INVENTÁRIO
CONSTITUIÇÃO OBRIGATÓRIA DE ADVOGADO
FALECIMENTO DE ADVOGADO
Sumário

I. Nos processo de inventário, independentemente do seu valor, apenas é obrigatória a constituição de advogado quando o interessado pretenda suscitar ou discutir uma questão de direito, ou interpor recurso.
II. A data de abertura de uma conta bancária, as datas dos depósitos nela efetuados e respetivos valores são questões de facto que podem ser suscitadas pelo interessado, sem necessidade de constituição de advogado; também a junção aos autos de documentos para prova dos indicados factos pode ser feita diretamente pelo interessado, sem necessidade de constituição de advogado.

Texto Integral

Acordam os abaixo identificados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
«AA», interessado nos presentes autos de inventário para partilha de meações, em que é cointeressada «BB», não se conformando com despachos proferidos na conferência de interessados de 21/06/2024, interpôs o presente recurso.
A compreensão, apreciação e decisão do pleito impõem uma digressão pelos atos relevantes do processo:
Em …2020, «BB» intentou inventário para partilha de bens comuns do casal que havia formado com «AA», com quem tinha casado em …2003, e de quem se tinha divorciado em …2019. Alegou, então, que o casamento tinha sido celebrado no regime imperativo de separação de bens (como se verá adiante, assim não foi, o regime de bens aplicável ao seu casamento é o supletivo de comunhão de bens adquiridos), mas que, não obstante, existe uma conta bancária com o saldo de 75.413,78€ que importa partilhar, uma vez que foi obtido com o produto do trabalho de ambos os cônjuges, na pendência do casamento.
O requerido, cônjuge mais velho, foi nomeado cabeça de casal e, por requerimento de …/03/2021, alegou que a conta bancária em causa foi aberta antes do casamento e o valor nela depositado pertence-lhe exclusivamente. Pediu prazo de “pelo menos 15 dias” para juntar documentos que já tinha pedido à CGD.
O prazo foi concedido, mas o cabeça de casal nada juntou.
Notificado por despacho de …/06/2021 para juntar os ditos documentos, nada fez e nada disse.
Por despacho de …/04/2022, foi determinado que os autos aguardassem o prazo de deserção.
Veio, então, a cointeressada, por requerimento de …/05/2022, pedir a remoção do cabeça de casal, o que vem a ser deferido em … maio do ano subsequente, 2023, por despacho no qual foi nomeada para o cargo a requerente «BB».
Em …/09/2023, a nova cabeça-de-casal apresenta a relação de bens, tendo como verba única «a conta de depósito à ordem junto da “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, cujo saldo é de 75.413,78€ (setenta e cinco mil quatrocentos e treze euros e setenta e oito cêntimos), conforme documento já junto aos presentes autos como documento número 2 do requerimento inicial».
Notificado, o cointeressado nada disse e, por despacho de …/11/2023, foi designado o dia … do mesmo mês e ano para audiência prévia presencial.
Aberta a audiência em …/11/2023, à interpelação sobre a possibilidade de acordo, o interessado disse que a conta indicada na relação de bens foi aberta quando ainda jovem e solteiro, e que os valores nela depositados lhe pertencem, não aceitando a divisão do numerário relacionado.
A cabeça de casal não aceitou o exposto pelo cointeressado.
Foi explicado ao interessado que, no âmbito do processo, não apresentou reclamação à relação de bens, e foi ordenado que se abrisse conclusão nos autos.
A cabeça de casal foi notificada para fazer prova do alegado regime de bens de separação, tendo juntado certidão de casamento em …/01/2024, capeada por requerimento do qual, entre o mais, consta:
«1º No requerimento inicial foi alegado que a Requerente (Cabeça de Casal) e o Requerido haviam sido casados no regime imperativo da separação de bens.
2º A verdade é que no assento de casamento apenas é feita menção ao facto de se ter tratado de um casamento civil, não existindo qualquer referência ao regime de bens – conforme (cfr.) assento de casamento que aqui se junta sob o número (n.º) 1.
3º Acontece que o casamento da Requerente e do Requerido, ambos portugueses, foi contraído no estrangeiro – cfr. doc. já junto sob o n.º 1 e doc. que aqui se junta sob o n.º 2.
4º E os serviços consulares de Portugal em Londres organizaram o processo preliminar de publicações.
