GESTÃO PROCESSUAL
IMPULSO PROCESSUAL
ÓNUS
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Sumário

Sumário (da responsabilidade do relator):
I. É lícito ao juiz, ao abrigo do seu poder de gestão processual, impor às partes o dever de impulsionarem os autos, mesmo que estes se encontrem numa fase processual em que o ato tipicamente devido seja da competência daquele;
II. Uma vez que a gestão processual constitui um poder vinculado, ou poder-dever, sindicável por via de recurso, para que o juiz possa impor às partes tal ónus de impulsionarem os autos deve fundamentar devidamente as razões que sustentam a sua decisão, de facto e direito;
III. Fazendo o juiz uma simples advertência genérica de deserção da instância ante silêncio das partes, tal decisão não constitui um adequado exercício das faculdades de gestão processual e, consequentemente, era ao juiz que incumbia a prática do ato tipicamente esperado na tramitação processual.

Texto Integral

Decisão:

I. Caracterização do recurso
I.I. Elementos objetivos:
- Apelação – 1 (uma), nos autos;
- Tribunal recorrido – Juízo Local Cível de Cascais - Juiz 2;
- Processo em que foi proferida a decisão recorrida – Ação de processo comum declarativo;
- Decisão recorrida – Decisão de extinção da instância, por deserção.
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I.II. Elementos subjetivos:
- Recorrentes (autor):
- ---;
- Recorridos (réus):   - ---;
- ---;
- ---. --
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I.III. Síntese dos elementos relevantes autos:
- Por despacho de 24/11/2022 foi designada data para audiência final para o dia 6/12/2022;
- Apresentado requerimento pelo mandatário do autor, foi proferido despacho nesse dia (6/12/2022), qualificando o requerido como justo impedimento, dando sem efeito a audiência agendada e designando para sua realização o dia 27/10/2023;
- Em requerimento da autora de 25/10/2023 foi dito (transcrição integral, atento o seu carater sintético):
- A. e R., vêm requerer a suspensão do processo, por um prazo não inferior a 20 dias, porquanto visualizam uma plataforma de entendimento, cujo teor estão a discutir.
- Na sequência, foi proferido o seguinte despacho (datado de 26/10/2023) – extratado:
- (...) No caso dos autos, constata-se que a suspensão da instância ora pretendida implica o adiamento da audiência final, que se encontra agendada para amanhã.
(...)
Nestes termos, e em face do exposto, indefere-se a suspensão da instância ora requerida, por falta de fundamento legal.
- Na sequência, nesse mesmo dia, foi apresentado requerimento com o seguinte teor (extratado):
- “MM”, Advogada constituída do A., vem aos autos prontamente informar as circunstâncias impeditivas da sua presença no dia de amanhã, na audiência de julgamento aprazada, porquanto no dia de hoje foi acometida de doença inesperada - testou positivo ao Covid.
(...)
Como é do conhecimento geral este vírus para além de ser muito contagioso é devastador do ponto de vista físico, configurando portanto, a doença, um justo impedimento.
Requer assim, ao abrigo no nº1 art. 603.º in fine do CPC o adiamento da audiência de julgamento pelos factos aduzidos.
- Juntou atestado médico datado de 26/10/2023 declarando, designadamente, que a mandatária se encontra doente desde o dia 26 de outubro de 2023 e está impossibilitado de comparecer nos seus deveres profissionais por um período previsível de cinco dias;
- Na sequência, no dia 27/10/2023, foi proferido despacho com o seguinte teor:
Considerando as razões invocadas pela ilustre mandatária do Autor (cf. ref. citius n.º 24330371), as quais são suscetíveis de consubstanciar uma situação de justo impedimento (cf. artigo 603.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), dá-se sem efeito a audiência final agendada para a presente data.
Notifique e desconvoque.
*
Uma vez que as partes comunicaram já aos autos que se encontram em negociações (cf. req. de 25-10-2023 / ref. citius n.º 24317767), notifique as mesmas para informarem os autos, no prazo de 15 dias, se lograram alcançar acordo e/ou para requererem o que tiverem por conveniente, sem prejuízo do decurso do prazo a que alude o artigo 281.º do Código de Processo Civil.
