I – A figura da contradição entre julgados, enquanto requisito legal da admissibilidade da revista nos termos do artigo 14º, nº 1, do CIRE, pressupõe necessariamente que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial e decisivo, de modo a proporcionar a aplicação, em cada um deles, do mesmo regime legal em termos directamente conflituantes, com soluções de direito finais opostas e inconciliáveis que assim se contradizem, o que significaria, na prática, que aplicada a posição adoptada no acórdão fundamento (sobre o ponto em conflito) ao acórdão recorrido o veredicto deste seria forçosamente diverso e favorável aos interesses do recorrente.
II – O que releva para a contradição de julgados é a comparação entre a ratio decidendi, essencial e decisiva, que esteve na base do concretamente decidido, constante dos arestos em contraposição e não as diversas considerações jurídicas que tenham sido abordadas e quiçá largamente desenvolvidas, mas que não determinaram directamente o sentido de cada uma das decisões judiciais.
III - Em termos decisórios (independentemente de outras considerações jurídicas expendidas e que acabaram por não influir verdadeiramente na decisão tomada) não se verifica qualquer efectiva contradição de julgados entre os dois acórdãos em análise uma vez que, assentes em versões legislativas diversas do artigo 17º-F do CIRE (o acórdão recorrido com obediência ao regime introduzido pela Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, e o acórdão fundamento ao regime jurídico antecedente), ambos recusaram igualmente a aprovação do Plano de Recuperação aprovado, negando provimento ao recurso do apelante, o que significa que ambas as decisões em confronto têm exactamente o mesmo sentido quanto ao julgamento final da causa.
IV - Todos os outros cenários que se possam eventualmente tecer ou imaginar com base nas várias considerações desenvolvidas no acórdão fundamento não são, em termos técnico-jurídicos, susceptíveis de configurar contradição de julgados nos termos e para os efeitos do artigo 14º, nº 1, do CIRE, precisamente porque não constituem a (verdadeira) ratio decidendi desse mesmo aresto.
V - A circunstância de existir coincidência entre a solução jurídica por que ambos optaram significa obviamente que qualquer tipo de fundamentação divergente que pudessem conter não foi, no caso concreto, essencial e decisiva para o julgamento (decisão) que cada um dos acórdãos proferiu, tratando-se, por conseguinte, de uma abordagem marginal ou acessória, um mero obter dictum, que não integrou a ratio decidendi do acórdão fundamento e que, por isso mesmo, não releva em termos da oposição de julgados que se encontra consignada no artigo 14º, nº 1, do CIRE.
VI – Pelo que não há lugar ao conhecimento do objecto do recurso que, nessa medida, se julga findo, nos termos gerais dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código de Processo Civil.
Revista nº 3123/22.1T8STS.P2.S1
Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível):
Foi proferida a seguinte decisão singular:
“I - RELATÓRIO.
No âmbito do presente processo especial de revitalização em que é devedora Hidroelétrica S. Pedro, S.A., procedeu-se, concluídas as negociações, à votação do plano apresentado pela devedora.
Informando o resultado da votação (afirmando que os votos emitidos perfazem 99,96% do total dos credores relacionados com direito de voto, representando os votos favoráveis 52,75% dos votos emitidos), o administrador judicial provisório, apresentando o seguinte quadro de votação, deu parecer no sentido de se considerar aprovado o plano:
O Exmo. Juiz, entendendo terem sido contabilizados créditos subordinados para formação da maioria favorável à aprovação do plano que, sem o respectivo cômputo, não seria alcançada, determinou que sobre a questão se pronunciassem o administrador judicial provisório, a devedora e os credores.
O administrador judicial provisório e a devedora pronunciaram-se no sentido de dever concluir-se ter sido o plano aprovado nos termos da alínea c) do nº 5 do art. 17º-F do CIRE; diversamente, no sentido da não aprovação do plano, pronunciaram-se a credora Ares Lusitani – STC, S.A. e o Ministério Público.
Proferida decisão que recusou a homologação do plano de revitalização da devedora, dela apelou a devedora.
Apreciando a apelação, foi proferido acórdão que anulou a decisão em vista da ampliação da matéria de facto, nos termos do artigo 662º, nº 2, c), parte final, do CPC, por se mostrar indispensável apurar, na percentagem dos votos emitidos desfavoravelmente à aprovação do plano (mais de 47%), quantos deles correspondem a créditos não subordinados.
Observando-se no tribunal a quo a legal tramitação em vista de cumprir o decidido, o administrador judicial provisório foi notificado para apresentar quadro de votação que contemplasse, na percentagem dos votos emitidos desfavoravelmente à aprovação do plano, quantos deles correspondem a créditos não subordinados.
Em cumprimento do solicitado, o administrador judicial provisório apresentou o seguinte quadro de votação, no qual concluiu pela reprovação do plano:
Considerando-se que no referido quadro não estavam indicados, na percentagem dos votos emitidos desfavoravelmente à aprovação do plano, os que correspondem a créditos não subordinados e a créditos subordinados, foi proferido despacho determinando o integral cumprimento do solicitado, tendo o administrador judicial provisório apresentado novo quadro, como segue, concluindo já no sentido da aprovação do plano:
Pronunciou-se a devedora pela aprovação do plano, defendendo por sua vez a credora Ares Lusitani - STC, S.A., a sua reprovação.
Proferida sentença que recusou a aprovação do plano, apela novamente a devedora, pretendendo a revogação da sentença e sua substituição por outra que homologue o plano de recuperação.
Foi proferido acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 10 de Julho de 2024, julgando improcedente a apelação e confirmando a decisão recorrida.
Veio a requerente do PER interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:
A. O recurso apresentado pela aqui Recorrente, Devedora nos autos, deverá ser admitido, sendo-lhe atribuído efeito suspensivo, visto que nos termos do artigo 14.º, n.º 6 do CIRE porque os presentes autos seriam terminados na eventualidade de não ter sido apresentado recurso do Acórdão.
B. E a sentença de primeira instância, se não fosse recorrida implicaria terminar a causa, independentemente de poderem prosseguir outros incidentes processuais, tais como os das custas da remuneração e outros procedimentos internos do Tribunal; além deque, naeventualidadedenão serconferido efeito suspensivo a este recurso poderá verificar-se uma situação de ocorrência/sobreposição de processos na eventualidade de ser requerida a insolvência da Recorrente ou estar ter de se apresentar à mesma.
C. Tal facto levaria a uma situação em que, pelo facto de ambos os processos, nos termos do artigo 1.º, n.º 1 do CIRE se configurarem como processos UNIVERSAIS, incidindo sobre os mesmos bens e dívidas, se verificaria uma manifesta colisão processual, não compaginável com a segurança jurídica, pedra basilar do Estado de Direito.
D. Pelo que, em suma, se entende que este Recurso tem de ter efeito SUSPENSIVO - efeito suspensivo intraprocessual nos termos do art. 17º-F, nº 10 do CIRE - Rui Pinto, Recursos no processo de insolvência e no PER, in V Congresso do Direito da Insolvência, coordenação de Catarina Serra, Almedina, 2019, p. 311 e despacho de admissão de recurso no âmbito do processo n.º 2188/23.3T8OAZ.P1, 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto.
Da admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal De Justiça – do recurso por oposição de julgados
E. O acórdão recorrido não parece, de todo, primar pela melhor aplicação do Direito, não sendo, na ótica da Recorrente e salvo melhor opinião dos Venerandos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, adotada a melhor solução jurídica ao caso concreto
F. Para o que nos importa, está em manifesta contradição com outros acórdãos proferidos, designadamente:
- Ac. do Tribunal da Relação de Évora, de 9 de junho de 2022, relatado por Francisco Matos, no âmbito do processo n.º 1766/21.0T8STR- A.E1 – este acórdão determina precisamente o recurso à interpretação das normas do PER com recurso à unidade do sistema jurídico, ou seja, aferindo uma comparação e interpretação condicente com o estatuído no artigo 212.º do CIRE, só assim se garantindo a unidade do sistema jurídico e a intenção do legislador. Concomitantemente, defende e perfilha o entendimento de que a exigência de votos favoráveis por parte de mais de metade de créditos subordinados apenas tem aplicação na averiguação de um segundo quórum deliberativo – ou seja, dos votos emitidos no sentido favorável de aprovação do plano, mais de 50% deverão corresponder a créditos não subordinados.
No caso dos presentes autos, esse quórum verifica-se visto que dos votos favoráveis à votação do plano, cerca de 80% correspondem a créditos não subordinados!
- Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do Proc. n.º 882/20.0T8ACB.C1, que decidiu precisamente ao contrário do ora decidido no que concerne à verificação de dos quóruns e maiorias necessárias para efeitos de aprovação do PER, sendo, por isso, notória a contradição de julgados;
- ainda os Ac. do Tribunal da Relação de Évora: i. de 09/10/2014, relatado por Bernardo Domingos, no âmbito do processo n.º 326/13.3TBSTR.E1; ii. de 09/11/2017, relatado por Albertina Pedroso, no âmbito do processo n.º 3119/16.2T8STR.E1
G. Resulta assim, dos acórdãos fundamento que existe notória contradição de julgados, senão vejamos:
a) Os acórdãos fundamento decidiram a mesma questão de direito do acórdão recorrido, isto é, sobre o modo deinterpretar a lei no que concerne às maiorias necessárias para aprovação do plano;
b) Os acórdãos em causa julgaram todos no domínio do artigo 17.º - F, n.º 5 do CIRE, nas várias redações que lhe tem sido conferido pelo legislador;
c) As decisões proferidas são diversas conforme se aflorou, sendo que o acórdão recorrido é o único que diverge da interpretação de que a maioria relativa a créditos não subordinados se afere com referência apenas aos votos favoráveis.
d) A questão em causa não foi objeto de jurisprudência uniformizadora – o que urge, com maior brevidade, ser esclarecido por este Supremo Tribunal de Justiça uniformizar.
H. COM MAIOR RELEVO: o Ac. referido em primeiro lugar - Ac. do Tribunal da Relação de Évora, de 09 de junho de 2022, relatado por Francisco Matos, no âmbito do processo n.º 1766/21.0T8STR-A.E1 – INTERPRETOU PRECISAMENTE O REGIME JURIDICO DO PER DE ACORDO COM O PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA UNIDADE DO SISTEMA JURÍDICO E DE ACORDO COM O REGIME JURIDICO PREVISTO PARA O PLANO DE INSOLVÊNCIA.
I. Assim, verificando-se que estamos perante uma das situações em que o recurso ésempreadmissível, deveráser admitido opresente recurso derevista, o que desde já se requer.
J. É evidente a existência de oposição de julgados, motivo pelo qual nos termos do artigo 14.º do CIRE deverá ser admitido o presente recurso de revista, independentemente de quaisquer outras considerações ou regras procedimentais
Das motivações de recurso propriamente ditas
K. No âmbito dos autos de processo especial de revitalização (doravante apenas PER), que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, Juiz 2, o Exmo. Sr. Administrador Judicial Provisório apresentou documento informativo com o resultado da votação do Plano de Recuperação.
L. Da análise do quadro mencionado se concluía que os votos emitidos perfazem 99,96% do total dos credores relacionados com direito de voto, representando os votos favoráveis cerca de 53% dos votos emitidos.
M. Assim, o Exmo. Sr. Administrador Judicial Provisório considerou o plano aprovado - Nenhum dos credores se pronunciou acerca desse resultado e o Tribunal a quo proferiu despacho em que não homologou o Plano.
N. Por um lado, o Exmo. Sr. Administrador Judicial Provisório e a devedora pugnaram pela aprovação do Plano, defendendo estarem preenchidos os quóruns necessários previstos no art. 17.º n.º 5 al. c).
O. Por outro lado, o Tribunal a quo e o Ministério Público defenderam entendimento divergente.
P. O resultado da análise do quadro foi claro: estavam preenchidas as maiorias necessárias à aprovação do plano de recuperação.
Q. Foi então proferida Sentença que – baseando-se em argumentos contrários ao princípio da unidade sistemática do sistema jurídico e outros que infra se farão referência – decidiu pela recusa da homologação do plano de revitalização da devedora.
R. Inconformada a aqui Recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto.
S. Alegando, em suma, que o plano apresentado pela aqui Recorrente deveria ter sido aprovado por ter obtido uma votação favorável nos termos da al. c), do n.º 5, ao artigo 17.º - F do CIRE, mais apelando que a interpretação conferida pelo Tribunal de Primeira Instância padecia de inconstitucionalidade.
T. Neste seguimento, foi proferido Ac. pelo Tribunal da Relação do Porto – decisão - ora em recurso que confirmou a decisão de primeira instância.
U. Em suma, o acórdão recorrido mantém o entendimento erróneo perfilhadopela Primeira Instância no que concerne à votação de aprovação do Plano, no âmbito do PER.
V. Decisão essa que não pode tornar-se definitiva, por ofensiva aos princípios regulatórios do Processo Especial de Revitalização e, inclusive, aos mais básicos pilares de Direito e da interpretação da lei, bem ainda a princípios constitucionais que invocaremos infra.
W. Pelo que a decisão ora recorrida deve ser anulada e substituída por outra que aprove o plano de recuperação (e ocorra, posteriormente, a sua homologação).
X. Como explicado anteriormente, o Plano recolheu mais de 50% dos votos favoráveis da totalidade dos votos constantes na lista de credores, dos quais, mais de 50% correspondem a créditos não subordinados.
Y. Ora, interpretando o disposto no art. 17.º-F nº. 5 al. c), percebemos que existem dois quóruns a serem preenchidos para que ocorra a aprovação do Plano, sendo eles:
a. O primeiro quórum de aprovação significa que o plano tem de recolher o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de 50% da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto;
b. O segundo quórum de aprovação traduz-se em mais de metade desses votos emitidos ter de corresponder a créditos não subordinados.
Z. Ora, o primeiro quórum não levanta questões na medida em que do universo de credores votantes, quase 53% votaram favoravelmente à homologação do plano.
AA. Em relação ao segundo quórum, nos presentes autos muito se tem escrito e – infelizmente – pouco se tem acertado.
BB. O constante na alínea c) do n.º 5 do art. 17.º-F significa que a aprovação do plano depende do voto favorável de mais de 50% da totalidade dos créditos reclamados e que nesse valor estejam compreendidos mais de metade dos votos correspondentes a créditos não subordinados com direito de voto.
CC. Mais, não se pode descurar o disposto no art. 212.º relativamente à aprovação do Plano de Insolvência.
DD. O art. 212.º estatui que a aprovação do Plano de insolvência depende de “recolher mais de 50 % da totalidade dos votos emitidos e, nestes, estejam compreendidos mais de metade dos votos correspondentes a créditos não subordinados com direito de voto, não se considerando como tal as abstenções.”.
EE. Este dispositivo legal e a sua conjugação com o art. 17.º-F associa-se ao princípio da unidade do sistema jurídico.
FF.Relembre-se que, inclusive, em versões anteriores do art. 17.º-F n.º 5 (nos presentes autos em discussão), esta norma remetia diretamente para as disposições da aprovação do plano de insolvência.
GG. Estava plasmado na lei que se devia aplicar “as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência”.
HH. Aqui, os quóruns são claros.
II.Não podem subsistir dúvidas na interpretação do art. 212.º que explica, de forma inequívoca, que o plano de insolvência deve ser votado favoravelmente por mais de 50% da totalidade dos votos emitidos e NESTES (ou seja, no universo desses 50% dos votos) têm de estar compreendidos mais de 50% dos votos correspondentes a créditos não subordinados.
JJ. O mesmo raciocínio deveser aplicado aos presentes autos eàvotação do Plano de Recuperação em sede de PER.
KK. Quando o legislador se refere a mais de metade destes votos, entende-se que só pode querer referir-se aos votos favoráveis anteriormente computados: é relativamente a estes que se entende distinguir os correspondentes a créditos subordinados e não subordinados,
LL. exigindo para a aprovação do plano, e cumulativamente com o cálculo anterior, que mais de metade dos já encontrados votos favoráveis, calculados por referência ao universo dos créditos relacionados, corresponda a créditos não subordinados.
MM. Como amplamente justificado nas alegações, a percentagem de votos correspondentes a créditos não subordinados, dentro do total de votos favoráveis, foi de quase 80%, valor substancialmente superior aos 50% plasmados na lei.
NN. Ou seja, estão preenchidos os quóruns especificados no art. 17.º-F n.º 5 al.
c), pelo que, então, o plano de recuperação deve ser aprovado e consequentemente homologado.
OO. O certo é que a interpretação constante na douta decisão singular em apreço, bem como do acórdão agora recorrido, salvo o devido e melhor respeito, viola o princípio da unidade do sistema jurídico, colocando em causa princípios deliberdade de empresae iniciativaprivada, colocando até em crise o próprio Instituto do Processo Especial de Revitalização – visto que torna mais vantajoso recorrer ao Plano de Insolvência em comparação com o Plano Especial de Revitalização.
PP.Atentando neste princípio há a dizer que este se refere à coerência e harmonização que deve existir entre as diversas normas e instituições jurídicas.
QQ. O ordenamento jurídico deve ser coeso e consistente, evitando contradições entre as diferentes normas legais.
RR. Isso implica que as leis devem ser interpretadas e aplicadas de maneira a garantir uma harmonia geral dentro do sistema - – nomeadamente a relação de complementaridade dos diversos institutos jurídicos, nomeadamente o PER e a Insolvência
SS.Escrutinou-se o art. 9.º do Código Civil, conjugado com a melhor doutrina no que respeita à interpretação da lei.