5º Logo, e a contrario do expendido na alínea a), do n.º 1, do artigo 1720.º do Código Civil, o regime de bens de casamento da Requerente e do Requerido já não será o imperativo da separação de bens, porquanto previamente à celebração do casamento foi organizado o aludido processo preliminar de publicações, mas o da comunhão de adquiridos.
6º Acontece que se torna necessário que os serviços consulares portugueses em Londres venham, então, a efetuar uma completude ao assento de casamento, aqui junto sob o n.º 1, para que ali passe a constar o regime de bens da comunhão de adquiridos.»
Em …/05/2024, a requerente juntou certidão do assento de casamento, com dizeres idênticos ao anterior, mas acrescido do averbamento de …/05/2024, do qual consta que «o casamento foi celebrado sem convenção antenupcial».
Em 02/06/2024, foi proferido o seguinte despacho:
«Tomei conhecimento do teor da Certidão de Casamento junta aos autos.
Em face da inexistência de oposição, impugnação e/ ou reclamação, cumpre proferir despacho de saneamento, ao abrigo do disposto no artigo 1110.º, do Código de Processo Civil. (…)
ACTIVO
Os bens a partilhar são os constantes da relação de bens junta aos autos.
PASSIVO
Não existe passivo.
Considerando a manifesta simplicidade da partilha nos presentes autos, ao abrigo do princípio da gestão processual, o Tribunal decide proceder de imediato à determinação da forma da partilha. (…)
O valor do único bem a partilhar, relacionado na Relação de Bens é dividido em duas partes iguais, correspondendo cada uma delas ao valor da meação de cada um dos ex-cônjuges.
No preenchimento das meações atender-se-á ao que resultar da conferência de interessados.
Notifique. (…)
Para a realização de conferência de interessados, que terá por objeto a discussão dos assuntos previstos no artigo 1111.º do Código de Processo Civil, designa-se o próximo dia 21 de Junho de 2024, pelas 9h45m.
Notifique nos termos previstos nos n.ºs 3, 4, 5 e 6 do artigo 1110.º do Código de Processo Civil».
Na véspera da agendada conferência, dia …, Il. Mand. do cointeressado veio pedir a confiança do processo por cinco dias, e o adiamento da conferência.
Em … de junho, iniciada a diligência (que estava agendada para as 09:45 horas, mas teve início às 10:50 horas, por o tribunal ter estado a aguardar a chegada da mandatária do requerido), foram concedidos 15 minutos à referida mandatária para consulta do processo.
Decorrido esse período, pela mandatária do interessado foi requerida a suspensão da diligência para poder juntar documentação que comprove que a conta objeto de partilha era uma conta que o interessado tinha de solteiro e cujo saldo é constituído por poupanças feitas ainda quando era solteiro.
O Il. Mand. da cabeça de casal opôs-se ao requerido, que foi indeferido.
Estando em causa apenas uma verba única composta de dinheiro em depósito à ordem e não estando as partes de acordo na forma de a dividir, foi proferido o seguine despacho:
«Tendo em conta todo o processado, a relação de bens sedimentou-se numa verba única, (conta de depósito à ordem na Caixa Geral de Depósitos com o valor de € 75.413,78), e que tanto quanto resulta dos autos não foi objeto de reclamação.
Considerando todos os elementos supra invocados e a estabilidade da instância quanto aos bens a partilhar, indefere-se o peticionado prazo.
Considerando o que vai exposto, o preenchimento dos quinhões de cada interessado deverá ser composto por 50% do valor do dinheiro relacionado, a cada um dos interessados.
Nada mais havendo a decidir, notifiquem-se as partes para, no prazo de 20 dias, apresentarem proposta de mapa de partilha (cfr. artigo 1120 n.º 1, do Código de Processo Civil)».
O interessado «AA» não se conformou e recorreu, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«1. Nos presentes autos foi requerido inventário para partilha de bens após o divórcio, tendo a Recorrida alegado a existência de uma conta bancária com o valor de € 75.413,78 que foi obtido com o produto do trabalho de ambos os cônjuges, na pendência do casamento.
2. O Recorrente constituiu mandatário e solicitou prazo para juntar documentos bancários que infirmavam o alegado, o que foi deferido.
3. A última notificação ao anterior mandatário do Recorrente foi feita em … de Junho de 2021.
4. O anterior mandatário do Recorrente faleceu em … de Março de 2022.
5. Em … de Maio de 2022 a Recorrida requereu a remoção do Recorrente do cargo de cabeça de casal, com fundamento na sua inércia, não tendo havido notificação entre os mandatários.
