REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
PAGAMENTO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO DE REVISTA
RECURSO DE APELAÇÃO
SENTENÇA
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
INDEFERIMENTO LIMINAR
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário


I. O colectivo de juízes do Supremo Tribunal de Justiça não pode conhecer da dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça relativa à actividade e tramitação processual nas instâncias.
II. Constitui corolário da autonomia do recurso para efeito de custas, a aplicação de taxa de justiça remanescente nos recursos dos procedimentos cautelares.
III. É proporcionada a redução de 95% da taxa de justiça remanescente num recurso de um indeferimento liminar de um procedimento cautelar sem grande complexidade.

Texto Integral


PROCESSO N.º 20106/23.7T8SNT.L1.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


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AA reclamou para a conferência da decisão singular proferida em 03/11/2024, pedindo que o colectivo de juízes:

a) reconheça a sua competência para decidir do incidente de dispensa da taxa de justiça remanescente em todas as instâncias, quanto a todas as medidas judiciais, incluindo quanto aos incidentes;

b) determine a não aplicação de taxa de justiça remanescente, nas três instâncias, por falta de regra tributária específica para o efeito, ou porque, não sendo aplicável taxa de justiça remanescente aos procedimentos cautelares, também não o é aos recursos interpostos neste âmbito, ou porque o caso concreto é subsumível ao disposto no n.º 8 do artigo 6.º do RCP;

c) Caso assim não se entenda (pedido b), pugna, nos termos, da parte final do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, pela dispensa integral de taxa de justiça remanescente nas três instâncias, e, se assim não se entender, pela redução da taxa de justiça remanescente a valor ínfimo.

Vejamos se procedem estes pedidos.

Quanto ao primeiro pedido dissemos na decisão reclamada:

1. Competência para conhecer do incidente de dispensa da taxa de justiça remanescente.

Quanto a este ponto sigo a tese do meu mestre Sr. Conselheiro Salvador da Costa, citado pelo MP:

«Sempre temos entendido que, verificados os referidos pressupostos, o juiz, nas acções, e o colectivo dos juízes, nos recursos, aquando das respectivas decisões sobre as custas, a que os artigos 607.º, n.º 6, 663.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 679.º do CPC se referem, dispensam cada uma das partes do pagamento do referido remanescente, no todo ou em parte, conforme os casos.

Nesta perspectiva, o colectivo de juízes dos tribunais superiores não pode conhecer da referida dispensa nas acções, nem o juiz da 1:ª instância pode dela conhecer no que concerne aos recursos, em quadro de observância do princípio da autonomia, consignado no artigo 1.º, n.º 2 deste Regulamento, além do mais» (Salvador da Costa, as Custas Processuais, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2024:115).

O ilustre Conselheiro cita em favor desta tese os acórdãos do STJ de 16.6.2020, Proc. 21814/16, de 14.7.2020, Proc. 2556/17, de 14.1.2021. Proc. 6024/17 e de 2.3.2021, Proc. 1939/15.

O MP cita também os de 30.06.2020, Proc. 2142/15, de 18.01.2022, Proc. 155/07, de 15.03.2022, Proc. 7167/13 e de 19.12.2023, Proc. 12927/94».

Vem agora o reclamante reiterar a sua posição e elencar em seu apoio os acórdãos do STJ de 20/12/2021, Proc. 2104/12, de 31/01/2023, Proc. 8281/17 de 04/07/2023, Proc. 4105/21, de 25/06/2024, Proc. 617/16 , e de 19/09/2024, Proc. 18679/21.

Cremos que não tem razão.

A título de exemplo da posição que nos parece mais correcta, pode referir-se o recente acórdão de 11.6.2024, Proc. 10972/10.ITBVNG.P2.S1, no qual se afirma o seguinte: «O STJ (em rigor, o colectivo de juízes deste tribunal superior), aquando do recurso de revista e suas vicissitudes, tem competência para apreciar a questão da dispensa ou não de pagamento do remanescente da taxa de justiça, em aplicação dos arts. 607º, 6, 663º, 2, e 679º, do CPC.