TT. Daí foi possível concluir que deve atender-se, cumulativamente, ao elemento gramatical (ou seja, à letra da lei) e ao elemento lógico (ou seja, o espírito da lei, subdividido nos seus diversos elementos).
UU. Tendo-se chegado à conclusão que, de acordo com o elemento sistemático, a interpretação das leis baseia-se no postulado da coerência intrínseca do ordenamento, designadamente no facto de que as normas contidas numa codificação obedecem por princípio a um pensamento unitário.
VV. Ensinando o professor Batista Machado que “o recurso aos “lugares paralelos” pode ser de grande utilidade, pois que, se um problema de regulamentação jurídica fundamentalmente idêntico é tratado pelo legislador em diferentes lugares do sistema,sucedecom frequência quenum desses lugares a fórmula legislativa emerge mais clara e explícita.
Em tal hipótese, porque o legislador deve ser uma pessoa coerente e porque o sistema jurídico deve por igual formar um todo coerente, é legítimo recorrer à norma mais clara e explícita para fixar a interpretação de uma outra norma (paralela) mais obscura ou ambígua.”
WW. Aplicando ao caso concreto, se o art. 212.º é mais claro que o art. 17.º-F n.º 5 devemos ir àquele tentar perscrutar o seu sentido legal, a sua ratio legis.
XX. Conclusões mais claras não se poderiam apresentar.
YY.A norma contida no art. 17.º-F n.º 5 al. c) pode não ser totalmente clara, mas se a analisarmos conjuntamente com o disposto no art. 212.º do CIRE, a conclusão sempre será de que a aprovação do Plano depende de (1) voto favorável de mais de 50% da totalidade dos créditos constantes da lista de credores e (2) dentro desses votos, 50% corresponderem a créditos não subordinados.
ZZ.O que in casu se verifica e se ultrapassa por larga percentagem, como já explicado.
AAA. Pelo exposto, a decisão enferma de erro na aplicação e na interpretação das disposições do CIRE que preveem expressamente que o voto dos credores subordinados é sempre contabilizado para efeito de votação de Planos de Recuperação como é o caso aqui em apreço.
BBB. Se o legislador pretendesse introduzir uma alteração como a referida na sentença aqui em causa, estaria a excluir praticamente em absoluto a participação dos credores com créditos subordinados de participarem nos PERs e PEAPs (o que não se nos afigura ser o caso).
CCC. E mais, se fosse esse o caso, seguramente, a questão constaria do preâmbulo da Lei que introduziu tais alterações.
DDD. Mais do que isso, note-se se a alteração legislativa tivesse a intenção que o acórdão recorrido confere, tal teria de ser introduzida também no próprio artigo 212.º do CIRE, visto que sem tal a extensão ao Plano de Insolvêcnia frustra-se todo o sentido associado a essa “intenção” plasmada na interpretação do acórdão recorrido.
EEE. Pois note-se que é muito mais penoso para uma empresa ser devedora numa Plano de Insolvência se compararmos como Plano de Revitalização – isto porque, nos Planos de Insolvência a recuperação da empresa é praticamente impossível, colocando-se todos os Bancos, Financeiras, Seguradoras e demais entidades ABSOLUTAMENTE CRUCIAIS fora de qualquer apoio corrente necessário à recuperação da empresa (nomeadamente fazendo cessar financiamentos, seguros de crédito e demais apoios necessários às empresas.
FFF. Posto isto, é evidente que ao entender desta forma, o acórdão desvirtua totalmente o instituto do PER e os objetivos e interesses que visa acautelar – NOMEADAMENTE A RECUPERAÇÃO DA EMPRESA (primeiramente) e a satisfação dos interesses da MAIORIA dos credores, num segundo momento.
GGG. Colocando em causa o princípio da unidade sistemática do sistema jurídico constitucionalmente garantido.
HHH. Além do mais, a interpretação conferida pelo Acórdão recorrido implica uma total subversão do instituto do PER sendo que implica efeitos nefastos não só para a Devedora que ficará numa situação muito mais complicada no que respeita à sua recuperação caso ela seja feita no âmbito de um plano de insolvência em contraposição com o PER,
III.Bem como dos credores subordinados que têm um direito de voto no PER – QUE PARA NADA CONTA!
JJJ. Ficando totalmente nas mãos dos credores não subordinados – note- se que pode-se chegar ao ridículo de termos créditos de montante muito superior e que pretendem aprovar um plano de revitalização a verem a sua posição, interesse e crédito ser totalmente subvertido por vezes por créditos não subordinados totalmente irrelevantes para efeitos do passivo total da devedora!
KKK. Posto isto, é também inconstitucional a interpretação da al. c) do artigo 17.º - F, n.º 5 no sentido conferido pelo Ac. recorrido, colocando em causa princípios constitucionais de liberdade de empresa, livre iniciativa privada e acesso a uma tutela jurisdicional efetiva no âmbito do PER!
LLL. Ora, perfilhando o entendimento plasmado na decisão ora em crise qualquer sociedade que tivesse créditos subordinados seria claramente prejudicada na possibilidade de ver aprovado um plano de recuperação.
MMM. Sendo que até se poderia chegar ao cúmulo de ocorrer uma total impossibilidade de aprovação do plano.
NNN. O que não pode jamais e em tempo algum ter sido a pretensão do legislador, dado o espírito da lei, a sua integração sistemática e o recurso aos “lugares paralelos” a que a doutrina se refere.
OOO. Neste sentido veja-se o Ac. fundamento, proferido pela Relação de Évora, a 09 de junho de 2022, relatado por Francisco Matos, no âbito do processo n.º 1766/21.0T8STR-A.E1 – supracitado.
PPP. Seguindo o entendimento do Tribunal a quo afigura-se mais difícil aprovar um Plano de Recuperação ao abrigo do PER do que ao abrigo de um Processo de Insolvência, o que, salvo o reiterado respeito, não pode, de modo algum, ter correspondência com a realidade.
QQQ. Compreende-se e aceita-se que dos votos favoráveis mais de metade tenham de corresponder a créditos não subordinados – entendimento que é o único capaz de refletir a ratio da norma e cumprir o princípio da unidade do sistema jurídico.
RRR. Mas não se pode aceitar que os votos dos créditos subordinados sejam totalmente desconsiderados, que é o que acontece na interpretação no Tribunal a quo-
SSS. Até porque os credores subordinados têm sempre direito a participar ativamente e a ver o seu voto considerado em sede de apreciação e votação de um Plano de Recuperação (seja em PER, em PEAP ou em Processo de Insolvência).
TTT. Veja-se o disposto no art. 73.º n.º 3 do CIRE, a título exemplificativo.
UUU. Com a interpretação que fez, salvo o devido e maior respeito, que é muito, o Tribunal a quo não considerou o Plano apresentado, podendo até tal interpretação do artigo 17.º-F ser considerada inconstitucional por violação do princípio da unidade do sistema jurídico (já acima explicado em pormenor) e da legítima expetativa do cidadão.
VVV. Atento o até aqui explicado, ter-se-á de considerar que por (1) ter sido recolhido o voto favorável demais de50%datotalidadedos créditos constante da lista provisória de credores e (2) desses votos favoráveis emitidos, cerca de 80% corresponderem a créditos não subordinados, então o Plano terá de considerar-se aprovado, o que expressamente se requer com as demais consequências legais.
WWW. Acresce que não poderá ser olvidada a possibilidade de recuperação da Devedora, que forçosamente teria de pesar no momento de ponderar os fundamentos para a homologação ou não homologação do Plano e que são igualmente prejudicados pela interpretação do Tribunal a quo.
XXX. Atualmente, o CIRE dá clara relevância à recuperação da devedora, em detrimento do anterior objetivo primordial que era o de obter, primeiro, a satisfação dos credores (por sobreposição às possibilidades de recuperação da devedora).
YYY. Tal entendimento tem, também, reflexo na doutrina, como plasmado nas alegações do presente recurso.
ZZZ. Neste sentido, e verificando-se inequivocamente que o Plano se mostra aprovado nos termos do disposto no art. 17.º-F n.º 5 al. c) deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, da lavra dos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação, determine a homologação do Plano junto aos autos e assim se fazendo JUSTIÇA.
Contra-alegou o credor pugnado pela manutenção do acórdão recorrido e apresentando as seguintes conclusões:
1. Dispõe o n.º 1 do art.º 14.º do CIRE que “No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.”
2. Como tal, a admissibilidade de recurso intentado para o Supremo Tribunal de Justiça fica dependente da verificação de uma oposição de julgados, nos termos da mencionada disposição.
3.Aos presentes autos,autuados em 26/10/2022, tem plena aplicação aredacção conferida pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro.
