ERRO-VÍCIO
OBJECTO NEGOCIAL
Sumário

I. Segundo jurisprudência consolidada, na observação dos ónus de alegação em sede de impugnação da matéria de facto, apenas a especificação dos factos impugnados tem de constar das conclusões do recurso (por força do disposto no n.º 4 do artigo 635.º do CPC); a explicitação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de gravação nele realizada, que, segundo o apelante, impõem decisão diversa da recorrida, podem e devem constar apenas do corpo das alegações, pois as conclusões destinam-se a indicar, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão (artigo 639.º, n.º 1, do CPC).
II. O erro-vício, constituindo uma falsa representação da realidade, incide necessariamente sobre circunstâncias pretéritas ou contemporâneas da celebração do contrato; não se pode estar em erro sobre o que não existe, factos futuros são apenas uma possibilidade, entre outras, não uma realidade.
III. Tendo sido posta à disposição do autor, adquirente de quotas societárias, antes da celebração do negócio, toda a contabilidade em curso e dos anos passados, tendo-lhe sido mostradas as instalações e equipamentos, que estavam funcionais e subaproveitados, se o autor se convence de que, com a sua futura gestão, vai conseguir expandir a empresa e aumentar o volume de negócios e depois não consegue, está em causa a frustração de uma expetativa cuja concretização dependia de inúmeros fatores (com destaque para a atuação do autor após a aquisição), e que é irrelevante em direito.

Texto Integral

Acordam os abaixo identificados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
“AA”, autor na ação que move a “BB” e “CC”, notificado da sentença proferida em 17 de abril de 2024, que julgou a ação improcedente e a reconvenção parcialmente procedente, e com essa sentença não se conformando, interpôs o presente recurso.
“AA”, divorciado, empresário, titular do cartão de cidadão n.º …, emitido pela República Portuguesa e válido até 07/08/2028, contribuinte fiscal n.º … e residente na Av. … Agualva-Cacém, e
“GG” Água Destilada, Lda., pessoa coletiva com o NUIPC …, e sede na Rua …, em Lisboa, aqui representada pelo 1.º A., “AA”, na qualidade de seu gerente, intentaram a presente
ação declarativa de condenação, com processo comum, contra
“BB”, casado, aposentado, titular do cartão de cidadão n.º …, contribuinte fiscal n.º …, residente na Av. … Almada, e
“CC”, casada, aposentada, titular do cartão de cidadão n.º …, contribuinte fiscal n.º …, residente na Av. … Almada, alegando, em síntese, que o 1.º autor comprou aos réus quotas da 2.ª autora, laborando em erro, provocado pelo 1.º réu, sobre a situação da empresa, pelo que terminam pedindo a anulação do negócio celebrado entre autores e réus e, em consequência:
a) a reversão da titularidade das quotas da empresa “GG” à propriedade dos réus;
b) a reversão da gerência ao réu “BB”;
c) a condenação dos réus a devolver ao autor “AA” a quantia de € 47.673,06 (quarenta e sete mil seiscentos e setenta e três euros e seis cêntimos), correspondente aos valores que foram pagos pelo autor na pendência do negócio, e bem ainda serem os réus condenados a pagar ao autor todos os custos decorrentes da anulação deste negócio, nomeadamente, os custos com registos, taxas, emolumentos, ações judiciais e honorários de mandatários, e bem ainda as despesas que o autor suportou com este negócio, em montante ainda indeterminado, tudo acrescido dos respetivos juros de mora que se vençam desde a citação dos réus para a presente ação até efetivo e integral pagamento de todos estes valores.
Os réus contestaram e reconvieram, pedindo que se condene o 1.º autor a: eliminar o 1.º réu do registo comercial da 2.ª autora, como seu sócio; a substituir o mod. 22 do IRC de 2018 da 2.ª autora de modo a retirar dessa declaração o 1.º réu como representante legal da 2.ª autora (que já não era nesse ano); pagar ao réus indemnização de 30.000 € por litigância de má fé.
O processo seguiu os regulares termos e, após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
a) Julgo a ação improcedente, por não provada, em consequência do que absolvo os réus dos pedidos contra os mesmos formulados pelos autores;
b) Julgo a reconvenção parcialmente procedente, por provada apenas em parte, em consequência do que:
i) Condeno o autor / reconvindo “AA” a diligenciar, no prazo de 10 (dez) dias, após o trânsito em julgado da sentença, pela correção da declaração “modelo 22 de IRC”, respeitante à sociedade autora «“GG” – Fábrica de Água Destilada, Ld.ª», referente ao ano de 2018, da mesma devendo passar a constar como gerente / representante da sociedade, nesse período, o autor “AA”, mediante a indicação do seu número de contribuinte;
ii) Absolvo o autor / reconvindo “AA” do restante pedido reconvencional;
c) Absolvo o autor “AA” do pedido contra ele formulado pelos réus de sua condenação em indemnização e multa, por litigância de má fé;
d) Custas pelos autores na ação e custas por ambas as partes na reconvenção, na proporção dos respetivos decaimentos, que se fixam em 50% para cada uma.
O autor não se conformou e recorreu, apresentando as seguintes conclusões:
«I. O Tribunal de primeira instância entendeu julgar improcedente, por não provada, a ação intentada pelos AA., absolvendo os RR. do pedido, decisão com a qual o A. não concorda pelo que interpôs o competente recurso.
II. Para fundamentar a referida sentença, o Tribunal a quo, com o devido respeito, não apreciou nem ponderou concretamente a prova produzida, desconsiderando totalmente a prova que foi oferecida e, consequentemente, fazendo uma errada valoração da matéria de facto.
III. Relativamente ao facto não provado n.º 48, a testemunha “DD”, aquando da sua inquirição, explicou de forma clara e precisa que lhe havia sido explicado que a apresentação de lucros baixos se devia exclusivamente às “vendas por fora” uma vez que a maioria do negócio era “feito sem fatura”.
IV. Curiosamente, o Tribunal a quo, ao fundamentar a sentença por si proferida, refere inúmeras vezes o depoimento da testemunha “DD”, enaltecendo a sua explicação com franqueza e o conhecimento que apresentou em cada uma das questões abordadas.
V. Atribuindo credibilidade ao depoimento daquela testemunha, o Tribunal a quo, com o devido respeito, andou mal ao desconsiderar o depoimento da testemunha, no que se reporta à factualidade vertida no ponto 48) da matéria de facto não prova.
VI. Ao analisar a matéria de facto vertida no ponto 49) da matéria de facto não provada, o Tribunal também entendeu não considerar provado que o R. “BB” convenceu o A. “AA” de que a empresa era viável e um negócio potencialmente lucrativo e que a empresa apresentava todos os meios de produção necessários para aumentar a sua capacidade.
VII. Com o devido respeito, o Tribunal atuou do mesmo modo ao decidir não valorar novamente o depoimento da testemunha “DD” que, ao acompanhar todas as negociações prévias à celebração do negócio, foi novamente perentório ao afirmar que todo o potencial vendido não correspondia à realidade.
VIII. Mais: seguindo a sua linha de raciocínio ao longo do seu depoimento, conforme transcrito supra, resulta demonstrado que o negócio não correspondia àquilo que lhe tinha sido apresentado e não tinha qualquer potencial de desenvolvimento, motivado por inúmeros fatores, tais como a localização, o espaço, os equipamentos e o quadro de pessoal reduzido.
IX. Novamente o Tribunal a quo veio desconsiderar o depoimento da testemunha “DD”, selecionando alguns excertos do seu depoimento para fundamentar a sentença por si proferida.
X. E o mesmo também sucedeu relativamente à factualidade vertida no ponto 52) uma vez que, para além das declarações de parte do A. “AA”, a testemunha “DD” explicou com clareza e precisão que a sociedade em causa estava completamente desajustada da realidade e que só seria possível perceber tal facto depois de iniciar a gestão – utilizando, para esse efeito, a expressão “colocar as mãos na massa” – como veio efetivamente a ocorrer.