6. Em … de Agosto de 2022 foi feita segunda notificação pessoal ao Recorrente com cópia daquele requerimento e com a menção «Comunica-se que o mandatário que o representaria tem a "atividade suspensa" por informação da Ordem dos Advogados, não sendo possível notificá-lo do requerimento ora junto.»
7. Em … de Maio de 2023 o tribunal a quo proferiu despacho a remover o Recorrente do cargo de cabeça de casal.
8. Em consequência, em … de Setembro de 2023 a Recorrida juntou a relação de bens, da qual apenas consta o já identificado depósito à ordem; este requerimento foi notificado pessoalmente ao Recorrente, com a menção «Fica advertido de que só é obrigatória a constituição de advogado caso se suscitem ou discutam questões de direito e ainda em sede de recurso.»
9. Na audiência prévia realizada em … de Novembro de 2023 o Recorrente informou o tribunal que tinha tido conhecimento do falecimento do seu mandatário, e quanto à questão informou que a conta indicada na relação de bens tinha sido aberta quando solteiro e que o valor depositado lhe pertencia, o que não foi aceite pela contraparte.
10. Na conferência de interessados foi proferido despacho que considerou a relação de bens sedimentada e determinou o preenchimento dos quinhões de cada interessado com 50% do valor do dinheiro relacionado.
11. A decisão sobre a propriedade do dinheiro existente na conta bancária é questão de direito, pelo que era obrigatória a constituição de mandatário.
12. Ao não suspender o processo na sequência do conhecimento do falecimento do mandatário, o tribunal a quo violou o disposto no artigo 271.° do Código de Processo Civil, o que gera a nulidade do processado subsequente.
Assim, antes de mais deve o tribunal recorrido declarar a nulidade do processado desde a data em que teve conhecimento que o anterior mandatário do Recorrente tinha a sua inscrição na Ordem dos Advogados suspensa Caso assim não entenda, deve o recurso ser julgado procedente por provado, assim se fazendo justiça.»
A recorrida e cabeça-de-casal respondeu, com as seguintes conclusões:
«1.ª O Recorrente peticiona, por um lado, a Reforma e, por outro lado, o recurso do despacho proferido pelo Tribunal a quo, no decurso da conferência de interessados, realizada no pretérito dia … de junho de 2024, o qual fixou a relação de bens, bem como os quinhões de cada Interessado, com fundamento em nulidade, prevista nos termos do artigo 271.° CPC.
2.ª Sucede que a dita Reforma, e nos termos do disposto no artigo 616.° do CPC, só é admissível quanto a custas e a multas e quando, não cabendo recurso, existir manifesto lapso do juiz quanto a erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos e quando constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem decisão necessariamente diversa daquela que foi proferida.
3.ª Logo, e considerando a motivação invocada pelo Recorrente nas suas conclusões, não é admissível a Reforma do douto despacho nos termos peticionados, porquanto a nulidade da decisão não encontra previsão legal no preceito acima mencionado.
4.ª No que concerne ao recurso propriamente dito, entende o Recorrente que o Tribunal a quo, ao não ter determinado a suspensão do processo, aquando do conhecimento do falecimento do seu mandatário, violou o disposto no artigo 271.º do CPC.
5.ª O Interessado, aqui Recorrente, interveio pela primeira vez no processo aos … de março de 2021, por intermédio do seu mandatário, tendo requerido prazo para proceder à junção de documentos, porquanto considerava que não existiam bens comuns a partilhar.
6.ª Aos … de abril de 2021, foi deferido o prazo de 15 dias, por intermédio do despacho identificado com a referência número …53, e o mandatário do aqui Recorrente foi notificado dessa mesma decisão aos … de abril de 2021, por intermédio da notificação identificada com a referência número …30.
7.ª Não obstante ultrapassado o prazo, sem que o ora Recorrente tivesse dado cumprimento ao determinado, o Tribunal a quo profere novo despacho, identificado com a referência número …32, em que determina que se insista junto do cabeça-de-casal pela junção dos documentos protestados juntar.
8.ª Tal despacho foi notificado ao aqui Recorrente aos … de junho de 2021, pela notificação identificada com o número …22, e, mais uma vez, o Recorrente remeteu-se, pura e simplesmente, ao silêncio e à inércia quando era, de facto, o principal interessado em atuar em conformidade com o requerido.
9.ª Aos … de maio de 2022, a Interessada, ora Recorrida, requereu a remoção do cabeça-de-casal em virtude do não cumprimento das obrigações a que se encontrava adstrito no exercício do dito cargo e, pessoalmente notificado o Recorrente aos … de junho de 2022, mais uma vez, remeteu-se ao silêncio.
