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CONTRATO DE CRÉDITO ANTERIOR À VIGÊNCIA DO PERSI
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
Sumário
Sumário (elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC): I – Recai sobre a instituição de crédito exequente o ónus da prova do cumprimento das obrigações que para si decorrem do DL 227/2012, de 25-10, demonstrando, designadamente, as comunicações de integração e de extinção de PERSI, que constituem condições objetiva de procedibilidade da execução, consubstanciando, a sua ausência, exceção dilatória inominada geradora da extinção da instância executiva. II – Relativamente a contrato de crédito que foi objeto de resolução anteriormente à entrada em vigor do Dl 272/2012, de 25/10 não opera a exigência de integração no processo de regularização ali previsto (PERSI) como condição de admissibilidade da ação declarativa ou executiva, porquanto do artigo 39º daquele diploma resulta que tal procedimento é exigível “relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor”. III – Tal exigência também não se verifica em caso de renovação da mesma execução, em que subsista o incumprimento inicial dos contratos de mútuo bancários que já não se encontravam em vigor no momento da sua instauração.
Texto Integral
Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:
I - RELATÓRIO
1.1– O exequente, Banco Comercial Português, SA, identificado nos autos, instaurou em 12-10-2011, a presente execução comum contra as executadas A e B, também identificadas nos autos, alegando, no essencial:
- Em 17-05-2004, no âmbito da atividade creditícia a que se dedica, celebrou com as executadas, na qualidade de fiadoras, uma escritura de mútuo com hipoteca no montante de € 80.000,00, para aquisição de habitação própria;
- Na mesma data, celebrou com as executadas, que aí intervieram também na qualidade de fiadoras, uma escritura de mútuo com hipoteca, no valor de € 10.000,00;
- As mencionadas hipotecas incidiram sobre a fração autónoma designada pela letra "Y", correspondente ao 6º andar frente, que faz parte do prédio urbano sito na Rua ..., n.º … freguesia do Laranjeiro, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o número … e inscrito na respetiva matriz sob o artigo …;
- Ficou convencionado que os empréstimos seriam amortizados em 444 prestações mensais, de capital e juros, a primeira com vencimento a 25 de maio de 2004 as seguintes com vencimento em igual dia dos meses subsequentes”;
- As executadas deixaramde pagar as prestações devidas a 25-08-2008 e 25-01-2011 respetivamente, para cada um dos mútuos em causa;
- O valor em dívida, à data da instauração da execução, era de € 93.685,57, acrescidos de juros de mora vencidos desde 14 de julho de 2011 e imposto de selo;
1.2 – A execução prosseguiu os seus termos, tendo sido lavrado auto de penhora, em 03-07-2012, relativo à fração supra identificada.
Por despacho de 18-06-2013, foi determinada a venda do imóvel por propostas em carta fechada e, ulteriormente, em 10-09-2013, por não ter sido apresentada qualquer proposta, foi determinada a venda por negociação particular.
Foi aceite a proposta de aquisição apresentada pelo exequente, pelo preço de € 46.800,00, tendo sido lavrado, em 18-06-2014, auto de tomada de posse da adquirente.
Em 14-01-2016, a agente de execução proferiu a seguinte decisão:
“Extingue-se a presente execução tendo em consideração que: Preceitua o art. 750.º, n.º 2 e 3, do Código de Processo Civil, que se nem o exequente nem o executado indicarem bens penhoráveis, extingue-se sem mais a execução. Uma vez que se encontram preenchidos os pressupostos legais para aplicação do respetivo normativo, declara-se extinta a presente execução.”
1.3 - Em 18-05-2022, o exequente requereu à agente de execução a renovação da instância para “(…) penhora do imóvel das executadas B e A, com a descrição na CRP de Amora sob o n.º 4681, com a matriz urbana 2282, sito na Rua Almeida Garrett, n.º 22”.
Deferindo o requerido, em 14-02-2023 foi declarada renovada a instância executiva a impulso da exequente e os autos prosseguiram com a penhora da fração autónoma supra identificada.
1.4 - Em 08-07-2024, as executadas apresentaram requerimento no qual invocaram o incumprimento do regime de Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), definido pelo Dl 227/2012, de 25-10, solicitando, em consequência, a respetiva absolvição da instância executiva.
Tal requerimento mereceu a oposição do exequente que considerou não ter aplicação o regime de PERSI dado que o respetivo regime não se encontrava em vigor quando operou a resolução do contrato.
