CLAÚSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE COMUNICAR
Sumário

I - A presunção judicial consiste na dedução, através do desenvolvimento lógico e racional dos factos assentes, com recurso às regras de conhecimentos decorrentes da experiência comum, de um facto desconhecido.
II - O dever de comunicar, imposto ao predisponente das cláusulas contratuais gerais, tem como objectivo possibilitar o seu conhecimento completo e efectivo ao aderente que use de comum diligência. Não se impõe que o aderente tenha efectivamente conhecido as cláusulas, mas que o proponente tenha assegurado aquela possibilidade, tendo em conta os dados de facto da concreta situação.
III - Nesta medida, o predisponente cumpre a obrigação imposta pelo artigo 5º do Decreto-Lei 446//85 quando a diligência por si despendida tiver sido suficiente para a obtenção do resultado: permitir ao bom pai de família o conhecimento, completo e efectivo, das cláusulas.

Texto Integral

Processo nº 16396/21.8T8PRT-B

Acordam os Juízes da 5.ª Secção (3ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto, sendo

Relatora: Anabela Mendes Morais;

Primeira Adjunta: Ana Olívia Esteves Silva Loureiro

Segunda Adjunta: Maria de Fátima Almeida Andrade

I_Relatório

AA deduziu os presentes embargos à execução que contra o mesmo foi instaurada por A..., S.A.,

Invocou, em síntese:

i. A nulidade do contrato com fundamento na falta de informação das cláusulas do contrato, nos termos do artigo 8º-A do Decreto-Lei 446/85, alegando que:

Os dois contratos referidos no requerimento executivo com os nºs ...09....68 e ...23, não foram lidos, nem explicado o seu conteúdo, pelo Banco 1..., SA, nem pela Exequente, ao Executado, e a prova de tal facto, são os dois reconhecimentos de assinaturas não presenciais.

O executado não foi informado previamente que o incumprimento do contrato acarretaria o vencimento das restantes, o vencimento de determinados juros e taxas e valores das taxas, imposto de selo sobre juros, imposto selo pelo preenchimento das livranças, encargos, taxas e impostos resultantes da celebração dos contratos e que agravariam consideravelmente o montante.

O Executado apenas teve contacto com os referidos contratos no dia da sua assinatura, não tendo sido informado da implicação que os mesmos para aquele acarretaria e, nem tão pouco, teve tempo para tal, por não ter tido tempo para indagar junto de algum técnico/jurista para que fosse informado sobre o real conteúdo das cláusulas inscritas nos contratos e das consequências legais caso de incumprimento.

O Banco e o Exequente não reuniram presencialmente com o executado, nenhum deles lhe explicou ou faz entender os contornos do contrato que apresenta, levando-o a assinar toda a documentação e nem sequer se predispôs a esclarecer eventuais dúvidas.

ii. Abuso do direito do Banco e da Exequente, ao exigirem o cumprimento das obrigações.

iii. A Exequente, em 04/10/2021, peticionou, ao Executado, a quantia de 28.290,68€, sendo 21.385,84 € a título de capital, a quantia de 6.536,45 € a título de juros vencidos desde 03/02/2014 e 261,46 € a título de imposto de selo, mas este nada deve.

iv. A prescrição dos juros peticionados: A Exequente peticiona a quantia de 6.536,45 € relativa a juros vencidos desde 03/02/2014, bem como nos vincendos até efectivo e integral pagamento, acrescidos do imposto de selo na quantia de 261,46 €. Partindo do pressuposto legal que a prescrição se interrompe com a citação e tendo o executado/embargante sido citado em 18/02/2022, todos os juros vencidos até 18/02/2017 se encontram prescritos, o mesmo sucede em relação ao imposto de selo, com fundamento na alínea d) do artigo 310.º do Código Civil.

v. A prescrição das livranças: No requerimento executivo a Exequente alega ser dona e legítima portadora de duas livranças subscritas pelo Executada, no montante de € 10.151,36 e € 11.234,48, ambas emitidas no dia 23/01/2014 e vencidas no dia 03/02/2014. Os títulos executivos que servem de fundamento à acção executiva, as livranças, já se encontram prescritos, nos termos do art.º 70º, ex vi do art.º77º da Lei Uniforme de Letras e Livranças.

VI. Da inexistência e inexequibilidade do título: Extinta a obrigação cartular incorporada no título de crédito, este mantém a sua natureza de título executivo, desde que os factos constitutivos essenciais da relação causal subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo, conforme al. c), do nº 1, do artigo 703º, do CPC, não tendo a Exequente cumprido tal ónus.

VII. Da ilegitimidade da Exequente: Da cópia de dois contratos juntos não se pode aferir da cedência de qualquer crédito para a exequente sobre o executado e as meras cópias de declaração de quitação nada provam, pois não foram juntos os comprovativos de pagamento efectivo das quantias que delas contam, impugnando tais documentos por falsidade, assim como não é possível aferir da existência de cedência de qualquer crédito relativo às Livranças de que a Exequente se diz titular.

viii. Da ilegitimidade substantiva da Exequente: A legitimidade do cessionário do crédito para a instauração da acção executiva depende da alegação e prova da efectivação da notificação ao devedor referida no artigo 583º, nº 1 do Código Civil. A cessão de créditos não foi notificada ao Executado pelo que, nos termos do artigo 583º, nº 1, do Código Civil, não produz efeitos em relação a si. Tal notificação não poderá ser efectuada mediante a citação a efectuar na acção executiva, devendo o credor/cessionário – no requerimento executivo – alegar (e provar documentalmente, se possível) que a cessão de créditos já foi notificada ao devedor/executado ou que este já a aceitou.

Por último, deduziu defesa por impugnação e impugnou por falsidade os documentos juntos pela Exequente, mormente os documentos n.ºs 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10.

I.1_ Recebidos os embargos, por despacho de 24/3/2022, foi notificada a Embargada que apresentou contestação.

Alegou, em síntese, que:

_ No exercício da sua actividade, em 15/06/2009 e 27/07/2009, celebrou com o Embargante AA na qualidade de 2.ª Contraente, e com a co-Executada, na qualidade de Avalista, dois contratos destinados a regular os termos e condições em que a Embargada prestaria, em nome e a pedido daquela, duas garantias autónomas à primeira solicitação, a favor do respectivo Beneficiário [documentos nºs 1 e2].

_ Na sequência desses contratos, a Embargada prestou efectivamente as garantias autónomas com os n.ºs ...68 e ...23, no valor de, cada, € 18.750,00 (montantes máximo garantidos), correspondentes a 70% do capital mutuado, destinando-se as mesmas a garantir o cumprimento das obrigações emergentes dos contratos de mútuo.

_ Ambos os contratos encontram-se assinados pelo Embargante, com reconhecimento de assinatura.

_ Em virtude do incumprimento por parte do Embargante AA, das obrigações que para si emergiam dos contratos de empréstimo garantidos, o respectivo Banco beneficiário comunicou o vencimento antecipado das obrigações de amortização do capital mutuado e, ao abrigo do disposto na alínea 4) das condições cerais dos contratos, solicitou, à Embargada, o pagamento do montante de, respectivamente, €9.915,84 e €9.014,40 (correspondente a 70% do capital mutuado em dívida, à data).

_ Em consequência das obrigações assumidas pela celebração dos contratos e das solicitações efectuadas pelos Beneficiários, a Embargada realizou o pagamento de tais valores.

_ Com o pagamento desta quantia, a Embargada ficou sub-rogada nos direitos dos respectivos beneficiários sobre o Embargante e, consequentemente, sobre os seus avalistas, conforme resulta do artigo 644.º do Código Civil.

_ A Embargada interpelou o Embargante AA para este proceder ao pagamento dos valores em dívida.

_ De acordo com o disposto nas cláusulas 1) e 6), dos contratos, como contrapartida da prestação das garantias, obrigou-se a pagar uma comissão de garantia ao ano sobre o montante dos saldos vivos garantidos, pelo que foram emitidas Notas de Débito, no valor total de €184,10, ao que acresce, ao total dos valores em dívida, nos termos do disposto na cláusula 7) dos contratos, juros de mora sobre as quantias em dívida, designadamente, os vencidos à taxa legal que se encontre em vigor, bem como o respectivo imposto do selo.

_ Para garantia das responsabilidades decorrentes da celebração dos referidos contratos, AA entregou à Exequente duas livranças em branco, por si subscritas e avalizadas pela executada - Cláusula Quarta dos contratos juntos como docs. n.ºs 1 e 2 -, com o pacto de preenchimento que é do perfeito conhecimento do embargante.

_ O Embargante não desconhecia, assim, os montantes máximo garantidos, uma vez que os mesmos constam expressamente dos contratos por si subscritos.

_ As garantias autónomas nºs ...68 e ...23 foram emitidas em nome e a pedido do Embargante. Não eram, como tal, desconhecidos do Embargante os termos e fundamentos em que foram emitidas as livranças.

_ Os contratos subscritos pelo Embargante foram objecto de reestruturação, a pedido do próprio Embargante – documentos 9 a 12 -, extraindo desses documentos que o Embargante tem perfeito conhecimento da intervenção da A... e dos contratos celebrados com esta.

_ O Embargante pretendeu obter os créditos ao abrigo da Linha PME INVESTE/QREN, crédito que é concedido por instituições bancárias, no quadro de instrumentos de acesso ao crédito criadas para o efeito e instituídos por meio de protocolos entre o IEFP, as instituições bancárias e as sociedades de garantia mútua, condições que não são do desconhecimento do Embargante, sob pena de não ser concedido o crédito ao abrigo da referida Linha.

_ As cláusulas constantes dos Contratos de Emissão de Garantias Autónomas, foram previamente elaboradas e destinam-se a ser subscritas por qualquer pessoa que contrate com a Sociedade Embargada nos termos acima descritos.

_ Posteriormente à elaboração dos contratos pela Embargada, foram os mesmos remetidos ao Embargante AA que os analisou e, tendo concordado com o seu teor, neles livremente fez apor as assinaturas de quem celebrava, à data, bem como dos Terceiros Contraentes (avalistas), assinaturas essas reconhecidas.

_ Nunca o Embargante apresentou qualquer reclamação quanto aos aludidos contratos, assumindo o compromisso de pagar as quantias pagas ao beneficiário pela Embargada após interpelação para o efeito. Resulta, como tal, insultuoso que o Embargante tente fazer crer, agora, que não foi informado das cláusulas constante dos contratos que subscreveu. Até porque o Embargante recorreu ao P.E.R., aí reconhecendo a A... como sua credora e nunca, nessa altura, veio questionar os termos ou o teor cláusulas dos contratos que subscreveu. No processo PER nº ..., a Embargada foi convidada a participar nas negociações e reclamou aí os seus créditos, não tendo a referida reclamação sido objecto de qualquer impugnação, mormente do Embargante o que confirma que este sempre conheceu e entendeu o conteúdo dos contratos que, a seu pedido, subscrevera.