4. A qual é aplicável –no que aqui nos importa - aos PERs instaurados depois da sua entrada em vigor (art.º 10.º, n.º 2), ou seja, instaurados após 11/04/2022 (art.º 12.º).
5. Já os Acórdãos-fundamento foram proferidos ao abrigo da anterior redacção do art.º 17.º-F do CIRE, decorrente do Decreto-Lei n.º 79/2017 de 30 de Junho.
6. Pelo que não se verifica o requisito de admissibilidade do recurso de terem sido proferidos “no domínio da mesma legislação”.
7. Por outro lado, note-se que nomeadamente o Acórdão-fundamento do Tribunal da Relação de Évora de 09/06/2022 em nada colide com o Acórdão recorrido, propugnando até idêntica decisão: “No caso, num universo de créditos de € 12.975.485,24 que emitiram voto, € 7.777.138,25, correspondem a créditos não subordinados e € 5.198.346,79 correspondem a créditos subordinados, votaram favoravelmente o plano credores cujos créditos representam € 8.865.027,30 e, entre estes, credores que representam créditos subordinados no valor de € 5.198.346,79.
Assim, o plano recolheu o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos [8.865.027,30 > (12.975.485,24: 2/3], mas não obteve o voto favorável de mais de metade de créditos não subordinados [(8.865.027,30:2) < 5.198.346,79].
O plano não se mostra validamente aprovado, como se decidiu. Improcede o recurso, restando confirmar a decisão recorrida.”
8. Assim se concluindo pela não verificação de qualquer oposição de julgados, o que obsta à admissão do recurso interposto pela devedora, o que se requer.
9. Sem conceder, ainda que tal não suceda, não pode também o recurso ter o efeito suspensivo que a Recorrente pretende atribuir-lhe.
10. Desde logo, com base no n.º 5 do art.º 14.º do CIRE e, igualmente, atenta a disposição geral do n.º 1 do art.º 676.º do CPC.
11. Ambas lhe conferindo – taxativamente – efeito meramente devolutivo, o que deve ser verificado por Vossas Excelências, Colendos Conselheiros.
12. Já quanto ao objecto do recurso, cumpre referir que o douto Acórdão recorrido não merece qualquer reparo ou censura, devendo ser mantida na íntegra, porque nele se faz correcta interpretação dos factos e adequada aplicação do Direito, pelo que as alegações da Recorrente, carecem de total fundamento fáctico e jurídico.
Senão vejamos,
13. Nos termos do n.º 5 do art.º 17.º-F do CIRE, a aprovação do plano de recuperação pode ocorrer por maioria – afastando a necessidade de intervenção de todos os credores ou de existência de unanimidade –, desde que tenha cabimento numa das três alternativas de maioria que a Lei oferece em outras tantas alíneas daquele n.º 5.
14. A saber:
5 - Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que:
a) No caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C,seja votado favoravelmente em cada uma das categorias por mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos, não se considerando como tal as abstenções, obtendo desta forma:
i) O voto favorável de todas as categorias formadas;
ii) O voto favorável da maioria das categorias formadas, desde que pelo menos uma dessas categorias seja uma categoria de credores garantidos;
iii) Caso não existam categorias de credores garantidos, o voto favorável de uma maioria das categorias formadas, desde que pelo menos uma das categorias seja de credores não subordinados;
iv) Em caso de empate, o voto favorável de pelo menos uma categoria de credores não subordinados;
b) Nos demais casos, sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 a 6 do artigo 17.º-D, não se considerando as abstenções, recolha cumulativamente:
i) O voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos;
ii) O voto favorável de mais de 50 /prct. dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 a 6 do artigo 17.º-D; ou
c) Recolha cumulativamente, não se considerando as abstenções:
i) O voto favorável de credores cujos créditos representem mais de 50 /prct. da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 a 6 do artigo 17.º-D;
ii) O voto favorável de mais de 50 /prct. dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 a 6 do artigo 17.º-D.
15. Alínea a) do n.º 5 do art.º 17.º-F do CIRE: mostra-se, desde logo, afastada a possibilidade de aplicação desta alternativa, por não ter ocorrido a classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do art.º 17.º- C do CIRE.
16. Alínea b) do n.º 5 do art.º 17.º-F do CIRE: uma vez que, não considerando as abstenções, votaram credores titulares de créditos no valor de € 1.057.201,92, de um universo de créditos relacionados com direito a voto de € 1.057.665,47, correspondendo aqueles a 99,96% destes, mostra-se amplamente verificado o quórum de participação de 1/3. Contudo, impõe-se ainda analisar a verificação das maiorias cumulativamente exigidas pelos pontos i) e ii) daquela alínea b), para concluir pela não verificação da maioria prevista no ponto i).
Com efeito, tendo votado favoravelmente credores (subordinados e não subordinados) titulares de votos correspondentes a € 557.943,52, num universo de votos emitidos correspondentes a € 1.057.201,92, aqueles correspondem apenas a 52,78% destes e não aos 2/3 (66,66%) exigidos.
17. Alínea c) do n.º 5 do art.º 17.º-F do CIRE: porque a proposta de plano obteve votos favoráveis de credores (subordinados e não subordinados) titulares de créditos no valor de €557.943,52,que correspondema52,75%de€ 1.057.665,47,a totalidadede créditos relacionados com direito a voto, verifica-se o ponto i) dos requisitos da Alínea c) do n.º 5 do art.º 17.º-F do CIRE.
No entanto, já assim não sucede quanto ao ponto ii) da mesma alínea, pois forçoso é concluir que – se foram emitidos votos correspondentes a créditos não subordinados no valor de € 942.983,25, dos quais € 443,724,85 foram favoráveis e € 499.258,40 foram desfavoráveis –, os votos favoráveis não ascendem a 50%.
A proporção, é sim, de 47,06% de votos favoráveis e 52,94% de votos desfavoráveis, tendo por referência os votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados. Não se verificando a maioria exigida pelo ponto ii) da alínea c) do n.º 5 do art.º 17º-F do CIRE.
18. Com efeito, o que estipula a Lei não é que 50% dos votos favoráveis tenham de ser não subordinados (como pretende a devedora), mas antes que 50% dos créditos não subordinados votem favoravelmente, o que não sucedeu.
19. Não admitindo a norma, por não caber na sua letra, a interpretação que a devedora pretende dar-lhe, que bem andaram o Tribunal a quo ao negar a homologação da proposta de PER e o Tribunal da Relação ao confirmar tal decisão, no estrito cumprimento da Lei.
Apreciando liminarmente da admissibilidade da revista:
O presente recurso encontra-se subordinado ao regime especial – e altamente restritivo em termos da admissibilidade do recurso de revista - consignado no artigo 14º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (vulgo CIRE), segundo o qual:
“No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos pelo tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma diversa a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixado pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme”.
A admissibilidade da revista nesses especiais termos pressupõe a demonstração (indispensável) de uma situação de contradição de julgados que, pela incerteza e insegurança jurídica gerada, afasta a regra geral da inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Ora, a figura da contradição entre julgados, enquanto requisito legal da admissibilidade da revista nos termos do artigo 14º, nº 1, do CIRE, pressupõe necessariamente que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial e decisivo, de modo a proporcionar a aplicação, em cada um deles, do mesmo regime legal em termos directamente conflituantes, com soluções de direito finais opostas e inconciliáveis que assim se contradizem, o que significaria, na prática, que aplicada a posição adoptada no acórdão fundamento (sobre o ponto em conflito) ao acórdão recorrido o veredicto deste seria forçosamente diverso e favorável aos interesses do recorrente.
Por outro lado, o que releva para a contradição de julgados é a comparação entre a ratio decidendi, essencial e decisiva, que esteve na base do concretamente decidido, constante dos arestos em contraposição e não as diversas considerações jurídicas que terão sido abordadas e quiçá largamente desenvolvidas, mas que não determinaram directamente o sentido de cada uma das decisões judiciais.
Importa, portanto, proceder ao confronto entre os dois indicados acórdãos do Tribunal da Relação de forma a aquilatar se os mesmos se contradizem no que concerne à respectiva ratio decidendi.
Vejamos:
O acórdão recorrido versa, em termos essenciais, sobre a maioria necessária para a aprovação do Plano de Revitalização tendo em consideração a maioria exigível de créditos não subordinados.
A sua fundamentação jurídica teve em conta as alterações introduzidas ao artigo 17º-F, do CIRE, pela Lei nº 9/22, de 11 de Janeiro.