- Tal despacho foi notificado aos mandatários, nesse dia (27/10/2023), por via eletrónica;
- Não tendo sido apresentado qualquer requerimento, foi proferido em 25/2/2024 despacho com o seguinte teor:
- Aguardem os autos o decurso do prazo a que alude o artigo 281.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
- Tal despacho foi notificado aos mandatários, no dia (26/2/2024), por via eletrónica;
- No dia 20/6/2024 foi proferida a decisão recorrida, cujo teor se extrata:
            (...)     
Não obstante expressamente advertidas de que os autos se encontravam a aguardar o respetivo impulso processual, sem prejuízo do decurso do prazo de deserção da instância, as partes nada disseram e/ou requereram aos autos.
            (...)
Em face do exposto, e considerando que o processo se encontra a aguardar impulso processual há mais de seis meses, por negligência das partes, declara-se extinta a presente instância por deserção, nos termos dos artigos 277.º, al. c) e 281.º, n.º 1 e 4 do Código de Processo Civil.
- Desta decisão apelou o autor, pelo presente. –
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II. Objeto do recurso:
II.I. Conclusões do recorrente:
1. Resulta da douta decisão recorrida que foi dada sem efeito a audiência final agendada nos autos, em face da apresentação de requerimento de 27.10.2023, pela mandatária do Autor, tendo até havido comunicação prévia ao mesmo agendamento, pelas mandatárias de ambas as partes.
2. Assim, pelas referidas mandatárias de A e R., foi requerida a suspensão da instância com o mesmo fundamento.
3. A. e R., foram duas vezes notificadas pelo Tribunal, para no prazo de quinze dias informarem o processo quanto ao resultado das negociações referidas, mas nada disseram.
4. As notificações efetuadas pelo tribunal, contendo os Despachos do M Juiz a quo, diziam: “sem prejuízo do decurso do prazo da deserção a que alude o artigo 281º do CPC.
5. E porque as partes foram expressamente advertidas através de notificação, de que os autos se encontravam a aguardar o seu impulso processual há mais de seis meses sob pena de nada fazendo haveria deserção da instância.
6. Assim, por douta sentença, declarou o tribunal a quo, (...) declara-se extinta a presente  instância por deserção (...);
7. O presente recurso é interposto, nos termos do artigo 629º, nº 2, al. c) do CPC, o qual dispõe  que: - “Independentemente, do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: Das decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.”
8. Na verdade, subjacente ao presente recurso está o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.07.2018, proc.349/14, in www.dgsi.pt/stj.nsf 954, processo 105415/12.2YIPRT.P1.S1, Relator: Abrantes Geraldes, Deserção da Instância;
9. No sumário do referido acórdão consta o seguinte:
I. A extinção da instância por deserção, ao abrigo do art. 281º, nº 1, do CPC, depende de dois pressupostos, um de natureza objetiva (demora superior a 6 meses no impulso processual legalmente necessário) e outro de natureza subjetiva (inércia imputável a negligência das partes).
II. Para que se verifique o primeiro requisito é necessário que o prosseguimento da instância dependa de impulso da parte decorrente de algum preceito legal, o que não se verifica quando, depois de ter findo o prazo de suspensão da instância fixado pelo juiz, com fundamento no propósito de as partes efetuarem transação nos autos, estas não comunicam a efetivação de qualquer  transação.
III. O facto de, após o decurso do prazo fixado para a suspensão da instância, ter sido proferido despacho segundo o qual os autos ficariam a aguardar o que as partes “tivessem por conveniente, dando conta das negociações encetadas ou pedindo a marcação do julgamento, sem prejuízo do disposto no art. 281º do CPC”, não faz recair sobre as partes qualquer ónus cujo incumprimento determine a extinção da instância, por deserção.
IV. Em tais circunstâncias, a situação de suspensão da instância considera-se finda depois de decorrido o prazo de suspensão fixado pelo juiz ou o da sua prorrogação, nos termos do art. 276º, nº 1, al. c), do CPC, devendo ser determinado oficiosamente o prosseguimento da ação.