XI. Quanto à verificação das reais características da sociedade, o Tribunal a quo veio também considerar não provada a factualidade vertida nos pontos 53), 54), 55) e 56), fundamentando tal decisão na insuficiência das declarações de parte do A. “AA”.
XII. De facto, as declarações de parte são um meio de prova livre que deve ser analisado, de forma crítica, no âmbito de cada um dos processos, sendo que, em determinados contextos, poder-se-ão revelar frágeis se inexistirem outros meios de prova que as sustentem.
XIII. Porém, tal não configura uma regra de aplicação cega, devendo analisar cada caso em concreto, designadamente a matéria de facto cuja prova se encontra dependente das declarações de parte e o contexto em que tais factos ocorreram.
XIV. No caso em apreço, o A. “AA” descreveu, de forma pormenorizada, as reais características da sociedade por si adquirida e as dificuldades que sentiu durante a gestão efetiva da sociedade, nomeadamente no que se reporta à clientela, à marca denegrida no mercado.
XV. Sendo certo que a clareza e a espontaneidade das suas declarações dever-se-ão, salvo melhor entendimento, considerar suficientes para considerar provada a factualidade em causa.
XVI. Por outro lado, e no que se refere à impossibilidade de atingir qualquer margem de lucro e à inexistência de quota de mercado – concretamente, a matéria factual vertida nos pontos 54) e 55) – o Tribunal a quo desconsiderou também o depoimento da testemunha … que explicou claramente que os supermercados vendem o mesmo produto, a menos de metade do preço, comparativamente à sociedade em causa.
XVII. Acrescentando ainda que, pela falta de capacidade de produção em quantidades aceitáveis, a sociedade em causa não apresentava condições para se obter lucro, qualificando-a como uma empresa sem viabilidade.
XVIII. Por fim e no que se reporta à factualidade vertida nos pontos 58), 59) e 60), o Tribunal a quo não valorou, de forma correta, as declarações de parte do A. “AA” que descreveu, na própria pessoa, que entendeu ter condições para dinamizar e aumentar as vendas, com todas as explicações acerca da sociedade e das suas características, que lhe foram apresentadas pelo R. “BB”.
XIX. E, novamente no caso em apreço, as declarações de parte em causa são sustentadas pelo depoimento da testemunha “DD” que conclui, sem margem de dúvidas, que a empresa não estava preparada para faturar mundos e fundos e, sobretudo, que o negócio não se teria concretizado se o R. “BB” tivesse falado de maneira aberta acerca da realidade daquela empresa.
XX. Face ao exposto, resulta claro que os factos devidamente elencados nos pontos 48), 49), 50), 52), 53), 54), 55), 56), 58), 59), e 60) da sentença proferida pelo Tribunal a quo deveriam constar da matéria de facto provada.
XXI. Assim sendo, resulta clara a existência de um erro por parte do A. “AA”, quanto às características do negócio, e que foi determinante na sua decisão de celebrar aquele negócio.
XXII. As características em causa foram apresentadas pelo R. “BB” que, sem margem de dúvidas, recorreu a um conjunto de artifícios com o intuito de induzir e manter em erro o A. “AA”.
XXIII. Aliás: conforme demonstrado supra, o R. “BB” procurar focar as conversas ocorridas em momento prévio à negociação do negócio na história daquela sociedade e no seu potencial de desenvolvimento, procurando contornar algumas questões acerca da realidade atual; ainda assim, o R. “BB” acabou por apresentar resposta – ainda que não correspondessem à verdade – às questões, dúvidas e esclarecimentos que lhe foram sendo solicitadas pelo A. “AA” e pela testemunha “DD”.
XXIV. Para além disso e no que se reporta ao reconhecimento pelas partes da essencialidade do motivo do negócio, também resultou demonstrar que o R. “BB” estava consciente que o negócio não seria atrativo para o A. “AA” se não apresentasse determinadas características.
XXV. Contudo, ainda que tal não se venha a considerar, o Tribunal a quo deu como provado que o R. “BB”, disponibilizou, durante o período das negociações, um conjunto de informações relativamente à sociedade, designadamente e sem prejuízo de outros, os certificados de qualidade do produto, a capacidade produtiva, o volume de vendas e a carteira de clientes.
XXVI. Assim sendo, é inequívoco que as características da sociedade constituíram o único tema em cada uma das reuniões realizadas, sendo certo que se tais informações não merecessem uma valoração positiva e se subsumissem a dados negativos e sem destaque, qualquer pessoa, colocada nas circunstâncias do A. “AA”, não teria celebrado aquele negócio,
XXVII. Pelo que é manifestamente evidente que a essencialidade do motivo de contratar era do conhecimento, ainda que de forma tácita, de ambas as partes.
XXVIII. Face ao exposto, resulta claro que se encontram preenchidos todos os pressupostos do instituto jurídico em causa, devendo ser declarada a anulabilidade do negócio celebrado entre as partes processuais, aplicando, para esse efeito, as legais consequências estabelecidas no artigo 289.º do Código Civil.
Nestes termos e nos demais de direito aplicável, deve este recurso ser julgado procedente (por provado) e, consequentemente, deve a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância ser substituída por outra que decida pela procedência dos pedidos formulados pelo A. “AA”.»
Os réus ofereceram contra-alegações, pronunciando-se pela confirmação da sentença recorrida.
Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.
Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as seguintes questões:
a) A matéria de facto deve ser alterada, passando a provados onze dos factos que o tribunal a quo considerou não provados?
b) O autor apenas celebrou o contrato por estar em erro sobre o objeto do negócio?
II. Fundamentação de facto
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos (que o recorrente não discute):
1. O autor “AA” é empresário, dedicando-se à gestão de várias empresas relacionadas com a construção e o imobiliário.
2. A autora «“GG” – Fábrica de Água Destilada, Ld.ª» é uma empresa que se dedica à indústria do tratamento físico-químico e biológico da água e respetivo comércio, nomeadamente, à produção e comercialização de água destilada para utilização médica e farmacêutica.
3. Desde data não apurada, a sociedade «“GG” – Fábrica de Água Destilada, Ld.ª» teve como únicos sócios os réus “BB” e sua mulher, “CC”, sendo a sua gerência exercida pelo primeiro até Janeiro de 2018, cuja assinatura obrigava essa sociedade perante terceiros.
4. No final do ano de 2017, o réu “BB” era titular de uma quota no valor de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) e a ré “CC” era titular de uma quota no valor de € 500,00 (quinhentos euros), juntos somando a totalidade do capital social daquela empresa, que era de € 5.000,00 (cinco mil euros).
5. Nessa altura, chegou ao conhecimento do autor “AA”, através de um anúncio visto por um seu colaborador, , que os réus pretendiam vender as suas quotas na «“GG” – Fábrica de Água Destilada, Ld.ª».
6. O réu “BB” apresentou a sociedade como se tratando de uma “empresa sólida”, com mais de 20 anos no mercado, com uma posição que lhe permitia expandir exponencialmente o negócio e, consequentemente, os lucros.
7. O réu “BB” fê-los acreditar que conhecia bem e diretamente os principais clientes consumidores de água destilada da empresa “GG” da zona de Lisboa, na zona Centro e na zona Sul do país.
8. O réu “BB” apresentou ao autor “BB” certificados de qualidade da água produzida pela empresa, certificada como a melhor do País.
9. O réu “BB” afirmou que a fábrica tinha uma grande capacidade de produção e de resposta e que atualmente estava apenas a metade da sua capacidade, o que lhes permitiria crescimento, quer na produção, quer nas vendas.
10. Mencionou que, outrora e numa ocasião, forneceu submarinos e tinha capacidade para o fazer.
11. Disse que a empresa “GG” já trabalhava e tinha como cliente da sua carteira o Hospital de Santa Maria, que outros hospitais eram consumidores de água destilada e havia possibilidade de conquistar também esse mercado de hospitais e institutos de ciência.