Mas esta competência, em alternativa à da competência global e final da 1.ª instância, para ser assumida como tal ainda em sede de custas processuais (em sentido amplo: art. 529º, 1, CPC), é exclusiva e restrita à actividade e tramitação processual correspondente ao recurso tramitado nesta instância, não a podendo conhecer nem decidir no que concerne aos recursos de apelação e às decisões de 1.ª instância (salvo em via de recurso). Esta é a solução que – sabendo-se que não é consensual – se compatibiliza com “a autonomia das ações e dos recursos para efeitos de taxa de justiça, e com a conexão entre o decidido nessas espécies processuais e a questão da dispensa ou não do remanescente daquela taxa”, o que decorre sem mais do art. 1º, 2, do RCP («Para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria.»), em conjugação com os arts. 6º, 1 e 2, e 12º, 2, do RCP e, em geral, do art. 527º, 1, do CPC.

(…)
Mas tal autonomia implica que a competência do STJ cesse quando o pedido abranja toda a actividade processual e decisões das três instâncias envolvidas, não podendo decidir globalmente em referência às precedentes instâncias judiciais» (cfr. também desta secção acórdão de 29.5.024, Proc. 6569/17.3T8VNG.P2.S1).

Falece, por conseguinte, a reclamação nesta parte.

2. Relativamente ao segundo pedido, ou seja, quanto à não aplicação de taxa de justiça remanescente nos procedimentos cautelares e respectivos recursos,

em todos os graus, sendo certo que este colectivo, pelas razões expostas,

só pode conhecer da taxa devida neste recurso, defendemos a tese tão claramente explanada no acórdão do STJ de 29.3.2022, Proc. 3396/14.3T8GMR.2.G1.S1, e acórdãos aí citados, a qual se apresenta como corolário da ideia de o recurso ser um processo autónomo para efeito de custas.

Lê-se nesse acórdão: «O legislador entendeu que a tabela a aplicar na fase de recurso, independentemente do tipo de processo autónomo, é sempre a tabela I-B (o art. 1º, nº 2, indica os que considera como processo autónomo para efeitos do Regulamento).

E verificando-se o exagero ou desproporcionalidade entre a taxa remanescente e a especificidade da situação (complexidade da causa e trabalho produzido) há sempre a possibilidade de ser requerida, ou decidida oficiosamente, a dispensa (total ou parcial) do pagamento dessa taxa remanescente.

Nos termos do art. 1º, nº 2, do RCP e para efeitos do que o Regulamento dispõe, considera-se como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria. Para efeitos de custas, no processo há autonomia entre a fase em que corre na 1ª Instância, a fase em que corre na Relação e a fase em que corre no STJ, donde resulta não haver qualquer incompatibilidade ou inconsistência do sistema que, nos incidentes seja aplicada a tabela II quando o procedimento corre na 1ª Instância e aplicada a tabela I-B quando o procedimento se encontra em fase de recurso (Relação ou STJ).

Face ao que dispõe o art. 1º, nº 2, do RCP, o contador quando elabora da conta, atende autonomamente às diversas fases que o processo percorreu e não conta a fase do recurso em função das taxas da tabela correspondente para a 1ª Instância, isto é, conta as fases de recurso independentemente das taxas e tabela pelas quais foi contada a fase da 1ª Instância.

Pelo que nada impede que nos procedimentos cautelares e incidentes (e outros) se aplique a tabela II -A na 1ª Instância e a tabela I-B nos recursos»

Devendo ser assim as coisas, o segundo pedido não pode também ser deferido.

3. Pretende ainda o reclamante que lhe seja aplicada a norma do artigo 6.º, 8 do RCP que preceitua que quando o processo termine antes de concluída a fase da instrução, não há lugar ao pagamento do remanescente.