2 - Em 08-08-2024 foi proferido despacho que julgou improcedente a exceção de falta de integração em PERSI
3. Não se conformando com tal decisão, a executada A, da mesma interpôs recurso, autuado neste Tribunal da Relação de Lisboa em 5-12-2024, pugnando pela sua revogação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“I- Não decorre do regime legal do Decreto-Lei nº 227/2012 que para a sua aplicação só se deva ter em conta a data do incumprimento. II- Muito pelo contrário, do referido regime resulta claro que o que efetivamente conta para a sua aplicação é a data em que se pretende acionar o devedor pelo incumprimento. III- É certo que, na data da instauração da execução, não vigorava o regime PERSI, pelo que questão, portanto, é a de saber se tal regime é, ou não, de aplicar na altura da renovação da instância de uma execução extinta. IV- Entende o Tribunal a quo que o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 21-01-2021, Proc. 2711/15.7T8GMR-C.G1, Relator Desembargadora Lígia Venade, invocado pela executada, não é aplicável ao caso dos autos, argumentando que versa uma realidade diferente, porquanto alude a uma situação em que, na execução a aplicação do regime PERSI. V- Com o devido respeito, não se subscreve tal entendimento. Com efeito, a decisão ali tomada não faz depender a solução defendida de, na data da entrada em juízo da primitiva execução, ter sido dado ou não cumprimento ao regime PERSI ou de, em tal data, ser ou não obrigatória a aplicação de tal regime. VI- O que o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães defende é a ideia de que, na fase de renovação da instância executiva é imperativo dar cumprimento ao regime PERSI. VII- O que faz todo o sentido, tendo em atenção os objetivos de proteção do consumidor que o dito regime visa promover. VIII- Ora, renovar na plena vigência do Decreto-Lei nº 227/2012, - a instância de uma execução que já se encontrava extinta por ano a fio, não é muito diferente de intentar, ex novo, uma ação executiva (a possibilidade de renovação, aliás, só se compreende uma lógica de mera economia processual). IX- Neste contexto, a seguir-se entendimento do Tribunal quo, seria defender a ideia de que um incumprimento verificado antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 227/2012, poderia agora dar origem a “primeira” execução (decorridos mais de 12 anos) sem que fosse de aplicar o citado regime legal. Impensável X- Deve, pois, revogar-se o Douto Despacho sub judice, substituindo-o por outro que considere procedente a invocada exceção dilatória inominada, que é de conhecimento oficioso, absolvendo as executadas da instância executiva.”
4. A exequente apresentou contra-alegações, que se transcrevem:
“A. Vem o recurso interposto da decisão do Tribunal de 1.ª instância que julgou totalmente improcedente a Arguição de Nulidade das Recorrentes, que a ora Recorrida estava obrigada a cumprir o regime decorrente do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, que veio instituir o Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), por não ser aplicável e nessa conformidade determinou o prosseguimento da execução, cujo mérito se entende não merecer qualquer reparo, quer pela subsunção jurídica, quer pela valoração da prova produzida. B. O entende que na situação sub judice que se deverá prosseguir os ulteriores termos uma vez que, a presente execução entrou em juízo no dia 12/10/2011, e o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2013. C. E que assim não se encontrava a Exequente, ora Recorrida, vinculada a incluir a mutuária inadimplente, nem as fiadoras no PERSI/PARI, uma vez que o vencimento integral da dívida data de 25/08/2008 a 25/01/2011, muito antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro. D. Já quanto à renovação da execução, a mesma é irrelevante em relação à aplicação do disposto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, uma vez que, para a aplicação do regime do mesmo só há que ter em conta a data do incumprimento. E. Não concordando com o douto despacho proferido nos autos, vieram as Recorrentes interpor recurso da mesma, uma vez que no seu entendimento, o Tribunal, deveria ter declarado procedente a invocada exceção dilatória inominada, por falta de integração das Recorrentes, no Regime do DL Nº 227/2012, que é de conhecimento oficioso, absolvendo as Recorrentes da instância. F. Uma vez que, não decorre do regime legal do Decreto-Lei nº 227/2012 que para a sua aplicação só se deva ter em conta a data do incumprimento. G. Mas sim, que do referido regime resulta claro que o que efetivamente conta para a sua aplicação é a data em que se pretende acionar o devedor pelo incumprimento. H. Concluindo assim, que a Recorrida não cumpriu integração das Recorrentes, o Regime do DL Nº 227/2012 (PARI/PERSI). I. Em 17 de Maio de 2004, no exercício da sua