12. Informou que existia também um mercado de retalho de pequenas empresas, como cabeleireiros e oficinas, que consumiam água destilada, mas em menor quantidade.
13. Comunicou que também as grandes superfícies comerciais eram consumidoras de água destilada.
14. Quando o autor lhe perguntou porque é que o próprio réu “BB” não explorava este mesmo mercado, este respondeu-lhe ter “problemas de saúde” decorrentes da idade e que se “queria reformar e ir para as propriedades que tinha em Castelo Branco”.
15. Argumento que, atendendo à idade avançada do réu “BB”, o autor “AA” considerou verdadeiro.
16. Nessa sequência, ajustaram o autor “AA” e o réu “BB” que o acordo de aquisição da empresa “GG” seria formalizado através dos seguintes documentos:
a. Um “contrato de cedência de quotas”, celebrado entre os réus e o autor “BB”, mediante o qual os réus cediam ao autor metade das quotas de que eram titulares na empresa “GG”;
b. A outorga, pelo réu “BB”, de uma “procuração com poderes especiais” ao autor “AA”, para que este alienasse a quem entendesse, inclusivamente a si mesmo, a remanescente da quota do réu “BB”;
c. A outorga de uma “declaração de confissão e reconhecimento de dívida”, na qual os autores “GG” e “AA” se reconheciam devedores ao réu “BB” da quantia de € 245.000,00 (duzentos e quarenta e cinco mil euros).
17. Assim, em 5 de Janeiro de 2018, o autor “AA” celebrou com os réus um acordo, exarado no escrito particular denominado de “contrato de cedência de quotas”, por todos subscrito e mediante autenticação por advogada, cuja cópia consta de fls. 19 vero a 22 e se dá por reproduzido, no qual convencionaram o seguinte:
“Contraentes:
“BB”, casado (...), doravante primeiro contraente.
E
“CC”, casada com o primeiro contraente (...), doravante segunda contraente,
E
“AA” (...), doravante terceiro contraente, celebram entre si o Contrato de Cedência de Quotas, que se rege pelos considerandos e cláusulas seguintes:
1. Considerando que o primeiro contraente é titular de uma quota no valor de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) e a segunda contraente é titular de uma quota no valor de €500,00 (quinhentos euros), as quais (quotas) constituem o Capital Social da “GG” – Fábrica de Água Destilada, Lda., NIPC …, com sede na Rua … Lisboa, conforme certidão permanente com a referência …;
2. Considerando que a referida “GG” – Fábrica de Água Destilada, não dispõe de passivo nem de quaisquer dívidas à Segurança Social, Autoridade Tributária, ao senhorio ou a algum fornecedor ou terceiros, com exceção do primeiro contraente;
3. Considerando que o primeiro contraente é titular de 90% do Capital Social, a que corresponde a quota no valor de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros);
4. Considerando que o segundo contraente é titular de 10% do Capital Social, a que corresponde a quota no valor de €4.500,00 (quinhentos euros);
 (Cláusula primeira)
O primeiro contraente cede 40% (quarenta por cento) da sua quota pelo valor de €2.000,00 (dois mil euros) que dispõe no Capital Social (90%), correspondente a €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), ao terceiro contraente, que a adquire pelo respetivo valor nominal de dois mil euros, que já recebeu, e pela assinatura do presente contrato dá quitação;
(Cláusula segunda)
A segunda contraente cede a sua quota no valor de €500,00 (quinhentos euros), representativa 10% do Capital Social (90%), correspondente a €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), ao terceiro contraente, que a adquire, pelo valor nominal de quinhentos euros, que já recebeu e pela assinatura do presente contrato dá quitação.
(Cláusula terceira)
A Sociedade “GG” – Fábrica de Água Destilada Lda., pelos seus únicos sócios e cedentes supra identificados e abaixo assinados, declara não pretender exercer o direito na aquisição das quotas;
(Cláusula quarta)
1. Na presente data o atual sócio gerente – “BB” renuncia à gerência;
2. Na presente data é nomeado gerente da – Sociedade “GG” – Fábrica de Água Destilada, o sr. “AA”, que passará a exercer perante todas as entidades públicas e privadas os direitos, deveres e funções de gerente único da sociedade;
(Cláusula quinta)
As partes acordam que a responsabilidade integral por qualquer dívida fiscal, à Autoridade Tributária e/ou à Segurança Social e senhorio, seja a que título for, é/será da responsabilidade do gerente à data da prática do facto, cabendo-lhe direito de regresso do crédito sobre esse gerente.
(...)”
18. No âmbito do descrito “negócio de compra da empresa” acordado e na qualidade de gerente da autora “GG”, no mesmo dia 05/01/2018, o autor “AA”, por si e como gerente e em representação da sociedade «“GG” – Fábrica de Água Destilada, Ld.ª», bem como o réu “BB”, assinaram ambos, mediante autenticação por advogada, o documento designado de “Declaração de Confissão e Reconhecimento de Dívida”, cuja cópia consta de fls. 22 verso a 25 verso e se dá por reproduzida, com o seguinte teor:
 “GG” – Fábrica de Água Destilada, Lda., NIPC …, com sede na Rua … Lisboa, reconhece e confessa ser devedora da quantia de € 245.000,00 (duzentos e quarenta e cinco mil euros) para com “BB”, Nif …, com residência na Av. … Almada (domicílio convencionado) cujo valor decorre de créditos que este tem perante a sociedade (seu único credor) e cuja obrigação de pagamento se obriga a efetuar em corresponsabilidade com promitente adquirente das quotas – “AA”, Nif …, residente na Av. … Cacém (domicílio convencionado), pela forma e valores abaixo indicados seguinte:
I
1º Pagamento no valor de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) pela transferência bancária para o NIB …, no valor de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), que comprovará no momento da realização do contrato, e um cheque preenchido, datado e assinado por “AA”, no valor de €20.000,00, a meter ao Banco em 30/04/2018.
II
Os restantes €200.000,00 (duzentos mil euros) a pagar da seguinte forma:
1 ano – o primeiro semestre (1 de Janeiro de 2018 a 30 de Junho de 2018), é de carência, ou seja: não paga nada; nos seis meses seguintes (01 de Julho de 2018 a 31 de Dezembro de 2018), paga mensalmente o valor correspondente a 10% das vendas;
2 ano – com início em 01 de janeiro de 2019, pagará mensalmente o valor de 20% do valor das vendas;
3 ano – com início em 01 de Janeiro de 2020, pagará mensalmente o valor de 25% das vendas;
4 ano – com início em 01 de Janeiro de 2021, pagará mensalmente o valor de 25% sobre as vendas;
III
O pagamento das percentagens referidas nos anos 1, 2, 3 e 4, serão efetuadas até ao dia 20 de cada mês, referentes às vendas do mês anterior;
IV
1. O credor poderá consultar as vendas mensais, sempre que o deseje, até ser integralmente ressarcido dos seus créditos.
2. As consultas referidas no número anterior serão feitas através dos extratos discriminados de vendas mensais.
V
1. Decorrido o quarto ano (31/12/2021), terá de ser pago o valor que ainda estiver em dívida, na impossibilidade de acordar outra forma de pagamento.
2. Na eventualidade de, a qualquer momento, os devedores pretenderem liquidar o valor ainda em dívida, na íntegra, beneficiarão do desconto de 10% sobre esse mesmo valor (valor que fica ainda em dívida naquela data).
VI
Os pagamentos devem ser efetuados por cheque bancário ou transferência bancária, para a conta com o NIB …, do Banco CGD, Av. Duque de Loulé, em Lisboa, titulada pelo credor – “BB”, ou para outra conta a indicar por escrito pelo mesmo.