10.ª Entretanto, aos … de agosto de 2022, o aqui Recorrente é, de novo, pessoalmente notificado (e por intermédio da notificação identificada com o número …22), para se pronunciar sobre o aludido requerimento e nesta notificação é o mesmo alertado para o facto de o seu mandatário ter a atividade suspensa na Ordem dos Advogados.
11.ª Efetivamente, não assiste qualquer razão aos fundamentos invocados pelo Recorrente, porquanto a falta de mandatário, num momento em que já estavam ultrapassados todos os prazos concedidos ao Recorrente para juntar a prova que corroborasse a sua alegação quanto à inexistência de bens comuns a partilhar, já não tem, nem pode ter, por consequência a suspensão da instância.
12.ª No estado em que se encontravam os autos, não estava a ser discutida qualquer questão, nem factual nem jurídica, visto não ter sido reclamado ou contestado, por qualquer forma, o valor peticionado.
13.ª O Recorrente foi sempre notificado, como o próprio admitiu na audiência prévia realizada aos … de novembro de 2023, através do minuto 04:10 do respetivo ficheiro áudio.
14.ª Sendo o Processo Civil um processo das Partes, no qual vigora o princípio do dispositivo, nunca poderia o Tribunal a quo substituir-se ao Recorrente para colmatar a sua inércia.
15.ª Posto isto, dúvidas não restam de que a decisão desfavorável ao Recorrente, proferida pelo Tribunal a quo, resultou, única e exclusivamente, da sua negligência, configurando, assim, uma manifesta decorrência do princípio da autorresponsabilização das Partes, vigente no processo civil
16.ª Assim sendo, o Tribunal a quo não incorreu em qualquer nulidade ao não ter suspendido a instância, por virtude do falecimento do mandatário do Recorrente, porquanto encontravam-se ultrapassados todos os prazos concedidos para a junção de documentos e, por conseguinte, não estava em discussão qualquer questão de direito que exigisse a constituição de mandatário.
Termos em que ao ser julgada, totalmente improcedente, por total ausência de fundamento legal, confirmando-se na íntegra o despacho recorrido, aqui em crise, farão Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, a costumada JUSTIÇA!»
Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.
Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as seguintes questões:
a) O tribunal devia ter suspendido a instância quando, em …/11/2023, o apelante informou que o seu mandatário tinha falecido?
b) Não o tendo feito, o processado desde então é nulo?
c) O tribunal devia ter suspendido a instância quando tomou conhecimento de que o advogado do autor tinha a sua inscrição suspensa na OA?
d) Não o tendo feito, o processado é nulo desde então?
II. Fundamentação de facto
Os factos relevantes são os que constam do relatório.
III. Apreciação do mérito do recurso
Segundo o apelante, o tribunal a quo, ao não suspender o processo na sequência do conhecimento do falecimento do mandatário do recorrente, violou o disposto no artigo 271.º do CPC, gerando, com isso, a nulidade do processado subsequente. Nesta asserção, que consta da 12.ª conclusão do recurso, concentra-se e sintetiza-se o âmago do recurso.
Apreciando.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 269.º, n.º 1, al. b), e 271.º, n.º 1, ambos do CPC (ao qual pertencem todos os artigos a seguir indicados sem menção de outra proveniência), nos processos em que é obrigatória a constituição de advogado, a instância suspende-se quando, tendo este falecido, for feita no processo a prova desse facto, coisa que o apelante nunca fez.
Mesmo que se entendesse, sem conceder, que bastaria ao interessado a mera comunicação – relembramos que foi feita apenas em …/11/2023 – cabendo ao tribunal a obtenção da prova, devia ter sido suspensa a instância?
Conforme afirmado na citada alínea b) do n.º 1 do artigo 269.º, a instância só é suspensa por óbito de advogada nos casos em é obrigatória a sua constituição, ou seja, nos casos em que as partes apenas podem intervir no processo representadas por mandatário judicial.
Tais casos – em que é obrigatória a constituição de advogado – encontram-se elencados no artigo 40.º, n.º 1, do seguinte modo:
a) Causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário;
b) Causas em que seja sempre admissível recurso, independentemente do valor;
c) Recursos e causas propostas nos tribunais superiores.
Ainda que seja obrigatória a constituição de advogado, as próprias partes (e, por maioria de razão, advogados estagiários e solicitadores) podem fazer requerimentos em que se não levantem questões de direito (n.º 2 do artigo 40.º).