_ Constitui abuso do direito que o Embargante venha aos presentes autos invocar que desconhece os contratos subjacentes à emissão dos títulos executivos, quando foram emitidos a seu pedido, pretendendo evadir-se das suas obrigações.

_ É ao Embargante que compete, quer o ónus de alegação, quer o ónus de prova de toda a matéria de impugnação ao título executivo ou que impeça, modifique ou extinga a obrigação exequenda, no exercício do direito de contraprova ou de prova do contrário (cf. art. 346.º e 347.º, do C.C.).

Concluiu, pedindo que a oposição mediante embargos seja julgada totalmente improcedente, por não provada, prosseguindo os autos principais até final.

I.3_ Do Requerimento executivo, consta, em síntese, que:

_ No exercício da sua actividade, a Exequente celebrou dois contratos com AA - documentos nºs 1 e 2 -, destinados a regular os termos e condições em que aquela prestou, em nome e a pedido daquele, duas garantias autónomas a favor dos respectivos beneficiários, com os nºs ...09....68 e ...23.

_ Na sequência do incumprimento, parcial ou total, por parte de AA, das obrigações emergentes com os respectivos bancos, estes resolveram os mesmos, declarando vencidas todas as prestações, e solicitado à A..., SA, ao abrigo das referidas garantias, o pagamento total correspondente ao valor vivo das garantias nas respectivas datas em que foram executadas.

_ A A..., SA, pagou o montante solicitado e ficou sub-rogada nos direitos dos beneficiários sobre AA e BB, atenta a sua qualidade de avalista, tendo interpelado estes para procederem ao respectivo pagamento.

_De acordo com o disposto nas cláusulas dos contratos, foram entregues à ora Exequente duas livranças em branco, com o pacto de preenchimento das mesmas.

_ A falta de pagamento por parte do AA levou a que a Exequente procedesse ao preenchimento das livranças referidas, interpelando os executados nesse sentido.

_ A Exequente preencheu as referidas livranças com os montantes de € 10.151,36 e €11.234,48, montantes que lhe devem os executados, a título de garantias.

_ Resulta dos contratos que todas as despesas, encargos, taxas e impostos resultantes da celebração dos contratos, das garantias prestadas aos beneficiários, são da exclusiva responsabilidade da empresa subscritora e por inerência dos seus avalistas: o preenchimento das livranças originou o pagamento de imposto de selo no montante total de €106,93.

_ Nos termos do disposto nas cláusulas dos contratos, acrescem juros de mora sobre as quantias em dívida, designadamente, os vencidos à taxa legal de 4,00% acrescidos do respetivo imposto de selo sobre juros.

I.4_ Por despacho de 19/9/2022, foi fixado o valor dos embargos em €28.290,68 e:

_ julgada improcedente a excepção de ilegitimidade activa;

_ julgada procedente a excepção de prescrição da obrigação cambiária;

_ julgada improcedente a excepção de inexequibilidade das livranças enquanto quirógrafos da obrigação subjacente.

I.5_ Fixados o objecto do litígio e os temas da prova e realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença, constando do dispositivo:

“Por tudo o exposto julgam-se improcedentes os presentes embargos de executado.

Custas pelo embargante – artº. 527º. do CPC.

Notifique.”

I.6_ Inconformado com essa decisão, o Executado/Embargante interpôs recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões:

«A) O Recorrente vem interpor recurso da sentença proferida quantos aos factos seguintes dados como não provados:

Factos não provados que deviam ter sido dados como provados:

- que o Executado só teve acesso aos contratos em causa nos autos nos dias das suas assinaturas;

- que os mesmos não foram lidos nem explicado o respetivo conteúdo, tendo o Banco exibido apenas um conjunto de documentos ao Executado, pedindo que o mesmo os assinasse.

Facto provado que devia ter sido dado como não provado:

“7 – O embargante tinha perfeito conhecimento das condições constantes dos mesmos, dos quais nunca apresentou qualquer reclamação.”;

B) Em face da prova documental e testemunha produzida, entende o Recorrente que teríamos de ter uma sentença que julgasse os embargos procedentes e não o inverso;

C) As testemunhas ouvidas foram: a BB, a avalista no contrato de abertura do crédito e a testemunha CC, que desconhecia em absoluto os contratos, que não teve qualquer intervenção nos mesmos e que não teve qualquer contacto com o Recorrente;

D) A lei é clara ao impor à embargada o ónus da prova de que fez a comunicação (e explicação) das cláusulas contratuais gerais, não sendo legítimo extrair do facto de tais cláusulas constarem do contrato a conclusão de que a parte aderente delas teve conhecimento (adequado);

E) A testemunha BB afirmou expressamente que o contrato não foi lido nem sequer explicado o seu conteúdo nem à mesma enquanto avalista nem ao embargante executado;

F) Da transcrição do depoimento da testemunha BB (que foi avalista no contrato assinado) e acima citados é perfeitamente percetível que nem a embargada nem o Banco deu cumprimento aos deveres de informação que lhes competia. Nem o Banco leram, ou explicaram o conteúdo do contrato ao executado, o qual não teve acesso prévio ao mesmo e ao seu conteúdo, que a embargada não explicou as consequências do incumprimento do contrato ao executado e que o incumprimento do contrato acarretaria o vencimento das restantes prestações e o vencimento de juros, sem tão pouco explicar a taxa de juros aplicável:

G) Resulta do depoimento desta testemunha que a única coisa que foi dito ao executado e à testemunha foi que o crédito concedido consistia num apoio para pequenas e medias empresas, que era muito simples, que o primeiro ano praticamente só pagava uma mensalidade muito baixa e que depois de 3 em 3 meses pagavam uma mensalidade, não disse quantas mensalidades, e não foi sequer lido o contrato, nem se quer foi informado de quantas mensalidades é que teriam de ser pagas durante a execução do contrato;

H) O dever de comunicação a que alude o artigo 5º do DL nº 445/85, de 25/10, consiste em ser disponibilizado ao aderente o texto do contrato, previamente à assinatura do mesmo, pelo período que ao caso se mostre mais adequado. O objectivo é o de possibilitar ao aderente uma análise de todas as cláusulas contratuais que não haja negociado diretamente;

I) Pois só assim se permite ao consumidor e ao executado a consciência informada do que se encontra a assinar, das consequências que decorrem para si quase exista incumprimento do contrato, dos juros que se vencem, dos valores das taxas;

J) Resulta cristalino que a embargada não fez - como lhe competia - uma única prova do cumprimento do dever de informação, nem sequer informou quantas prestações tinhas que ser pagas;

K) A única testemunha indicada pela embargada além de ter afirmado desconhecer em absoluto os contratos, de não ter tido qualquer intervenção nos mesmos, de não ter tido qualquer contacto com o Recorrente, também declarou não ter conhecimento de como decorreram os trâmites da assinatura do contrato, se foi ou não explicado o conteúdo do mesmo ao Recorrente, o que acontecia em caso de incumprimento, as taxas de juro aplicáveis, quantas prestações tinham de ser pagas e valores;

L) A embargada não provou tal como lhe competia o cumprimento do dever geral de informação, tendo-se limitado a tecer considerações genéricas relativas ao comprimento desse dever, inexistindo qualquer prova documental e/ou testemunhal produzida nos autos pela embagada nesse sentido, ou seja, não deu cumprimento ao dever de comunicação que sobre si impedia;

M) Os dois contratos referidos no requerimento executivo não foram lidos nem explicado seu conteúdo pelo Banco 1..., SA, nem pela Exequente ao Executado, e a prova de tal facto, são os dois reconhecimentos de assinaturas realizados apenas por semelhança à assinatura constante dos bilhetes de identidade do executado e da avalista, ou seja, as assinaturas não foram presenciais;

N) A sua assinatura não foi precedida ou simultânea a uma leitura simples e ou completa e esclarecida do seu conteúdo, dos seus termos, das consequências de um possível incumprimento bastando-se o exequente a exibir um conjunto de documentos ao Executado e a pedir aos mesmos para os assinarem;

O) O executado nem sequer sabe ou conhece se os documentos que assinou foram os documentos nºs ...09....68 e ...23 ou se estes foram os únicos;

P) Em nenhum local de tais contratos e ou nos reconhecimentos de assinaturas é referido que tais contratos foram lidos e explicado integralmente o seu teor/conteúdo aos intervenientes ou que os mesmos foram assinados na presença de Advogado, Solicitador ou Notário. A assinatura dos contratos não foi simultânea e ao executado não lhe foram explicadas as cláusulas do contrato, nem tão pouco os seus elementos essenciais que estariam na base da contratação;

Q) Os contratos em apreço são meros contratos de adesão cujas cláusulas são genéricas e pré-fixadas e que não esteve ao alcance do mutuário nem dos seus fiadores realizar quaisquer negociações prévias quanto ao conteúdo das cláusulas que integram o contrato celebrado, com exceção da cláusula que determina o montante do negócio e que os mutuários se limitaram a subscrever, aceitando, por conseguinte, as condições impostas;

R) A argumentação utilizada pelo Tribunal a quo para justificar o cumprimento do dever de informação de que o executado reconheceu que a Exequente era sua credora aquando da dedução do PER, a quem convidou a participar nas negociações. Sendo que tal convite foi efetuado pelo seu mandatário, certamente o mesmo foi feito por indicação e com base em elementos fornecidos pelo executado, facto que é igualmente indiciador de que o Executado sabia e compreendia as obrigações que tinha assumido junto da Exequente não pode ser considerado suficiente para se concluir que o Executado sabia e compreendia as obrigações que tinha assumido junto da Exequente;

S) A referida afirmação, desenvolvimento e conclusão é uma absoluta falácia porque a dedução do PER ocorreu muito tempo após a assinatura dos contratos aqui em crise, dado que o cumprimento da “comunicação” ou do dever de informação se terá de cumprir no limite e pelo menos no momento em que contrato é assinado ou no momento em que o antecedem;

T) O executado não nega que os contratos de crédito foram assinados, contudo, importa referir que no ponto 6º da sentença recorrida é dado como assente que o Recorrente entregou os contratos assinados, mas em momento algum é dado como assente que recebeu o duplicado de cada um desses contratos;

U) O convite formulado à exequente para participar nas negociações do PER do Recorrente – é imperativo – resulta da lei – mas não significa nem sequer é indiciário de que o Recorrente no momento da assinatura dos contratos tenha tomado uma consciência informada do que se encontrava a assinar, das consequências que decorrem para si caso existisse incumprimento do contrato, dos juros que se vencem, dos valores das taxas e nem sequer afasta a obrigação de cumprimento do dever de comunicação e informação por parte da embargada no momento em que ocorre a assinatura do contrato e no momento em que antecede essa mesma assinatura;