VII
O não pagamento, nas respetivas datas, de 2 (duas) mensalidades seguidas (referidas em II), sobre as vendas/prestações, ou 3 (três) intercaladas, nas respetivas datas, implicará o vencimento das restantes; ou seja: o valor total que ainda estiver em dívida;
VIII
1. Atendendo que as prestações/mensalidades têm datas definidas, as partes dispensam as interpelações de/para pagamento;
2. Para os efeitos tidos por convenientes as partes acordam que os seus domicílios são convencionados e os constantes do introito do presente documento e cuja mudança deve ser comunicadas aos demais contraentes, por escrito, através de carta com registo de receção;
IX
Para efeitos de pagamento da dívida aqui declarada e reconhecida, o sr. “AA” garante e assume pessoalmente o pagamento solidário dos valores supra referidos, renunciando ao benefício da excussão prévia, entregando ao credor – “BB”, para garantia do pagamento, um cheque pessoal no valor de €200.000,00, que será substituído por outro emitido pelo valor que estiver em dívida, quinze dias antes do termo da sua validade e sempre que os devedores o pretendam substituir por outro com o valor atualizado da dívida;
Em anexo: Letra (título de crédito) para garantia do pagamento, emitida e preenchida pela “GG”, Lda. e avalizada na forma de «Bom por aval ao aceitante», manuscrita e avalizada por “AA”;
(...)”
19. Também nessa mesma data de 5 de Janeiro de 2018, o réu “BB”, na qualidade de “mandante”, e a ré “CC”, na qualidade de “cônjuge do mandante”, outorgaram, mediante autenticação de advogada, o documento epigrafado de “Procuração com Poderes Especiais”, cuja cópia consta de fls. 26 a 27 verso e se dá por reproduzida, no qual o primeiro declarou que “(...) confere os poderes necessários e suficientes, com dispensa de lhe prestar contas, a “AA” (…), para em seu nome alienar a quem ele entender ou fazer negócio com ele mesmo, pelo valor nominal da quota, referente a 50% do Capital Social de que ainda é titular da sociedade “GG” – Fábrica de Água Destilada, Lda. NIPC … (…).
A presente Procuração pode ser substabelecida sem qualquer reserva na pessoa que o mandatário indicar e nos termos do artigo 261º do Código Civil, é passada no interesse do mandatário, nos termos do artigo 265º nº 3 do Código Civil é irrevogável, não caduca por morte, interdição ou inabilitação do outorgante, tudo nos termos dos artigos 1170º e 1175º do Código Civil.
A esposa do mandante – “CC”, casada com o mandante e com ele residente na Rua … Almada, (...), concorda com os termos da procuração, que declara conhecer e aqui dá o seu consentimento.
(...)
20. Em cumprimento do acordado em 17. e 18., os autores procederam ao pagamento do montante de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) aos réus.
21. E o autor “AA” pagou ao réu “BB” os montantes de € 300,00 (trezentos euros), em 27.09.2018, e de € 2.373,06 (dois mil e trezentos e setenta e três euros e seis cêntimos), em 13.11.2019, referentes às mensalidades acordadas em 18.
22. O produto produzido pela sociedade «“GG” - Fábrica de Água Destilada, Ld.ª» não era interessante nem cativante para o mercado nacional, que prefere adquirir o mesmo produto no estrangeiro, a preços mais competitivos e impossíveis de praticar pela empresa.
23. Alguns dos clientes que a empresa tinha não estavam interessados em continuar qualquer negócio com a “GG”, fruto do comportamento comercial anterior do réu “BB”, que não oferecia condições de pagamento a crédito.
24. Durante a gestão do autor “AA”, a “GG” apresentou o seguinte volume de vendas:
a. Em Julho de 2018, o montante total de vendas ascendeu a € 2.049,97 (dois mil e quarenta e nove euros e noventa e sete cêntimos);
b. Em Agosto de 2018, o montante total de vendas ascendeu a € 1.196,86 (mil cento e noventa e seis euros e oitenta e seis cêntimos);
c. Em Setembro de 2018, o montante total de vendas ascendeu a € 1.321,35 (mil trezentos e vinte e um euros e trinta e cinco cêntimos);
d. Em Outubro de 2018, o montante total de vendas ascendeu a € 3.407,68 (três mil quatrocentos e sete euros e sessenta e oito cêntimos);
e. Em Novembro de 2018, o montante total de vendas ascendeu a € 2.010,69 (dois mil e dez euros e sessenta e nove cêntimos);
f. Em Dezembro de 2018, o montante total de vendas ascendeu a € 1.481,01 (mil quatrocentos e oitenta e um euros e um cêntimo);
g. Em Janeiro de 2019, o montante total de vendas ascendeu a € 3.613,06 (três mil seiscentos e treze euros e seis cêntimos);
h. Em Fevereiro de 2019, o montante total de vendas ascendeu a € 1.262,82 (mil duzentos e sessenta e dois euros e oitenta e dois cêntimos);
i. Em Março de 2019, o montante total de vendas ascendeu a € 1.012,57 (mil e doze euros e cinquenta e sete cêntimos);
j. Em Abril de 2019, o montante total de vendas ascendeu a € 1.945,80 (mil novecentos e quarenta e cinco euros e oitenta cêntimos);
k. Em Maio de 2019, o montante total de vendas ascendeu a € 2.582,00 (dois mil quinhentos e oitenta e dois euros);
l. Em Junho de 2019, o montante total de vendas ascendeu a € 1.380,02 (mil trezentos e oitenta euros e dois cêntimos);
m. Em Julho de 2019, o montante total de vendas ascendeu a € 3.093,23 (três mil e noventa e três euros e vinte e três cêntimos);
n. Em Agosto de 2019, o montante total de vendas ascendeu a € 301,30 (trezentos e um euros e trinta cêntimos);
o. Em Setembro de 2019, o montante total de vendas ascendeu a € 72,23 (setenta e dois euros e vinte e três cêntimos).
25. Nessa decorrência, o autor “AA”, na qualidade de gerente da empresa, acabou por declarar resolvidos os contratos de trabalho celebrados com os trabalhadores da empresa, uma vez que não havia qualquer atividade ou trabalho que estes pudessem desempenhar.
26. Acabando por cessar a produção e atividade da empresa, a partir de Setembro de 2019.
27. Mostra-se inscrita no registo comercial, relativamente à matrícula da autora «“GG” – Fábrica de Água Destilada, Ld.ª»:
a) Sob o averbamento 2 – apresentação 51/20180123, a cessação de funções da gerência de “BB”;
b) Sob a inscrição 2 – apresentação 52/20180123, a designação de “AA” como gerente;
c) Sob a menção – Dep. 83/2018-01-23, a transmissão da quota de que era titular “CC”, no valor de € 500,00, a favor de “AA”, divorciado;
d) Sob a menção – Dep. 84/2018-01-23, a transmissão, a favor de “AA”, divorciado, da quota no valor de € 2.000,00, resultante da divisão da quota no valor de € 4.500,00, de que era titular “BB”.
28. Comunicando o autor “AA” ao réu “BB” que a fábrica estaria encerrada desde Julho de 2019, nos termos da carta datada de 21.11.2019, constante de fls. 63 verso a 64 verso e cujo teor se dá por reproduzido, o equipamento que permaneça na fábrica, em resultado da sua paralisação, será irrecuperável para produzir água de qualidade e quantidade aceitável, incluindo os desmineralizadores e o destilador Ponzini, pois estes equipamentos necessitam de manutenção e funcionamento diários, de forma a evitar a inutilização das resinas, que funcionam como filtros de purificação da água, o que, por sua vez, danifica as tubagens, devido à falta de circulação da água e calcificação.
29. Também os demais equipamentos necessitarão de intervenção, incluindo os painéis de controlo eletrónico permanentes, canalizações, tubagens, mangueiras, torneiras, depósitos de armazenagem de água, limpeza do chão e paredes, tendo em conta que o produto que se fabrica é água destilada.