Para os processos de inventário, como é o presente caso, existe uma norma especial no artigo 1090.º, segundo a qual a constituição de advogado é obrigatória em duas situações: a) para suscitar ou discutir qualquer questão de direito; e, b) para interpor recurso.
Resulta deste artigo que, nos processo de inventário, independentemente do seu valor, não é obrigatória a constituição de advogado, salvo quando o interessado pretenda suscitar ou discutir uma questão de direito, ou interpor recurso.
Neste sentido a anotação de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, II, 2.ª ed., Almedina, 2022, p. 574: «Estabelece-se um regime específico de patrocínio judiciário que dispensa a constituição de advogado em processos de inventário, em que, independentemente do seu valor, não se suscitem as questões referidas nas als. a) e b)». Exemplificam como questões de direito para efeitos da al. a), a oposição ao inventário mediante a alegação de que não existe fundamento para a sua instauração, a impugnação da competência do cabeça de casal, a interpretação de testamento ou a forma à partilha. Quanto a outros atos, continuam, «como a reclamação contra a relação de bens ou mesmo a impugnação de créditos ou de dívidas, será obrigatório ou não o patrocínio judiciário em função de a discussão se circunscrever apenas à matéria de facto ou envolver também matéria de direito».
Regressando ao caso, e relacionando-o com o exposto, o cointeressado apenas teria de constituir advogado se quisesse pôr em causa a relação de bens com questões jurídicas, o que nunca foi tema. O que o cointeressado disse foi que a conta foi aberta antes do casamento e que o saldo constante da mesma já ali estaria aquando da celebração do matrimónio, e isto são questões de facto, que o interessado podia e devia (rectius, tinha o ónus de) ter provado, nomeadamente através da junção do documento de abertura de conta e extratos bancários.
Aliás, muito antes do alegado falecimento do seu advogado, tinha sido concedido prazo ao apelante, a seu pedido, para juntar os documentos comprovativos de que a conta bancária tinha sido aberta antes do matrimónio e de que o valor nela depositado foi por si levado para o casamento, documentos que, segundo afirmou na altura, já teria pedido à CGD. Apesar da concessão do solicitado prazo, o apelante, então cabeça de casal, nada juntou. Foi ainda notificado por despacho de …/06/2021 para juntar os ditos documentos, nada fez e nada disse. O descrito passou-se, pois, largos meses antes do invocado óbito.
Em todo o caso, mesmo admitindo que o primitivo advogado do apelante tenha falecido em …/03/2022, o apelante apenas o comunicou em …/11/2023, data em que estava ultrapassado o prazo para reclamar contra a relação de bens.
Mesmo que a ação devesse ter sido suspensa com a simples comunicação do óbito, o que não se concede, tal ocorreu em …/11/2023, e não determinaria a ineficácia, muito menos a nulidade, do anteriormente processado, nomeadamente do processado entre o óbito do advogado (…/03/2022) e a comunicação mais de ano e meio depois. Entretanto, decorreu o prazo para reclamar contra a relação de bens que, dessa forma, se consolidou.
*
Finalmente, o recorrente suscita uma outra questão, cronologicamente anterior à acima apreciada. Diz o apelante (6.ª conclusão e último parágrafo do recurso), que, em …/08/2022, o tribunal lhe comunicou que seu mandatário tinha a atividade suspensa, segundo informação da Ordem dos Advogados, «não sendo possível notificá-lo do requerimento ora junto». Nessa sequência, o ora apelante entende que o tribunal tinha o dever de ter suspendido a instância e que, não o tendo feito, o processado desde então é nulo.
O apelante não invoca qualquer fundamento ou norma para esta sua pretensão, o que se compreende, porque não existem. O apelante ficou a saber que o seu advogado não podia exercer; se queria ser representado por advogado, só a si incumbia contratar um, ou requerer apoio judiciário para tanto, caso fosse economicamente insuficiente.
Mesmo que a constituição de advogado fosse obrigatória, a não constituição de novo advogado depois de conhecer da impossibilidade de o anterior cumprir o mandato não conduziria à suspensão da instância, nem à invalidade de atos praticados no ínterim. As consequências e tal falta de constituição seriam as explicitadas no artigo 41.º do CPC.
Porquanto exposto, o recurso improcede totalmente.

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando o despacho recorrido.
Custas pelo apelante.

Lisboa, 19/12/2024
Higina Castelo
Paulo Fernandes da Silva
Pedro Martins