V) Por isso, não se pode dar como provado que o embargante tinha conhecimento das condições constantes dos contratos, quando não o tinha e prova alguma foi efetuada nesse sentido pela Recorrida;

W) Nem o Banco 1..., SA, nem a exequente informaram nem clarificaram o executado do sentido das obrigações assumidas, diga-se que nenhuma parte do contrato foi efetivamente discutida, informada ou negociada, e nem dada previamente ao executado a ler a fim se se poder informar das obrigações aí assumidas;

X) Tão pouco, logrou o executado ser informando previamente que o incumprimento do contrato acarretaria o vencimento das restantes, o vencimento de determinados juros e taxas e valores das taxas, imposto de selo sobre juros, imposto selo pelo preenchimento das livranças, encargos, taxas e impostos resultantes da celebração dos contratos e que agravariam consideravelmente o montante, aliás veja-se que que só em juros a exequente pretende exigir a quantia de 6.904,84€;

Y) O Recorrente Executado apenas teve contacto com os referidos contratos no dia da sua assinatura, não tendo sido informado da implicação que o mesmo para aquele acarretaria e, nem tão pouco, teve tempo para tal, por não ter tido tempo para indagar junto de algum técnico/jurista para que fosse informado sobre o real conteúdo das cláusulas inscritas nos contratos e das consequências legais caso de incumprimento;

Z) A falta de cumprimento deste dever de informação, por parte do Banco 1..., SA e da Exequente, com a prévia antecedência, relativamente à data de celebração dos contratos, e o facto de no mesmo constarem termos e institutos jurídicos desconhecidos do comum dos cidadãos levará, necessariamente a que o contrato se torne nulo, nulidade que se invoca e pretende ver declarada e excluídas do contrato as cláusulas não comunicadas (art.º 8º-a do DL 446/85);

AA) O Banco e a Recorrida não cumpriram com a lei no que toca à fase pré-contratual, para levar o Recorrente a vincular-se em contratos que desconhece, controlando a sua decisão e aderir ao que lhe é proposto, sem reservas, negociação ou explicações;

BB) O Banco e o Exequente não reuniram com o executado e nenhum deles lhe explicou ou fez entender os contornos do contrato que lhes apresentaram, levando-o a assinar toda a documentação e nem sequer se predispões a esclarecer eventuais dúvidas e ou fornecer duplicados;

CC) Atento o suprarreferido e o provado incumprimento do dever de informação, os factos em crise dados como não provados na sentença recorrida terão de ser dados como provados e o ponto 7 dos factos dados como provados terá de ser dado como não provado, tudo com as legais consequências;

DD) A decisão recorrida, violou de forma grosseira o estatuído no artigo 5º e 6º nº 1 e 8º do DL 446/85; não respeitou as regras do ónus da prova e não analisou criticamente as provas que lhe foram apresentadas;

EE) A sentença recorrida terá de ser revogada e substituída por acórdão que julgue procedentes os embargos de executado e em consequência declare que os contratos de adesão são nulos e declare excluídas de tais contratos as cláusulas não comunicadas ao Recorrente, com as legais consequências.

Termos em que Requer que o presente recurso seja julgado totalmente procedente por provado, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências;

Requer que seja dado como provado que:

- que o Executado só teve acesso aos contratos em causa nos autos nos dias das suas assinaturas;

- que os mesmos não foram lidos nem explicado o respetivo conteúdo, tendo o Banco exibido apenas um conjunto de documentos ao Executado, pedindo que o mesmo os assinasse;

Requer que seja dado como não provado o facto nº 7 dado como provado na sentença recorrida, ou seja, que – O embargante tinha perfeito conhecimento das condições constantes dos mesmos ;

Requer que a Recorrida seja condenada no pagamento das custas, custas de parte e demais encargos legais.”.

I.7_ A Embargada não apresentou resposta.

I.8_ Por despacho de 20/10/2023, foi admitido o recurso.

I.9_ Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II_ Questões a decidir:

Nos termos dos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.

Assim, há que apreciar as seguintes questões:

1_Impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto, tendo por referência os seguintes factos:
i. Facto não provado “O Executado só teve acesso aos contratos em causa nos autos nos dias das suas assinaturas”: deve ser transferido para os factos provados;
ii. Facto não provado “Os contratos não foram lidos, nem explicado o respetivo conteúdo, tendo o Banco exibido apenas um conjunto de documentos ao Executado, pedindo que o mesmo os assinasse”: deve ser transferido para os factos provados;
iii. Facto provado ínsito no ponto 7 [“7.O embargante tinha perfeito conhecimento das condições constantes dos mesmos, dos quais nunca apresentou qualquer reclamação”]: deve ser transferido para os factos não provados.

2_ Saber se, nos contratos celebrados em 15/6/2009 e 27/7/2009, foram cumpridos os deveres de comunicação e de informação, em conformidade com o imposto nos artigos 5º e 6º do Decreto-Lei 446/85 e, em caso negativo, qual a consequência.

III_ Fundamentação de facto

Pelo Tribunal a quo foram considerados os seguintes factos:

“Factos Provados:

1 – Em 4 de outubro de 2021 a exequente apresentou, no Juízo de Execução do Porto, contra o executado requerimento executivo no qual indica como título executivo “Outro título com força executiva” indicando na descrição dos Factos que “1- A Exequente é uma sociedade anónima que se dedica à realização de operações de natureza financeira e a prestação de serviços conexos, que visem a melhoria das condições de financiamento de entidades do sector não financeiro. 2. No exercício da sua actividade, a Exequente celebrou dois contratos com AA, conforme documentos 1 e 2 ora juntos, destinados a regular os termos condições em que a Exequente prestou, em nome e a pedido daquele, duas garantias autónomas a favor dos respetivos beneficiários, com o número ...68 e ...09....23. 3. Na sequência do incumprimento parcial e total por parte de AA, das obrigações emergentes assumidas com os respetivos Bancos, estes resolveram os mesmos, declarando vencidas todas as prestações, tendo solicitado à A..., S.A., ao abrigo das referidas garantias, o pagamento total correspondente ao valor vivo das garantias nas respectivas datas em que foram executadas – conforme documentos 3 e 4. 4. A A..., S. A. pagou o montante solicitado - conforme documentos 5 e 6. 5. Com o pagamento destas quantias, a Exequente ficou sub-rogada nos direitos dos Beneficiários sobre AA e sobre BB, atenta a sua qualidade de Avalista, conforme resulta da lei geral (artigo 644.º do Código Civil), tendo a Exequente interpelado as entidades para o respetivo pagamento, conforme documentos 7 e 8 que se juntam, porém nada foi pago. 6. Acresce que, de acordo com o disposto nas cláusulas dos contratos juntos como doc. 1 e 2, foram entregues à ora Exequente duas livranças em branco, com pacto de preenchimento das mesmas. 7. Por conseguinte, a falta de pagamento por parte de AA à Exequente, nos termos descritos, levou a que a Exequente procedesse ao preenchimento das livranças referidas, interpelando os Executados nesse sentido conforme doc. 9 e 10. 8. Assim, a Exequente preencheu as referidas livranças pelos montantes de €10.151,36 e € 11.234,48, conforme resulta dos referidos documentos, montantes esses que devem os Executados à Exequente a título das garantias referidas no ponto 2. 9. Ademais, dispõem ainda as cláusulas dos contratos juntos como Doc. 1 e 2, que todas as despesas, encargos, taxas e impostos resultantes da celebração dos contratos, das garantias prestadas aos Beneficiários, são da exclusiva responsabilidade da empresa subscritora e por inerência dos seus avalistas, os aqui Executados. 10. Ora, o preenchimento das livranças nos termos expostos originou o pagamento de imposto do selo pelo qual os ora Executados são responsáveis no montante total de € 106,93. 11. Acresce que, ao total dos valores em dívida, acrescem, nos termos do disposto nas cláusulas dos contratos aqui juntos, juros de mora sobre as quantias em dívida, designadamente, os vencidos à taxa legal de 4,00% acrescidos do respectivo imposto do selo sobre juros, conforme discriminado na “Liquidação da Obrigação”. 12. Além de que, ao responsabilizar-se como avalista, por vontade própria e solidariamente com o subscritor das livranças, mediante garantia pessoal prestada – aval - é a aqui Executada tão responsável pelo pagamento do crédito da aqui Exequente quanto o é o seu subscritor, seu avalizado. 13. A obrigação resulta expressa e exclusivamente dos títulos dado à execução (2 livranças), não pagas na data de vencimento, sendo Executados o seu subscritor e a Avalista deste. 14. Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, requer-se a V. Exa. que se digne ordenar a citação dos Executados para, no prazo legal, pagarem à Exequente a quantia exequenda, acrescida dos juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento, calculados à taxa legal de 4,00%, acrescido do respetivo imposto do selo, e das despesas com a presente execução, sob cominação de, não o fazendo, se efectuar a penhora dos bens dos Executados, para satisfação integral da mesma.

2 – O requerimento executivo veio acompanhado dos seguintes documentos:

- cópia de um documento denominado “Contrato – Linhas Específicas PME INVESTE III “Micro e Pequenas Empresas” subscrito pelo Banco 1..., pela exequente e pelos executados em 15 de junho de 2009 e cujo conteúdo se dá aqui pro reproduzido.

- cópia de um documento denominado “Contrato – Linhas Específicas PME INVESTE IV “Micro e Pequenas Empresas” subscrito pelo Banco 1..., pela exequente e pelos executados em 27 de julho de 2009 e cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido.

- livrança com o nº. ...60, titulação da Garantia Autónoma ...68 no valor de € 10.151,36 sendo a data de emissão 23/01/2014 e de vencimento 03/02/2014, constando como beneficiária a Exequente e subscrita pelo executado/embargante.

- livrança com o nº. ...81, titulação da Garantia Autónoma ...23 no valor de € 11.234,48 sendo a data de emissão 23/01/2014 e de vencimento 03/02/2014, constando como beneficiária a Exequente e subscrita pelo executado/embargante.

- cópia da comunicação do Banco 1..., datada de 06/06/2012 a solicitar a execução da garantia autónoma ...68, reclamando o pagamento da quantia de € 9014,40, acompanhada de um documento denominado “Declaração”, emitida pelo Banco 1..., da qual consta que o “Garantido AA (…) – não pagou a prestação vencida em 15.03.2012 no valor de € 1.201,92; - bem como não pagou a importância de € 10.817,28 (…) referente ao vencimento antecipado do contrato (conforme cópia da carta que anexa) cuja comunicação ocorreu a 06.06.2012” e da cópia da carra referida na dita “Declaração” e da qual consta ter o executado sido interpelado para proceder ao pagamento da quantia de € 12.211,92 no prazo de 8 dias sob pena de considerar resolvido o contrato nº...03....