30. Em consequência, toda a parte eletrónica e de filtragem terá que ser substituída.
31. Após as conversações mantidas de 6. a 15. e antes dos atos referidos de 16. a 19., foi agendada nova reunião, que teve lugar nas instalações da fábrica da autora «“GG” – Fábrica de Água Destilada, Ld.ª», na qual estiveram presentes o autor “AA”, o já mencionado … e o contabilista certificado daquele autor, “DD”.
32. Nessa reunião, como nas demais, o réu “BB” pôs à disposição dos indicados intervenientes todos os documentos contabilísticos da sociedade «“GG” – Fábrica de Água Destilada, Ld.ª», para apreciação das suas contas, abrangendo toda a documentação da contabilidade daquela, que lhe foi facultada, incluindo balanços, balancetes razão, analítico e sintético, mapa de vendas e de clientes, demonstração de resultados e todos os ficheiros com suporte informático, também facultados.
33. No decurso da reunião, de forma a potenciar e expandir a empresa, no sentido de obtenção de novos clientes e atenta a capacidade de produção da fábrica, o réu “BB” sugeriu que o autor “AA” contratasse dois ou três comerciais e representantes regionais, pois, nos últimos anos, perdeu vários clientes, dado que, presentemente, só fornecia os clientes a “pronto pagamento”.
34. A referida documentação contabilística da autora “GG”, facultada ao autor “AA”, demonstrava que a mesma vinha acumulando prejuízos nos últimos anos.
35. Em 21 de Novembro de 2019, o autor “AA” remeteu ao réu “BB”, uma carta com o seguinte teor:
 “(...)
Em anexo junto uma relação das vendas da “GG” desde Julho de 2018 até Setembro de 2019, sendo que a empresa se encontra encerrada desde finais de Julho deste ano.” (...)
“Desde Janeiro do corrente ano que tenho sido abordado por um interessado na compra da empresa. Razão, aliás, que motivou o contacto da minha advogada com o seu.
(...)
O Sr. “BB” é dono de 50% das quotas da sociedade e os interessados estão disponíveis para assumir a minha posição na empresa nas condições que o Sr. “BB” e eu acordámos em Janeiro de 2018.
Assim, venho questioná-lo no sentido de saber se se opõe à venda ou se, pelo contrário poderei contar com a sua colaboração neste sentido. Se concordar, darei instruções à minha advogada para avançar com a elaboração com toda a documentação necessário o mais depressa possível.
Estou certo e entendo que esta não é a situação ideal. Sei que nem sempre consegui cumprir com o que combinámos, mas vejo aqui uma hipótese de resolver de forma definitiva este problema, sem mais prejuízos para ambos.
(...)”
36. Na declaração de modelo 22 de IRC, da sociedade “GG”, referente ao ano de 2018, foi aposto seu campo 5 o número de identificação fiscal do réu “BB”, …, que o identifica como representante legal daquela sociedade durante esse ano.
37. A declaração que antecede foi submetida à administração tributária por contabilista certificado.
38. Em 1 de Dezembro de 2019, o réu “BB” instaurou contra o autor “AA” ação executiva, para pagamento de quantia certa, nos termos constantes do documento de fls. 67 verso a 70 verso, cujo teor se dá por reproduzido, a qual corre termos sob o n.º 19246/19.1T8SNT, no Juiz 3, do Juízo de Execução de Sintra.
39. Esta ação foi instaurada no dia 24.01.2021.
*
Na sentença, foram dados como não provados os seguintes factos (alguns dos quais são objeto de impugnação):
40. Os réus foram os sócios fundadores da sociedade autora «“GG” – Fábrica de Água Destilada, Ld.ª».
41. Foi o réu “BB” quem se dirigiu ao autor “AA”, propondo-lhe a “compra da empresa”, o que fez através de várias conversas com o mesmo mantidas.
42. O réu “BB” apresentou a sociedade como se tratando presentemente de líder nacional de mercado na produção e comercialização de água destilada para utilização na indústria médica e farmacêutica.
43. O réu “BB” apresentou-se perante o autor e o seu economista, “DD”, com um “discurso encantador” e que convenceu ambos de que “se tratava de um bom negócio”.
44. O réu “BB” afirmou e convenceu o autor “AA” de que a empresa tinha uma produção e vendas muito elevadas.
45. Garantiu-lhe que tinha clientes muito grandes, ligados a submarinos e a rotas marítimas, que utilizavam no seu funcionamento muita água destilada, o que proporcionaria lucros elevados.
46. Convenceu-o ainda que os cabeleireiros e oficinas consumem água destilada com muita rotatividade e demanda e ainda que tinha como cliente o Instituto Ricardo Jorge.
47. Garantiu-lhe que também as grandes superfícies comerciais são enormes consumidoras de água destilada e que a negociação com estas seria fácil, porque a maioria da água destilada que consumiam era importada de Espanha e estas estariam interessadas em comprar o produto no mercado português.
48. Após análise das contas da empresa apresentadas pelo réu “BB”, o autor questionou a apresentação de lucros baixos e sem correspondência com a imagem de prosperidade transmitida pelo réu “BB”, tendo-lhe este explicado que os lucros que obtinha eram normalmente “por fora”, pois “a maioria do negócio era feito sem fatura”.
49. O réu “BB” convenceu o autor “AA” de que a empresa “GG”, na situação em que se encontrava na altura, era uma empresa viável e com um negócio potencialmente lucrativo e foi por esse motivo que o autor considerou que seria um bom investimento para diversificar a sua área de negócio, porquanto, se esta empresa já dava lucro sem estar comercialmente explorada em todo o seu potencial, mais daria se lhe fosse dado o impulso comercial necessário, o que o réu “BB” garantiu ser certo.
50. O réu “BB” afirmou que a empresa já detinha todos os meios de produção necessários para aumentar a sua capacidade, não existindo custos fixos de produção acrescidos a contabilizar.
51. O réu “BB” afirmou perante o autor “AA” que, atendendo aos lucros da empresa, o valor de € 200.000,00 estaria pago ao fim de apenas 2 (dois) anos.
52. Quando começou a gestão efetiva da empresa, o autor “AA” apercebeu-se de que nada do que o réu “BB” lhe tinha dito correspondia à verdade.
53. A marca “GG” estava completamente denegrida no mercado, fruto da atuação comercial do réu “BB” ao longo dos anos, sem qualquer potencial de desenvolvimento.
54. A tabela de preços que o réu “BB” havia estabelecido e apresentado ao autor “AA” estava inflacionada, com preços elevadíssimos e, quando este começou a produzir e a perceber os custos do preço de produção por litro de água produzida, percebeu que era impossível a margem de lucro que o réu “BB” lhe garantiu que teria, pois os clientes não pretendiam pagar preços tão elevados.
55. A empresa não tinha qualquer carteira de clientes, nem qualquer quota de mercado.
56. Os clientes que a empresa tinha não estavam interessados em continuar qualquer negócio com a “GG”, fruto do comportamento do réu “BB”, que insultava os clientes pelo telefone, se houvesse algum atraso no pagamento, não cumpria prazos de entrega do produto, entregando o produto aos clientes “a seu bel-prazer” e não quando estes pretendiam, prejudicando, assim, as linhas de produção dos próprios clientes, no que estes apelidaram de “péssima gestão”.
57. Por todos estes motivos, a “GG” tratava-se de uma empresa inútil e sem atividade comercial, que só não se achava insolvente por não ter dívidas a fornecedores.
58. Se soubesse o real estado da empresa, nunca o autor “AA” teria aceitado negociar com os réus, nem adquirido a empresa nas condições em que adquiriu.
59. O réu “BB” bem sabia que o que dizia ao autor não correspondia à verdade e que se não lograsse convencer o autor “AA” de que a situação da empresa era bem diferente da real, este nunca teria feito aquele negócio.
