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PROVA PERICIAL
RECLAMAÇÃO
SEGUNDA PERÍCIA
Sumário
Sumário (da responsabilidade do relator): I. O pedido de esclarecimentos a uma perícia deve ser apresentado sob forma de reclamação, devidamente fundamentada, devendo a mesma apontar as deficiências, obscuridades ou contradições que se entendam verificadas, requisito que não se satisfaz com a mera apresentação de um conjunto de dúvidas, de cariz genérico, meramente destinadas a pôr em causa o valor de um relatório pericial; II. Também o pedido de realização de segunda perícia deve ser devidamente fundamentado, neste caso com a alegação fundada de razões de discordância face ao relatório pericial que tiver sido apresentado; III. Em qualquer destas vias processuais, o seu deferimento carece de uma avaliação judicial assente no poder-dever de gestão processual que impende sobre o juiz, devendo incluir uma apreciação da solidez dos fundamentos apresentados, da eventual existência de intuitos dilatórios no requerido e da utilidade do ato processual para o desenvolvimento da instância e a descoberta da verdade.
Texto Integral
Decisão:
I. Caracterização do recurso I.I. Elementos objetivos:
- Apelação – 1 (uma), em separado;
- Tribunal recorrido – Juízo de Família e Menores de Cascais - Juiz 1;
- Processo em que foi proferida a decisão recorrida – Ação de impugnação da perfilhação - processo comum declarativo;
- Decisão recorrida – Não admissão de pedido de esclarecimentos a perícia e pedido de segunda perícia.
-- I.II. Elementos subjetivos:
- Recorrentes (réus):
– --e
- --;
- Recorrido (autor) - --. -- I.III. Síntese dos autos:
- Foi proposta ação por -- contra:
- --;
- --;
- --.
Pediu o autor:
a) Que se reconheça e declare que o réu --não é o pai biológico da ré menor, --;
b) Que se declare a nulidade e/ou se decrete a anulação do registo de paternidade declarada desse réu e se ordene a sua retificação ou cancelamento, bem como das menções correspondentes à avoenga paterna;
c) Se reconheça e se declare que a menor -- é filha do autor e que este é pai biológico daquela, com todos os inerentes efeitos legais.
Disse, em síntese:
- A ré -- é solteira e mãe da ré menor --, nascida a 14/2/2016;
- Os réus --e -- vivem em condições análogas às dos cônjuges;
- A terceira ré foi reconhecida como filha do primeiro réu, por este a ter perfilhado;
- Em data não apurada, próxima de setembro de 2014, o autor e a 2.ª ré iniciaram um relacionamento amoroso, que incluía prática de relações sexuais de cópula completa, com frequência semanal e sem uso de contracetivos;
- Nesse período, os 1.º e 2.ª réus continuaram a coabitar um com o outro;
- Em maio de 2015, a segunda ré informou o autor da sua gravidez, que deu lugar ao nascimento da 3.ª ré;
- Após essa data e até ao nascimento da filha, e também após o nascimento, autor e ré continuaram a encontrar-se semanalmente e a manter relações sexuais;
- Após o nascimento, começaram a evidenciar-se semelhanças físicas da bebé com o autor e para que não houvesse dúvidas quanto à paternidade, o autor solicitou à ré que realizasse um teste biológico à paternidade, no que esta assentiu;
- Realizado exame (não oficial), em 24 de junho de 2016 o resultado da análise foi conhecido dando uma probabilidade de o autor ser pai da menor de 99,9999%;
- Após essa altura, a criança passou a ser apresentada como filha do autor e, inclusivamente, pernoitou em sua casa;
- O autor preparou a casa para receber a filha, comprou um berço, fraldas e outros bens e decorou um quarto para ela;
- Tendo o autor ficado a aguardar que a ré mãe repusesse a verdade quanto à paternidade, esta não o fez e começou a recusar tratar o autor como pai.
- Citados, contestaram os réus --e --.
Invocaram ilegitimidade e falta de interesse em agir do autor e impugnaram toda a factualidade alegada, concluindo pela improcedência da ação.
- Foi nomeado curador especial à ré menor, na pessoa do avô paterno, que, citado, veio pedir escusa do cargo, o que veio a ser indeferido (despacho de 24/2/2020);
- Por requerimento apresentado por mão própria, veio o curador especial declarar aderir à contestação apresentada pelos corréus;
- Foi proferido despacho saneador julgando improcedente a invocada exceção dilatória, identificando o objeto do litígio e os temas da prova e determinando a realização de exame hematológico para determinação da paternidade;
- Na sequência de notificações feitas para realização de exames hematológicos e a faltas da ré mãe e filha, foi proferido despacho, em 16/6/2021, declarando injustificadas duas faltas e condenando a mãe em multa de 4UC pelas mesmas;
- Na sequência de requerimentos da ré mãe, veio a ser proferido novo despacho, datado de 2/7/21, considerando situação de baixa em que se encontraria à data das notificações, dando sem efeito a multa aplicada e solicitando marcação de nova diligência de exame;
- Na sequência de novo agendamento, foi proferido despacho em 2/11/21 consignando que a menor -- Soares faltou – pela terceira vez consecutiva – à deslocação ao INML para ser submetida a exame e que são os RR, os adultos os responsáveis pela menor, sendo condenados em multa de 2UC;
- Na sequência de sucessivas marcações de exame e sua não realização foi proferido despacho em 27/5/2022 determinando que se solicite ao IML a sétima marcação do exame, condenando os réus em multa e consignando expressamente que é importante que os RR tenham presente, que caso os mesmos continuem a obstaculizar a realização do exame pericial, que o Tribunal sempre poderá recorrer à inversão do ónus da prova, como resulta, aliás, da abundante jurisprudência dos Tribunais superiores.