Afirmou-se a este respeito no acórdão recorrido:
“Conclui-se, porém, corroborando a decisão apelada, não ter sido alcançado o ‘segundo quórum de aprovação’ (subalínea ii) da alínea c) do nº 5 do art. 17º-F do CIRE – o voto favorável de mais de 50% dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto, ou seja, o voto favorável de mais de 50% dos votos emitidos no universo dos votantes titulares de créditos não subordinados): analisando o terceiro quadro de votação apresentado pelo administrador judicial provisório (apenas nesse quadro se discriminam os votos correspondentes a créditos subordinados e não subordinados que votaram favorável e desfavoravelmente), conclui-se que do universo dos votantes titulares de créditos não subordinados, que ascendeu ao total de 942.983,25€ (total correspondente à soma do valor dos créditos não subordinados que votaram favoravelmente – 443.724,85€ – e dos que votaram desfavoravelmente – 499.258,40€), o plano recolheu o voto favorável de menos de 50% dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados (votaram favoravelmente o plano titulares de créditos não subordinados que representam tão só o valor de 443.724,85€ no universo de 942.983,25€, o que representa cerca de 47% dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados).
De rejeitar a interpretação do preceito (alínea c) do nº 5 do art. 17º-F do CIRE) proposta pela devedora apelante – sustenta que, em consideração ao que preceitua o art. 212º do CIRE a propósito dos requisitos para aprovação da proposta do plano de insolvência, o preceito deve ser interpretado no sentido de que a aprovação do plano de revitalização à luz da alínea c) do nº 5 do art. 17º-F do CIRE depende, numa primeira aproximação, do voto favorável de mais de 50% da totalidade dos créditos constantes da lista de credores e, num segundo momento (e aqui reside a diferença que propõe na interpretação do preceito), que dentro desses votos favoráveis à aprovação do plano, mais de 50% correspondam a créditos não subordinados”.
Por seu turno, o acórdão fundamento, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora de 9 de Junho de 2022, no processo nº 1766/21.0T8STR-A. E1, não teve em conta, por não aplicáveis, as alterações introduzidas ao artigo 17º-F, do CIRE, pela Lei nº 9/22, de 11 de Janeiro.
Pode ler-se no aresto:
“Da (des)necessidade para a aprovação do plano de recuperação de recolher mais de metade de votos favoráveis correspondentes a créditos não subordinados.
A decisão recorrida rejeitou a homologação do plano de recuperação por haver considerado que, apesar de o plano haver sido votado por credores cujos créditos representam mais de um terço do total dos créditos relacionados e recolher o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos, não recolheu o voto favorável de mais de metade de créditos não subordinados [(8.865.027,30:2) < 5.198.346,79].
Diverge a Recorrente argumentando que, para efeitos da aprovação do plano de recuperação, a alínea a) do n.º 5 do artigo 17.º-F do CIRE impõe apenas que mais de metade dos votos emitidos sejam correspondentes a créditos não subordinados, não se exigindo que os votos emitidos sejam favoráveis e como, no caso, emitiram voto credores que representam € 12.975.485,24 dos créditos relacionados e, de entre estes, mais de metade (€ 7.777.138,25) correspondem a créditos não subordinados o plano mostra-se aprovado com observância da lei.
Dispõem assim as alíneas a) e b) do n.º 5 do artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), na redação anterior à Lei n.º 9/2022, de 11/1 [a decisão recorrida é de 21/2/2022 e a referida Lei entrou em vigor 11/4/2022 (artigo 12.º) e, de qualquer forma, as alterações que veio introduzir nos artigos 17.º-C a 17.º-F, 17.º-I e 18.º do CIRE apenas se aplica aos processos especiais de revitalização instaurados após a sua entrada em vigor (artigo 10.º, n.º 2)]:
“Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que:
a. Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou
b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.”
A aprovação do plano, na primeira situação (alínea a), depende da observância de duas regras:
- votação de credores que representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto (quórum de votação);
- voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções (quórum de aprovação).
Discute-se a verificação deste último quórum; a decisão recorrida considerou que ele (apenas) se realiza quando – nos dois terços dos votos favoráveis – mais de metade desses votos favoráveis correspondem a créditos não subordinados e a Recorrente defende que ele se realiza desde que nos dois terços de votos emitidos (favoráveis ou não) se compreendam mais de metade de créditos não subordinados.
Com segurança se pode dizer que a lei visa garantir que os titulares dos créditos não subordinados tenham uma especial palavra a dizer sobre o plano de recuperação do devedor e que não será uma qualquer maioria de dois terços dos votos emitidos que decidirá. Bastará, porém, que tais credores emitam voto em medida superior (mais de metade) aos credores que representam os créditos subordinados ou é também necessário que o façam, na referida medida, favoravelmente?
A letra da lei parece favorecer o sentido que a Recorrente lhe atribui; fala-se em votos emitidos e não em votos favoráveis emitidos – mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados. A este argumento (literal) se poderia, aliás, acrescentar um outro que resulta da redacção da alínea b), uma vez que nesta se estabelece, por referência aos votos favoráveis que mais de metade destes votos devem corresponder a créditos não subordinados – “recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto (…) e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados (…)” – e se o legislador utilizou redações diferentes em ambas as alíneas deixando claro na última o sentido que agora se discute na primeira é porque quis dizer coisas diferentes, dir-se-ia.
Mas votos favoráveis são ainda, por natureza, votos emitidos e por ser assim não se poderá liminarmente afirmar que a decisão recorrida não tenha apoio na letra da lei, ao ajuizar que a aprovação do plano de recuperação exige o voto favorável de mais de metade de credores que representem créditos não subordinados.
A letra da norma acolhe, simultaneamente, a interpretação encontrada pela decisão recorrida e a interpretação preconizada pela Recorrente, mas o resultado de ambas as leituras não são, em igual medida, defensáveis quando vistas à luz dos fins (ou teleologia) da norma. Aceitar que o quórum de aprovação se realiza com a mera emissão de voto de credores que representam mais de metade de créditos não subordinados, independentemente do sentido do voto, significa aceitar a aprovação do plano contra o sentido de voto maioritário dos credores que representam créditos não subordinados, como no caso se verifica (€ 4.110.457,74 de créditos não subordinados votaram contra o plano e € 3.666.680,51 votaram a favor do plano) ou, no limite, aceitar a aprovação do plano com uma votação favorável dos credores não subordinados meramente residual e postas assim as coisas “a palavra a dizer” dos credores que representam créditos não subordinados, causa / função da norma, seria de pouca valia senão mesmo de valia nenhuma.
A unidade do sistema (elemento lógico da interpretação) permite, no entanto, encontrar com a necessária segurança o alcance e sentido da norma.
O artigo 212.º, n.º 1, do CIRE, depois das alterações introduzidas pelo D.-L n.º 200/2004, de 18/8, dispõe o seguinte a propósito do quórum de aprovação do plano de insolvência:
“A proposta de plano de insolvência considera-se aprovada se, estando presentes ou representados na reunião credores cujos créditos constituam, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto, recolher mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções”.
As regras de aprovação do plano de insolvência são as mesmas que vigoram para a aprovação do plano de recuperação na situação em apreciação.
E aqui mais de metade de votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados significa votos favoráveis uma vez que o legislador, no preâmbulo do referido D.-L. 200/2004, anotou ser este o sentido da alteração:
“(…) note-se ainda o estabelecimento de um requisito de aprovação pela maioria dos votos correspondentes a créditos não subordinados, por forma a evitar que os credores subordinados possam, sem o acordo dos restantes credores, fazer aprovar um plano de insolvência.”
Com recurso a este elemento sistemático de interpretação se conclui que a aprovação do plano de recuperação, não se considerando as abstenções, exige cumulativamente: (i) o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e (ii) o voto favorável de mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados. É, aliás, assim que, sem equívocos, resulta da redação da alínea a) do n.º 5 do artigo 17.º-F, vigente, na sequência das alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2022, de 11/1.
“5 - Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados, se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que: (…)
b) Nos demais casos, sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 a 6 do artigo 17.º-D, não se considerando as abstenções, recolha cumulativamente:
i) O voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos;
ii) O voto favorável de mais de 50 /prct. dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 a 6 do artigo 17.º-D”.
E foi este o entendimento do acórdão desta Relação de 28/09/2017, relatado pelo ora 1º Adjunto e subscrito pelo ora 2º Adjunto, segundo o qual “[n]a visão maioritária, que perfilhamos, para os efeitos da alínea a) do n.º 5 do artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o legislador entendeu necessário um quórum constitutivo de pelo menos um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, como garantia de que participavam na deliberação votantes representativos de uma parcela significativa do capital envolvido no plano de recuperação. De seguida, para a aprovação do plano de recuperação, o legislador exigiu a votação favorável de mais de dois terços dos votos emitidos para fixar o quórum deliberativo, correspondendo mais de metade de tais votos a créditos não subordinados, não entrando nesse cômputo as abstenções”, o qual expressamente circunscreveu a interpretação corretiva que sufragou a situações em que “os créditos subordinados representem mais de 50% do colégio deliberativo, pois neste enquadramento não é possível que «mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados», tal como impõe a alínea b) do n.º 5 do artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”.