- cópia da comunicação do Banco 1..., datada de 18/04/2012 a solicitar a execução da garantia autónoma ...23 reclamando o pagamento da quantia de € 9915,84 acompanhada de um documento denominado “Declaração”, emitida pelo Banco 1..., da qual consta que o “Garantido AA (…) – não pagou a prestação vencida em 27.01.2012 no valor de € 1.201,92; - bem como não pagou a importância de € 12.019,20 (…) referente ao vencimento antecipado do contrato (conforme cópia da carta que anexa) comunicação ocorreu a 18.04.2012” e da cópia da carra referida na dita “Declaração” e da qual consta ter o executado sido interpelado para proceder ao pagamento da quantia de € 13.360,17 no prazo de 8 dias sob pena de considerar resolvido o contrato nº...04....

- recibo de quitação emitido pelo Banco 1... relativo à quantia de €9014,40.

- recibo de quitação emitido pelo Banco 1... relativo à quantia de € 915,84.

- cópia da comunicação da exequente datada de 22/06/2012 a solicitar ao embargante/executado pagamento da quantia de € 9014,40.

- cópia da comunicação da exequente datada de 03/05/2012 a solicitar ao embargante o pagamento da quantia de € 9915,84.

- cópia da comunicação da exequente datada de 23/01/2014 a informar dos valores em dívida no âmbito da garantia autónoma ...68 e do preenchimento da livrança.

- cópia da comunicação da exequente datada de 23/01/2014 a informar dos valores em dívida no âmbito da garantia autónoma ...23 e do preenchimento da livrança.

3 – A exequente juntou aos autos os originais das livranças atrás referidas em 2 de novembro de 2021.

4 - As garantias autónomas nºs ...68 e ...23 foram emitidas a pedido do Embargante que pretendeu obter crédito ao abrigo da Linha PME INVESTE.

5 - Posteriormente à elaboração dos contratos referidos em 2 foram os mesmos assinados pelo embargante, bem como pela avalista das livranças dos autos.

6 – Posteriormente à assinatura o embargante procedeu ao reconhecimento das assinaturas e devolveu os contratos à embargada devidamente assinados.

7 – O embargante tinha perfeito conhecimento das condições constantes dos mesmos, dos quais nunca apresentou qualquer reclamação.

8 – Em 23 de abril de 2011 o executado dirigiu ao Banco 1... as comunicações juntas à contestação de embargos solicitando a reformulação das operações de créditos resultantes dos contratos denominados “Contrato – Linhas Específicas PME INVESTE III “Micro e Pequenas Empresas” e “Contrato – Linhas Específicas PME INVESTE IV” “Micro e Pequenas Empresas”.

9– Em 14 de junho de 2011 foram subscritos pelo Banco 1..., pela exequente e pelo executado os documentos juntos à contestação aos embargos denominados “Aditamento – Linha de Crédito PME INVEST III” e “Reestruturação Financeira – Linha de Crédito PME INVEST IV”, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido.

10-O executado deixou de pagar as prestações devidas em resultado dos contratos referidos em 2 e 9, tendo o Banco 1... resolvido os mesmos por comunicação enviadas ao exequente em 6 de junho de 2012 e 18 de abril de 2012, respetivamente.

11- Na sequência da resolução dos contratos o Banco 1..., S.A, solicitou à A..., S.A., ao abrigo das referidas garantias, o pagamento total correspondente ao valor vivo das garantias nas respetivas datas em que foram executadas.

12- A A..., S. A. pagou ao Banco 1..., S.A os montantes solicitado.

13- No dia 23 de janeiro de 2014, a Exequente remeteu cartas registadas com avisos de receção ao Executado, para a morada constante do contrato, informando que iria proceder ao preenchimento das livranças, nas importâncias de 10.252,36€ e 11.234,48€, as quais se venceriam no dia 3 de fevereiro de 2014, pelo que em caso de não pagamento até à data de vencimento procederia à competente ação judicial.

14- As referidas cartas foram dirigidas ao Executado e recebidas pela esposa, avalista dos contratos, no dia 24 de janeiro de 2014.

15- Em 21 de março de 2016 o executado requereu Processo Especial de Revitalização que correu termos sob o nº. ... do Juízo de Comércio de Santo Tirso, J4, tendo em 19 de abril de 2016 sido nomeado o administrador judicial provisório.

16 – Em 3 de junho de 2016 a exequente recebeu do executado a comunicação junta aos autos sob a refª. 32063051 dando-lhe conta da dedução do PER, de que se encontrava identificado como credor no referido processo e convidando-o para participar nas negociações.

17 – Em 25 de outubro de 2016 foi proferido despacho de homologação do plano.

18 – Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 26 de janeiro de 2017, transitado em 21 de fevereiro de 2017, foi revogada a homologação do plano.

19 – Em 23 de março de 2017 foi proferido despacho a declarar extintos os efeitos decorrentes do PER.

20 – O referido despacho foi notificado à aqui exequente em 24 de março de 2017.

Factos não provados:

- que o Executado só teve acesso aos contratos em causa nos autos nos dias das suas assinaturas;

- que os mesmos não foram lidos nem explicado o respetivo conteúdo, tendo o Banco exibido apenas um conjunto de documentos ao Executado, pedindo que o mesmo os assinasse.

IV_ Fundamentação de direito

1ª Questão

Insurge-se o Recorrente/Embargante contra a decisão da matéria de facto por referência aos seguintes factos:
i. Facto não provado “O Executado só teve acesso aos contratos em causa nos autos nos dias das suas assinaturas”: deve ser transferido para os factos provados;
ii. Facto não provado “Os contratos não foram lidos, nem explicado o respetivo conteúdo, tendo o Banco exibido apenas um conjunto de documentos ao Executado, pedindo que o mesmo os assinasse”: deve ser transferido para os factos provados;
iii. Facto provado ínsito no ponto 7 [“7. O embargante tinha perfeito conhecimento das condições constantes dos mesmos, dos quais nunca apresentou qualquer reclamação”]: deve ser transferido para os factos não provados.

Sustenta o Recorrente que o Tribunal a quo não respeitou as regras do ónus da prova e não analisou criticamente as provas que lhe foram apresentadas, ”encontrando-se a sentença recorrida ferida de vícios que, entre outras consequências, importam a sua nulidade ou anulabilidade daquela, nomeadamente erro notório na apreciação da prova produzida; manifesto erro de julgamento; não valoração das regras de experiência comum; não valoração dos factos instrumentais para a boa decisão da causa; não valoração correcta e adequada do depoimento das testemunhas; ausência de prova para dar factos como assentes; e subjectivismo decisório”.

Cumpre apreciar e decidir.

É sobre a proponente que recai o ónus de prova do cumprimento dos deveres de comunicação e de informação das cláusulas que integram o contrato de adesão.

Nos presentes autos, a prova testemunhal cingiu-se ao depoimento prestado pela Executada BB e ao depoimento prestado pela testemunha CC.

Assumiu diminuta relevância o depoimento prestado por CC porquanto, esta testemunha presta trabalho para a Exequente, desde 2018, enquanto gestora de recuperação de crédito, não tendo tido qualquer intervenção na negociação ou na assinatura de qualquer dos contratos. O seu conhecimento advém de lhe ter sido atribuído o processo na fase prévia ao contencioso e da sua consulta. Explicou, no entanto, a testemunha que a Exequente não tem qualquer contacto com os clientes na fase da negociação, sendo a instituição bancária com a qual é estabelecido o mútuo que submete a proposta deste à A... para aprovação da proposta de garantia. Referiu, ainda, que o PER relativamente ao Executado não foi homologado, tendo os créditos decorrentes dos dois contratos sido reclamados, no processo de insolvência, e, nesses autos, não foram impugnados. Do seu depoimento resulta, ainda, que do processo interno referente ao Executado, não consta qualquer reclamação por este apresentada, ao longo da vigência dos contratos.

A testemunha BB constituiu-se avalista na livrança dada como garantia dos contratos e deduziu embargos de executado invocando igualmente, entre outros fundamentos, a violação do dever de informar. É manifesto o seu interesse, na data em que prestou depoimento [na data em que prestou depoimento ainda não havia sido proferida sentença nos embargos de executado deduzidos pela testemunha/Executada], no desfecho dos presentes embargos, que não pode deixar de ser valorado.

Declarou a testemunha BB que “Nós estávamos a pagar um estabelecimento que tínhamos comprado, um trespasse de um talho, para o meu marido trabalhar(…). Chegou uma altura em que nós pagávamos uma mensalidade desse talho a um senhor que nos vendeu, de mil euros e estava a ser um bocado complicado e ela [a gerente do banco, a Dra. DD] disse, fez a proposta ao meu marido que tinha um apoio do Estado que era para as pequenas e médias empresas, de uma PME, de vinte e cinco mil euros. Na altura, disse que era muito fácil, que ia ficar muito tempo sem, sem ter que pagar nada ou pouquíssimo mesmo e que aquilo dava para pagar o talho e (…) que ia ficar um custo muito, muito baixinho. Assinamos o contrato lá no banco, na presença da Dra. DD. Mandou-nos ir reconhecer a assinatura a um registo, em .... O senhor chegou lá também só mesmo para assinar e vir embora, reconheceu a assinatura logo. Passados uns tempos, não sei precisar datas ao certo, fizemos outro contrato de outra PME porque ela insistiu.(…) A Dra. DD sugeriu a PME”.

Como refere o Tribunal a quo, a testemunha, num primeiro momento, refere ter assinado “o contrato” (o primeiro contrato) na presença da Dra. DD, nas instalações da instituição bancária; num segundo momento, refere ter-se deslocado a ..., por sugestão da Dra. DD, “só mesmo para assinar” e que a assinatura foi, de imediato, reconhecida.

Dos contratos juntos aos autos – documentos nºs 1 e 2 – resulta tratar-se de assinatura feita no Cartório Notarial [“Reconheço a assinatura no documento em anexo, de AA e BB, feitas pelos próprios na minha presença…”].

Feita a pergunta “no dia em que assinou este (…) contrato, a Senhora e o seu marido [o Embargante, ora Recorrente](…) a Dra. DD explicou ao seu marido que tipo de contrato era este, que tipo de empréstimo era este, se ela lhe leu o contrato, se disse que tinha que pagar outro valor total do financiamento, deste apoio do Estado, se era alguma parte a fundo perdido (…), quantas prestações é que ia pagar, qual era a periodicidade dessas prestações?”, a testemunha respondeu “Não. Não leu o contrato. Disse-nos sim que era um apoio para pequenas e medias empresas, que era muito simples: o primeiro ano particamente só se pagava uma mensalidade muito baixinha mesmo, calculo agora que deviam ser juros, e que depois de 3 em 3 meses pagávamos uma mensalidade, não disse quantas mensalidades, não nos leu o contrato, nós também confiámos, tínhamos empréstimo da casa ao lado também, confiámos em tudo e, sinceramente, não nos explicou assim nada que, mais nada mesmo”.

