AÇÃO EXECUTIVA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
PARTE VENCIDA
REJEIÇÃO DE RECURSO
LIQUIDAÇÃO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário


Não tendo o recorrente posição processual passível de ser afetada pela decisão que proceda à liquidação do crédito reclamado, não tem legitimidade para recorrer de qualquer decisão que respeite ou se pronuncie sobre a mesma.

Texto Integral


Processo nº. 5682/13.OYYPRT.P1.S1

Acordam em Conferência na 6ª. Secção do STJ.

Relatório:

A exequente, AA instaurou execução sumária contra os executados BB e CC, para pagamento coercivo da quantia exequenda liquidada no requerimento executivo em € 62.178,93.

Prosseguiram os autos, tendo a Sr.ª Agente de Execução elaborado e notificado as partes da conta final da execução.

Foram apresentados requerimentos de reclamação, tendo sido proferidos despachos.

Foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto.

Em tal acórdão foi rejeitado o recurso interposto pelo executado BB, quer por intempestivo, quer por falta de legitimidade do mesmo, tendo sido ali afirmado o seguinte:

«Não tendo o executado posição processual passível de ser afetada pela decisão que proceda à liquidação do crédito reclamado, não tem, naturalmente, legitimidade para recorrer de qualquer decisão que respeite ou se pronuncie sobre a liquidação do crédito reclamado».

O acórdão conheceu das questões suscitadas pela executada, concretamente, a liquidação da quantia exequenda e crédito reclamado, titularidade do bem vendido e ilegalidade da afetação de valores emergentes da venda do bem penhorado ao pagamento de dívidas do executado.

E veio a ser proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, com o seguinte teor na sua parte dispositiva:

«Pelo exposto, acordam os juízes que integram a 3.ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em julgar integralmente procedente o recurso de apelação interposto pela executada/apelante CC e, revogando-se a decisão recorrida, defere-se a reclamação apresentada pela executada/apelante, determinando-se a retificação da conta final em conformidade (afetação do valor € 325.494,69 ao pagamento da quantia exequenda de € 85.449,18, do crédito reclamado: € 110.860,90 e das despesas e honorários da AE em falta de € 4.401,75, restituindo-se à executada/apelante o remanescente)».

Do acórdão da Relação veio o executado interpor recurso de revista para este STJ.

Depois de cumprido o disposto no nº. 1 do art. 655º do CPC., foi proferida decisão a não conhecer do objeto do recurso.

Veio o recorrente reclamar para a conferência.

A recorrida manifestou-se no sentido da não admissibilidade da revista.

Foram colhidos os vistos.

Fundamentação:

O recorrente reafirma que se encontram preenchidos os requisitos de que depende a admissibilidade do presente recurso.

Entende o recorrente que o Tribunal da Relação do Porto errou no que respeita à liquidação da responsabilidade dos executados, declarou a titularidade do direito de superfície pertencente à executada, bem como, no respeitante à titularidade do valor sobrante, em que decidiu pertencer à executada.

Ora, no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, não foi admitido o recurso do executado, por intempestividade e falta de legitimidade do recorrente.

O objeto do litígio versou tão só sobre as questões suscitadas pela executada, concretamente, liquidação da responsabilidade da executada, venda do direito de superfície e titularidade do saldo sobrante.

Diz-se naquele acórdão, nomeadamente: «Na sequência do conhecimento, pelo tribunal a quo, da nulidade arguida no recurso interposto pela executada/apelante CC, foi proferida em 09-01-2024 decisão que julgou parcialmente procedente a reclamação apresentada pela referida executada/apelante, quanto à liquidação da responsabilidade dos executados, fixando a mesma em € 196.326,84 (quantia exequenda de € 85.456,03 + crédito reclamado de € 110.870,81).

Foi efetuada notificação eletrónica desta decisão às partes em 09-01-2024.

O executado apresentou, em 11-01-2024, requerimento a arguir a nulidade do despacho de 09-01-2024, por manifesto erro jurídico e material no cálculo da responsabilidade dos executados, requerendo a sua substituição por outro que fixe o crédito exequendo em € 239.104,83.