atividade comercial, o Banco Comercial Português S. A., celebrou com as Recorrentes Elsa Maria Nogueira de Ceita, A e B, estas últimas na qualidade de fiadoras, uma escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca no montante de € 80.000,00 (oitenta mil euros) para aquisição de habitação própria permanente. J. Apesar de interpeladas para os respetivos pagamentos, as Recorrentes deixaram de pagar as prestações devidas ao Banco Mutuante, entre 25/08/2008 a 25/01/2011. K. O que fez, com que a Recorrida tivesse de lançar mão da Ação Executiva que deu entrada em Juízo no dia 12/10/2011. L. Com efeito, não se encontrava a Recorrida vinculada a incluir a mutuária inadimplente, nem as fiadoras no PERSI, uma vez que o vencimento integral da dívida data de 25/08/2008 a 25/01/2011, muito antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro. M. No que concerne à aplicabilidade da lei no tempo, dispõe o n.º 1 do artigo 39.º do DL n.º 227/2012 os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há [sublinhado nosso] N. Ora, do enunciado cronológico acima explanado, resulta que, ainda em 2011, o Banco deu entrada da ação executiva, e só o fez porque já se encontrava o contrato extinto, por resolução motivada pelo incumprimento. O. Neste sentido segue o Tribunal da Relação de Évora quando defende que: “A aplicação do regime de regularização de situações de incumprimento (PERSI) implementado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, aos casos de mora iniciados antes da entrada em vigor deste diploma, tem como pressuposto, além da manutenção da mora no incumprimento das obrigações contratuais, que o contrato permaneça em vigor, o que não ocorre se àquela data o contrato já tiver sido objeto de resolução com fundamento no incumprimento. II. Assim, verificando-se que o contrato de crédito já havia sido resolvido antes da entrada em vigor do referido diploma, não tinha a instituição bancária que integrar o consumidor cliente bancário em PERSI, nem informar o fiador dessa possibilidade, antes de instaurar a execução” (Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 02/24/2022, proferido no âmbito do processo n.º 949/14.3TBSSB-E.E1, disponível em www.dgsi.pt) P. Deste modo, destinando-se o PERSI apenas aos clientes bancários que à data da entrada em vigor do diploma se encontravam em mora, não tem aplicação o regime previsto no n.º 1 artigo 39.º do DL n.º 227/2012 ao caso em apreço. Q. Consequentemente, não tinha o Banco a obrigação de acionar o mecanismo PERSI, nem tão pouco o podia/conseguia fazer, dada a sua inexistência em 2011!”
5. Foi admitido o recurso como apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.
6. Remetidos os autos a este tribunal, inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir.
II – QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC.
Consequentemente, nos presentes autos, inexistindo questões de conhecimento oficioso a apreciar, a questão a decidir radica na aplicação do regime criado pelo DL 227/2012, de 25 de outubro (PERSI), em caso de renovação de execução que havia sido extinta por falta de indicação de bens penhoráveis, nos termos do disposto no artigo 750º, nº 2, CPC.
III – FUNDAMENTAÇÃO
A - Factos provados
Os factos a ponderar na presente decisão, que se extraem da tramitação processual, sãos os seguintes:
- Em 12-10-2011, o exequente, Banco Comercial Português, SA, instaurou a presente execução comum contra as executadas A e B, com que alegou ter celebrado, em 17-05-2004, duas escrituras de mútuo com hipoteca nos montantes de, respetivamente, € 80.000,00 e € 10.000,00, para aquisição de habitação própria;
- Em ambos os contratos de mútuo as executadas tiveram intervenção como fiadoras;
- As mencionadas hipotecas incidiram sobre a fração autónoma designada pela letra "Y", correspondente ao 6º andar frente, que faz parte do prédio urbano sito na Rua ..., n.º …, freguesia do Laranjeiro, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o número …. e inscrito na respetiva matriz sob o artigo …;
- Ficou convencionado que os empréstimos seriam amortizados em 444 prestações mensais, de capital e juros, a primeira com vencimento a 25 de maio de 2004 as seguintes com vencimento em igual dia dos meses subsequentes”;
- As executadas deixaram de pagar as prestações devidas a 25-08-2008 e 25-01-2011 respetivamente, para cada um dos mútuos em causa;
- No requerimento executivo foi indicado como valor em dívida o de € 93.685,57, acrescidos de juros de mora vencidos desde 14 de julho de 2011 e imposto de selo;
- Penhorada a fração hipotecada em 03-07-2012, veio a ser ulteriormente adquirida pela exequente pelo preço de € 46.800,00;
- Em 14-01-2016, a agente de execução proferiu despacho de extinção da execução, por não terem sido indicados bens penhoráveis pelo exequente e pelos executados – cfr. artigo 750.º, n.º 2 e 3, CPC.