Decorre do seu depoimento que lhe foi transmitido tratar-se de um apoio às pequenas e médias empresas; o reembolso iniciar-se-ia a partir do final do primeiro ano e com a periodicidade trimestral, “mas não disse o valor, não disse, não disse quantas mensalidades seriam”. Recorrendo às regras da experiência comum, não é plausível que um cidadão aceite contrair um empréstimo sem conhecer o valor da prestação que fica vinculado a cumprir e por quanto tempo pois, sem tais elementos mostra-se absolutamente impossível aferir da sua capacidade económica para cumprir as suas obrigações.

Feita a pergunta “em algum momento, a Dra. DD lhe leu qualquer destes contratos, os que assinou?”, respondeu a testemunha “estes contratos foram para Lisboa e depois iam, se foram enviados, supostamente iam ser enviados para o banco. Sinceramente, foi uma fase complicada entre mim e o meu marido e não sei se algum de nós chegou a receber isso”. Feita a pergunta “Então, e recorda-se se o seu marido terá recebido cópia, ou não?” a testemunha respondeu “Não sei. Sinceramente não sei”.

Salvo o devido respeito, deste depoimento não resulta que o Executado não recebeu cópia de qualquer dos contratos.

Inquirida sobre o valor das prestações, a testemunha respondeu “A Dra. DD ligava para o meu marido para explicar”.

Sendo esta a prova testemunhal, não se encontra demonstrado que “o Executado só teve acesso aos contratos em causa nos autos nos dias das suas assinaturas”; que “os contratos não foram lidos, nem explicado o respectivo conteúdo, ao Executado”; e que o Banco apenas exibiu um conjunto de documentos ao Executado, pedindo que o mesmo os assinasse.

Alega o Recorrente, no corpo das suas alegações (pontos 51, 52 e 53) que “Nem o Banco 1..., SA, nem a exequente informaram nem clarificaram o executado do sentido das obrigações assumidas, (…) nenhuma parte do contrato foi efetivamente discutida, informada ou negociada, e nem dada previamente ao executado a ler a fim de se poder informar das obrigações aí assumidas. Tão pouco, logrou o executado ser informado previamente que o incumprimento do contrato acarretaria o vencimento das restantes, o vencimento de determinados juros e taxas e valores das taxas, imposto de selo sobre juros, imposto selo pelo preenchimento das livranças, encargos, taxas e impostos resultantes da celebração dos contratos e que agravariam consideravelmente o montante, aliás veja-se que que só em juros a exequente pretende exigir a quantia de 6.904,84€.”.

Analisada a prova documental constata-se que o executado assinou dois contratos mas em momentos distintos:
(i) com data de 15/6/2009, assinou o contrato denominado “Linha Específica PME INVESTE III “Micro e Pequenas Empresas”, nº ...68 - documento nº 1 junto com a contestação.
(ii) Com data de 27/7/2009, assinou o contrato denominado “Linha Específica PME INVESTE IV “Micro e Pequenas Empresas”, nº ...23 - documento nº 2 junto com a contestação.

A testemunha BB confirmou que os dois contratos foram negociados e celebrados em datas distintas, mediando cerca de um mês entre a assinatura do primeiro e as negociações referentes ao segundo.

Consta do contrato “Linha Específica PME Investe III Micro e Pequenas Empresas”, datado de 15 de Junho de 2009, celebrado entre o Banco 1..., SA, Sociedade de Garantia Mútua, Beneficiária da Linha de Crédito específica PME Investe III e a Executada/testemunha BB, que:
a. o Banco 1... e a Beneficiária celebraram “um contrato de empréstimo, pelo qual o Banco abre um crédito a favor da beneficiária ao abrigo da Linha Especifica”.
b. A Sociedade de Garantia Mútua e a Beneficiária celebraram um contrato de emissão de garantia autónoma (a “Emissão e Prestação de Garantia”) pelo qual a Sociedade de Garantia Mútua, a pedido da beneficiária, emite, pelo próprio contrato, uma garantia autónoma em favor do Banco para garantia do cumprimento das obrigações que emergem do Empréstimo para a Beneficiária”.
c. Como condição legal do acesso pela beneficiária, à emissão da garantia autónoma pela SGM, o Banco e a Beneficiária celebram um contrato de venda pelo Banco à Beneficiária de acções representativas do capital da SGM (a “venda de acções”) que a Beneficiária poderá revender à SGM ao respectivo valor nominal nos termos da lei, uma vez cumprida a Emissão e Prestação de Garantia. Considerando, no entanto que o Banco irá, a curto prazo, reforçar a sua participação no capital social da SGM, mas que a titularidade pelo Banco de tais acções depende ainda da formalização do aumento do capital da SGM, mas que a titularidade pelo Banco de tais acções depende ainda da formalização do aumento do capital da SGM, cujo processo se encontra em curso e no âmbito do qual o Banco já manifestou a sua intenção de subscrever uma participação significativa no capital da SGM, é celebrado um contrato de compra e venda de bens futuros”.

Consta do contrato “Linha Específica PME Investe IV Micro e Pequenas Empresas”, datado de 27 de Julho de 2009, celebrado entre o Banco 1..., SA, Sociedade de Garantia Mútua, Beneficiária da Linha de Crédito específica PME Investe III e Executada/testemunha BB, que:
a. o Banco 1... e a Beneficiária celebraram “um contrato de empréstimo, pelo qual o Banco abre um crédito a favor da beneficiária ao abrigo da Linha Especifica”.
b. A Sociedade de Garantia Mútua e a Beneficiária celebraram um contrato de emissão de garantia autónoma (a “Emissão e Prestação de Garantia”) pelo qual a Sociedade de Garantia Mútua, a pedido da beneficiária, emite, pelo próprio contrato, uma garantia autónoma em favor do Banco para garantia do cumprimento das obrigações que emergem do Empréstimo para a Beneficiária”.
c. Como condição legal do acesso pela beneficiária, à emissão da garantia autónoma pela SGM, o Banco e a Beneficiária celebram um contrato de venda pelo Banco à Beneficiária de acções representativas do capital da SGM (a “venda de acções”) que a Beneficiária poderá revender à SGM ao respectivo valor nominal nos termos da lei, uma vez cumprida a Emissão e Prestação de Garantia”.

Analisado o conteúdo de ambos os contratos verificar-se-á que são iguais as cláusulas que constam das condições gerais, com excepção das cláusulas constantes do ponto 3 sob o título “Condições Gerais da Venda de Bens Futuros”, no primeiro contrato, e sob o título “Condições Gerais de Venda de Acções”, no segundo contrato. Significa que o Executado, decorrido cerca de um mês de vigência do primeiro contrato através do qual contraiu um empréstimo de €25.000, a reembolsar no prazo de 36 meses e com prestação trimestral, aceitou celebrar um segundo contrato, com conteúdo similar, através do qual contraiu um novo empréstimo no montante de €25.000,00, a reembolsar no prazo de 36 meses e com prestação trimestral.

Os documentos 11 e 12 juntos pela Embargada não foram impugnados pelo Embargante, o mesmo sucede com o documento nº9.

Consta do ponto 8 dos Factos Provados, não impugnado pelo Recorrente, que “Em 23 de abril de 2011 o executado dirigiu ao Banco 1... as comunicações juntas à contestação de embargos solicitando a reformulação das operações de créditos resultantes dos contratos denominados “Contrato – Linhas Específicas PME INVESTE III “Micro e Pequenas Empresas” e “Contrato – Linhas Específicas PME INVESTE IV” “Micro e Pequenas Empresas”.

O documento nº 9 junto com a contestação, datado de 23 de Abril de 2011, consiste na comunicação dirigida, ao Banco 1..., pelo Embargante AA. Resulta desse documento que o Executado apresentou uma “Candidatura à Reformulação da operação de crédito contratada ao abrigo da Linha de Crédito PME INVESTE/QREN III – Banco 1...”.

O documento nº10 junto com a contestação, datado de 23 de Abril de 2011, consiste na comunicação dirigida, ao Banco 1..., pelo Embargante AA. Resulta desse documento que o Executado apresentou uma “Candidatura à Reformulação da operação de crédito contratada ao abrigo da Linha de Crédito PME INVESTE/QREN IV – Banco 1...”.

Significa que o Executado participou na vida de ambos os contratos durante cerca de vinte e dois meses, sem nunca ter apresentado qualquer reclamação, mormente por não lhe ter sido explicado o teor das cláusulas que integram tais contratos ou as obrigações decorrentes dos mesmos.

Nessas comunicações, datadas de 23 de Abril de 2011, dirigidas ao Banco, pelo Executado, consta o seguinte:

“ (…)

Solicitamos que a reformulação peticionada consista na reestruturação do plano de reembolso da operação de crédito supra descrita;

Disponibilizamo-nos a facultar ao Banco 1... toda a informação que possam entender relevante nesse âmbito;

Autorizamos expressamente o Banco 1... a, neste mesmo âmbito, disponibilizar toda a informação que entenda necessária ou conveniente (que disponha ou que lhe facultemos) à SGM que deva intervir na operação e às Autoridades de Gestão do QREN”.

Nessas comunicações, dirigidas ao Banco, pelo Executado/Embargante, consta, ainda:

“Declaramos que temos conhecimento que o presente pedido implica a perda de bonificações de juros e de comissões de garantia, consagradas no protocolo que institui aquela Linha Crédito”.

Mais declaramos que, sendo o presente pedido de reformulação aprovado pelas entidades competentes, temos conhecimento que passará a vigorar, no âmbito dessa operação de crédito, a taxa de juro mais alta estipulada no Protocolo da Linha de Crédito em questão”.

Nesta sua comunicação, o Executado não invoca desconhecer o conteúdo das cláusulas que integram os contratos celebrados em 15 de Junho de 2009 e 27 de Julho de 2009. Pelo contrário. Pede a sua alteração e declara expressamente ter conhecimento que essa alteração implica a perda de bonificações que lhe foram concedidas através das “linhas de crédito” às quais acedeu com a celebração de tais contratos.

Consta do ponto 9 dos Factos Provados, não impugnado, que «Em 14 de junho de 2011 foram subscritos pelo Banco 1..., pela exequente e pelo executado os documentos juntos à contestação aos embargos denominados “Aditamento – Linha de Crédito PME INVEST III” e “Reestruturação Financeira – Linha de Crédito PME INVEST IV”.».