- Na sequência das diligências subsequentes, foi proferido novo despacho, datado de 2/10/2022, designado data para julgamento e decidindo que, atenta a falta de comparência, mais uma vez registada, por parte da menor ao exame no INML, condena-se a Ré, no pagamento de 5 UC´s de multa(...). Uma vez que não é assim possível a realização do exame, impõe-se que o Tribunal retire, a seu tempo, as consequências jurídicas de tal obstaculização por parte dos RR.
- Posteriormente, em 27/1/2023, veio a ser proferido novo despacho sobre a questão em que, além do mais, foi expressamente consignado que:
- (...) , desde já se informam as partes, por uma questão de honestidade intelectual, e para que não sejam praticados actos inúteis, que a lei não os permite, (e que apenas roubarão tempo às partes e às testemunhas) que a prova da filiação biológica se faz por exame de ADN e não por prova testemunhal (mesmo que, por absurdo, alguma testemunha pudesse atestar a ocorrência ou a falta de ocorrência de relações sexuais entre duas pessoas), jamais poderia atestar a filiação de quem quer que fosse, porquanto, como é por demais consabido, nem toda a prática de relações sexuais tem como consequência o nascimento de uma criança!
Pelo que, impunha-se que os RR., que negam que a menor -- é filha do Autor, tivessem assegurado que a mesma comparecia no INML e fosse submetida ao exame.
Nunca o fizeram, não obstante as notificações para a conduzirem ao INML e as condenações em multa, parecendo temerem o resultado de tais exames, sendo que, quer por promoção da Digníssima Magistrada do Ministério Público, quer dos despachos deste Tribunal, bem como da jurisprudência sobejamente conhecida, resulta que na falta de colaboração de quem tinha de ser submetido aos exames perícias, ocorre inversão do ónus da prova. Veja-se, a mero título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Outubro de 2017, proferido no Processo n.º 737/13.4TBMDL.G1.S1...
- Iniciou-se audiência de julgamento, com produção de prova, aí sendo proferido despacho com o seguinte teor:
Atendendo a que a ré declarou que o teste de paternidade que se encontra junto aos autos, foi efetuado com base no esfregaço realizado na pessoa da--, filha do autor, determino que a -- seja submetida a teste no INML e que seja enviado o resultado do teste que se encontra nos autos àquele mesmo INML, para que este confirme se o teste que consta dos autos foi efetuado com base em amostra recolhida na pessoa de--.
Oficie com maior brevidade possível e com a informação o INML de que a jovem entre o dia 6 e 11 de Março estará em território nacional, pelo que, o exame deverá ser agendado para o período aí compreendo.
- Na sequência da conclusão dessa sessão da audiência final, veio a ser proferido novo despacho, com o seguinte teor:
Na sequência do despacho que proferimos ontem em sede de audiência de discussão e julgamento, impõe-se completar o mesmo nos seguintes termos:
Dadas as declarações da Ré, em como realizou teste de ADN à --, filha do Autor --, e não à sua filha -- e que por isso o resultado do teste de ADN constante de fls. 16 frt. e verso é o resultado do teste feito à jovem --, impõe-se determinar que-- seja submetida a teste de ADN no INML.
Deverá assim ser enviado ao INML o documento constante de fls. 16 frt. e verso, devendo o INML, informar se o ADN de-- é ou não idêntico ao que foi objecto do teste de fls. 16.
Mais deverá o INML, uma vez que recolheu o ADN do A. --, e que as amostras de material biológico do mesmo se encontram armazenadas sob o vosso n.º de processo 2021/000245/LX-G-IP, informar se, no caso de o ADN da-- não corresponder ao ADN constante do teste de fls. 16 dos nossos autos, se existe possibilidade de-- ser irmã consanguínea da pessoa cujo ADN foi submetido ao teste constante de fls. 16;
- Por ofício proveniente do INMLCF de 9 de maio de 2023 foi apresentado relatório a exame de ADN realizado a--, onde se concluiu, além do mais, que o perfil genético de-- não é coincidente com o de “pessoa cujo ADN foi submetido a teste constante de fls. 16 frt. e verso, constante no douto despacho”, pelo que se excluí a possibilidade de provirem do mesmo indivíduo;
- Na sequência de notificação, vieram os aqui recorrentes apresentar requerimento com o seguinte teor:
- Notificados do teor do relatório pericial, -- e --, RR, requerem:
A) Se notifique o INML, para que preste os esclarecimentos seguintes:
1. Qual o sentido, alcance e limites do índice de parentesco IP=141 066 e, sendo possível, qual o seu correspondente ou equivalente em termos percentuais ?
2. Se IP é de 141 066, como é que poderá ter compatibilidade com um uma probabilidade W=99,9993%?
3. Como compatibilizar, entre si, os dados seguintes: índice de parentesco IP=141 066, probabilidade de 0,5 (%???), com probabilidade de 99,9993%?