- Por requerimento do exequente de 18-05-2022, foi renovada a instância executiva.
B - Fundamentação de Direito
A controvérsia radica em saber se previamente ao requerimento de renovação da instância executiva, o exequente deveria ter cumprido o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), nos moldes previstos no DL 227/2012, de 25-10 e, na afirmativa, quais as consequências a extrair do incumprimento de tal regime.
A esta questão o tribunal recorrida deu uma resposta negativa, tendo por base os seguintes fundamentos, que se reproduzem, suprimindo as notas de rodapé:
“(…) Cumpre decidir. Há a considerar os seguintes factos: 1 – Em 17 de Maio de 2004, no exercício da sua atividade creditícia, o Banco Comercial Português S. A., celebrou com as Executadas C NIF …e A e B, com os NIFS … e …., estas ultimas na qualidade de fiadoras, uma escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, no montante de € 80.000,00 (oitenta mil euros), para aquisição de habitação própria permanente; 2 – Em 17 de Maio de 2004, no exercício da sua atividade creditícia, o Banco Comercial Português S.A., celebrou com as Executadas C NIF …e A e B, com os NIFS …., estas ultimas na qualidade de fiadoras, uma escritura de mútuo com hipoteca, no montante de € 10.000,00 (dez mil euros). 3 – Os contratos de mútuo supra identificados encontram-se garantidos por hipotecas constituídas sobre a fração autónoma designada pela letra "Y", correspondente ao 6º andar frente, que faz parte do prédio urbano sito na Rua ..., n.º…, freguesia do Laranjeiro, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o número … e inscrito na respetiva matriz sob o artigo …; 4 – As hipotecas acima mencionadas, encontram-se registadas através das inscrições Ap. ….; 5 – Ficou convencionado que os empréstimos supra identificados seriam amortizados em 444 prestações mensais, de capital e juros, a primeira com vencimento a 25 de maio de 2004 as seguintes com vencimento em igual dia dos meses subsequentes; 6 – Apesar de instadas para os respetivos pagamentos, As Executadas deixaram de pagar as prestações devidas ao Banco Mutuante, a 25.08.2008 e 25.01.2011 respetivamente; 7 – A execução deu entrada em juízo no dia 12.10.2011. O Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de outubro, veio instituir o Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras. De referir que está vertido no preâmbulo do diploma que «a concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a atuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afeta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma atuação prudente, correta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na aceção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei nº 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de abril». Ademais, no referido preâmbulo pode ler-se que se institui um «Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor». Ora o regime em discussão entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2013, face ao consignado no art. 40º do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de outubro, sendo que o artigo 1º desse mesmo diploma estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito, destacando-se, a este propósito, «a regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no nº 1 do artigo seguinte». Em acréscimo, o artigo 2º, nº 1, alínea b), integra os contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel na esfera de previsão do PERSI. Esta opção visa, entre outros aspetos, (i) restringir dentro dos clientes bancários aqueles que poderiam beneficiar do PARI/PERSI e em (ii) afastar do âmbito de aplicação do diploma aqueles que, apesar de estabelecerem relações com uma instituição de crédito, não se colocaram, nessa relação, na posição de credor de uma específica prestação. Acresce ainda que o citado Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de outubro, no artigo 18º, sob a epígrafe garantias do cliente bancário, dispõe que: «1 – No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento; b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito; c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual. 2 – Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode: a) Fazer uso de procedimentos cautelares adequados a assegurar a efetividade do seu direito de crédito; b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito. 3 – Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual. 4 ‐ Antes de decorrido o prazo de 15 dias a contar da comunicação da extinção do PERSI, a instituição de crédito está impedida de praticar os atos previstos nos números anteriores, no caso de contratos previstos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, e em que a extinção do referido procedimento tenha por fundamento a alínea c) do nº 1 ou as alíneas c), f) e g) do nº 2 todas do artigo anterior». Dito de outra forma: a falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito, pelo