Do documento nº 11 junto com a contestação intitulado “Aditamento – Linha de Crédito PME INVEST III”, assinado pelo Banco 1..., pela Exequente, e pelos Executados, consta:

 

c) Conforme acordado no contrato e considerando as condições resultantes da Linha de Crédito PME Investe, as alterações das condições do financiamento, designadamente quanto ao prazo e condições de reembolso do crédito concedido, determinam a caducidade da bonificação atribuída, com efeito no trimestre em que ocorre a reestruturação, passando a Mutuária a suportar integralmente os juros e comissões de garantia.

d) O Banco, a SGM e a Entidade Gestora da Linha a sociedade B..., SA aprovaram previamente a presente reestruturação financeira, sem que até à data do pedido de aprovação tenham ocorrido situações de incumprimento relativamente ao contrato de empréstimo sobredito no considerando a).

e) Nesse quadro, o Banco, a SGM, a Entidade Gestora da Linha e a Mutuária encontram-se em condições de e têm interesse em reestruturar a dívida bancária resultante do contrato referido no considerando a).

As partes outorgantes acordam alterar as cláusulas do contrato identificado no anterior Considerando a) que em seguida se indicam e, bem ainda, aditar uma nova cláusula mantendo-se, contudo, inalterada a redacção das restantes cláusulas, com efeitos desde 15 de Março de 2011”.

Nesse aditamento foram alteradas as “Condições Gerais do Empréstimo”, mormente o modo de reembolso do capital objecto do empréstimo (ponto 1 da cláusula 5ª das Condições Gerais do Empréstimo), a taxa de juros e o modo de contagem e do pagamento dos juros (pontos 1 e 3 da cláusula 4ª das Condições Gerais do Empréstimo).

Foi, ainda, alterada a cláusula 6ª sob a epígrafe “Mora e capitalização”, nos seus pontos 1 e 3, tendo sido fixada uma cláusula penal, no ponto 1 e estabelecido no ponto 3, “Em caso de mora de quaisquer pagamentos devidos pela mutuária ao Banco, no âmbito deste contrato e durante o tempo em que ela se verificar, serão os juros de todos os montantes em dívida agravados com uma sobretaxa, a determinar em cada caso pelo Banco até ao limite máximo de 4% ao ano ou outra sobretaxa máxima que venha legalmente a ser fixada”.

A cláusula 11ª foi alterada nos pontos 1, a), b), c) e d) e revogada nas alíneas e, f e g do ponto 1, passando a constar da mesma:


Nesse aditamento, foram igualmente alteradas as “Condições Gerais Emissão e Prestação de Garantia”, passando a constar da cláusula segunda:

“A Beneficiária assume as seguintes obrigações como contrapartida da emissão e prestação pela SGM, por conta e a pedido da beneficiária e em favor do Banco, da garantia autónoma:

1.Em resultado da presente reestruturação, a Mutuária deixa de beneficiar da bonificação da garantia, passando a ser responsável pela liquidação à SGM uma comissão de garantia de 2% sobre o valor dos saldos vivos garantidos e em dívida em cada momento do tempo”.

Além destas cláusulas, foram alteradas as condições particulares.

Do documento nº 12 junto com a contestação intitulado “Reestruturação – Linha de Crédito PME INVEST IV”, assinado pelo Banco 1..., pela Exequente e pelos Executados, constam as alterações ao contrato celebrado em 27/7/2009 que incidem igualmente sobre as cláusulas 4ª, nºs 1, 7 e 8; 5ª, nº1; 6ª, nºs 1 e 3; 11ª, nº1, alíneas b), c) e d) e revogação das alíneas e), f) e g), e nº2; das condições gerais do empréstimo; e a claúsula 2ª, nºs1 e 4, das condições gerais da emissão e prestação da garantia; e sobre as condições particulares.

Consta, quer da alteração do contrato celebrado em 15 de Junho de 2009, quer da reetruturação do contrato de 27 de Julho de 2009 – ambos assinados em 14 de Junho de 2011 -, uma cláusula com o seguinte teor: “Este aditamento não constitui novação, mantendo-se, consequentemente em vigor quaisquer garantias constituídas em caução do seu pagamento, bem como as cláusulas que não foram objecto de alteração no presente aditamento”.

Consta de tais documentos que, em 14 de Junho de 2011, não existia qualquer prestação vencida e não paga.

Os factos ínsitos nos pontos 8 e 9 dos Factos Provados não se mostram impugnados. Os documentos 11 e 12 juntos pela Embargada não foram impugnados pelo Embargante, o mesmo sucede com o documento nº9.

Analisando cronologicamente os factos, verificamos que:

_ o Executado celebrou um contrato em 15 de Junho de 2009, obtendo um empréstimo de €25.000,00.

_ Decorrido cerca de um mês, celebrou um contrato similiar, obtendo outro empréstimo, no mesmo valor.

_ Participou na vida dos contratos celebrados em 15 de Junho e 27 de Julho de 2009, até 23 de Abril de 2011, e nunca invocou não dispor do contrato ou o desconhecimento de qualquer cláusula, nem apresentou qualquer reclamação.

_ Em 23 de Abril de 2011, o Executado solicitou, à instituição bancária, a reformulação de ambas as “operações de créditos”. Nessas comunicações, o Executado declarou expressamente que tem conhecimento que a alteração pretendida envolve a perda do direito a bonficações de juros e comissões concedidas nos contratos celebrados e que no âmbito das operações de crédito objecto dos contratos de Junho e de Julho de 2009, “passará a vigorar (…) a taxa de juro mais alta estipulada no Protocolo da Linha de Crédito em questão”.

_ Nessas comunicações, não suscitou qualquer dúvida quanto a qualquer cláusula constante dos contratos de 15 de Junho de 2009 e de 27 de Julho de 2009, nem invocou que os contratos não lhe foram explicados.

_ Com data de 14 de Junho de 2011, foram subscritos pelo Banco 1..., pela Exequente e por ambos os Executados, os documentos juntos à contestação aos embargos denominados “Aditamento – Linha de Crédito PME INVEST III” e “Reestruturação Financeira – Linha de Crédito PME INVEST IV” [factos ínsitos no ponto 9 dos Factos Provados].

_ Nesses aditamentos foram alteradas as cláusulas quanto ao modo de reembolso do capital, a taxa de juros e o modo de contagem e do pagamento dos juros (pontos 1 e 3 da cláusula 4ª das Condições Gerais do Empréstimo), bem como a cláusula que regula as consequências em caso de mora.

_ O Executado/Embargante não invocou não lhe ter sido comunicado e explicado o conteúdo de qualquer destes aditamentos, subscritos em 14 de Junho de 2011. As obrigações do Executado, a partir de 14 de Junho de 2011, passaram a estar definidas nos aditamentos, quanto às prestações, à taxa de juro e ao modo de contagem da taxa de juro, o mesmo sucedendo com as consequências, em caso de mora.

Dispõe o artigo 349º do Código Civil que “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.

Ensina o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 29/09/2016[1], «a presunção centra-se, pois, num juízo de indução ou de inferência extraído do facto base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência» e no Acórdão de 2/12/2010[2], «as instâncias podem tirar, através das chamadas presunções judiciais, ilações lógicas da matéria de facto dada como provada, completando-a e esclarecendo-a. Os factos comprovados podem ser trabalhados com base em regras racionais e de conhecimentos decorrentes da experiência comum de modo a revelarem outras vivências desconhecidas. Mas essas deduções hão de ser o desenvolvimento lógico e racional dos factos assentes. Já não é possível extraí-las de factos não provados, nem de factos não alegados, ou seja, de uma realidade processualmente não adquirida. Quando tal aconteça a dedução factual extraída viola frontalmente o disposto no art. 349º C.Civil».

Volvendo aos presentes autos, os contratos foram celebrados em 2009. Decorridos quinze anos, é manifestamente impossível a qualquer colaborador da instituição bancária recordar-se como decorreram as negociações subjacentes aos contratos celebrados em 15 de Junho e 27 de Julho de 2009. Do depoimento da testemunha CC decorre que a Exequente não estabelecia qualquer contacto com os clientes, sendo a proposta enviada pela instituição bancária e uma vez aprovada pela Exequente, seria devolvida a esta.

Decorre do depoimento da testemunha BB, parte então interessada no desfecho destes embargos, que a Dra. DD, gerente do Banco 1..., prestou explicações ao Executado sobre as prestações emergentes dos contratos.

Partindo dos factos provados – e não impugnados pelo Recorrente – e recorrendo às regras de experiência, resulta demonstrado que o Executado se encontrava esclarecido quanto às cláusulas que constam dos contratos de Junho de 2009 e de Julho de 2009. O Executado obteve esclarecimentos sobre os contratos, prestadas pela gerente do Banco 1..., identificada por Dra. DD. O reconhecimento da assinatura aposta em ambos os contratos foi presencial, ou seja, o Executado deslocou-se ao Cartório, com os contratos e, na presença do Senhor Notário, assinou ambos. Significa que não lhe foram disponibilizados os contratos apenas no momento da respectiva assinatura. Das comunicações dirigidas ao Banco 1..., em 23 de Abril de 2011, extrai-se o seu conhecimento e compreensão sobre o teor das cláusulas constantes dos contratos, nomeadamente do recurso à linha de crédito que lhe conferiu bonificações no plano da taxa de juros. Decorridos quinze meses a participar na vida de ambos os contratos, o Executado solicitou alteração dos mesmos, declarando expressamente ter conhecimento que irá perder as bonificações concedidas através desses contratos. Não suscita qualquer esclarecimento sobre cláusulas do contrato, não invoca não ter sido esclarecido sobre o número de prestações, valor das mesmas, taxa de juros cobrada e consequências em caso de mora. Pelo contrário. Revela conhecer tais cláusulas e da perda de bonificações com as alterações por si solicitadas. Convocando-se as regras da experiência comum, é plausível que um contraente solicite alteração das cláusulas constantes de contrato por si celebrado e aceite o agravamento das condições anteriormente estipuladas, caso não tivesse consciente do sentido e alcance de tais cláusulas? Salvo o devido respeito, entendemos que não.

Como refere o Tribunal a quo, “cerca de um mês e meio depois da celebração do primeiro contrato o embargante decidiu celebrar outro contrato, ao abrigo da mesma linha de financiamento e pelo mesmo valor, do que se pode retirar que, não tendo tido tempo para se esclarecer relativamente ao primeiro contrato, certamente estaria esclarecido aquando da celebração do segundo contrato. Acresce que, sendo o prazo dos contratos de 36 meses, já tinha decorrido quase dois terços dos mesmos quando o executado pediu a reformulação dos contratos, pedido no qual reconhece que o mesmo implica a perda de bonificações de juros e de comissões e que, apresentado em 23 de abril de 2011, vem a redundar nos adiamentos e reestruturação formalizados em 14 de junho de 2011, sem nunca por em causa a regularidade do processo tendente à contratação em causa.”.