60. Tendo inclusivamente o autor “AA” explicado ao réu “BB” que eram as informações sobre a rentabilidade, a clientela e a margem de crescimento da empresa que o convenceram a aceitar o negócio.
61. O réu “BB” vive angustiado por ver o seu bom nome e imagem comercial denegridos.
62. Os presentes autos provocaram e provocam aos réus, sobretudo ao réu “BB”, sentimentos de revolta, tristeza e impotência, provocando-lhe angústia e sofrimento, sentindo-se ferido no seu orgulho, o que se tem traduzido em noites passadas em branco.

III. Apreciação do mérito do recurso
1. Da impugnação da matéria de facto
No seu recurso, o apelante põe em causa a apreciação da matéria de facto, pedindo que se considerem como provados os factos n.ºs 48 a 50, 52 a 56 e 58 a 60 que o tribunal a quo considerou não provados.
Na resposta ao recurso os apelados alegam que o apelante não deu cumprimento aos especiais ónus previstos no artigo 640.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Reproduz-se a parte relevante do citado artigo, por facilidade de exposição:
«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;»
Vejamos.
Nas conclusões do recurso, o apelante identificou os factos não provados acima identificados (n.ºs 48 a 50, 52 a 56 e 58 a 60) e pediu que passem a considerar-se como provados (v. síntese, na conclusão XX); além disso, indicou os meios de prova nos quais alicerça a sua posição, a saber, depoimentos de testemunhas, sobretudo de “DD”, e/ou do autor (conclusões III a XIX).
No corpo das alegações, indicou com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, tendo, ainda, transcrito os excertos que considerou relevantes.
Com o descrito procedimento, o apelante cumpriu os ónus constantes do artigo 640.º do CPC para o recorrente da matéria de facto, a saber:
a) Especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Explicitação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, indicando com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Segundo jurisprudência consolidada, na observância destes ónus, apenas a especificação dos pontos de facto impugnados tem de constar das conclusões do recurso. A título de exemplo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça:
- de 22-11-2018, proc. 1781/15.2T8LRA.C1.S1 (Bernardo Domingos), sendo de atentar, neste particular, no ponto III do seu sumário: «[e]ste ónus a cargo da recorrente, consagrado no art. 640.º do CPC, não exige que as especificações referidas no seu n.º 1 constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação»;
- de 08-04-2021, proc. 1544/16.8T8ALM.L1.S1 (Maria do Rosário Morgado), lendo-se no ponto III do seu sumário que «[o] recorrente que impugne a decisão sobre determinados pontos da matéria de facto deve indicar, nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; por sua vez, na motivação deve identificar os meios de prova que, na sua perspetiva, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados, bem como as passagens da gravação relevantes e a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
A razão encontra-se na lei: nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 635.º do CPC, «Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso», desta norma se concluindo que o objeto do recurso é o que decorrer das conclusões do mesmo.
De dizer que, mesmo a indicação dos «concretos pontos de facto que [o recorrente] considera incorretamente julgados» deve ser interpretada no sentido de não se impor «que se indiquem os números dos pontos impugnados, mas que, com clareza, resulte identificada a matéria que se quer pôr em causa» - v. Ac. STJ de 17-11-2021, proc. 8344/17.6T8STB.E1.S1 (Tibério Nunes da Silva).
No caso sub judice, como acima afirmado e resulta das transcritas conclusões do recurso, o apelante identificou claramente nas conclusões os factos que impugna, indicando os respetivos números.
A indicação das passagens da gravação em que se funda o recurso (imposta pela al. a) do n.º 2 do artigo 640.º, por reporte à al. b) do n.º 1 do mesmo) apenas tem de se efetuar nas alegações, não necessariamente nas conclusões. Aliás, idealmente, não nas conclusões, pois estas destinam-se, passe o pleonasmo, a concluir «de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão» (artigo 639.º, n.º 1, do CPC). O apelante deu cabal cumprimento ao referido ónus no decurso das suas alegações (v. n.ºs 8, 15, 20, 21, 29, 33, 43, 45 e 47 das alegações). De dizer, em todo o caso, que partilhamos da interpretação da al. a) do n.º 2 do artigo 640.º, constante do Ac. STJ de 15-02-2018, proc. 134116/13.2YIPRT.E1.S1 (Tomé Gomes), no sentido de, quando vem «impugnado apenas um juízo probatório negativo, convocando-se diversos depoimentos prestados nessa sede com argumentação crítica sobre a valoração feita pela 1.ª instância (…) complementada ainda pela transcrição desses depoimentos com indicação do dia da sessão de julgamento em que foram prestados, do ficheiro de que consta a respetiva gravação e das horas e tempo de duração, tal como ficou consignado em ata, tem-se por observado o nível de exatidão suficiente do teor dessas gravações suscetíveis de relevar para a apreciação do caso, à luz do preceituado no art. 640.º, n.º 2, al. a), do CPC».

Verificado o cumprimento dos especiais ónus de alegação decorrentes do artigo 640.º do CPC, passamos a reapreciar prova produzida com vista a decidir se assiste razão ao apelante na impugnação que fez da matéria de facto.
*
Factos não provados sob os n.ºs 48 a 50, que o apelante pretende que passem a provados, com fundamento no depoimento da testemunha “DD”.
Os factos em causa são os seguintes:
48. Após análise das contas da empresa apresentadas pelo réu “BB”, o autor questionou a apresentação de lucros baixos e sem correspondência com a imagem de prosperidade transmitida pelo réu “BB”, tendo-lhe este explicado que os lucros que obtinha eram normalmente “por fora”, pois “a maioria do negócio era feito sem fatura”.
49. O réu “BB” convenceu o autor “AA” de que a empresa “GG”, na situação em que se encontrava na altura, era uma empresa viável e com um negócio potencialmente lucrativo e foi por esse motivo que o autor considerou que seria um bom investimento para diversificar a sua área de negócio, porquanto, se esta empresa já dava lucro sem estar comercialmente explorada em todo o seu potencial, mais daria se lhe fosse dado o impulso comercial necessário, o que o réu “BB” garantiu ser certo.
50. O réu “BB” afirmou que a empresa já detinha todos os meios de produção necessários para aumentar a sua capacidade, não existindo custos fixos de produção acrescidos a contabilizar.
Ouvida a prova, afirmou a testemunha “DD” ter conversado com o réu talvez duas vezes antes de se concretizar o negócio e o réu o que falou foi do passado, o que fazia nos anos 80, 90, e falou do potencial da empresa, mas não falou do dia a dia da empresa. Se tivesse falado do dia a dia da empresa «talvez» o negócio não se tivesse concretizado. Esta testemunha foi perentória em dizer que antes de se concretizar o negócio, mostraram-lhe as contas dos anos anteriores (só balanços e demonstrações de resultados, foi tudo o que viu) e «perguntaram-lhe» o que achava e a testemunha respondeu que a empresa não valia nada, que ele, testemunha, não a compraria. A empresa tinha mais de 200.000 € de prejuízos acumulados (resultados transitados, prejuízos acumulados cerca de 250.000 € negativos), os ativos valiam zero (contabilisticamente estava tudo a zeros), e tinha dívida (financiamentos obtidos) superior a 200.000 € euros ao sócio. Desaconselhou o negócio.
De referir que a testemunha expôs quase sempre sem identificar os sujeitos da ação (perguntaram-lhe, sem dizer quem, podemos presumir que o autor), amiúde na voz passiva (foi dito, foi vendido, sem explicitar por quem a quem), o que dificulta a compreensão do que é que a testemunha soube por conhecimento direto e do que é que está convencido por lhe ter sido transmitido pelo autor.
De todo o modo, do depoimento desta testemunha não resulta a afirmação dos factos ora em causa, ou que tivesse assistido a conversas entre autor e réu nas quais o réu tivesse afirmado ao autor o que consta dos mesmos.