que, sendo a integração de cliente bancário no PERSI, obrigatória (quando verificados os seus pressupostos), a ação judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI [cfr. citado art. 18º, nº1, al. b) do Decreto-Lei nº 227/2012], sendo certo que a dita falta de integração no PERSI, pela instituição de crédito, constitui violação de normas de carácter imperativo, que configuram, também, exceções dilatórias atípicas ou inominadas, por falta de pressuposto (antecedente) da instauração da ação. Como já foi sublinhado em arestos jurisprudenciais no concernente a este concreto particular, «As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail) – arts. 14º, nº 4 e 17º, nº 3 do DL 227/2012, de 25/10, e não se podem provar com recurso a prova testemunhal (arts. 364º, nº 2 e 393º, nº 1, ambos do CC) exceto se houver um início de prova por escrito (que não seja a própria alegada comunicação).» 1 Na mesma linha de entendimento, já foi sublinhado que «As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14º, nº 4 e 17º, nº 3, do DL 227/2012, de 25/10.» Acresce que é critério legal, acautelado no art. 607º, nº 5 do NCPC, que também é vedado ao juiz declarar provados determinados factos para os quais a lei exija determinada formalidade especial ou por documentos sem que essa exigência legal se mostre satisfeita. É certo que decorre do figurino legal que o mesmo é apenas diretamente aplicável às instituições de crédito. O que está subjacente ao montante peticionado na execução é o incumprimento de um contrato de mútuo com hipoteca. O PERSI visa “promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários”, sendo que no âmbito do PERSI “as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor” (v. Preâmbulo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro). De acordo com o artigo 2.º, n.º 1, deste referido diploma legal, “O disposto neste diploma aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários: a) Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria; b) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel; c) Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto- Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo; d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 101/2000, de 2 de junho, e 82/2006, de 3 de maio, com exceção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato; e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.”. Nos termos do artigo 3.º do mesmo diploma, “Para efeitos do presente diploma, entende-se por: a) «Cliente bancário» o consumidor, na acepção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito;”. E de acordo com o artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor (LDC), “1 - Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios”. O Banco de Portugal no Aviso n.º 17/2012, de 17/12 transmite o entendimento de que o fiador pode e deve ser integrado no PERSI desde que o afiançado também tenha condições para ser integrado podendo até, ser possível que o PERSI do fiador se desenvolva em simultâneo com o PERSI do mutuário, mas exclui que o regime relativo aos fiadores, seja igualmente aplicável aos avalistas, atendendo a que o Regime Geral não prevê a integração no PERSI dos avalistas de títulos de crédito com função de garantia de contratos de crédito que se encontrem em situação de incumprimento. O PERSI não é indiferenciadamente aplicável aos contratos de crédito em risco de incumprimento ou em incumprimento, sendo apenas aplicável aos contratos aludidos no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro desde que celebrados com clientes enquadráveis no conceito legal de consumidor para efeitos da lei do consumo (v. Ac. do STJ de 09/02/2017, no processo n.º 194/13.5TBCMN- A.G1.S1). Conforme se salienta no Ac. do TRL de 12/10/2017 no processo 6776- 15.3T8ALM.L1-8 “O conceito de consumidor foi consagrado na lei 67/2003 adotou o seu sentido estrito uma vez que surge definido como aquele que adquire um bem ou serviço para uso privado (utilização doméstica, familiar ou pessoal) e bem assim, a sua determinação é feita exclusivamente com base no destino dado aos bens ou serviços adquiridos (…) Consumidor será assim para efeitos da referida lei qualquer pessoa singular que não destine o bem ou serviço adquirido a um uso profissional ou um profissional (pessoa singular), desde que não atuando no âmbito da sua atividade e desde que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar. Assim, quando o mutuário é uma pessoa coletiva o contrato de mútuo está excluído do âmbito de aplicação do DL 227/2012 face ao disposto no n.º 1 do artigo 2.º conjugadamente com a al. a) do artigo 3.º e artigo 2.º, n.º 1, do DL 67/2003. A jurisprudência maioritária (…) tem chegado à conclusão que o regime do PERSI previsto no DL n.º 227/2012, de 25.10, só se aplica a situações de incumprimento dos contratos de crédito referidos no seu artigo 2.º, n.