10. Na decisão proferida em 20.06.2024, através da qual, em primeiro lugar, se percebe que o tribunal designara data de audiência de julgamento e que por requerimento apresentado pela mandatária do A, foi a mesma dada sem efeito, em 27.10.2023. Em segundo lugar, e anteriormente, ambas as partes, A e R, comunicaram que se encontravam em negociações, e posteriormente, requereram a suspensão da instância com base na mesma motivação. Em terceiro lugar, foram as partes notificadas pelo tribunal para informarem nos autos, no prazo de 15 dias, se haviam alcançado o acordo e/ou requererem o que tivessem por conveniente sem prejuízo do decurso do prazo a que alude o art.º 281º do CPC. Em quarto lugar, em 26 de fevereiro de 2024, foram as partes novamente notificadas de que os autos se encontravam a aguardar o decurso do prazo de deserção de instância, e as partes nada disseram ou requereram nos autos.
11. Quanto ao preenchimento dos pressupostos, na decisão em crise, encontra-se concretizado o pressuposto de natureza objetiva, designadamente entre 27.10.2023 e 26.06.2024, (data da decisão) decurso de mais de seis meses.
12. Porém, não se encontra, preenchido o pressuposto de natureza subjetiva, porquanto os despachos para notificação das partes, para informarem o estado das negociações ou requererem o que tivessem por necessário, embora com a cominação de que os autos se encontravam a aguardar o decurso do prazo a que alude o artigo 281º do Código de processo Civil, não podiam produzir o efeito ali cominado.
13. E isto, porque, decorrido o prazo de quinze dias concedido pelo M Juiz a quo, para as partes, informarem nos autos o estado em que estavam as negociações e/ou requererem o entendessem por necessário, não o tendo feito, deveriam ter prosseguidos autos com a marcação da audiência de julgamento.
14. Pelo que é entendimento do STJ no referido acórdão, que a instância aguardava, na falta de impulso processual das partes, a notificação das mesmas para a realização da audiência final, a designar pelo M. Juiz a quo.
15. O espírito de tal interpretação pelo Supremo Tribunal de Justiça, é a de que “o processo não constitui matéria que seja deixada à pura iniciativa das partes, obedecendo a regras de interesse público.”
16. A douta decisão recorrida, violou os artigos, 276º, 1; 277º, al. c) 281º todos CPC, ao declarar extinta apresente instância por deserção, porquanto após os despachos intermédios do Juiz a quo, para que as partes informassem se atingiram o consenso e/ou requerem-se o que entendessem por necessário nesse sentido, na ausência de resposta das partes, nenhum impulso recaía sobre as mesmas em termos processuais, apenas ao tribunal a quo, ordenando o prosseguimento da instância com a designação da audiência final.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. –
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II.II. Questões apreciar:
- A única questão a apreciar é a verificação de uma efetiva deserção da instância, como declarada pela decisão recorrida. –
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III. Apreciação do recurso:
a) A referência a "jurisprudência uniformizada" feita nas conclusões:
Alude o recorrente nas suas conclusões a ser esta matéria objeto de jurisprudência uniformizada, referindo, a propósito, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
Deve assinalar-se que o aresto referido não foi proferido em contexto de revista ampliada ou de recurso para uniformização de jurisprudência (cf. art.º 686.º e 688.º do CPC) e não constitui, portanto, qualquer uniformização, como invocada pelo recorrente.
A despeito dessa circunstância, o recurso foi admitido a quo, recebimento já confirmado ad quem, em termos estritamente ordinários e decorrendo do valor da causa (que não foi definitivamente fixado e, portanto, mantém-se o indicado inicialmente pelo autor  - €7160 – art.º 629.º n.º 1 do CPC e art.º 44.º n.º 1 da Lei n.º 62/2013.
Estabelecido este elemento, pode avançar-se para o conhecimento do objeto do recurso. –
b) A deserção:
É atualmente inquestionável que a deserção da instância não é automática, carecendo de declaração judicial – assim, designadamente, acórdãos da Relação de Coimbra de 27/6/2023, Fonte Ramos; Relação do Porto de 24/5/2021, José Eusébio Almeida; Relação de Guimarães 29/2/2024, Anizabel Sousa Pereira; Relação de Guimarães 18/4/2024, Jorge Santos – jurisprudencia.csm.org.pt.
Para que tal declaração ocorra fundadamente, como sustenta a recorrente, é necessário que se reúnam dois requisitos: - a verificação objetiva de falta de andamento processual pelo período mínimo de seis meses e a imputação subjetiva dessa inação à negligência das partes.