4. Que grau de credibilidade é que o INML atribuiu aos resultados do teste identificado a fls. 16, quanto aos seguintes factores:
5. Factores externos (na recolha da amostra) que podem ter provocado alterações nos resultados;
6. Rigor científico e credibilidade científica da entidade que emitiu os resultados; 7. Concretos métodos utilizados na recolha de vestígios biológicos que derem origem à amostra concretamente utilizada;
8. Concretas condições de higiene em que se efectuou a recolha da amostra de ADN da pessoa cujo ADN foi submetido a teste constante de fls. 16 e sua influência nos resultados;
9. Qualidade da amostra e possibilidade de eventuais contaminações por DNA de diferente pessoa;
10. Procedimento laboratorial utilizado pela empresa emissora na análise do ADN da pessoa cujo ADN foi submetido a teste constante de fls. 16;
11. Condições de armazenamento e manuseamento da amostra que deu origem ao resultado de fls. 16 e sua influência nos resultados.
12. Em que medida é que eventuais erros, contaminações ou falhas no processo laboratorial de entidade externa (ida a fls 16), podem por em crise o rigor científico e os resultados do perfil de ADN constante do teste constante de fls. 16, comprometendo a perícia do INML ?
B) Se notifique a entidade identificada a fls. 16, para que responda aos quesitos acima suscitados com os números: 5 a 12 supra.
Não prescindindo os RR, do prazo de contraditório, sobre qualquer papel que venha a dar entrada nos autos, Pretendendo que os seus depoimentos apenas decorram depois de juntos aos autos, os esclarecimentos que vierem a ser prestados pelo INML e pela entidade identificada a fls. 16, por entenderam que, do prosseguimento dos trabalhos em audiência (sem que as solicitadas respostas estejam nos autos), poderá resultar grave inconveniente para o legítimo exercício da defesa ...
- Na sequência deste requerimento foi proferido o despacho recorrido, cujo teor é:
- Notificadas que foram as partes do resultado da perícia do INML no dia 9 de Maio, veio o Ilustre Mandatário dos RR., em 23 de Maio pedir esclarecimentos relativamente ao relatório da perícia e veio em 31 de Maio, solicitar a realização de uma segunda perícia.
*
É importante que se tenha presente o seguinte:
- Nos presentes autos já se determinou, por 7 (sete) vezes, que a menor fosse conduzida pelos RR, ao INML para realização dos exames de ADN;
- Os RR nunca o fizeram, obstaculizando assim a realização do exame em causa na criança cuja paternidade se encontra impugnada;
- Exame esse que, como é consabido por todos os intervenientes processuais, poria fim a qualquer dúvida de quem quer que fosse relativamente à paternidade da criança, dado o grau de exactidão que os exames de ADN proporcionam – 99,999%;
- Contudo, os RR tendo essa possibilidade que lhes é conferida pela Ciência, impossibilitaram a realização de tal exame;
- Não obstante a Jurisprudência ser muito clara, no sentido de haver uma inversão do ónus da prova, quando quem tem de se sujeitar a exame da ADN, recusa a realização do mesmo, o que em muito facilita a tarefa ao Tribunal, certo é que em sede de audiência de discussão e julgamento, a progenitora da menor, afirmou que o relatório do teste de ADN que se encontrava junto aos autos com a petição inicial, dava o Autor como pai da sua filha --, porquanto tinha sido ela, a própria Ré, quem tinha realizado a recolha para o teste de ADN, não no corpo da sua filha -- (a criança dos autos), mas no corpo da filha do Autor (!), razão pela qual, o resultado sempre teria de ser aquele;
- Razão pela qual, impunha-se confirmar a veracidade das declarações da R., tendo-se assim, em sede de audiência de discussão e julgamento, proferido o seguinte despacho: “(...)”
Mais se determinou, por despacho de 3 de Fevereiro: “(...).”
O INML respondeu a ambas as questões, afirmando: - que o ADN que constava do teste junto aos autos não era o da jovem --, filha do A.; e - e que há uma probabilidade de 99, 9993% de a jovem --, filha do A., ser irmã consanguínea da pessoa cujo ADN tinha sido utilizado para fazer o teste que foi junto com a petição inicial.
Pretende agora o Ilustre Mandatário dos RR esclarecimentos relativamente a esta perícia que foi determinada oficiosamente pelo Tribunal e, pretende ainda uma segunda perícia efectuada por um Senhor Perito de um laboratório sito no Porto.
Por princípio não temos qualquer oposição, quer a que sejam prestados esclarecimentos relativamente a uma perícia, quer que haja lugar a uma segunda perícia, se qualquer um dos intervenientes processuais tem dúvidas relativamente à primeira e se tais diligências visam o cabal esclarecimento da verdade.
Contudo, impõe-se ter presente que esta perícia apenas se realizou a mando do Tribunal e porque os RR podendo e devendo esclarecer a questão objecto dos autos com a realização de teste de ADN à menor --, recusaram e impossibilitaram, por 7 vezes, que a criança fizesse o referido teste, que tudo esclareceria sem necessidade de recurso a prova cientifica indirecta, que foi o que acabou por ocorrer nos autos.