Tal requerimento de arguição de nulidade foi indeferido, por despacho de 15-02-2024, com o fundamento de que, cabendo recurso da decisão, a nulidade tinha que ser arguida no recurso.

Foi efetuada notificação eletrónica desta decisão às partes em 16-02-2024.

Em 28-02-2024 o executado apresentou requerimento de interposição de recurso do despacho proferido em 09-01-2024 e do despacho proferido em 15-02-2024.

Tal como sucedeu com o despacho proferido em 17-10-2023, também o despacho proferido em 09-01-2024 apreciou questões atinentes à liquidação da responsabilidade dos executados e à realização de pagamentos. Tais operações têm lugar antes da extinção da execução e são pressupostos desta (art. 849.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil).

Acresce ainda que, subjacente aos termos da conta final notificada, nomeadamente quanto à afetação dos valores provenientes do produto da venda a outros pagamentos e quanto à restituição do remanescente aos dois executados, estão outras questões jurídicas apreciadas e decididas na decisão proferida pelo tribunal a quo em 17-10-2023.

Assim, quanto a estas decisões (quer a proferida em 17-10-2023, quer a proferida em 09-01-2024) a impugnação diferida – após a extinção da execução – seria inútil, pelo que das mesmas cabe recurso de apelação, nos termos previstos na al. a) do n.º 2 do art. 853.º, por referência à al. h) do n.º 2 do art. 644.º, ambos do Cód. Proc. Civil.

O prazo para a interposição deste recurso previsto na al. h) do n.º 2 do art. 644.º do Cód. Proc. Civil é, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 638.º do mesmo diploma, de 15 dias.

Daqui resulta que, considerando-se o executado BB notificado da decisão proferida em 09-01-2024 no dia 12 de janeiro de 2024, tal prazo de 15 dias terminou no dia 27 de janeiro de 2024 (sábado) pelo que, nos termos do disposto no art. 138.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, o termo do referido prazo de 15 dias para a interposição do recurso transferiu-se para o primeiro dia útil subsequente, ou seja, dia 29 de janeiro de 2024.

O requerimento de interposição de recurso do executado/apelante, apresentado em 28-02-2024, é, assim, manifestamente extemporâneo no que concerne à impugnação da decisão de 09-01-2024.

Quanto ao despacho proferido em 15-02-2024, resulta das alegações e conclusões do recurso interposto que o que o executado/apelante pretende é a revogação da decisão proferida em 09-01-2024, e não a revogação da decisão que decidiu não conhecer do requerimento apresentado em 11-01-2024 (Ref. ...19) por, cabendo recurso do despacho, a questão ter que ser suscitado mediante a interposição de recurso.

Tal resulta evidente da al. C) das conclusões do recurso, em que é o próprio executado/apelante que afirma que o objeto do recurso respeita à determinação do montante do crédito exequendo e do crédito reclamado (defendendo o mesmo que a liquidação da quantia exequenda e do crédito reclamado ascende a um total de € 239.104,33, e não valor de € 196 326,84 liquidado pelo tribunal recorrido no despacho de 09-01-2024).

Ainda que assim não fosse – ou seja, ainda que o recurso interposto pelo executado/apelante, quanto ao despacho proferido em 09-01-2024, fosse tempestivo, e ainda que tivesse por objeto o despacho proferido em 15-02-2024 –, sempre seria de concluir pela rejeição do recurso por falta de legitimidade do executado/apelante, uma vez que, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 631.º do Cód. Proc. Civil, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.

Ora, quanto à quantia exequenda, que a Sr.ª AE havia liquidado em € 137 899,65, a decisão recorrida considerou que tal liquidação ascende apenas a € 85 456,03. O executado é responsável, juntamente com a executada, pelo pagamento da quantia exequenda. A decisão recorrida pelo executado/apelante BB, na parte em que fixou a liquidação final da quantia exequenda em valor inferior ao da liquidação que a AE havia efetuado, é favorável ao executado/apelante, o qual é, juntamente com a executada, devedor da referida quantia à exequente.