A regra interpretativa mostra-se indicada e a exceção justificada distinguindo-se uma da outra, ao invés do que parece sustentar a Recorrente.
No caso, num universo de créditos de € 12.975.485,24 que emitiram voto, € 7.777.138,25, correspondem a créditos não subordinados e € 5.198.346,79 correspondem a créditos subordinados, votaram favoravelmente o plano credores cujos créditos representam € 8.865.027,30 e, entre estes, credores que representam créditos subordinados no valor de € 5.198.346,79.
Assim, o plano recolheu o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos [8.865.027,30 > (12.975.485,24: 2/3], mas não obteve o voto favorável de mais de metade de créditos não subordinados [(8.865.027,30:2) < 5.198.346,79].
O plano não se mostra validamente aprovado, como se decidiu. Improcede o recurso, restando confirmar a decisão recorrida”.
Apreciando:
A questão essencial e decisiva que se discutia no acórdão fundamento era a de saber se a aprovação do plano de recuperação exigia, ou não, mais de metade dos votos favoráveis correspondentes a créditos subordinados.
Após proceder à análise jurídica que teve por mais pertinente, esse acórdão do Tribunal da Relação de Évora constatou, no essencial, que num universo de créditos de € 12.975.485,24 que emitiram voto, € 7.777.138,25, correspondem a créditos não subordinados e € 5.198.346,79 correspondem a créditos subordinados, tendo votado favoravelmente o plano credores cujos créditos representam € 8.865.027,30 e, entre estes, credores que representam créditos subordinados no valor de € 5.198.346,79.
O que significou que o plano recolheu o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos [8.865.027,30 > (12.975.485,24: 2/3], mas não obteve o voto favorável de mais de metade de créditos não subordinados [(8.865.027,30:2)<5.198.346,79].
Logo, e apenas por esse único e exclusivo motivo, não considerou validamente aprovado o Plano de Recuperação, contrariamente ao pretendido pelo aí recorrente.
Em suma, em termos decisórios (independentemente de outras considerações jurídicas expendidas e que acabaram por não influir verdadeiramente na decisão tomada) não se verifica qualquer efectiva contradição de julgados entre os dois acórdãos em análise.
Assentes em versões legislativas diversas do artigo 17º-F do CIRE (o acórdão recorrido com obediência ao regime introduzido pela Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, e o acórdão fundamento ao regime jurídico antecedente) ambos recusaram igualmente a aprovação do Plano de Recuperação aprovado, negando provimento ao recurso do apelante.
O que significa que ambas as decisões em confronto têm exactamente o mesmo sentido quanto ao julgamento final da causa.
O acórdão recorrido e o acórdão fundamento decidiram essencialmente o mesmo: a não aprovação do Plano de Recuperação.
Ora, não é concebível a existência de contradição de julgados – para estes precisos efeitos – quando ambas as decisões em análise chegam exactamente ao mesmo resultado: a recusa de aprovação do Plano de Recuperação.
Acontece ainda que no acórdão fundamento apenas foi relevada, em termos decisórios, a circunstância de não existir uma maioria de credores não subordinados a votar favoravelmente o Plano de Recuperação.
Esta é aliás a única ratio decidendi subjacente à decisão constante do acórdão fundamento e não qualquer outra consideração de índole jurídica de que a recorrente se pretende agora aproveitar a propósito do percurso intelectual seguido pelo julgador.
No acórdão recorrido não está, obviamente, em causa a aprovação do Plano de Recuperação com fundamento em não se considerar exigível uma maioria de credores não subordinados no universo dos votos favoráveis à dita aprovação, única caso em que o (concretamente) julgado seria então, nessas exactas circunstâncias, contraditório com o decidido no acórdão fundamento.
Todos os outros cenários que se possam eventualmente tecer ou imaginar com base nas várias considerações desenvolvidas no acórdão fundamento não são, em termos técnico-jurídicos, susceptíveis de configurar contradição de julgados nos termos e para os efeitos do artigo 14º, nº 1, do CIRE, precisamente porque não constituem, em absoluto, a verdadeira ratio decidendi desse mesmo aresto.
Dir-se-á ainda a propósito das considerações da recorrente aquando da sua notificação nos termos e para os efeitos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil:
1º - Insiste a recorrente em que a figura da contradição de julgados comporta o alegado conflito entre a fundamentação de cada aresto em confronto, embora o resulta final de cada dos veredictos não haja sido divergente. Não lhe assiste razão. O que caracteriza a oposição de julgados é – conforme se depreende literalmente desta denominação – a circunstância de, perante o mesmo núcleo essencial de factos, um tribunal haver decidido (julgado) num sentido e o outro no sentido diametralmente oposto.
2º - De resto, a circunstância de existir coincidência entre a solução jurídica por que ambos optaram significa obviamente que qualquer tipo de fundamentação divergente que pudessem conter não foi, no caso concreto, essencial e decisiva para o julgamento (decisão) que cada um dos acórdãos realizou. Tratar-se-ia, por conseguinte, de uma abordagem marginal ou acessória, um mero obter dictum, que não integrou a ratio decidendi do acórdão fundamento e que, por isso mesmo, não releva em termos da oposição de julgados que se encontra consignada no artigo 14º, nº 1, do CIRE.
3º - Em suma, só há oposição de julgados se o sentido do julgamento não for o mesmo, sendo certo que, se o for, então a fundamentação essencial e decisiva utilizada no acórdão recorrido e no acórdão fundamento são compatíveis e não se encontram, em termos lógicos, numa relação de conflito jurisprudencial.
Pelo que não há lugar ao conhecimento do objecto do recurso que, nessa medida, se julga findo, nos termos gerais dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código de Processo Civil.
Pelo exposto:
Julgo findo o presente recurso de revista, não havendo lugar ao conhecimento do seu objecto, nos termos dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código Civil.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC”.
Apresentou a recorrente reclamação para a Conferência nos seguintes termos:
Entendeu o Mm.º Juiz Desembargador da 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça não admitir o recurso de revista apresentado pelo aqui Recorrente, motivo pelo qual não haverá conhecimento do seu objeto, nos termos dos arts. 652.º n.º 1 al. b) e 679.º do CPC.
Para tanto, o Mm.º Juiz Desembargador procedeu a uma análise dos fundamentos do aqui Recorrente, assim como dos fundamentos constantes das Contra-alegações do Credor.
Para, no final, concluir – na nossa opinião erroneamente – que inexiste contradição de julgados entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão fundamento.
Justificando que “não é concebível a existência de contradição de julgados – para estes precisos efeitos – quando ambas as decisões em análise chegam exatamente ao mesmo resultado: a recusa da aprovação do Plano de Recuperação.”
Salvo o devido e maior respeito, não resta à aqui Recorrente outra opção senão discordar da posição tomada na Douta decisão singular.
É entendimento da Recorrente que deve este Supremo Tribunal conhecer da Revista apresentada, não só por todos os fundamentos invocados em sede de Recurso dirigido a este Supremo Tribunal, não só pela evidente contradição de julgados e de entendimentos sofismados pelos Tribunais Superiores, como também sob pena de se manter a vigorar na ordem jurídica uma decisão manifestamente disforme do sentido e vontade do legislador e, acima de tudo, uma decisão que coloca em causa o princípio da unidade do sistema jurídico.
Sendo certo que tal decisão trará nefastas consequências para todos os intervenientes, seja a Devedora (aqui Recorrente), sejam os credores que votaram favoravelmente o Plano de Recuperação, todos com o objetivo comum de recuperar economicamente a Recorrente e de aproveitar as vantagens que tal Plano traria a todas as partes.
Como dito, a decisão singular objeto de resposta, justifica a sua posição pelo facto de a resultado dos dois acórdãos acabar por ser a mesma “recusa da aprovação do plano” e referindo, posteriormente, que a ratio decidendi de ambos os acórdãos não é a mesma, independentemente do demais teor do acórdão.
Ou seja, é ignorada a totalidade da fundamentação aduzida no acórdão fundamento, simplesmente porque a decisão final acaba por ser recusar a homologação do plano e por entender que, em bom rigor, o que foi relevado no acórdão fundamento “em termos decisórios” é uma matéria distinta da dos presentes autos.
Não se pode concordar com tal entendimento.
Não se pode, jamais em tempo algum e em nenhuma decisão proferida pelos Tribunais (independentemente da instância) ignorar as considerações de Direito (todas) tecidas para efeitos de tomada de decisão.
Até porque as circunstâncias concretas de cada um dos casos podem determinar uma decisão final díspar, ainda que as considerações de Direito sejam as mesmas.
Ainda assim, o resultado do Acórdão Fundamento pouco ou nada tem de relevante para efeitos de admissibilidade do presente recurso de revista por contradição de julgados, isto porque o resultado do Acórdão vai sempre ter uma intrínseca relação com os concretos factos a serem julgados na situação que levou à prolação do Acórdão Fundamento.