Violaram assim os RR o dever de cooperação, resultantes dos arts.º 7.º e 8.º do Código de Processo Civil, bem como do disposto no art.º 417.º do Código de Processo Civil, segundo o qual: “Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes foi perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.”
Assim sendo, o pedido de esclarecimentos que o Ilustre Mandatário dos RR. agora pretende, relativamente a um relatório que é bastante claro, bem como a realização de uma segunda perícia, quando nunca esteve disponível para assegurar que os RR, procederiam à realização da perícia que se impunha verdadeiramente realizar, em desobediência com o que lhes foi determinado pelo Tribunal, afigura-se-nos como uma diligência impertinente e com carácter meramente dilatório.
A perícia que exporia toda a verdade sem qualquer margem para erro, era a criança -- ter sido conduzida ao INML, quando tal foi determinado aos RR, para que esta fizesse o teste de ADN.
Estes inviabilizaram sempre a realização da mesma, pelo que, não está este Tribunal disponível para afectar mais meios e recursos financeiros e humanos do Estado, para pôr em causa o resultado de uma perícia, cujo resultado se nos afigura bastante claro, e quando a realização da que determinámos inicialmente, teria a virtude de esclarecer toda as dúvidas que o Ilustre Mandatário possa ter.
Pelo exposto, indefiro a prestação de esclarecimentos, bem como a realização da segunda perícia, nos termos do disposto nos artigos 6.º, n.º 1, 476.º, n.º 1 a contrario ab initio e 485.º, n.ºs 2 e 3, ambos do Código de Processo Civil.
*
(...)
Para continuação da audiência de discussão e julgamento, mantenho a data anteriormente designada, que foi fixada com o acordo dos Ilustres Mandatários.
- Desse despacho vieram os réus interpor o recurso ora sob apreço. –
-- II. Objeto do recurso: II.I. Conclusões apresentadas pela recorrente (transcrição sem atualização de grafia):
1. Perante a alvitrada inversão do ónus da prova, caberá aos RR demonstrar que a pequena -- não é filha do Autor --.
2. Perante as excepcionais dificuldades probatórias que impendem agora sobres os RR (em consequência directa e necessária da referida inversão do ónus da prova), o Tribunal não pode esvaziar, como esvaziou, o conteúdo da produção probatória, ao ponto de impedir que se defendam, através dos meios legalmente previstos.
3. Sendo o pedido de esclarecimentos (de relatório de exame de DNA do INML), um meio legalmente previsto, além do mais, ao abrigo do contraditório que pode ser exercido por cada uma das partes, sendo a realização de segunda perícia um outro mecanismo probatório ao dispor das partes e perante as dificuldades probatórias que impendem sobre os RR, em consequência da inversão do ónus da parva, o Tribunal deveria ter admitido a respectiva realização.
4. Ao não ter admitido o pedido de esclarecimentos formulado pelos RR, ora recorrentes, relativos a um relatório de exame de DNA realizado pelo INML, ao não ter admitido a realização de segunda perícia, nas condições em que o fez, num contexto de inversão do ónus da prova (a cargo dos RR), o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 342 e 344 do Código Civil, nos artigos 1º a 7º, 410º a 413, 481º, 485º e 487º , todos do Código de Processo Civil, tendo interpretado tais preceitos em violação dos artigos 1º, 2º. 13º, 20º, a Constituição da República Portuguesa e, bem assim, dos princípios constitucionais a dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade, do acesso do direito.
5. Perante as dificuldades decorrentes da inversão do ónus da prova, o tribunal recorrido deveria ter interpretado as normas dos artigos 342 e 344 do Código Civil, nos artigos 1º a 7º, 410º a 413, 481º, 485º e 487º , todos do Código de Processo Civil em conformidade com os artigos 1º, 2º. 13º, 20º, a Constituição da República Portuguesa e com os princípios constitucionais a dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade, do acesso do direito, admitindo os pedidos de esclarecimentos e de realização de uma segunda perícia formulados pelos RR, ora recorrentes.
--
O recurso foi admitido a subir de imediato, em separado e efeito meramente devolutivo
--
Respondeu apenas o Ministério Público, concluindo do seguinte modo:
1. Os recorrentes requereram esclarecimentos sobre o resultado da primeira perícia médico-legal, bem como, pretenderam a realização de uma segunda perícia médico-legal.
2. O tribunal indeferiu ambas as pretensões dos recorrentes, numa única decisão, esta fundamentada, demonstrando um raciocínio lógico e coerente.
3. Os recorrentes não se conformando com a decisão do tribunal, vem da mesma recorrer.
4. Quanto a recusa dos esclarecimentos solicitados, relativamente à primeira perícia médico-legal, entendemos, que a pretensão do recorrente assentou numa reclamação (situação prevista no art.º 485.º do Código de Processo Civil).
5. Partindo desse pressuposto, uma reclamação, pressupõem a existência de qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório, ou, ainda, falta de fundamentação devida das conclusões. No entanto, o tribunal não está obrigado a aceitar a formulação desses esclarecimentos. 14 de 15
6. Entendemos, que os recorrentes não alegaram factos, que abalassem os resultados da primeira perícia e que a esta carecia de correções.
7. Quanto ao requerimento apresentado para a realização da segunda perícia, igualmente os recorrentes não fundamentaram os motivos sérios, demonstrando que esse pedido não seria dilatório e uma mera chicana processual.