Pelo exposto, improcede a impugnação da decisão da matéria de facto.

Alegou a Embargada, na sua contestação [artigo 42º] que ambos os contratos foram “remetidos ao Embargante AA, que os analisou e, tendo concordado com o seu teor, neles livremente fez apor as assinaturas de quem celebrava, à data, bem como dos Terceiros Contraentes (avalistas), assinaturas essas reconhecidas na qualidade em que cada um dos intervenientes assinou os contratos, conforme termos de autenticação anexos aqueles contratos (doc. 1 e 2)”.

No artigo 86º da contestação, alegou a Embargada que “o Embargante sempre conheceu e entendeu o conteúdo dos contratos que, a seu pedido, subscrevera...”.

Do alegado no artigo 42º da contestação infere-se a afirmação da embargada de que aquando da assinatura o embargante já tinha conhecimento das condições constantes de ambos os contratos. Afirmação que importa explicitar em sede factual.

O Tribunal a quo não se pronunciou quanto ao momento em que o Embargante tomou “perfeito conhecimento das condições constantes dos [contratos], dos quais nunca apresentou qualquer reclamação.”.

Conforme se explicou, da prova resulta que o Executado apôs a sua assinatura nos dois contratos, não nas instalações do Banco 1..., mas, na presença do Notário, tendo se deslocado ao Cartório para o efeito, ou seja, teve acesso aos contratos em momento prévio à sua assinatura. Resulta igualmente da prova que pela “Dra. DD”, gerente do Banco 1..., foram prestadas explicações ao Executado, sobre o clausulado de ambos os contratos. Da conjugação destes elementos fácticos e convocando o já exposto a propósito da reapreciação da prova, decorre que o Embargante:
i. teve acesso aos documentos nos quais foram formalizados os contratos em momento prévio à assinatura dos mesmos;
ii. no momento da assinatura de ambos os contratos o Embargante tinha conhecimento perfeito das respectivas cláusulas.

Face exposto e ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1, do Código de Processo Civil, procede-se à alteração do ponto 7 dos Factos Provados, passando o mesmo a ter a seguinte redacção:

7. O embargante compreendeu o clausulado de ambos os contratos e quando procedeu à sua assinatura, tinha perfeito conhecimento das condições constantes dos mesmos, dos quais nunca apresentou qualquer reclamação.

2ª Questão

Dissente o Recorrente da sentença proferida pelo Tribunal a quo sustentando que “com excepção da cláusula que determina o montante do negócio”, são genéricas e pré-fixadas as cláusulas que integram os contratos celebrados e não esteve ao alcance do mutuário (Executado), qualquer negociação prévia quanto ao conteúdo das mesmas. Estão em causa contratos de adesão e nem o Banco 1..., SA, nem a Exequente, o informaram ou esclareceram quanto ao sentido das obrigações assumidas. Não logrou ser informado “previamente que o incumprimento do contrato acarretaria o vencimento das restantes [prestações], o vencimento de determinados juros e taxas e valores das taxas, imposto de selo sobre juros, imposto [de] selo pelo preenchimento das livranças, encargos, taxas e impostos resultantes da celebração dos contratos e que agravariam consideravelmente o montante”, acrescentando que “só em juros, a exequente pretende exigir a quantia de 6.904,84€” [3].

Concluiu o Recorrente que se mostra violado o disposto nos artigos 5º, 6º, nº 1, e 8º do Decreto-Lei nº446/85 e que a “falta de cumprimento do dever de informação, por parte do Banco 1..., SA e da Exequente, com a prévia antecedência, relativamente à data de celebração dos contratos, e o facto de nos mesmos constarem termos e institutos jurídicos desconhecidos do comum dos cidadãos levará, necessariamente a que o[s] contrato[s] se torne[m] nulo[s]”. Pretende que seja declarada a nulidade dos contratos e, cumulativamente, que sejam excluídas de tais contratos as cláusulas não comunicadas, com fundamento no artigo 8º, a), do Decreto-Lei nº446/85.

Cumpre apreciar e decidir.

Não constitui questão controvertida a aplicação, aos contratos celebrados em 15 de Junho de 2009 e 27 de Julho de 2009, do regime das cláusulas contratuais gerais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 446/85, com as suas subsequentes alterações, entendendo-se o contrato de adesão como «aquele em que um dos contraentes o cliente, o consumidor – (…), não tendo a menor participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado»[4].

A questão suscitada pelo Recorrente consiste em saber se a Recorrida ou o Banco 1... cumpriram os deveres de comunicação e informação impostos pelos artigos 5º e 6º do Decreto-Lei 446/85, relativamente às cláusulas que integram os contratos celebrados em 15 de Junho de 2009 e 27 de Julho de 2009, mormente as que regulam as obrigações assumidas e as consequências, em caso de mora/ incumprimento dos contratos.

Dispõe o artigo 5.º do citado diploma que:

“1 – As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.

2 – A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.

3 – O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”.

De harmonia com o disposto no nº1 do artigo 6.º do mesmo diploma, “O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique”, estatuindo o nº2, “Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados”.

Nos termos do artigo 8º da LCCG devem ser excluídas as “cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º.” (al. a), assim como as “cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo” (al. b).

Assim, não se provando a comunicação e consequente explicação do teor das cláusulas, a cominação com que a lei sanciona tal comportamento é a de que tais cláusulas se consideram excluídas dos contratos celebrados, recaindo sobre o proponente o ónus de prova do cumprimento de tais deveres.

Escreve Almeno de Sá[5], «Exige-se, em primeiro lugar, que as condições gerais sejam integralmente comunicadas à contraparte, impondo-se para além disso, que tal comunicação se realize de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento efectivo pelo contraente que actue com a diligência comum.

Com a exigência da comunicação à contraparte das condições gerais como pressuposto de inclusão no contrato singular, está em causa como que uma forma qualificada de dar conhecimento do projecto negocial. Com efeito, a comunicação não só deverá ser completa, abrangendo a globalidade das condições negociais em causa, como deverá igualmente mostrar-se idónea para a produção de um certo resultado: tornar possível o real conhecimento das cláusulas pela contraparte.

Deste modo, para além de ter de dar a conhecer ou transmitir ao parceiro contratual as condições gerais que pretende inserir no contrato, o utilizador deverá ainda preocupar-se com o modo como dá cumprimento a essa exigência, pois, sendo certo que este pode variar na sua configuração concreta, e mesmo no que concerne ao momento em que é realizado, permanece como fundamental o imperativo de proporcionar à contraparte a possibilidade de, razoavelmente, tomar conhecimento do clausulado.»

Refere, no entanto, que «não se exige que o cliente venha efectivamente a conhecer as cláusulas contratuais gerais que estão na base do contrato. Na verdade, a imposição ao utilizador deste ónus de comunicação tem como correlato, do lado do aderente, a necessidade de adopção de uma conduta que possa ter-se como razoável ou exigível. Tal conduta é aferida segundo o critério abstracto da diligência comum, o que nos reconduz ao cuidado ou zelo normal do tipo médio de agente pressuposto pela ordem jurídica, colocado na situação em causa. Ora, bem pode suceder que o comportamento do cliente não corresponda àquele padrão de diligência, pelo que se abre a possibilidade de este não vir a ter, de facto, conhecimento real das condições negociais gerais, que vão integrar, não obstante, o conteúdo do contrato singular.».

Ainda a este propósito, escreve Almeno de Sá, «A esta necessidade de comunicar as condições gerais acresce, em certas situações, uma particular exigência de informação. Com efeito, o utilizador está obrigado a informar o seu parceiro contratual, de acordo com as circunstâncias, sobre determinados aspectos compreendidos nas condições gerais cuja aclaração se justifique. Com a consagração desta específica exigência de informar, há um reforço da ideia de tentar pôr à disposição da contraparte os elementos necessários à formação de uma decisão negocial responsável. Trata-se de uma projecção particular, ainda que com especificidades, do dever pré-contratual de esclarecimento, que a boa fé faz recair, em geral, sobre os contratantes, estando, assim, em perfeita sintonia com o preceito fundamental contido no artigo 227.º do Código Civil.

O que se visa aqui é que o utilizador clarifique aqueles concretos pontos do regulamento contratual predisposto que postulem, nas particulares circunstâncias do caso, uma advertência suplementar, de forma a que a contraparte tome consciência do seu significado e alcance no quadro global do programa contratual. Saber quando é que se justifica, de facto, uma aclaração de certos aspectos do conteúdo regulativo predisposto, é sempre algo, todavia, que só poderá verdadeiramente dilucidar-se face ao condicionalismo da situação contratual em causa.».