º 1, destinando- se apenas aos clientes bancários, enquanto consumidores na acepção da LDC (Esta lei adotou um sentido restrito de consumidor, entendendo-se este como qualquer pessoa singular que atue com objetivos não respeitantes à sua atividade comercial ou profissional, ou seja que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar) e aos fiadores destes que o requeiram, informados que sejam dessa possibilidade, mas o regime aplicável aos fiadores não abrange os avalistas de títulos de crédito com função de garantia de contratos de crédito que se encontrem em situação de incumprimento (…) Temos pois a considerar, para apreciação desta exceção, o seguinte: As Executadas deixaram de pagar as prestações devidas ao Banco Mutuante, a 25.08.2008 e 25.01.2011 respetivamente relativamente a cada um dos contratos e a execução deu entrada em juízo no dia 12.10.2011. Nos termos do contrato de mútuo, o incumprimento das obrigações contratuais, designadamente a falta de pagamento das prestações devidas, confere ao Exequente a faculdade de considerar automaticamente vencida toda a dívida, podendo desde logo proceder à execução judicial, sendo que o Exequente considerou os contratos de mútuo com hipoteca e fiança, vencidos por incumprimento definitivo e instaurou a execução, tendo as executadas sido citadas. Com efeito, a presente execução entrou em juízo no dia 12.10.2011, e o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2013, e assim não se encontrava o Exequente vinculado a incluir a mutuária inadimplente, nem as fiadoras no PERSI, uma vez que o vencimento integral da dívida data de a 25.08.2008 e 25.01.2011 respetivamente, muito antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro. Quanto à renovação da execução, a mesma é irrelevante em relação à aplicação do disposto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, uma vez que, para a aplicação do regime do mesmo só há que ter em conta a data do incumprimento. Face ao que ficou dito, concluímos que não procedem os argumentos das Executadas. Improcede, pois, a alegada exceção de falta de condição objetiva procedimental (integração no PERSI), inexistindo quaisquer nulidades, sendo o requerimento ora apresentado manifestamente dilatório e com a única finalidade de entorpecer o andamento dos autos. Por tudo o exposto, se indefere na totalidade ao incidente suscitado e se determina o prosseguimento da execução. Custas do incidente – anómalo, por requerer um efeito contrário à lei – pelas Executadas requerentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artº 7º e Tabela II do RCP). Notifique e informe o Agente de Execução, com cópia.”
Nos presentes autos não se mostra controvertido que o crédito invocado pela exequente, emergente de dois contratos de mútuo, se reconduz ao âmbito de aplicação do referido regime, definido no artigo 2º do referido diploma.
Acresce que, inequivocamente, as executadas, que intervieram como fiadoras nos contratos de crédito em causa, são consumidoras na aceção dada pelo nº 1 do artigo 2º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei nº 24/96, de 31 de julho e, consequentemente, “clientes bancárias” nos termos definidos no artigo 3º, alínea a) do Dl 227/2012, de 25 de outubro.
Como se refere na decisão recorrida, o regime estabelecido pelo DL 227/2012, de 25 de outubro, estabeleceu princípios e procedimentos a observar pelas instituições de crédito na prevenção e regularização de situações de incumprimento de contratos de créditos pelos clientes bancários, procurando, como se refere no preâmbulo do diploma “(…) reforçar a importância de uma atuação prudente, correta e transparente (…) em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes, enquanto consumidores”. Foi criado num contexto de generalizada crise económica e financeira, em que se verificava um aumento exponencial de incumprimento dos contratos de crédito, pretendendo estabelecer medidas preventivas do incumprimento e promover a regularização de situações de incumprimento, numa ótica de proteção dos consumidores incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito - cfr. artigos 2º, alíneas c) e d), 3º alíneas a), c) e f), do Dl 227/2012, de 25/10.
Tal diploma consagra fundamentalmente dois procedimentos, um dos quais, relativo à “Gestão do risco de incumprimento”, que se desenvolve em momento prévio ao do incumprimento do mutuário, (artigos 9º a 11º), e outro relativo ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), previsto nos artigos 12º a 21º, aplicável a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de crédito bancário.
Discutindo-se nos autos o incumprimento do PERSI, salienta-se que comporta uma fase inicial, seguida da fase de avaliação/proposta/negociação e, por fim, a da extinção – cfr. artigos 14º, 15º, 16 e 17º do DL 227/2012, de 25 de outubro. Certo é que obriga as instituições bancárias a promoverem as diligências necessárias à implementação do PERSI relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito. – cfr. artigo 12º.