Sendo ou não procedendo o recurso ou homologado ou não o Plano, nada releva para averiguar se se está perante contradição de julgados ou não.
O que serve de base à apreciação da oposição de julgados – para efeitos do artigo 14.º do CIRE – é precisamente as considerações de Direito, a aplicação do Direito, percecionada e refletida em na Decisão.
O resultado concreto final não se pode confundir, pois a base factual, a matéria de facto, é sempre diferente de caso para caso, de processo para processo.
A contradição de julgados exigida pelo artigo 14.º do CIRE, não se pode limitar ao resultado final, nem pode o resultado final constituir uma causa de exclusão do acórdão-fundamento enquanto tal.
A contradição de julgados não ocorre apenas quando o resultado final das decisões é diferente, mas também quando os fundamentos jurídicos que conduzem à decisão são contraditórios.
Porque é precisamente nesse quadro de interpretação da aplicação da Lei que é suscitada a intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça.
No caso que aqui concretamente tratamos, mesmo que ambas as decisões tenham resultado na não aprovação do Plano, é evidente que existe oposição relevante nos fundamentos jurídicos que lhe servem de base (decisórios ou não).
O que releva para efeitos da presente Revista é não o sentido final da decisão, mas o caminho e pensamento jurídico do julgador.
E estas divergências interpretativas, afetam obviamente a uniformidade da jurisprudência, criando incerteza jurídica.
Existindo, por isso, uma necessidade de uniformização por parte do Supremo Tribunal de Justiça.
Mais a mais, em casos como o presente, cujas efeitos na prática poderão – conforme a decisão – ser o “último prego no caixão” ou, contrariamente, a salvação da aqui Recorrente, através da apreciação do objeto do recurso e, consequentemente, da aprovação do Plano de Recuperação.
É por se tratarem de matérias tão delicadas que urge a decisão do Supremo Tribunal de Justiça e, em último caso, a uniformização da jurisprudência.
Não se pode afastar a função essencial da oposição de julgados, que consiste em assegurar a coerência jurídica nos tribunais superiores.
Se as decisões com fundamentos diferentes levarem a um mesmo resultado num caso concreto, isso não significa que a divergência jurídica não seja relevante para outros casos futuros, onde esses mesmos fundamentos possam levar a decisões contraditórias.
Também não podemos deixar de discordar frontalmente com as considerações tecidas no despacho em resposta relativamente à ratio decidendi.
Nem se poderá aceitar tamanha visão restritiva à revista por contradição de julgados.
É evidente que a análise da contradição de julgados merece uma interpretação mais esclarecedora e mais ampla, de outro modo estaremos a reduzir esta previsão legal de recurso a “casos estritamente iguais” (de facto e de direito).
O Autor supracitado refere como requisito do Recurso de Revista Excecional a “Incidência de ambos os acórdãos sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo ignoradas eventuais divergências relativamente a questões de facto.”
O entendimento de que no acórdão fundamento "apenas foi relevada, em termos decisórios, a circunstância de não existir uma maioria de credores não subordinados" como a única ratio decidendi subjacente à decisão é demasiado limitado, porque o acórdão vai muito além de relevar apenas esse facto.
Adotar essa posição é ignorar e desconsiderar totalmente os demais argumentos decisivos atendidos no acórdão fundamento.
As "considerações de índole jurídica" que a recorrente invoca não podem ser descartadas como irrelevantes, uma vez que claramente influenciaram a decisão.
Ao restringir a análise apenas a essa questão central, ignora-se o princípio mais amplo da uniformidade jurisprudencial, a contradição de julgados deve ser analisada no seu todo, considerando não apenas o resultado final, mas também os fundamentos que conduziram a esse resultado.
Além do mais, discordamos totalmente de que a ratio decidendi se limita à não existência de uma maioria de credores não subordinados a votar favoravelmente o plano!!
A verdade é que o Ac. fundamento e o Ac. recorrido refletindo sobre a mesma matéria, entram em clara contradição de argumentos e pensamentos jurídicos, quer no que respeita à contagem de votos para efeitos de aprovação do plano, quer para efeitos de apreciação do princípio constitucional da unidade do sistema jurídico invocado no recurso de revista apresentado.
O acórdão recorrido não parece, de todo, primar pela melhor aplicação do Direito, não sendo, na ótica da Recorrente e salvo melhor opinião dos Venerandos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, adotada a melhor solução jurídica mesmo tendo em conta a situação jurídica da Recorrente, que tem um PER aprovado pela maioria dos Credores – TOTALMENTE VÁLIDO E LEGAL -, porém o Tribunal de Primeira Instância e, agora, o Tribunal da Relação entenderam não homologar o plano porque considerarem que “aplicação das als. b) e c) do art. 17º-F, n.º 5, do CIRE, não permite obter a maioria necessária à aprovação do plano de recuperação e, dada a sua expressão desfavorável à aprovação, o plano não pode ser considerado aprovado” (Sentença de 1.ª Instância confirmada pela Relação).
A Recorrente apresenta como argumento para revogação do acórdão recorrido não só a errónea interpretação do artigo 17.º-F, n.º 5, mas também o facto de tal interpretação ser incompatível com o princípio constitucionalmente consagrado da unidade do sistema jurídico.
E assim decidiu precisamente o acórdão fundamento (em ambos os argumentos, contrariando o acórdão recorrido).
O Acórdão fundamento determina precisamente o recurso à interpretação das normas do PER com recurso à unidade do sistema jurídico, ou seja, aferindo uma comparação e interpretação condicente com o estatuído no artigo do legislador.
E este facto parece ser ignorado pelos Mm.ºs Juízes Desembargadores.
Concomitantemente, defende e perfilha o entendimento de que a exigência de votos favoráveis por parte de mais de metade de créditos subordinados apenas tem aplicação na averiguação de um segundo quórum deliberativo – ou seja, dos votos emitidos no sentido favorável de aprovação do plano, mais de 50% deverão corresponder a créditos não subordinados.
Relembre-se que o acórdão recorrido decidiu também “não se vislumbrando que tal interpretação colida ou afronte qualquer princípio constitucional (mormente o invocado princípio da unidade do sistema jurídico e legítima expectativa do cidadão)”.
Por outro lado, o Ac. fundamento refere que “A unidade do sistema (elemento lógico da interpretação) permite, no entanto, encontrar com a necessária segurança o alcance e sentido da norma. O artigo 212.º, n.º 1, do CIRE, depois das alterações introduzidas pelo D.-L. n.º 200/2004, de 18/8, dispõe o seguinte a propósito do quórum de aprovação do plano de insolvência: “A proposta de plano de insolvência considera-se aprovada se, estando presentes ou representados na reunião credores cujos créditos constituam, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto, recolher mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções”. As regras de aprovação do plano de insolvência são as mesmas que vigoram para a aprovação do plano de recuperação na situação em apreciação. E aqui mais de metade de votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados significa votos favoráveis uma vez que o legislador, no preâmbulo do referido D.-L. 200/2004, anotou ser este o sentido da alteração: “(…) note-se ainda o estabelecimento de um requisito de aprovação pela maioria dos votos subordinados possam, sem o acordo dos restantes credores, fazer aprovar um plano de insolvência.” Com recurso a este elemento sistemático de interpretação se conclui que a aprovação do plano de recuperação, não se considerando as abstenções, exige cumulativamente: (i) o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e (ii) o voto favorável de mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados. É, aliás, assim que, sem equívocos, resulta da redação da alínea a) do n.º 5 do artigo 17.º-F, vigente, na sequência das alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2022, de 11/1 “5 - Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados, se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que: (…) b) Nos demais casos, sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 a 6 do artigo 17.º-D, não se considerando as abstenções, recolha cumulativamente: i) O voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos; ii) O voto favorável de mais de 50 /prct. dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 a 6 do artigo 17.º-D”. E foi este o entendimento do acórdão desta Relação de 28/09/2017, relatado pelo ora 1º Adjunto e subscrito pelo ora 2º Adjunto, segundo o qual “[n]a visão maioritária, que perfilhamos, para os efeitos da alínea a) do n.º 5 do artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o legislador entendeu necessário um quórum constitutivo de pelo menos um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, como garantia de que participavam na deliberação votantes representativos de uma parcela significativa do capital envolvido no plano de recuperação. De seguida, para a aprovação do plano de recuperação, o legislador exigiu a votação favorável de mais de dois terços dos votos emitidos para fixar o quórum deliberativo, correspondendo mais de metade de tais votos a créditos não subordinados, não entrando nesse cômputo as abstenções”.
Ou seja, é evidente que o Ac. fundamento assenta a sua decisão precisamente num dos fundamentos invocados pela aqui Recorrente e não atendido no Ac. Recorrido.