8. Em ambos os requerimentos apresentados, os recorrentes não cumpriram o ónus da fundamentação, ou seja, a exigência de explicitar os pontos que manifestam a sua discordância do resultado atingido e as razões que entende que esse resultado devia ser diferente.
9. A realização da segunda perícia a requerimento das partes, não se configura como discricionária, pressupondo que a parte alegue de modo fundamentado e concludente, as razões porque discorda do relatório pericial.
10. A segunda perícia visa corrigir ou suprir eventuais inexatidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira.
11. Sufragamos a decisão do tribunal, ao considerar que os recorrentes violaram o dever de cooperação que recaia sobre estes, uma vez que não colaboraram para a descoberta da verdade material, socorrendo-se dos meios dilatórios.
12. Face ao exposto, deverá o presente recurso improceder, pois, a decisão proferida nos autos é insuscetível de qualquer juízo de censura, encontrando-se devidamente fundamentada, ao qual permite uma compreensão do raciocínio expendido.
-- II.II. Questões a Apreciar:
É pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes que se delimita o objeto do recurso e o presente pode ser sintetizado como relativo à invocação de uma limitação inadmissível dos direitos dos recorrentes à prova da sua posição nos autos, pelo indeferimento aos pedidos de esclarecimento e de realização de segunda perícia.
--
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. –
--- II.III. Apreciação do recurso: a) A referência à inversão do ónus da prova feita nos autos:
Face ao indicado objeto deste recurso, ressalta, antes de mais, como circunstância a assinalar que este não aprecia qualquer decisão de inversão de ónus da prova, que não foi proferida (pelo menos ainda) nos autos.
Nos termos supra resumidos, o tribunal a quo aludiu a tal alteração do encargo de provar a paternidade por várias vezes, o que repetiu no despacho recorrido, indicando como fundamento para tanto uma falta intencional de comparência para realização de exames hematológicos à ré mãe e à ré filha, repetida por 7 (sete) vezes.
Depreende-se que o tribunal a quo, em parâmetros enquadráveis na sua liberdade de condução processual (cf. art.º 6.º do CPC), terá relegado a expressa decisão de tal questão para sede de decisão de facto, limitando-se a fazer uma prévia advertência dessa possibilidade, oportuna e tempestiva (porque anterior a faltas de comparência a atos de exame laboratorial e, por maioria de razão, a qualquer ato da audiência final).
Em todo o caso, tivesse ou não a questão sido expressamente decidida, não é objeto deste recurso, mas, pelo seu relevo para os autos, é uma referência a considerar na decisão.
-- b) A posição probatória da parte:
Ainda que não seja objeto recursório, não deixam os recorrentes de convocar a advertência feita a quo para sobrelevar a sua argumentação relativa à dificuldade de suportar o ónus que, anteveem, sobre si impenderá (circunstância de que foram expressamente advertidos).
Nessa estrita medida, caso o tronco central das razões apresentadas se mostre sustentado, este ónus não deixaria de ser uma razão adjuvante da sua posição, na medida em que, tudo o indica, a decisão de facto partirá dessa premissa em termos de juízo probatório.
Em todo o caso, este adjuvante será pertinente caso a argumentação central apresentada tenha sustentação.
Impõe-se ver se assim é.
-- c) Os fundamentos dos pedidos apresentados para prestação de esclarecimentos e realização de segunda perícia:
Sem correr o risco de enfermar de petição de princípio, pode avançar-se com uma resposta negativa à questão acima apresentada, tão ostensiva e manifesta é a ausência de razão dos recorrentes na pretensão que deduzem.
Invocam os recorrentes uma série de normas que consideram violadas (art.º 342.º e 344.º do Código Civil, nos art.º 1º a 7º, 410º a 413, 481º, 485º e 487º , todos do Código de Processo Civil, artigos 1º, 2º. 13º, 20º, a Constituição da República Portuguesa e com os princípios constitucionais a dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade, do acesso do direito).
Existe, todavia, um preceito básico a convocar, que se mostra compreendido na série de normas referidas, que é o do art.º 6.º do Código de Processo Civil (CPC).
Neste é estabelecido como princípio o poder-dever do juiz de gerir o processo, sendo que tal lhe impõe, nos termos do n.º 1, obrigações de feição positiva - de dirigir ativamente o processo (sem prejuízo do dispositivo das partes) e obrigações que se podem qualificar de feição negativa, ou reguladora, de recusa do que for impertinente ou dilatório.
Este preceito é verdadeiramente estrutural do processo civil hodierno e, além de constituir uma base e uma linha orientadora do andamento de qualquer pleito, estabelece também um critério iluminador da decisão de qualquer questão incidental e, portanto, também de pedidos de esclarecimento a relatórios periciais e pedidos de realização de segundas perícias.
Dito isto, avançando, devem dividir-se as pretensões indeferidas pelo despacho recorrido em duas, que se devem autonomizar (ainda que essa autonomização não tenha sido apresentada de forma muito clara pela parte, no requerimento indeferido ou neste recurso):
a) Pedido de esclarecimentos a relatório pericial;
b) Pedido de realização de segunda perícia.
A asserção anterior começa por evidenciar que se trata de figuras jurídico-processuais diversas e que não devem ser confundidas.