Por outro lado, e como decorre do artigo 18º, nº 1, alínea b) do citado diploma: “No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: (…) b) intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito”.
O PERSI constitui, assim, uma fase pré judicial destinada à composição do litígio, impondo ao credor (instituição bancária/financeira), em razão da maior vulnerabilidade do consumidor, especiais deveres de informação, esclarecimento e proteção.
Como se sumariou no acórdão STJ de 14-11-2024[1]: “(…) III. Verificando-se os pressupostos do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), é obrigatória a integração do cliente bancário nesse regime, caso em que a ação/execução judicial destinada a satisfazer o crédito só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção desse procedimento. IV. A omissão da informação ou a falta de integração do devedor no PERSI, pela instituição de crédito, constitui violação de normas de carácter imperativo, que configura, também, exceção dilatória atípica ou inominada, conducente à absolvição do executado da instância executiva (…)”.
Consequentemente, a comunicação da integração do cliente no PERSI e a sua extinção constituem condição da admissibilidade da ação declarativa ou executiva, gerando a sua falta uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância – cfr. artigo 576º, nº 2, CPC.
Porém, por forma a decidir se, in casu, a exequente estava ou não obrigada a dar cumprimento ao regime em análise, haverá que ter presente que o incumprimento dos contratos de mútuo invocados pelo exequente ocorreu em data anterior à instauração da execução, em 12-10-2011. Mais concretamente, conforme alegado no requerimento executivo, as executadas cessaram os pagamentos das prestações decorrentes dos mútuos em causa em 25-08-2008 e 25-01-2011.
Ora, decorre do artigo 40º do Dl 227/2012 que aquele diploma entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2013. Já o artigo 39º, nº 1, que regula a sua aplicação no tempo, estabelece que: “São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data da entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias”.
Refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2019[2]: “A exigência de integração dos clientes bancários, em situação de mora há mais de um ano, à data da entrada em vigor do DL n.º 227/2012, de 25-10, no regime de regularização (PERSI) ali estabelecido, depende, nos termos do respetivo art. 39.º, da vigência dos contratos de crédito – o que não ocorre se estes entretanto já tiverem sido objeto de resolução com fundamento no incumprimento.”
No mesmo sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Évora, em Acórdão de 11-01-2024[3] : “I. Pressuposto da aplicabilidade do regime do PERSI é a subsistência do contrato de crédito à data da entrada em vigor do D.L. nº 272/2012, de 25 de outubro. II. Só a prova da existência da cessação do contrato em momento anterior à entrada em vigor do regime do PERSI e por consequência da sua extinção antes de 1.1.2013, poderia eximir o exequente de cumprir os procedimentos legais previstos no art.13º e 15º do citado diploma. III. Tal prova não é feita se a missiva enviada pelo exequente apenas revela, para um declaratário normal postado na posição dos ora executados, a intenção do credor de proceder à cobrança coerciva do montante em dívida mas não de fazer cessar o contrato de mútuo.”
O certo é que à data da apresentação do requerimento executivo, os contratos de mútuo em causa encontravam-se definitivamente incumpridos, tendo o exequente nomeado à penhora a fração hipotecada (cuja aquisição constituía o objetivo dos financiamentos afiançados pelas executadas).
Mostra-se, pois, consensual que, à data da interposição da execução, a exequente não estava vinculada ao cumprimento do regime do PERSI, porquanto operou a resolução do contrato de crédito celebrado com as executadas em data anterior à entrada em vigor do diploma que o instituiu.
Ora, tal raciocínio que é válido para o momento da instauração da execução, permanece válido para o momento da renovação da instância executiva. E assim é porquanto os contratos de mútuo, que, repete-se, não subsistiam à data da instauração da execução, não sofreram qualquer vicissitude desde então, mantendo-se extintos por resolução contratual, sendo esse o status quo existente à data da renovação da instância executiva. Tal renovação visou o cumprimento de responsabilidades subsistentes para as fiadoras desde a instauração da execução, que apenas se extinguiu por não terem sido indicados bens à penhora, com vista à sua prossecução e à liquidação integral da quantia exequenda.