Há, outrossim, que ter em consideração os depoimentos das testemunhas “FF”, operária na fábrica da sociedade autora, durante 33 anos, até 2019, e “EE”, motorista e distribuidor da sociedade autora, durante 29 anos, até 2019 (sessão de 07/11/2023), que negaram que alguma vez se tivesse vendido sem fatura; e de … (sessão de 06/06/2023), que esteve presente em reuniões entre as partes, nomeadamente na fábrica e que sabe que o autor tomou decisão consciente e quão determinado estava na aquisição para oferecer o negócio a uma das filhas, licenciada em Biologia.
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Factos não provados sob os n.ºs 52 a 56, que o apelante pretende que passem a provados, com fundamento nos depoimentos do autor e, em parte, das testemunhas “DD” e …:
52. Quando começou a gestão efetiva da empresa, o autor “AA” apercebeu-se de que nada do que o réu “BB” lhe tinha dito correspondia à verdade.
53. A marca “GG” estava completamente denegrida no mercado, fruto da atuação comercial do réu “BB” ao longo dos anos, sem qualquer potencial de desenvolvimento.
54. A tabela de preços que o réu “BB” havia estabelecido e apresentado ao autor “AA” estava inflacionada, com preços elevadíssimos e, quando este começou a produzir e a perceber os custos do preço de produção por litro de água produzida, percebeu que era impossível a margem de lucro que o réu “BB” lhe garantiu que teria, pois os clientes não pretendiam pagar preços tão elevados.
55. A empresa não tinha qualquer carteira de clientes, nem qualquer quota de mercado.
56. Os clientes que a empresa tinha não estavam interessados em continuar qualquer negócio com a “GG”, fruto do comportamento do réu “BB”, que insultava os clientes pelo telefone, se houvesse algum atraso no pagamento, não cumpria prazos de entrega do produto, entregando o produto aos clientes “a seu bel-prazer” e não quando estes pretendiam, prejudicando, assim, as linhas de produção dos próprios clientes, no que estes apelidaram de “péssima gestão”.
Apreciando. O facto 52 é demasiado genérico e indeterminado para se considerar provado, pelo que sobre ele nada mais diremos.
Os afirmado de 53 a 56 foi essencialmente corroborado pelo autor, e infirmado pelas testemunhas “FF” e “EE”. A prova produzida não convence da sua veracidade. Certo é que o autor conhecia, antes da aquisição, a contabilidade da empresa e sabia que havia trabalho de boa gestão por fazer, estando convencido de que, com esse trabalho, a empresa iria progredir.
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Factos não provados sob os n.ºs 58 a 60, que o apelante pretende que passem a provados, com alicerce nos depoimentos do autor e de “DD”:
58. Se soubesse o real estado da empresa, nunca o autor “AA” teria aceitado negociar com os réus, nem adquirido a empresa nas condições em que adquiriu.
59. O réu “BB” bem sabia que o que dizia ao autor não correspondia à verdade e que se não lograsse convencer o autor “AA” de que a situação da empresa era bem diferente da real, este nunca teria feito aquele negócio.
60. Tendo inclusivamente o autor “AA” explicado ao réu “BB” que eram as informações sobre a rentabilidade, a clientela e a margem de crescimento da empresa que o convenceram a aceitar o negócio.
O autor teve os dados contabilísticos e o acesso à fábrica necessários para conhecer o estado da empresa, e foi desaconselhado a adquiri-la pelo seu cunhado, à data contabilista certificado. Simplesmente, estava confiante de que iria desenvolver o negócio com sucesso, o que não aconteceu. Por que razão não aconteceu, desconhece-se ao certo. Talvez não tenha sido desenvolvido trabalho suficiente para isso. A testemunha “EE”, por exemplo, disse espontaneamente que viu o autor na fábrica apenas duas ou três vezes (durante todo o período desde a aquisição pelo autor até à dispensa da testemunha em agosto de 2019, entenda-se). Nada na prova produzida nos convence da veracidade destes três factos.
Mantemos, in totum, a matéria de facto, tal como adquirida em 1.ª instância e bem fundamentada na sentença.

2. Do erro sobre o objeto do negócio
O apelante fundamenta juridicamente o seu recurso em alegado erro que teria sido determinante na sua decisão de celebrar o contrato (conclusões XXI e seguintes).
Quanto ao objeto do erro, umas vezes refere-se às “características do negócio” e outras às “características da sociedade”. Do contexto em que estas expressões são utilizadas resulta que o autor tem em vista as características da empresa de fabrico, venda e distribuição de água destilada produzida pela fábrica titulada pela sociedade autora. Estão em causa, portanto, as características do negócio que é objeto mediato do contrato celebrado pelas partes, e não as características do próprio contrato celebrado, das obrigações que são o seu objeto imediato.
Alega o autor que o réu lhe teria transmitido que a dita empresa ou negócio tinha um conjunto de características, entre as quais se destacava o seu potencial de desenvolvimento, crescimento, expansão, característica que, mais tarde, verificou não existir; e que ele, autor, apenas teria adquirido as quotas da sociedade ora coautora por estar em erro sobre essa característica de potencial de crescimento da empresa.
Tratar-se-ia, portanto, de um erro sobre o objeto do negócio, leia-se sobre o objeto mediato do contrato celebrado entre as partes, que, em dadas circunstâncias, tem relevância em direito civil, podendo conduzir à anulabilidade do contrato que uma das partes celebrou em erro.
Estaríamos, portanto, no domínio do chamado erro-vício, que é um erro na formação da vontade decorrente de um desconhecimento ou de uma falsa representação da realidade que interfere na declaração negocial. Nas palavras de Carlos Alberto da Mota Pinto, reconduz-se «a representação inexata ou a ignorância de qualquer circunstância de facto ou de direito determinante na decisão de efetuar o negócio» (Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed., Coimbra, 1986, p. 386).
Confrontando a narrativa do autor com os vários artigos do Código Civil que conferem relevância jurídica a este tipo de erro, situaríamos a ação no erro sobre o objeto do negócio, simples (artigo 251.º do CC), ou com dolo (artigo 253.º do mesmo Código).
Nos termos do primeiro, o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objeto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247.º (artigo 251.º). O artigo 247.º trata de um erro diferente, do chamado erro na declaração ou erro-obstáculo, que se distingue do erro-vício na medida em que no primeiro a representação da realidade é adequada, mas a declaração negocial resulta errada, divergente da vontade real, e no segundo, como dissemos, é a própria representação da realidade que está afetada pelo erro. A remissão do artigo 251.º para o 247.º reporta-se apenas aos requisitos da anulabilidade que são, assim, coincidentes: o negócio será anulável desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro. Essencialidade significa que o declarante apenas emitiu aquela declaração por causa do erro; se não fosse o erro, a declaração não teria sido emitida, ou teria tido outro conteúdo.
Esquematicamente, os requisitos de relevância do erro-obstáculo (erro na declaração) e do erro-vício simples (não determinado por dolo) são: i. a essencialidade para o declarante; e, ii. a cognoscibilidade pelo declaratário.
Se o erro tiver sido determinado com dolo do declaratário, o negócio é anulável independentemente da cognoscibilidade pelo declaratário da essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro causado com dolo (artigos 253.º e 254.º do CC). A essencialidade, independentemente do seu conhecimento pelo declaratário, essa é sempre um requisito, de outro modo o erro é acidental, juridicamente irrelevante.