Como se diz em acórdão desta Relação de 8/3/2018 (Maria Manuela Gomes, ecli – jurisprudencia.csm.org.pt.) realizada uma perícia e apresentado o respetivo relatório (...), as partes, em caso de discordância com o seu teor, têm duas possibilidades de reação: - a reclamação prevista no artº 485.º do CPC., se entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas; - a solicitação de realização de 2ª perícia, nos termos do artº 487.º do CPC, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado. (...) A reclamação (...) e a segunda perícia têm objetivos diversos.
Assim, avançando, torna-se evidente que a primeira das pretensões apresentada, sem sequer entrar na questão do seu mérito, padece de uma insuficiência formal.
Como aponta o Ministério Público nas suas alegações, a invocação de vícios de um relatório pericial deve ser enquadrada numa reclamação.
Assim, diz o art.º 485,º n.º 2 do CPC que, entendendo as partes que o relatório pericial enferma de deficiência, obscuridade ou contradição, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, poderão, do mesmo, reclamar. Caso atendida a reclamação pelo juiz, será ordenada a compleição, o esclarecimento ou a fundamentação necessária (n.º 3).
Reclamar de um relatório pericial não é, meramente, suscitar dúvidas. É indicar (fundamentadamente) deficiências, obscuridades ou contradições (a propósito, o acórdão desta Relação de 2/11/2017 (Arlindo Crua, ecli – jurisprudencia.csm.org.pt), dizendo que à parte requerente da segunda perícia incumbe o ónus de especificação ou explicitação dos pontos sobre os quais discorda do relatório da primeira perícia, devendo indicar quais as razões pelas quais discorda e entende que o resultado devia ser diferente.
Isso não fizeram os recorrentes e, portanto, não se pode sequer dizer que reclamaram da perícia – o requerimento, nessa parte, será mais propriamente referido como um conjunto de comentários gerais, de cariz dubitativo, destinados a retirar credibilidade ao relatório pericial, e não mais que isso.
Só por essa questão formal não poderia ser deferido o requerido, como não pode ser dado provimento ao recurso.
Também a segunda das pretensões enferma do mesmo vício de insuficiência formal, ainda que num contexto um tanto diverso.
Diz o art.º 487.º n.º 1 que qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia (...) alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
Deve entender-se que esta previsão não confere à parte um direito processual potestativo à realização de segunda perícia, estando o pedido sempre sujeito a uma avaliação das razões fundadas da discordância, o que, além da simples exegese do preceito, sempre decorreria do princípio de gestão contido no art.º 6.º do CPC, supra referido.
Diga-se, a este propósito, que mesmo quem segue uma doutrina mais restritiva das faculdades de avaliação judicial da realização de segunda perícia, não deixa de sustentar que esta não deve ser determinada quando tiver caráter dilatório ou o pedido for manifestamente infundado (neste sentido, acórdão da Relação do Porto de 22/2/2024, Ana Vieira, ecli – jurisprudencia.csm.org.pt)
Neste ponto valem precisamente as mesmas considerações antes apresentadas a propósito do pedido de esclarecimentos – a invocação genérica de dúvidas sobre o relatório não equivale a uma invocação fundada de divergência, situando-se no nível do comentário dubitativo de desvalorização, processualmente inócuo.
--
Se as supra referidas razões formais seriam suficientes para considerar infundado o recurso, não deixa de ser pertinente fazer um excurso pelas razões materiais do mesmo, como constantes do despacho recorrido.
Também aqui a fragilidade da posição dos recorrentes é manifesta.
Antes de olhar essa fragilidade material, ou intrínseca, das razões recursórias apresentadas, há uma inconsistência prévia que se pode assacar à própria discussão da questão nos autos e que se dirige à própria utilidade ou relevância da diligência de prova em apreço.
Neste caso, antes da parte, emergem dúvidas sobre a necessidade de realização da própria perícia, que foi oficiosamente determinada pelo tribunal.
Tratando-se de uma questão da natureza da que é objeto destes autos, pode compreender-se que um tribunal tenda a determinar diligências probatórias menos diretas, designadamente dirigidas a terceiros aos autos (como foi o caso de um exame de sangue a uma filha do autor), por uma questão de reforço de certeza e segurança na resposta judicial.
Todavia, num caso em que a mãe obstaculiza (e impediu mesmo) a realização de exames de ADN a si própria e à filha (como foi expressamente consignado pelo tribunal recorrido em diversos momentos); em que, nos primeiros meses de vida, assentiu na realização de exame de ADN não oficial que deu como resultado uma paternidade quase provada ao impugnante de perfilhação; em que a mãe nada disse no processo quanto a este documento até que, em declarações proferidas em audiência final, veio argumentar (argumento sintetizado) que o esfregaço objeto de exame não foi colhido à filha mas a outra filha do autor, a utilidade da perícia realizada não se afigura evidente.
De facto, determinar oficiosamente a realização de perícia hematológica para avaliar da consistência de um argumento da natureza do apresentado, no momento em que foi apresentado, é algo cuja utilidade e adequação não é unívoca – dir-se-ia que, talvez melhor tivesse sido determinar expressamente a inversão do ónus da prova e deixado as declarações da mãe em julgamento para o mero campo da livre apreciação.