Trata-se de situação diversa da apreciada no Acórdão da Relação de Guimarães de 21-01-2021[4], citado pelas recorrentes, em que, tendo sido paga a quantia exequenda e demais encargos do processo, foi extinta a execução ao abrigo do disposto no artigo 849º, CPC. Porém, naquele processo, o credor reclamante requereu a renovação da execução ao abrigo do disposto no artigo 850º, CPC. Tal crédito reclamado emergia de uma escritura pública de mútuo garantido por hipoteca e fiança cujo incumprimento ocorreu em 25-11-2015, ou seja, em plena vigência do Dl 272/2012, de 25-12 que estabeleceu o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI). Foi em tal contexto que o Tribunal da Relação de Guimarães concluiu pela aplicabilidade do regime de PERSI a execução renovada a impulso do credor reclamante, ali se referindo expressamente estarem em causa “(…) obrigações decorrentes de contratos de crédito vigentes à data da entrada em vigor do diploma, pelo que perante a situação de mora do mutuário teria este de ser automaticamente integrado no PERSI, ficando sujeito à disciplina regulamentadora do mesmo diploma, sendo à instituição bancária vedado o recurso às vias judiciais para obtenção da satisfação dos seus créditos antes de extinto o aludido procedimento pré-judicial”.
Outra situação diversa da que se discute nos presentes autos é a do cliente bancário que, tendo beneficiado anteriormente de PERSI, relativamente a contrato de mútuo que se manteve em vigor e cujo cumprimento retomou e regularizou, voltou a entrar em mora.
Nessa hipótese, que configura um novo incumprimento, constitui obrigação da instituição de crédito desencadear novo procedimento de PERSI. Efetivamente, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-02-2023[5]: “(…) quer a letra da lei, quer o espírito que preside ao DL nº 272/2012, não dão sustento à interpretação que limita a um único PERSI o incumprimento pelo mutuário num contrato de mútuo em que se convencionou o reembolso do capital e juros em prestações mensais, em contratos em que o mutuário fica vinculado a reembolsar o empréstimo por períodos largos de tempo, que podem atingir as dezenas de anos, como sucede nos casos de empréstimos para a habitação. É que, as circunstâncias subjacentes a cada umas daquelas faltas de pagamento podem ser diferentes, como diferentes podem ser as medidas que no âmbito do PERSI possam contribuir para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos embargantes. A diversidade de situações justifica o desencadear de diferentes procedimentos. No mesmo sentido se tinha pronunciado o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 9-12-2021[6].
No caso presente, à data da instauração da execução a exequente não estava obrigada a desencadear procedimento de PERSI, porque o diploma que instituiu tal regime legal não estava em vigor.
Por outro lado, à data da renovação da execução, subsistia o incumprimento inicial que esteve subjacente à sua instauração, além de que os contratos de mútuo em questão não se encontravam em vigor, pelo que não era legalmente exigível à exequente desencadear procedimento de PERSI.
Não pode, pois, afirmar-se que em caso de renovação da execução é sempre exigível o cumprimento do regime de PERSI, impondo-se, ao invés, a averiguação sobre se naquele momento os clientes bancários se encontram em mora “relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor”, como se refere no artigo 39º, do Dl 227/2012, de 25-10. A resposta negativa a tal questão, determinará que se conclua pela inexigibilidade legal a cargo da instituição de crédito de desencadear procedimento de PERSI como condição prévia de ação judicial em que visa obter a satisfação do seu crédito.
Em face do exposto, conclui-se pela manutenção da decisão recorrida e pela improcedência do recurso.
Mantendo-se a decisão recorrida, as custas serão suportadas pela executada/recorrente A, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe venha a ser concedido (e já requerido, como comprovou) – cfr. artigo 527º, CPC.
* III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 2ª secção cível em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelas executadas, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela executada/recorrente A, sem prejuízo da concessão do benefício de apoio judiciário que já requereu – cfr. artigo 527º, CPC.
Lisboa, 19 de dezembro de 2024
Rute Sobral
Arlindo José Colaço Crua
Laurinda Gemas
_______________________________________________________ [1] Proferido no processo nº 415/14.3TBMTA-C.L2.S1, disponível em www.dgsi.pt [2] Proferido no processo nº 144/13.9TCFUN-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt [3] Proferido no processo nº 2644/22.0T8ENT.E1, disponível em www.dgsi.pt
[4] Proferida no processo nº 2711/15.7T8GMR-C.G1, disponível em www.dgsi.pt
[5] Proferido no processo nº 1141/21.6T8LLE-B.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt [6] Proferido no processo nº 4734/18.5T8MAI-A.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt