidamente arrendatária da autora em imóvel cercano, também não atestou tal tese: eram CC e DD eu pagavam a renda, a ré não, e nunca assinou contrato.
Por conseguinte, apesar de algumas testemunhas ouvidas, familiares da ré, declararem que esta ia entregar dinheiro à autora de rendas, inclusivamente quando a irmã DD ainda era viva, não se logrou demonstrar com a necessária firmeza probatória que de facto tal pacto existiu, que a autora ou o seu pai em certo momento aceitaram que a ré tomasse as vestes de “caseira”, de arrendatária.
Consequentemente, à míngua de melhor prova, afastou-se o descrito em B”(negrito e sublinhado nosso).
Não resultou, na verdade, efetuada qualquer prova minimamente credível e convincente de que a Ré tenha celebrado qualquer contrato de arrendamento relativo ao prédio em causa nos autos.
E mais motivou, quanto à ocupação do imóvel pela Ré, o Tribunal a quo terem as respostas dadas aos factos impugnados assentado na inspeção ao local em conjugação com o depoimento das testemunhas inquiridas:
“não se descobriu no local sinais claros de uma efetiva e regular permanência no imóvel, ali se fazendo refeições, dormindo, cuidando de roupas e bens.
Em oposição, ali se descobriu um quarto com sinais de não ser usado por se encontrar com sujidade acumulada, com um caminho ao ar livre para uma casa de banho quase insalubre, sem toalhas ou papel higiénico, com um frasco de sabão antigo, com uma cozinha desprovida de sinais de uso corrente, mas sim de uma utilização longínqua e, talvez, ocasional, ali se descobrindo um produtos aparentemente recentes, pousados sobre a mesa, incapazes, todavia, de afastar a inferência de não se fazer uma utilização recente do espaço. A arca congeladora apresentava poucos produtos e com aparência de vetustez, e os demais espaços visitados ostentavam uma falta de arrumação e de asseio que criaram ainda mais dúvidas sobre se alguém residiria naquele lugar.
Os únicos elementos que indicavam uma utilização regular a cuidada era o frigorífico, onde essencialmente se armazenavam ovos, contendo para além desses ovos (resultado da evidente exploração animal de galináceos), uns parcos produtos lácteos.
Sendo a ré uma pessoa idosa e visivelmente apoucada de debilidades de saúde, não se mostra plausível que esta habitasse o espaço sozinha, especialmente durante a noite, malgrado o apoio de familiares que as testemunhas vieram descrever.
A autora, nas suas declarações, declarou que desde a época da pandemia COVID-19 que a ré já não ali reside, mudando-se para casa de uma neta, em ....
O mesmo foi declarado pelas suas filhas, FF e GG.
A testemunha HH, funcionário judicial encarregado do serviço externo do tribunal, veio declarar que tendo sido instado a notificar a ré no cumprimento das suas funções, não tendo sido capaz de encontrar a ré no imóvel, apesar de diversas tentativas, teria sido informado na vizinhança que esta residiria em ..., em casa de uma neta, onde finalmente, cerca de três semanas a um mês de tentativas depois, a logrou notificar.
E EE, irmã da ré, vizinha, sabendo que a sua irmã vai ao imóvel com a sua neta, cuidando das galinhas, pensa que a sua irmã ali não dorme, não ouvindo dali ruído.
Perante estes fatores, que o tribunal aferiu como críveis, não foi dado relevo ao que se escutou das testemunhas II, filho da ré, residente em França, JJ e KK, bisnetos da ré, LL, neta da ré, MM, filho da ré, e NN, também neta, que acolheria a ré nos seus momentos mais difíceis de saúde, acompanhando-a no seu quotidiano: aquela é a casa da ré, e esta ali vive.
Segundo estes, a ré só se recolheria em casa da sua neta em momentos de doença ou maior debilidade.
Todavia, perante a prova recebida em sentido contrário, não pôde o tribunal consolidar com a demandada robustez uma convicção de que aquele foi e é o local de residência da ré.
Aliás, a maior certeza formou-se no sentido oposto: a ré não reside ali desde o tempo pandémico.
Rejeitou-se, destarte, o mencionado em C a E” (negrito e sublinhado nosso).
Mais esclarece o Tribunal a quo ter ponderado “os documentos juntos, designadamente a informação matricial referente ao imóvel, a escritura de habilitação e partilha, testamento e relação de bens trazidos pela autora, onde se inclui o imóvel em causa, o contrato de arrendamento rural acima referido e notificação avulsa, bem como a correspondência apresentada, comprovativos de depósitos bancários, as informações matriciais, o contrato reduzido a escrito e recibos de renda emitidos no nome de CC, as informações fiscais, assim como o contrato reduzido a escrito referente a EE”.
Com efeito, como referimos e resultou de toda a prova produzida, foi efetuada a prova dos factos provados impugnados suprarreferidos. E não houve prova credível e convincente que permita que seja dada aos factos considerados não provados uma resposta no sentido de se terem como provados, designadamente a invocada celebração de contrato de arrendamento ou pagamentos de rendas pela Ré relativos ao imóvel em causa nos autos. Com efeito, provou-se, como bem motivou o Tribunal a quo, que no dia 22 de julho de 1963, por contrato verbal, foi dado de arrendamento o prédio em causa ao cunhado, CC, e à irmã da ora ré, DD, que em 26 de novembro de 2009, a autora e os referidos arrendatários reduziram a escrito o contrato de arrendamento em conformidade com o que dele consta, que, após o falecimento de CC, ficou o prédio a ser habitado pela esposa, que aquando da visita ao prédio, a autora constatou, (também o tendo constatado o Tribunal) que a ré tem vindo a utilizar o prédio para criação de animais domésticos e que a ré chegou a viver no imóvel em causa quando a sua irmã e o seu cunhado eram vivos. E não se provou que a autora acordou ceder em arrendamento o imóvel à ré, que esta aí resida, ininterruptamente, desde julho de 1963 até ao presente, continuando a nele habitar, pernoitar, tomar as refeições, receber os familiares e a correspondência e ali tenha todos os seus pertences, nomeadamente roupas, calçado, móveis, recordações.
Na verdade, para assim se decidir, consideraram-se os depoimentos das testemunhas da Autora FF e GG, que, pelo modo seguro, assertivo e convincente como falaram, bem mostraram saber que a Ré nenhum contrato celebrou relativo ao imóvel onde habitou com a irmã DD e o cunhado, CC, sendo estes os arrendatários do imóvel e quem pagava as rendas, e que a Ré, que nunca pagou qualquer renda e nunca foi dele arrendatária, vivia, por mero favor, com a irmã DD e marido desta. Mais mostraram ter conhecimento pessoal, pelo que viram e pelo que era comentado em casa com a mãe, que à data da morte da irmã DD a Ré já não morava na referida casa, tendo ido, antes disso, viver com a neta NN.
Nenhuma credibilidade mereceram as declarações de parte da Ré, que bem revelou não falar a verdade, antes prestando declarações parciais, tendentes a fazer valer a posição que manifestou na sua defesa.
E, na verdade, apesar de a jurisprudência vir atribuindo às declarações de parte valor de livre apreciação, o que aconteceu designadamente no Ac. da Relação de Guimarães de 1/2/2018, proc. 103509/16.4YIPRT.G1, em que a ora relatora foi adjunta, onde se escreve (citando-se as respetivas notas no local próprio para melhor perceção) “Na verdade, no que respeita ao valor probatório do depoimento e das declarações de parte sem valor confessório mas utilizado em benefício do próprio depoente ou declarante, embora se reconheça que esse elemento probatório fica sujeito à livre apreciação do tribunal, desde cedo a jurisprudência vem alertando para a necessidade de serem adotadas especiais cautelas nessa valoração favorável, uma vez que esses depoimentos ou declarações são sempre parciais, não isentos, em que quem os produz tem manifesto interesse na ação e, por isso, embora possam ajudar a suportar a formação do convencimento do julgador, esse convencimento nunca poderá assentar, única e exclusivamente, nesses depoimentos ou declarações, mas apenas quando conjugados com outros elementos de prova que os corroborem[9].
Neste sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional, que entendeu que “a confissão (…) não constitui meio de prova de quem emite a declaração, mas a favor da parte com interesses contrários, ninguém podendo, por mero ato seu, formar provas a seu favor”[10].
No mesmo sentido se pronunciam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[11], ao escreverem que “a apreciação que o Juiz faça das declarações de parte é livre, nos termos do nº 3, mas, como esta liberdade não equivale a arbitrariedade, a apreciação importará, as mais das vezes, apenas como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas…”.
Também Carolina Henriques Martins[12] assinala que “…não é material e probatoriamente irrelevante o facto de estarmos a analisar as afirmações de um sujeito processual claramente interessado no objeto em litígio e que terá um discurso, muito provavelmente, pouco objetivo sobre a sua versão dos factos que, inclusivamente, já teve oportunidade para expor no articulado”.
Significa isto, que as declarações de parte da legal representante da apelante nunca poderão de per si servir de fundamento probatório à matéria que aquela apelante pretende seja julgada como provada.
Essas declarações podem apenas servir de início de prova, ou seja, podem servir de fundamento à prova dos factos declarados por aquela legal representante da apelante e que redundam em benefício da própria apelante, desde que corroboradas por outros elementos de prova que as corroborem, elementos de prova esses que, contudo, inexistem”.
Pese embora nos inclinemos mais para a posição seguida por António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa e, efetivamente, aberta aos supra referidos argumentos, considere que as declarações de parte, não obstante a sua especificidade, podem estribar a convicção do juiz de forma autossuficiente, assumindo um valor probatório autónomo, livremente apreciável pelo juiz, no caso concreto as declarações de parte e depoimento não confessório da requerida não foram espontâneas, antes tendenciosas e interessadas, tendo a parte absoluto interesse em fazer valer a posição que assumiu no processo, o que transpareceu das suas declarações.
Com efeito, as declarações de parte da Ré não foram isentas nem convincentes, bem tendo resultando serem interessadas e dirigidas a um desfecho da ação a si favorável.
E nada resulta que permita fundamentar qualquer resposta positiva aos factos impugnados, dados como não provados pelo Tribunal de 1ª instância, como bem transparece da análise de toda a prova produzida. Também as testemunhas da Ré se revelaram parciais e interessadas no desfecho da ação favorável à sua mãe/avó/bisavó, como esclareceu o Tribunal a quo na sua motivação.
E resultou do depoimento da testemunha EE, irmã da Ré que bem revelou conhecer os factos em causa nos autos, ora impugnados (por morar na porta 55, sendo inquilina da Autora e conviver com esta e com a Ré e aos factos ter ido assistindo, por viver no local e ser vizinha do prédio em causa nos autos (a porta 52)), a qual bem deixou entender que quem pagava a renda era a irmã DD, não a Ré, que quem celebrou o contrato de arrendamento do imóvel em causa foi o cunhado e a irmã DD, que a Ré, que não era “caseira”, não celebrou contrato de arrendamento relativo à referida casa, nunca pagou a renda da mesma, que a irmã DD nos últimos tempos de vida foi viver para casa dos filhos e a irmã AA, ora Ré, foi viver com a neta e que a mesma aparece lá de manhã com a referida neta, para tratar das galinhas, e depois não mais as vê durante o resto do dia. Mais revelou saber que os filhos da irmã DD quando a mãe faleceu entregaram a chave à senhoria, Autora. Esta testemunha prestou um depoimento desinteressado, espontâneo e credível, bem revelando falar, inteiramente, a verdade que conhecia, por conviver com o falecido cunhado e a irmã DD e com a Ré e a Autora ao logo de quase todo o tempo que durou o arrendamento à irmã DD e ao marido desta (pois que arrendou o imóvel da porta 55 pouco tempo depois de a irmã e o marido terem arrendado o imóvel da porta 52, mantendo-se, ainda, presentemente, o seu arrendamento, lá residindo e aí foi assistindo aos factos ao longo dos anos).
A Ré, nas suas declarações de parte, e os seus descendentes - filhos, netos e bisnetos - que depuseram como testemunhas, não mereceram credibilidade, pois que o seu depoimento foi lacónico e, apesar de terem resposta pronta para tudo, ficou este tribunal convencido de que não falavam verdade, meramente, estes, estando a pretender beneficiar a sua ascendente para que a mesma possa manter a casa onde residiu com a irmã e o cunhado, enquanto os mesmos foram vivos.