Todavia, assim foi feito e, efetivamente, o resultado do exame foi absolutamente esclarecedor.
Em termos simples, indica que a ré -- mentiu em juízo, procurando encontrar um argumento in extremis para pôr em causa o único documento relativo a prova direta da paternidade constante dos autos.
Se a priori a utilidade e adequação da diligência era questionável, seja pelo iter processual de impedimento de prova genética direta aos intervenientes, seja pela consideração do ónus probatório que o tribunal já consignara/advertira, a verdade é que a posteriori, não se pode dizer que o resultado do exame seja absolutamente inócuo para a decisão dos autos, na medida em que aponta claramente para a existência uma argumentação fabricada pela ré mãe, o que, além de constituir indício claro da prática de ilícito criminal, também é um elemento desvalorizador geral das suas declarações em juízo (asserção feita apenas com referência à utilidade da diligência requerida e sem prejuízo da inteira liberdade decisória de facto da instância a quo, no momento próprio).
Chegando a este ponto de análise, olhando diretamente a materialidade da questão, tem-se um exame realizado e um conjunto de solicitações de diligências complementares de esclarecimento que foram indeferidas, conjugado com um pedido de realização de segunda perícia.
Assim, mais concretamente:
1. Qual o sentido, alcance e limites do índice de parentesco IP=141 066 e, sendo possível, qual o seu correspondente ou equivalente em termos percentuais ?
2. Se IP é de 141 066, como é que poderá ter compatibilidade com um uma probabilidade W=99,9993%?
3. Como compatibilizar, entre si, os dados seguintes: índice de parentesco IP=141 066, probabilidade de 0,5 (%???), com probabilidade de 99,9993%?
4. Que grau de credibilidade é que o INML atribuiu aos resultados do teste identificado a fls. 16, quanto aos seguintes factores:
5. Factores externos (na recolha da amostra) que podem ter provocado alterações nos resultados;
6. Rigor científico e credibilidade científica da entidade que emitiu os resultados; 7. Concretos métodos utilizados na recolha de vestígios biológicos que derem origem à amostra concretamente utilizada;
8. Concretas condições de higiene em que se efectuou a recolha da amostra de ADN da pessoa cujo ADN foi submetido a teste constante de fls. 16 e sua influência nos resultados;
9. Qualidade da amostra e possibilidade de eventuais contaminações por DNA de diferente pessoa;
10. Procedimento laboratorial utilizado pela empresa emissora na análise do ADN da pessoa cujo ADN foi submetido a teste constante de fls. 16;
11. Condições de armazenamento e manuseamento da amostra que deu origem ao resultado de fls. 16 e sua influência nos resultados.
12. Em que medida é que eventuais erros, contaminações ou falhas no processo laboratorial de entidade externa (ida a fls 16), podem por em crise o rigor científico e os resultados do perfil de ADN constante do teste constante de fls. 16, comprometendo a perícia do INML?
Agregando estes pedidos de esclarecimento, as questões apresentadas podem ser reunidas em dois grandes grupos:
a) Contextualização técnica dos dados apresentados (no documento pericial não oficial e sua relação com os resultados da perícia);
b) Avaliação da credibilidade científica da entidade que realizou o exame de ADN feito e cujo documento foi junto aos autos.
Olhar estas dúvidas implica olhar, uma vez mais, para o contexto dos autos e para a prova em causa.
A este propósito, diz o Ministério Público nas suas conclusões de resposta ao recurso que os recorrentes não alegaram factos que abalassem os resultados da primeira perícia e não cumpriram o ónus de fundamentação do seu pedido.
Ou seja, não cumpriram a exigência de explicitar os pontos de discordância com o resultado da perícia e de indicar as razões que sustentariam um resultado diferente.
Estas asserções são corretas, como referido supra, na medida em que os recorrentes fizeram foi lançar várias dúvidas genéricas e insubstanciadas, não indicando nenhum ponto concreto de dúvida ou discordância que apresente alguma sustentação.
Diga-se que é inerente à natureza técnica de qualquer prova pericial haver elementos nos relatórios ou informações que da mesma resultem que não são apreensíveis por quem não seja técnico da respetiva área. É exatamente por isso que se trata de um juízo técnico.
Isso sucederá numa perícia que procure a determinação de proximidade genética de moléculas de ácido desoxirribonucleico a partir de análise de tecidos humanos entre dois ou mais sujeitos, como sucederá, genericamente, em qualquer perícia técnico-científica, desde a avaliação de dano biológico a toda e qualquer engenharia, passando pela economia, pela contabilidade ou por qualquer outro campo científico.
Para questionar uma perícia não basta, portanto, argumentar de forma que, coloquialmente, se diria ser um não entendo – a impugnação da perícia, ou a simples invocação de dúvidas, para ser sustentada, deve ser substanciada em factos e juízos concretos que permitam estabelecer a adequação e suficiência, pelo menos ab initio, das questões apresentadas.
Isso não fizeram os recorrentes quanto aos dados constantes do relatório.
O mesmo se dirá quanto às dúvidas lançadas relativamente ao laboratório que emitiu o documento, sendo apontadas questões quanto aos procedimentos desse estabelecimento que, além de ser pouco provável que uma qualquer instituição exterior possa responder (cada instituição responde, naturalmente, pelos seus próprios procedimentos), são de tal modo vagas que mais não traduzem que uma intenção, manifesta, de pôr em causa uma conclusão sem sustentação objetiva para tanto.