Argumenta que esta norma é aplicável ao caso concreto, inclusivamente em sede de recurso, porquanto foi proferida decisão de indeferimento liminar do procedimento cautelar, de forma que o processo sequer chegou à fase da instrução.

O acórdão da Relação de Lisboa de 7.7.2022, Proc. 9677/15 esclarece, quanto à aplicação daquela norma, o seguinte: «Este preceito visou aplicar, em sede de pagamento de taxa de justiça remanescente, a mesma solução que vigorava e vigora quanto ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, prevista nos artigos 13.º n.º 2 e 14.º n.º 2 do RCP (defendendo esta equiparação entre o regime da segunda prestação da taxa de justiça e o da taxa de justiça remanescente, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa, de 21.01.2020, processo 12080/16.2T8LRS.L2-7, ponto IV-2, consultável, tal como todos aqueles que adiante se citarem, em www.dgsi.pt).
Nos processos mencionados nesses artigos, de que estão excluídos os recursos (desde logo, o art.º 13.º n.º 2 não menciona a tabela I-B), a segunda prestação de taxa de justiça deverá ser paga no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final (art.º 14.º n.º 2). Porém, nos termos do art.º 14.º-A, não há lugar ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, além de outros que estão mencionados no artigo, nos seguintes casos:
b)-Ações que não comportem citação do réu, oposição ou audiência de julgamento;
c)-Ações que terminem antes de oferecida a oposição ou em que, devido à sua falta, seja proferida sentença, ainda que precedida de alegações;
d)-Ações que terminem antes da designação da data da audiência final.
A atenuação do rigor tributário, justificado pela simplificação processual referida, é considerada tão só em processos que correm em primeira instância, como resulta da tramitação mencionada no preceito (note-se que, para efeitos tributários, considera-se processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso – art.º 1.º n.º 2 do RCP).
Também o n.º 8 do art.º 6.º do RCP tem em vista a tramitação dos processos em primeira instância, únicos em que há lugar à fase da instrução (Título V do Livro II do CPC). Deste preceito resulta que, além da dispensa de pagamento da segunda prestação, nos casos em que o processo termine antes da passagem à fase da discussão e julgamento será dispensado o pagamento da taxa de justiça remanescente. Trata-se de um incentivo ao termo precoce do processo - o que faz pouco (ou muito menos) sentido em sede de recurso».

Julgamos esta posição esclarecedora, sendo de seguir neste caso.

4. Finalmente, o reclamante quer que lhe seja fixada uma taxa remanescente ínfima

Preceitua o artigo 6.º, 7 do RCP que «Nas causas de valor superior a € 275 000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

Este artigo visa atenuar a obrigação de pagamento da taxa de justiça nas acções de valor superior a € 275.000.00. Acima deste valor acresce, a final, o pagamente de uma taxa de justiça remanescente por cada € 25 000 ou fracção, 3 UC, no caso da coluna A, da Tabela I, 1,5 UC no caso da coluna B e 4,5 UC no caso da coluna C. Entendemos que a redução de 95% que operámos se mostra no caso sujeito perfeitamente adequada. Ou visto de outro ângulo, julgamos que o pagamento de apenas 5 % do valor do remanescente, correspondente a cerca de 1/3 do que a reclamante já despendeu no processo a título de taxa de justiça, não é desproporcionado, mesmo levando em consideração que o recurso não se revestiu de especial complexidade.


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A reclamação está sujeita a tributação, conforme resulta do disposto no artigo 7.º, 4 do Regulamento das Custas Processuais.

Quanto ao montante da taxa de justiça leva-se em consideração o penúltimo rectângulo da tabela II a que se refere aquela disposição legal.


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Pelo exposto, acordamos em indeferir a reclamação, e, consequentemente, em confirmar a decisão do relator.

Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 2,5 UC.


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17.12.2024

Luís Correia de Mendonça (Relator)

Maria Olinda Garcia

Luís Espírito Santo