Apesar de a Ré ir ao imóvel todos os dias com a neta tratar das galinhas, certo é que, para além do depoimento das referidas testemunhas da Autora, que corroboraram o por esta afirmado, no sentido de a Ré não residir no imóvel desde pouco depois da morte do cunhado, CC, ocorrida no ano 2019, e da inspeção ao local, que deixou bem percetível que o imóvel já há muito não era habitado por quem quer que fosse, como bem motivou o Tribunal a quo, também a testemunha HH, mostrou saber, conhecimento que lhe adveio de, no exercício das suas funções de funcionário judicial, ter ido ao local e do que, então, viu e lhe foi referido pelos vizinhos - que a Ré aí, repetidamente, se não encontrava e que estava a viver com a neta -, tendo sido isso que acabou por apurar quando tratou de efetuar notificação judicial avulsa, no ano de 2020, indo à residência da neta, em ..., onde acabou por, efetivamente, aí, a encontrar.
Bem conclui a apelante nas suas alegações de recurso traduzir o que afirma quanto aos factos ser a sua opinião. Ora, com o convencimento pessoal da Ré, infundado e parcial, não pode este Tribunal concordar. Na verdade, nenhuma prova credível e convincente resulta que permita a alteração pretendida, bem tendo a Autora logrado provar os referidos factos dados como provados e, ao invés, não logrou a Ré a prova dos factos constantes do elenco dos não provados (alíneas B) a E)) que, por falta de prova, se têm de julgar não provados.
Bem fundou o Tribunal a quo a sua convicção, que também é a nossa, não colhendo as razões da apelante.
Com efeito, integralmente revisitada a prova e vista a fundamentação da decisão da matéria de facto, supracitada, ficou-nos a convicção de a matéria de facto ter sido livremente e bem decidida, sendo que cada elemento de prova de livre apreciação, não pode ser considerado de modo estanque e individualizado. Há que proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura. Fazendo essa análise crítica, conjunta e conjugada de toda a prova produzida, e com base nas regras de experiência comum, não pode este Tribunal divergir do juízo probatório do Tribunal a quo, não havendo elementos probatórios produzidos no processo que imponham ou justifiquem decisão diversa (cfr. o nº1, do artigo 662.º) como pretendem a apelante.
Assim, tendo-se procedido a nova análise da prova, ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum, os meios de prova produzidos, que não foram validamente contraditados por quaisquer outros meios de prova, pode este Tribunal concluir que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne a esta matéria de facto, se mostra conforme com a prova, de livre apreciação, produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém, na íntegra.
E, na verdade, não obstante as críticas que são dirigidas pela Recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência. Tendo a convicção do julgador apoio nos ditos meios de prova produzidos e na ausência de prova que permita fundar resposta diversa, é de manter a factualidade tal como decidido pelo tribunal recorrido, não sendo de aderir ao mero convencimento subjetivo da Apelante.
Correspondendo a convicção livre e adequadamente formada pelo julgador (ante a prova prestada perante si e, por isso, com oralidade e imediação), que também é, como vimos, a nossa, havendo concordância entre a apreciação probatória do Tribunal de 1ª instância e o Tribunal da Relação, tem de se concluir pela improcedência da apelação, nesta parte.
Impendendo sobre a Ré o ónus da prova dos factos que a integram a matéria de exceção que alega, na não satisfação da regra geral de distribuição do ónus da prova quanto aos factos que integram tal matéria, consagrada no nº2, do art 342º, do Código Civil, leva à improcedência da exceção por si arguida.
Assim, não existindo qualquer modificação na matéria de facto considerada provada, como pretendia a Apelante, nenhuma alteração cabe efetuar à decisão de mérito proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, sendo, na improcedência das exceções deduzidas, por falta de prova, de manter, na íntegra, a fundamentação de direito que este Tribunal desenvolveu na sentença que proferiu.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em, alterando o ponto 1 dos factos provados, por forma a corrigir a identificação do imóvel nos termos suprarreferidos, julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
Porto, 11 de dezembro de 2024