Daqui resulta que o executado não é parte vencida nesta decisão, uma vez que a mesma, dando procedência parcial à reclamação apresentada pela executada/apelante, nomeadamente quanto à liquidação da responsabilidade dos executados efetuada pela Sr.ª Agente de Execução relativamente à quantia exequenda, (também) diminuiu o valor da liquidação da sua responsabilidade.

Quanto ao crédito reclamado e graduado para ser pago pelo produto da venda do bem penhorado, tal crédito tem como única devedora a executada.

O executado não é devedor da quantia reclamada pela exequente (credora reclamante) – que era objeto de execução noutro processo, no qual havia sido penhorado ½ do bem penhorado nesta execução –, tendo tal crédito (de que é única devedora a executada) sido

graduado para ser pago – após o pagamento do crédito exequendo, garantido por hipoteca – pelo bem penhorada naquela execução, execução essa que foi sustada por haver anterior penhora sobre o referido bem nesta execução.

Daqui resulta que o executado não é parte principal na relação jurídica emergente da sentença de reclamação de créditos, não sendo a sua posição processual na execução afetada pela liquidação que for efetuada quanto ao crédito reclamado.

Não tendo o mesmo posição processual passível de ser afetada pela decisão que proceda à liquidação do crédito reclamado, não tem, naturalmente, legitimidade para recorrer de qualquer decisão que respeite ou se pronuncie sobre a liquidação do crédito reclamado.

Concluímos, deste modo, pela rejeição do recurso interposto pelo executado/apelante BB em 28-02-2024, quer por intempestivo, quer por falta de legitimidade do apelante – art. 652.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil».

O acórdão da Relação conheceu das outras questões, mas todas elas relacionadas com a executada ora recorrida.

Em relação ao ora reclamante nada foi apreciado.

Porém, insiste o reclamante pela admissibilidade do recurso de revista, atenta a liquidação efetuada no acórdão da Relação do Porto, invocando o art. 854º do CPC.

Ora, por força do art. 852º do CPC, aos recursos de apelação e de revista de decisões proferidas no processo executivo são aplicáveis as disposições reguladoras do processo de declaração e o disposto nos artigos seguintes.

Nos termos do art. 854º do CPC., sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução, sem prejuízo da salvaguarda da faculdade recursiva de se fundamentar a revista nos termos do art. 629º, 2 do CPC.

Não estando em causa alguma das situações que admitem sempre recurso (art. 629º, nº 2, do CPC), verifica-se também que a revista interposta pelo recorrente, não cabe, quanto a si, em nenhum dos casos previstos no art. 854º do CPC.

Com efeito, em matéria de execuções, no recurso de revista o regime é mais restritivo do que o previsto para a ação declarativa (cfr. Recursos em Processo Civil, Abrantes Geraldes, Almedina, 7ª. Ed., pág. 606).

Com efeito, na situação vertente, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto foi muito clarificador quanto ao ora recorrente, ali se dizendo que não tem o mesmo posição processual passível de ser afetada pela decisão que proceda à liquidação do crédito reclamado, nem tendo, naturalmente, legitimidade para recorrer de qualquer decisão que respeite ou se pronuncie sobre a liquidação do crédito reclamado.

O recurso do recorrente nem tão pouco foi admitido, não tendo o mesmo reclamado de tal rejeição.

O acórdão apreciou do litígio quanto às questões apresentadas pela executada, CC.

Assim se entendendo, o caso concreto não será passível de recurso de revista por banda do ora recorrente.

Sumário:

- Não tendo o recorrente posição processual passível de ser afetada pela decisão que proceda à liquidação do crédito reclamado, não tem legitimidade para recorrer de qualquer decisão que respeite ou se pronuncie sobre a mesma.

Decisão:

Pelo exposto, acorda-se em Conferência, manter a decisão singular reclamada.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se em duas Ucs., a taxa de justiça, sem prejuízo de apoio judiciário de que beneficie.

Notifique.

Lisboa, 17-12-2024

Maria do Rosário Gonçalves (Relatora)

Cristina Coelho

Teresa Albuquerque