Além destas considerações, que são próprias das razões invocadas, existem outras que tiram sustentação aos pedidos feitos.
Mais que o comportamento processual dos recorrentes (ao faltarem, por sete vezes, a realização de exame genético à mãe e à filha – única prova direta do facto essencial em debate), relevam dois elementos muito claros:
a) O exame em causa foi determinado oficiosamente apenas para afastar uma qualquer dúvida que pudesse permanecer, ante uma declaração manifestamente anómala (pela sua natureza e pelo momento em que foi feita) - ter um exame genético ter sido feito com dados de "pessoas trocadas" e ser essa dúvida apenas lançada, pela interessada em a lançar, que nada disse em momento anterior;
b) O resultado do exame é cristalino a afastar essa hipótese (de troca de material biológico) e, inerentemente, porque não subsiste campo intermédio para a retórica justificativa, também a estabelecer a conclusão que a ré, depois de ter conseguido evitar a produção de prova biológica direta, em violação do seu dever de cooperação processual, recorrer agora a declarações falsas para tentar afastar o elemento de prova direta existente nos autos.
Em todo o caso, repescando para este momento as considerações acerca do ónus da prova, (cuja inversão ainda não foi declarada, mas está repetidamente advertida), este exame, com as adendas ou as repetições que se pudessem ordenar, seria sempre insuscetível de estabelecer qualquer filiação, num sentido ou noutro.
Dando por adquirido que o ónus vai ser invertido, este exame terá um valor nulo.
Caso o ónus não fosse invertido, o relevo do documento em causa, sendo algum, seria muito distante de ser determinante.
Num caso em que existe uma recusa explícita e reiterada à realização de exames para prova direta, este exame não é mais que uma (hoc sensu) contraprova da contraprova – com vista a confirmar ou infirmar uma simples declaração da ré sobre a forma como se processou a recolha de material biológico para exame de ADN consensualmente feito em sede extrajudicial.
Mesmo que devidamente fundamentada, a utilidade desta diligência de prova seria muito reduzida.
Este juízo de utilidade sai reforçado por considerações probatórias à luz da experiência comum.
Assim, é algo de extraordinariamente inverosímil que alguém que se disponha a fazer um exame de ADN para determinação da paternidade de uma criança com poucos meses de vida e, portanto, denote um interesse direto na descoberta da verdade, nesse mesmo momento, falsificasse o exame, recolhendo material biológico de outra pessoa.
Ao invés, apresenta-se como altamente verosímil, à luz dessa mesma experiência comum, que alguém que tenha mantido relacionamento de cariz sexual fora da sua relação estável, uma vez reequilibrada tal relação, não pretenda perturbá-la, seja com a comprovação desse relacionamento acidental, seja com o simples estabelecimento de uma relação parental vista como indesejada para a estabilidade familiar.
Por isso, a recusa repetida a realização de exames hematológicos, traduzisse ou não uma inversão do ónus da prova, seria sempre um elemento ponderoso na decisão de facto à luz da avaliação global da prova e das declarações da mãe, retirando quase total utilidade a repetidas diligências para aferir da sua veracidade, sobretudo num ponto que deve ser considerado anómalo – a invocada realização de esfregaço biológico a uma terceira pessoa, e não à filha, para concretização de um exame de ADN consensualmente feito.
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As considerações anteriores também valem, mutatis mutanis, para a solicitação de segunda perícia.
O resultado do exame é absolutamente claro o que, associado à falta de substanciação de fundamentos justificativos de reexame, afasta imediatamente sustentação a este pedido e ao recurso interposto com este fundamento.
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Quer isto dizer, em conclusão, que os esclarecimentos solicitados e o pedido de realização de segunda perícia não têm sustentação formal ou substantiva e, pelo contrário, apresentam-se com claro e ostensivo intuito dilatório, sendo justificado o seu indeferimento e improcedente o recurso interposto de tal decisão – no supra referido acórdão desta Relação de 2/11/2017 foi convocado o disposto no art.º 130.º do CPC (postergação de atos inúteis) como fundamento de recusa de diligências complementares à perícia que se apresentem como dilatórias – doutrina que se acolhe e que mais não configura senão que uma conformação específica do princípio de gestão ínsito no art.º 6.º do CPC.
Diga-se que as razões aduzidas compreendem todas as normas convocadas, legais e constitucionais, pelo menos no sentido apreensível da invocação feita, não constituindo a invocação em série de normas uma correspondente invocação de questões autonomizáveis.
Assim, e só por uma questão de precisão, diga-se, a concluir, que a conformação legal dos direitos ao esclarecimento de perícia, ou a solicitar a segunda perícia, não constituem qualquer limitação relevante do acesso ao direito ou da igualdade e, pelo contrário, são também decorrências diretas destes princípios constitucionais.
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Em conclusão, deve improceder a apelação e manter-se a decisão recorrida, o que se decide. –
--- III. Decisão:
Face ao exposto, nega-se a apelação e mantém-se o despacho recorrido.
Custas pelos recorrentes.
Notifique-se e registe-se. –
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Lisboa, 19-12-2024,
João Paulo Raposo
Laurinda Gemas
Arlindo Crua