É evidente que existe contradição de julgados neste aspeto, nomeadamente pelo Ac. recorrido entender que não se coloca em causa o princípio da unidade jurídica (entendendo que não se deve fazer uma interpretação de acordo com a unidade do sistema jurídico e as normas previstas para o plano de insolvência) quando precisamente o acórdão fundamento assenta a sua decisão nessa mesma interpretação.
Interpretou precisamente o regime jurídico do PER de acordo com o princípio constitucional da unidade do sistema jurídico e de acordo com o regime jurídico previsto para o plano de insolvência.
Há, portanto, evidentemente e independentemente do irrelevante resultado final, um pensamento e um fundamento contraditório em ambos os acórdãos.
O que não foi tido em conta na decisão singular.
Além de tudo o referido, existe também uma interpretação diversa do modo de contagem de votos no âmbito do PER, pois defende e perfilha o entendimento de que a exigência de votos favoráveis por parte de mais de metade de créditos subordinados apenas tem aplicação na averiguação de um segundo quórum deliberativo – ou seja, dos votos emitidos no sentido favorável de aprovação do plano, mais de 50% deverão corresponder a créditos não subordinados.
O que no caso em apreço, esse quórum verifica-se visto que dos votos favoráveis à votação do plano, cerca de 80% correspondem a créditos não subordinados.
Posto isto, e sem mais delongas, os acórdãos em confronto, decidiram a mesma questão de direito do acórdão recorrido, isto é, sobre o modo de interpretar a lei no que concerne às maiorias necessárias para aprovação do plano; julgaram todos no domínio do princípio constitucional da unidade do sistema jurídico (PER e Plano de Insolvência) e do artigo 17.º - F, n.º 5 do CIRE, nas várias redações que lhe tem sido conferido pelo legislador; as decisões adotam um pensamento jurídico diverso, contraditório e inconciliável.
Por um lado, o Acórdão Recorrido refere que se deve interpretar a tal norma da seguinte forma:
“I. Ao abrigo da alínea c) do nº 5 do art. 17º-F do CIRE (redacção introduzida pela Lei 9/2022, de 11/01) considera-se aprovado o plano de recuperação que i) obtenha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de 50% da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, de acordo com a lista de créditos referida nos nº 3 a 6 do art. 17º-D do CIRE (primeiro quórum de aprovação) e que (cumulativamente), ii) recolha o voto favorável de mais de 50% dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto, de acordo com a lista de créditos referida nos nº 3 a 6 do art. 17º-D do CIRE (segundo quórum de aprovação).
II. Exige este segundo quórum de aprovação (subalínea ii) da alínea c) do nº 5 do art. 17º-F do CIRE), para que se considere aprovado o plano de recuperação, que, no universo correspondente aos credores titulares de créditos não subordinados que votaram o plano, mais de 50% o tenham votado favoravelmente – ou seja, exige-se para a provação do plano que (também, cumulativamente com o preenchimento daqueloutro primeiro quórum de aprovação), considerando tão só o universo dos votantes titulares de créditos não subordinados, o plano tenha recolhido mais de 50% de votos favoráveis.”.
O Acórdão fundamento determina, contrariamente ao recorrido, o recurso à interpretação das normas do PER com recurso à unidade do sistema jurídico, ou seja, aferindo uma comparação e interpretação condicente com o estatuído no artigo 212.º do CIRE, só assim se garantindo a unidade do sistema jurídico e a intenção do legislador.
Simultaneamente, defende e perfilha o entendimento de que a exigência de votos favoráveis por parte de mais de metade de créditos subordinados apenas tem aplicação na averiguação de um segundo quórum deliberativo – ou seja, dos votos emitidos no sentido favorável de aprovação do plano, mais de 50% deverão corresponder a créditos não subordinados.
In casu, como devidamente explicado no Recurso que não foi admitido, esse quórum estava verificado, pois dos votos favoráveis à votação do plano, cerca de 80% correspondiam a créditos não subordinados!
O certo é que o acórdão recorrido mantém o entendimento erróneo perfilhado pela Primeira Instância no que concerne à votação de aprovação do Plano, no âmbito do PER.
O Acórdão Recorrido enferma de erro na aplicação e na interpretação das disposições do CIRE que preveem expressamente que o voto dos credores subordinados é sempre contabilizado para efeito de votação de Planos de Recuperação como é o caso aqui em apreço.
A verdade é que se o legislador pretendesse introduzir uma alteração como a referida no Acórdão aqui em causa, estaria a excluir praticamente em absoluto a participação dos credores com créditos subordinados de participarem nos PERs e PEAPs (o que não se nos afigura ser o caso).
E mais, se fosse esse o caso, seguramente, a questão constaria do preâmbulo da Lei que introduziu tais alterações.
Mais do que isso, note-se se a alteração legislativa tivesse a intenção que o acórdão recorrido confere, tal teria de ser introduzida também no artigo 212.º do CIRE, visto que sem tal a extensão ao Plano de Insolvência frustra-se todo o sentido associado a essa “intenção” plasmada na interpretação do acórdão recorrido.
Pois note-se que é muito mais penoso para uma empresa ser devedora numa Plano de Insolvência se compararmos com o Plano de Revitalização – isto porque, nos Planos de Insolvência a recuperação da empresa é praticamente impossível, colocando-se todos os Bancos, Financeiras, Seguradoras e demais entidades ABSOLUTAMENTE CRUCIAIS fora de qualquer apoio corrente necessário à recuperação da empresa (nomeadamente fazendo cessar financiamentos, seguros de crédito e demais apoios necessários às empresas.
Posto isto, é evidente que ao entender desta forma, o acórdão desvirtua totalmente o instituto do PER e os objetivos e interesses que visa acautelar – NOMEADAMENTE A RECUPERAÇÃO DA EMPRESA (primeiramente) e a satisfação dos interesses da MAIORIA dos credores, num segundo momento.
Decisão essa que não pode tornar-se definitiva, por ofensiva aos princípios regulatórios do Processo Especial de Revitalização e, inclusive, aos mais básicos pilares de Direito e da interpretação da lei, bem ainda a princípios constitucionais.
Colocando em causa o princípio da unidade sistemática do sistema jurídico constitucionalmente garantido.
Ora, a interpretação conferida pelo Acórdão recorrido implica uma total subversão do instituto do PER sendo que implica efeitos nefastos não só para a Devedora que ficará numa situação muito mais complicada no que respeita à sua recuperação caso ela seja feita no âmbito de um plano de insolvência em contraposição com o PER,
Bem como dos credores subordinados que têm um direito de voto no PER – QUE PARA NADA CONTA!
Ficando totalmente nas mãos dos credores não subordinados – note-se que se pode chegar ao ridículo de termos créditos de montante muito superior e que pretendem aprovar um plano de revitalização a verem a sua posição, interesse e crédito ser totalmente subvertido por vezes por créditos não subordinados totalmente irrelevantes para efeitos do passivo total da devedora!
Posto isto, não se pode aceitar a interpretação da al. c) do artigo 17.º - F, n.º 5 no sentido conferido pelo Ac. recorrido, colocando em causa princípios constitucionais de liberdade de empresa, livre iniciativa privada e acesso a uma tutela jurisdicional efetiva no âmbito do PER!
E quanto à questão da interpretação correta do art. 17.º n.º 5 al. c) inexiste jurisprudência uniformizadora.
Ora, daqui resulta que, mais do que situação fácticas-materiais litigiosas iguais que, como se compreende, são praticamente impossíveis de ocorrer, se deve, para feitos de admissão de recurso de revista em sede de PER ter em consideração situação jurídicas similares do ponto de vista subjetivo.
Pelo que a Recorrente mantém o seu entendimento de que se encontram reunidos os pressupostos legais para o Supremo Tribunal de Justiça conhecer o Recurso de Revista apresentado.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o douto despacho ser revogado, sendo admitido o recurso apresentado pela aqui Reclamante e ordenada a remessa do processo ao Supremo Tribunal de Justiça.
Apreciando do mérito da reclamação apresentada nos termos do artigo 653º, nº 3, do Código de Processo Civil:
Não assiste razão à reclamante, pelos motivos desenvolvidos na decisão singular.
De resto, na reclamação apresentada as reclamantes limitam-se a repetir, sem qualquer verdadeira novidade, o argumentário já antes exposto, aquando da sua notificação nos termos e para os efeitos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Nada há, portanto, a acrescentar ao que antes foi dito pelo relator do processo.
Concorda-se, assim e inteiramente, com o despacho reclamado, para cujos fundamentos se remete.
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) em indeferir a reclamação apresentada, mantendo-se a decisão singular reclamada que decidiu o não conhecimento do objecto do recurso, nos termos dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código de Processo Civil.
Custas pelas recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs.
Lisboa, 17 de Dezembro de 2024.
Luís Espírito Santo (Relator)
Maria Olinda
Luís Correia Mendonça
V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.