É um dado objetivo que os autos não tiveram andamento por período superior a seis meses (o que, aliás, o recorrente expressamente aceita).
A questão coloca-se, portanto, ao nível da imputação desse não andamento processual e, mais especificamente, na determinação do ónus de impulsionar os autos no momento em que estes estagnaram (se das partes ou do tribunal).
A este propósito, como se disse em acórdão desta Relação de 7/5/2020 (Ana Azeredo Coelho - jurisprudencia.csm.org.pt) a apreciação da negligência justificativa da deserção deve ser feita face aos concretos elementos constantes dos autos.
O que nos dizem os presentes, assim, de pertinente:
a) Nos autos não foi proferido qualquer despacho a ordenar a suspensão da instância, tendo sido indeferido um pedido feito nesse sentido pelas partes em data muito próxima da audiência final;
b) O julgamento agendado foi dado sem efeito, por impedimento de saúde da mandatária do autor (doença com a duração de cinco dias);
c) No momento em que tal audiência foi dada sem efeito, o juiz a quo chamou à colação a informação da existência de negociações entre as partes e determinou que estas viessem informar nos autos o resultado das mesmas, com advertência expressa da possibilidade de deserção da instância, em caso de inércia;
d) Meses mais tarde, foi determinado que os autos continuassem a aguardar e a advertência foi repetida;
e) As partes nada requereram e a instância foi declarada deserta.
Sustenta o recorrente, convocando em seu abono avalizada jurisprudência, no sentido de que, estando os autos em fase de agendamento de audiência final, este é um ato da responsabilidade do tribunal e, portanto, a omissão da sua prática não permite considerar verificada qualquer negligência das partes (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5/7/2018, Abrantes Geraldes - jurisprudencia.csm.org.pt).
Outra jurisprudência no mesmo sentido poderia ser carreada, como os acórdãos desta Relação de 12/1/23 (Carlos Castelo Branco) e 9/3/2023, (Cristina Lourenço),  da Relação de Guimarães de 9/4/2019 (Maria Cristina Cerdeira), da Relação de Évora de 26/9/2019 (Cristina Dá Mesquita), todos loc. Cit.
Em sentido diverso se perfilam outros arestos, entre os quais Relação do Porto de 14/6/2016 (José Igreja Matos), cit.
A questão não se pode, em todo o caso, colocar-se em abstrato ou de modo geral porque, mesmo que existam correlações entre as diversas situações processuais, a avaliação a fazer é puramente casuística.
Segundo critérios expressamente acolhidos na citada jurisprudência, o impulso processual é, em primeiro lugar, da parte quando uma norma legal especificamente o estabeleça.
É inquestionável, no caso em apreço, que tal norma legal não existe, i.e., o processo teve audiência final agendada, que se não realizou e, nesse contexto, nada tendo sido ou requerido pelas partes, segundo o iter processual legalmente típico, o ato que seria devido seria um despacho de designação de nova data de audiência final, responsabilidade que, manifestamente, não é das partes.
A questão, no caso, é que o juiz a quo proferiu um despacho, após ter dado sem efeito a audiência final agendada, determinando que os autos ficassem a aguardar pronúncia das partes, sem prejuízo das regras de deserção da instância.
Neste contexto, pode dizer-se que, por via deste despacho, o juiz transferiu, de forma adequada, o dever processual de impulsionar os autos para as partes?
Esta é a questão em apreço, devidamente delimitada.
Concluindo-se que a imposição de tal dever às partes foi válida e eficazmente feito, transferir-se-ia para estas o dever de impulsionar o processo e, por consequência, também o ónus processual de deserção, em caso de incumprimento.
Pelo contrário, caso se conclua que o juiz não o podia ter feito, pelo menos da forma que o fez, a conclusão terá que ser a oposta, fazendo relevar as normas processuais típicas para concluir que o dever de impulsionar os autos era do tribunal.
Para esta análise há que sair das estritas normas ordinárias e colocar a questão ao nível dos princípios enformadores do processo civil.
Assim, convocando-se como primeiro elemento global de análise a garantia básica a um processo equitativo, que deve ser a grande linha orientadora da condução de qualquer processo, parece poder concluir-se, com segurança, que a decisão de extinção da instância por deserção não constituiu, nestes autos, qualquer surpresa para as partes.