A falsa representação da realidade incide necessariamente sobre circunstâncias presentes ou passadas, como é doutrina dominante (por todos, António Pinto Monteiro, Erro e Vinculação Negocial, Almedina, 2002, pp. 18-20; lapidarmente, Manuel Pita, in Código Civil Anotado, I, coord. Ana Prata, Almedina, 2017, anotação ao art. 251.º, p. 302; ainda e entre outros, José de Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, II, Lisboa, 1985, pp. 125-126; António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo I, 1999, Almedina, p. 539; Luís Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, Parte Geral, 4.ª ed., Almedina, 1995, pp. 704-705; Inocêncio Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2002, p. 98; Mafalda Miranda Barbosa, «Falta e vícios da vontade: uma viagem pela jurisprudência», Revista Jurídica Luso-Brasileira, A. 4 (2018), n.º 6, pp. 2391-2446 (2428)). Na jurisprudência, exemplificativamente, Ac. TRL de 10-10-2017, proc. 1223/10.0TVLSB.L2-7 (Luís Filipe Pires de Sousa); Ac. TRC de 10-02-2015, proc. 2466/11.4TBFIG.C1 (Henrique Antunes); Ac. STJ de 17-03-2010, proc. 7/06.4TTAVR.C1.S1 (Sousa Peixoto); Ac. STJ de 28-05-2009, proc. 197/06.6TCFUN.S1 (Oliveira Vasconcelos).
A ideação sobre circunstâncias futuras está fora do regime do erro. Quando estão em causa circunstâncias ou factos futuros, não há erro em sentido técnico-jurídico, não se pode fazer uma falsa ou deficiente representação de circunstâncias futuras porque elas não existem, não são realidade. Uma deficiente previsão de circunstâncias futuras pode ter relevância jurídica através do instituto da resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias, mas não é um caso de «erro». Só há erro quando a representação está em desacordo com a realidade existente no momento da formação do negócio jurídico. Se o caso consiste na falsa representação de uma realidade futura, que se não chega a verificar-se – o caso do impropriamente chamado de error in futurum – não é de erro, mas de falsa ou deficiente previsão. Além da possibilidade de alteração ou resolução do contrato por alteração das circunstância, quando se verifiquem os seus pressupostos (artigo 437.º do CPC), circunstâncias futuras podem ter relevância contratual quando são de alguma forma integradas no contrato, nomeadamente na qualidade de condição ou de garantia. O instituto de erro-vício reporta-se a uma representação do existente. O objeto do negócio sobre o qual se pode estar em erro é o objeto existente – «se o caso consiste na falsa representação duma realidade futura, que se não chega a verificar – A compra x para doar a B, supondo que este casará, e este não vem a casar – este caso (chamado por vezes inexatamente error in futurum) não é de erro mas de outra figura jurídica, que chamaremos com Windscheid e o Prof. Manuel de Andrade, pressuposição (Voraussetzung)» (João de Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, II, Lisboa, AAFDL, 1979, pp. 78-79).

Aqui chegados, importa verificar se o autor celebrou o contrato dos autos em erro sobre o seu objeto, erro-vício, juridicamente relevante, subsumível ao disposto no artigo 251.º do CC.
Para tanto e em primeiro lugar temos de aferir: i. qual era a realidade do objeto mediato do contrato (como vimos acima foi sobre ele que foi invocado o erro) à data da sua celebração; e, ii. qual a representação que o autor tinha, imediatamente antes da celebração do contrato, daquele objeto.
Percorramos os factos:
Factos 2 e 16 a 19 – O objeto mediato do contrato celebrado é constituído por quotas da “GG” Fábrica de Água Destilada, Ld.ª – ou, simplificando, pela própria sociedade, já que fazia parte do contrato uma procuração com poderes especiais conferidos ao autor para que este alienasse a quem entendesse, inclusivamente a si mesmo, a remanescente da quota não totalmente adquirida –, sendo a “GG” titular de uma empresa em funcionamento que se dedicava à indústria do tratamento físico-químico e biológico da água e respetivo comércio, nomeadamente, à produção e comercialização de água destilada para utilização médica e farmacêutica. O autor sabia e estava perfeitamente ciente de tudo quanto referido.
Factos 31, 32 e 34 – Outras características de primeira linha do objeto do contrato consistiram nos dados objetivos da sua contabilidade atual e dos últimos anos, que foi posta à disposição do autor e que revelava a realidade deficitária da empresa, o seu volume de negócios, os seus ativos, o passivo, os capitais próprios; e, no espaço físico da fábrica e todos os seus bens e equipamentos, funcionais e em funcionamento, a que o autor teve acesso.
Factos 6 e 8 a 11 – Outras características transmitidas pelo réu consistem na “solidez” da empresa, com «mais de 20 anos no mercado, com uma posição que lhe permitia expandir exponencialmente o negócio e, consequentemente, os lucros», detentora de «certificados de qualidade da água produzida pela empresa, certificada como a melhor do País», com «grande capacidade de produção e de resposta», estando naquela altura «apenas a metade da sua capacidade», com capacidade para abastecer submarinos (já o tinha feito numa ocasião), tendo como cliente o Hospital de Santa Maria. A “solidez” é um conceito abstrato e subjetivo que temos de desconsiderar; a empresa tinha vinte anos de existência e continuava ativa e operacional, nesse sentido era sólida; por outro lado tinha prejuízos acumulados, sendo mantida à custa da injeção de dinheiro pelo sócio (facto 17, considerando 2, depoimento de “DD” que analisou a contabilidade antes da celebração do contrato). No mais, nada nos indica que as informações não sejam verdadeiras. Não há notícia de que o réu tenha dito ao autor que desenvolver e expandir o negócio seria fácil; muito menos há notícia de que o réu tenha transmitido ao autor que aumentar os lucros seria fácil. Se fosse fácil, por certo o réu – com avançada idade e problemas de saúde, por um lado, mas com um know how de longos anos, por outro – tê-lo-ia feito.
Factos 11 a 13 e 33 – O réu prestou ao autor as seguintes informações sobre o mercado específico da empresa e deu-lhe as seguintes sugestões para expandir o negócio: hospitais, institutos de ciência, cabeleireiros, oficinas, e grandes superfícies comerciais eram consumidores de água destilada e, portanto potenciais clientes a explorar; para a obtenção de novos clientes e atenta a capacidade de produção da fábrica, o réu sugeriu que o autor contratasse dois ou três comerciais e representantes regionais; informou, ainda que, nos últimos anos, tinha perdido vários clientes, por ter passado a fornecer apenas a pronto pagamento. Estas informações (que nada indica que fossem falsas) e sugestões indicam que a empresa não estava na melhor forma e tinha margem para melhorar.
Tudo o que até agora foi dito sobre a realidade do objeto do contrato, desde as características mais nucleares às menos relevantes, era do conhecimento do autor à data da celebração do contrato.
As únicas situações que o autor apenas descobriu a posteriori e sobre as quais podia ter laborado em erro sãos as descritas nos factos 22 e 23 que nos dizem que os preços praticados pela “GG” não eram competitivos, havendo produto “estrangeiro” a preços mais baixos «impossíveis de praticar pela empresa»; e que havia clientes que queriam deixar de o ser por não estarem satisfeitos  com as condições de pagamento exigidas pelo réu. No que toca a esta segunda parte, trata-se de uma situação conjuntural, que estava na disponibilidade da nova gerência alterar, com algum trabalho de negociação e marketing e alteração de condições de crédito a clientes. A primeira parte tem de ser lida cum grano salis, talvez fosse «impossível» praticar preços mais competitivos com a estrutura que a empresa tinha, com apenas dois trabalhadores a atingir a idade da reforma, sem comerciais, sem alguém disponível para uma gestão moderna e ativa, a produzir metade da capacidade da maquinaria de que dispunha, etc. Mais uma vez, o réu tinha explicado ao autor que era necessário mudar procedimentos  e deu-lhe pistas para tanto (prazos de pagamento, contratação de comerciais). O autor conhecia a realidade da empresa.
Certo é que o autor não conseguiu a transformação necessária e o volume de vendas durante a sua gerência foi irrisório (facto 24), até que, no verão de 2019, o autor resolveu os contratos de trabalho e cessou a atividade da empresa (factos 25 e 26), mas estes factos não resultam de qualquer erro-vício.

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.

Lisboa, 19/12/2024
Higina Castelo
João Paulo Vasconcelos Raposo
António Moreira