Refere o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 30 de Março de 2017[6], “a lei prescreve cautelas tendentes a assegurar o efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais pela parte a quem são propostas e a defendê-la da sua irreflexão, natural em tais circunstâncias. Cautelas que constam dos artigos 5.º e 6.º, do DL n.º 446/85, de 25/10, fazendo recair sobre o proponente: o dever de comunicação do teor das cláusulas, bem como o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva e o dever de informação sobre os aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique”.
A este propósito, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 13/9/2016 [7]:
“II - O cumprimento das prestações impostas pelos arts. 5.º e 6.º da LCCG – cuja prova onera o predisponente – convoca deveres pré-contratuais de comunicação das cláusulas (a inserir no negócio) e de informação (prestação de todos os esclarecimentos que possibilitem ao aderente conhecer o significado e as implicações dessas cláusulas), enquanto meios que radicam no princípio da autonomia privada, cujo exercício efectivo pressupõe que se encontre bem formada a vontade do aderente ao contrato e, para tanto, que este tenha um antecipado e cabal conhecimento das cláusulas a que se vai vincular, sob pena de não ser autêntica a sua aceitação.
III - Por isso, esse cumprimento deve ser assumido na fase de negociação e feito com antecedência necessária ao conhecimento completo e efectivo do aderente, tendo em conta as circunstâncias (objectivas e subjectivas) presentes na negociação e na conclusão do contrato – a importância deste, a extensão e a complexidade (maior ou menor) das cláusulas e o nível de instrução ou conhecimento daquele –, para que o mesmo, usando da diligência própria do cidadão médio ou comum, as possa analisar e, assim, aceder ao seu conhecimento completo e efectivo, para além de poder pedir algum esclarecimento ou sugerir qualquer alteração.
IV - É certo que as exigências especiais da promoção do efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e da sua precedente comunicação, que oneram o predisponente, têm como contrapartida, também por imposição do princípio da boa-fé, o aludido dever de diligência média por banda do aderente e destinatário da informação – com intensidade e grau dependentes da importância do contrato, da extensão e da complexidade (maior ou menor) das cláusulas e do nível de instrução ou conhecimento daquele –, de quem se espera um comportamento leal e correcto, nomeadamente pedindo esclarecimentos, depois de materializado que seja o seu efectivo conhecimento e informação sobre o conteúdo de tais cláusulas.
V - Porém, essa constatação, em caso algum, poderá levar a admitir que o predisponente fique eximido dos deveres que o oneram, ou a conceber como legítimas uma sua completa passividade na promoção do efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e, sobretudo, uma ausência de comunicação destas ao aderente com a antecedência necessária ao conhecimento completo e efectivo, até para que o mesmo possa exercitar aquele seu dever de diligência, nos apontados termos. Uma tal concepção conduziria à inversão não consentida da hierarquia legalmente estatuída entre os deveres do predisponente e do aderente.».
Volvendo aos presentes autos, quer no contrato celebrado em Junho de 2009, quer no contrato celebrado em Julho de 2009, constam [8]: i) as “condições gerais do empréstimo”; (ii) as “condições gerais da emissão e prestação de garantia” autónoma; e (iii) as “condições gerais da venda de acções”. Como refere o Tribunal a quo, o Recorrente, na sua petição de embargos, “alega, de forma genérica, que as cláusulas não lhe foram explicadas, concretizando depois, que não foi informado previamente de que “[o] incumprimento do contrato acarretaria o vencimento das restantes, o vencimento de determinados juros e taxas e valores das taxas, …”, sem nunca por em causa a contratação estabelecida com a [embargante]”.
A pretensão recursória do Recorrente emerge directamente da impugnação da decisão da matéria de facto (transferência dos factos não provados para a matéria de facto considerada provada e transferência do ponto 7 dos factos provados para os factos não provados).
Julgada improcedente a impugnação da decisão da matéria de facto, não se encontra demonstrado que o “Executado só teve acesso aos contratos em causa nos autos nos dias das suas assinaturas” e que “os contratos não foram lidos, nem explicado o respetivo conteúdo, tendo o Banco exibido apenas um conjunto de documentos ao Executado, pedindo que o mesmo os assinasse”.
Como referido pelo Tribunal a quo, «o dever de comunicação existe para “possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência de cláusulas contratuais gerais que irão integrar o contrato singular, bem como o conhecimento do seu conteúdo, exigindo-se-lhe, para esse efeito, também a ele um comportamento diligente” – Ac. do STJ de 2/1/2004 in CJ/STJ, XII, III, 104 ...».

Em anotação ao artigo 5º do Decreto-Lei 446/85, escreve António Menezes Cordeiro[9] que «O dever de comunicação é uma obrigação de meios: não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas de desenvolver, para tanto, uma actividade razoável. Nessa linha, o nº2 esclarece que o dever de comunicação varia, no modo da sua realização e na sua antecedência, consoante a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas. Como bitola, refere-se a lei à possibilidade do conhecimento completo e efectivo das cláusulas por quem use de comum diligência. Encontra-se aqui uma afloração do critério geral de apreciação das condutas em abstracto e não em concreto.».

Sobre o artigo 5º do Decreto-Lei 446/85, escreve Ana Prata[10], «o objectivo da norma é claro: a lei determina que o predisponente das cláusulas tem de comunicar à outra parte todas e cada uma das cláusulas que pretende ver integradas no contrato, por forma a possibilitar o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência. Isto significa que essa comunicação tem de permitir ao bom pai de família – como paradigma da diligência juridicamente exigível – esse conhecimento completo e efectivo. Da norma retira-se que, se bem que não se explicite qualquer elemento do conteúdo da obrigação de comunicação, os elementos contratuais essenciais e todos os outros são objecto dela, pelo que o desconhecimento a incerteza ou o engano acerca de disposições contratuais por parte do aderente – que não sejam devidos a culpa deste – significam que aquela obrigação não foi pontualmente cumprida. Para usar as palavras de Almeno de Sá, “é possível detectar neste pressuposto, aparentemente unitário, duas exigências analiticamente decomponíveis: a comunicação integral das cláusulas e a necessidade de proporcionar à contraparte a possibilidade de uma exigível tomada de conhecimento do respectivo conteúdo[…].Não basta, neste contexto, a pura notícia da existência de cláusulas contratuais gerais, nem a sua indiferenciada «transmissão». Exige-se ainda que à contraparte do utilizador sejam proporcionadas condições que lhe permitam aceder a um real conhecimento do conteúdo[…]”.

Ainda a propósito do citado artigo 5º, refere Ana Prata[11], «Tratando-se de uma obrigação, hesitaria em, linearmente, qualificá-la como sendo de meios; é-o, mas há um resultado caracterizado legalmente – a possibilidade de conhecimento -, o que não é comum nas obrigações de mera diligência. Não se impõe que o aderente tenha efectivamente conhecido as cláusulas, mas aquela possibilidade, tendo em conta os dados de facto da concreta situação, tem de ser assegurada. Naturalmente que qualquer obrigação de meios tem em vista o resultado da satisfação do interesse do credor; a peculiaridade desta, relativamente às comuns obrigações de meios, reside no facto de a diligência exigível o ser em função e proporcionalmente ao resultado que tem de ser alcançado. Dito por outras palavras, o devedor só cumprirá a obrigação se proporcionar ao aderente a possibilidade de conhecimento completo e efectivo do contrato. Isto é, não basta ter empregado a diligência medianamente exigível para a obrigação poder considerar-se cumprida; só quando aquela que foi despendida tiver sido suficiente para a obtenção do resultado – a despeito de este não se ter verificado por negligência do credor/aderente, mas só por isso – é que pode falar-se em cumprimento desta obrigação. Qualificando esta como uma obrigação de meios Almeida Costa e Menezes Cordeiro escrevem que a norma só impõem “uma actividade razoável” no sentido de proporcionar o conhecimento das cláusulas.».

No mesmo sentido, decidiu esta Relação, no Acórdão proferido em 21/6/2021[12]:

O dever de comunicação que recai sobre quem negoceia apresentando à outra parte um contrato com cláusulas gerais, pré-definidas, é uma obrigação de meios, não se exigindo para o seu cumprimento que o contratante, abrangido por tais cláusulas, delas tome conhecimento efectivo, mas que lhe sejam facultadas as condições para, em termos de razoabilidade e actuando com diligência, obter conhecimento sobre o seu conteúdo.”.

Volvendo aos presentes autos e convocando o acima exposto, ao Embargante foram entregues ambos os contratos. Na posse de tais documentos, deslocou-se o Embargante ao Cartório para proceder ao reconhecimento presencial da assinatura por si aposta em ambos os contratos. Após, o Embargante entregou os contratos assinados. Resulta da factualidade assente que o embargante compreendeu o clausulado e, no momento em que procedeu à assinatura dos contratos, tinha perfeito conhecimento das condições constantes dos mesmos. Nunca apresentou qualquer reclamação relativamente a ambos os contratos. Não consta dos factos assentes - nem o Recorrente o alegou -, que tivesse manifestado à Embargada ou ao Banco 1..., quaisquer dúvidas ou solicitado esclarecimentos quanto ao conteúdo de qualquer cláusula de tais contratos, nomeadamente referentes às prestações, às taxas de juros aplicáveis e modo de contagem dos juros, bem como às consequências, em caso de constituição em mora.

Pelo exposto, ao Embargante foram proporcionadas condições que lhe permitiram tomar conhecimento do conteúdo de ambos os contratos e do alcance das cláusulas constantes dos mesmos. Tendo o Embargante perfeito conhecimento do conteúdo de ambos os contratos, impõe-se concluir que os deveres de comunicação e de informação não deixaram de ser observados.

Improcede, assim, a pretensão recursória, confirmando-se a decisão recorrida.


Custas

Atenta a total improcedência do recurso, as custas são da responsabilidade do Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia (artigo 527º, nº1, do CPC).


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V_ Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia (artigo 527º, nº1, do CPC; artigo 18º, nº4, do Decreto-Lei 34/2004, de 29/7, alterado pela Lei nº 47/2007, de 28/8).


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Sumário:

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Porto, 11/12/2024

Anabela Morais

Ana Olívia Loureiro

Fátima Andrade

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[1] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/09/2016, proferido no processo nº 286/10.2TBLSB.P1.S1,acessível em www.dgsi.pt.
[2] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/12/2010, proferido no processo nº1/04.0TBCPV.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[3] Importa salientar que a taxa de juros aplicada não é a decorrente das cláusulas constantes dos contratos celebrados em Junho e Julho de 2009 que o Executado invoca não lhe terem sido lidas e explicadas e que pretende ver excluídas de tais contratos. As taxas de juros aplicáveis, o modo de contagem e pagamento, são as decorrentes da reformulação das operações de crédito, efectuada por solicitação do próprio Executado, em 23 de Abril de 2011. Ao solicitar a reformulação de tais operações, o Executado manifestou expressamente ter conhecimento que iria perder as “bonificações de juros e de comissões de garantia, consagradas no protocolo que institui aquela Linha Crédito”  e que passaria a ser aplicada “a taxa de juro mais alta estipulada no Protocolo da Linha de Crédito em questão”.
[4] João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, 8ª ed., Almedina, Coimbra, 1994, pág.262.
[5] Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais E Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, 2ª edição revista e aumentada, Almedina, 2000, págs.60 e 61.
[6] Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 30 de Março de 2017, proferido no processo n.º 4267/12.3TBBRG.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[7] Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 13/9/2016, proferido no processo n.º1262/14.1T8VCT-B.G1.S1, Supremo Tribunal de Justiça, acessível em www.dgsi.pt.
[8]Na união de contratos há uma pluralidade de contratos, mantendo cada um a sua autonomia mas com uma finalidade económica comum. Diversamente, no contrato misto há um só negócio jurídico com elementos essenciais respeitantes a tipos contratuais diversos. Ensina Pedro Pais de Vasconcelos, em Contratos Atípicos, 2ª edição, Almedina, 2009, pág. 225, “Quando a matéria contratada se subsuma a mais de um tipo contratual legal, a doutrina tradicional classifica-a como união de contratos ou como contrato misto consoante o relacionamento entre ambos. Se o relacionamento entre os tipos for tal que ambos possam subsistir e vigorar como contratos completos e separados, não obstante o vínculo que os liga, a classificação é de união de contratos.Se o relacionamento entre os tipos não permitir a separação, o contrato é classificado como misto. Tudo está em saber se é possível, no caso, separar, na matéria contratada, um contrato estruturalmente completo por cada tipo".
[9] António Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, reimpressão, Almedina, Coimbra, 1987, págs.24 e 25.
[10] Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2ª edição, Almedina, 2021, pág. 264.
[11] Ana Prata, obra citada, pág. 268.
[12] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo nº3313/19.4T8LOU-A.P1, acessível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/b0b8a552f1bcc4f680258737003d2d6d?OpenDocument.