Da advertência repetidamente feita também decorre que foi posta em causa, a algum nível, a confiança das partes na atividade judicial - foram informadas expressamente, por duas vezes, da possibilidade de a instância ser declarada deserta e nada disseram ou fizeram.
Pelo menos a um nível imediato, não se se pode, portanto, dizer que a decisão do tribunal saiu da linha esperada de decisão.
Poderia argumentar-se, saindo dessa avaliação mais imediata, que a confiança das partes foi abalada a um nível mediato, que seria precisamente decorrente da fase processual em que o processo se encontrava e da constatação que o ato devido seria a prolação de despacho de reagendamento da audiência final.
A decisão da questão só pode ser feita ao nível do seu nó górdio, que está na utilização do princípio de gestão processual que o juiz tenha feito e na sua devida avaliação.
Colocando a questão ao nível da gestão processual (art.º 6.º do CPC), a respetiva análise carece de uma indagação mais cuidada.
Também aqui, a um primeiro nível mais imediato, se poderia dizer que até se torna mais visível a responsabilidade do tribunal pelo não andamento da instância, que é o mesmo que dizer, pela omissão de reagendamento da audiência final.
Assim, diz-nos o n.º 1 que cumpre ao juiz (...) dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação.
Numa exegese muito direta dir-se-ia que, estando os autos em fase de julgamento e incumbindo ao juiz o seu agendamento, este deveria ter promovido o andamento da instância e/ou removido o obstáculo que se verificava.
Essa leitura superficial carece de uma análise mais profunda, que se deve fazer a dois níveis.
A um primeiro nível, estabelecendo que este princípio de gestão processual estabelecido pelo art.º 6.º deve ser ligado à adequação formal estabelecida pelo art.º 547.º - o juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.
Quer isto dizer que o legislador de 2013, sublinhando um caminho que se afirmava muito claramente desde a reforma de 95/96, conferiu ao juiz um poder vinculado, ou poder-dever, de conduzir ativamente os processos, seguindo os preceitos legais, mas dando-lhe também alguma margem de plasticidade, como forma de ultrapassar pontuais dificuldades decorrentes de rigidez formal e sempre com o intuito final de conseguir uma decisão de mérito, em prazo razoável e seguindo um processo equitativo.
Vertendo estas considerações ao caso, é errado afirmar que o ato a praticar, necessariamente, naquele momento processual seja o agendamento de julgamento pelo tribunal.
A lei não só permite, como impõe, ao juiz, ao conduzir o processo ativamente, que avalie, em cada momento, os atos adequados ao seguimento da instância e, neste caso, o tribunal, muito claramente, decidiu que impor às partes a obrigação de comunicarem o desfecho das suas negociações.
Chegando a este ponto, passa-se ao tal segundo nível de avaliação que pode ser resumido na questão – atuou, ou não, corretamente o tribunal ao impor às partes esse dever de impulso processual?
Responder a esta questão implica olhar outros elementos do caso concreto.
Assim, importa atentar que o julgamento dado sem efeito constituiu um terceiro agendamento, correspondendo a primeira data indicada a uma dilação de marcação superior a um ano e a segunda data a uma dilação de agendamento superior a dez meses.
Uma correta interpretação do art.º 6.º e do  princípio de gestão processual nele contido, também referido como case management, deve ser feita considerando as especificidades do caso e as exigências gerais de gestão do acervo processual distribuído ao juiz segundo critérios aleatórios.
Em termos simples, uma adequada avaliação das obrigações de case management do juiz implica que considere todas as exigências funcionais que lhe são impostas para dar justiça nos processos distribuídos.
Os meios não são elásticos e a atividade do juiz é limitada e, consequentemente, a utilização desadequada, desproporcional ou abusiva da justiça por uns. implica, necessariamente, a compressão do direito de outros a haverem justiça em prazo razoável – se o juiz, num caso concreto, retira do comportamento das partes uma falta de cooperação no desenvolvimento da instância, pode (e deve), exercer as suas competências de gestão processual.
Tratando-se de não agendamento de audiência final, tal conformação gestionária significa que esse juiz, ante dificuldades de agendamento que são manifestas da simples verificação das dilações das datas de audiência final anteriormente agendadas, entendendo que as partes (de um processo relativo a direitos disponíveis), especialmente a parte ativa, não denotam interesse no desenvolvimento da instância e, pelo contrário, o que denotam é a intenção contrária, poderá validamente determinar que esse processo fique a aguardar indicação das partes da sua intenção de prosseguimento, dando preferência ao agendamento de outros processos em que não constate tal inércia.
Diga-se, nesta linha, que esse juízo se apresenta como legítimo no caso em apreço, decorrendo, não só da circunstância de terem sido feitos agendamentos do ato processual devido em duas ocasiões, abarcando um período temporal que se aproximou de dois anos, (sessões não realizadas); da apresentação de um pedido de suspensão por acordo apresentado na antevéspera da segunda das datas agendadas (e indeferido); da apresentação no dia seguinte (véspera da audiência final) de uma comunicação de falta da mandatária do autor invocando, em 2023, a doença pandémica que, há muito, deixara de ser fundamento genérico de justificação e aludindo a um estado febril.
Sem questionar, obviamente, que tal estado de saúde se tenha verificado (como o tribunal a quo não questionou), a verdade é que o circunstancialismo geral permite estabelecer uma conclusão legítima de desinteresse no andamento nos autos.
Essa conclusão foi manifestada por despacho e, em boa verdade, confirmou-se – as partes, particularmente o autor, em duas ocasiões, nada disseram ou fizeram nos autos, apesar de terem sido expressamente advertidas da possibilidade de ser declarada deserta a instância.
Colocando assim a questão, ganha devido enquadramento a decisão do juiz de impor às partes o ónus de  serem estas a impulsionar os autos.
Deve entender-se que o juiz tem essa faculdade de transferir para as partes o dever de impulsionarem os autos, ainda que esse impulso seja uma mera declaração genérica de intenção de prosseguimento da instância.
O juiz, no âmbito dos seus poderes de gestão processual, perante um contexto de dificuldades e, consequente compressão geral de direito de acesso à justiça dos diversos destinatários, pode decidir adequar a tramitação processual, retirando da sua esfera decisória imediata a necessidade de agendar julgamento e remetendo-a para decisão das partes.
O que é essencial é que o faça de forma absolutamente clara e expressa.
Em termos simples, à luz dos referidos princípios ordenadores contidos no art.º 6.º e 547.º do CPC, entende-se que o juiz pode dizer às partes, de forma clara e objetiva, o que se pode assim resumir: - Foi agendado julgamento "um determinado número" de vezes; as audiências foram adiadas por causas imputáveis às partes ou aos seus mandatários; infere-se que não existe um interesse das partes no desenvolvimento da instância;  existem limitações de agenda que são manifestas e, nesse contexto, informem as partes se têm interesse no seguimento da instância, sendo que, caso nada digam, não será agendada audiência final e os autos ficarão a aguardar que as partes venham manifestar vontade de seguimento de instância, sob advertência de, não o fazendo em seis meses, ser esta declarada extinta por deserção.
Deve entender-se, no contexto dos autos, que lhe era lícito conferir às partes esse dever de impulsionar os autos.
Tal dever não foi conferido, todavia, de forma clara e invocando o disposto no referido princípio de gestão processual (adjuvado pela adequação formal).
Não sendo clara tal invocação, subsiste uma margem de dúvida, que ultrapassa o limiar do aceitável à luz do processo equitativo e da confiança, sobre se as partes, especialmente a parte ativa, entenderam efetivamente essa transmissão do dever de impulsionar os autos e as consequências daí advenientes ou se mantiveram inertes a aguardar novo agendamento.
Ante essa dúvida, não se pode dizer que as partes incumpriram alguma obrigação de dar impulso aos autos que lhes tenha sido legitimamente atribuída pelo juiz do processo, com isso afastando a situação de uma deserção da instância legalmente sustentada (cf. art.º 281.º CPC).
Quer isto dizer, em conclusão, que a decisão recorrida deve ser substituída por outra que ordene o seguimento dos autos, com agendamento de audiência final, o que se decide. –
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IV. Decisão:
Face ao exposto, confere-se a apelação, determinando-se a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que ordene o seguimento dos autos com agendamento da audiência final.
Custas pelo recorrente.
Notifique-se e registe-se. –
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Lisboa, 19-11-2024,
João Paulo Vasconcelos Raposo
Fernando Besteiro
Rute Sobral