I. Impende sobre o contraente que submete ao aderente cláusulas contratuais gerais, o ónus de demonstrar o cumprimento dos deveres de comunicação e de informação previstos nos artigos 5.º e 6.º, do Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais. Tal ónus, porém, não retira à parte que se quer fazer valer dessa infracção, o ónus de alegação da violação desses deveres.
II. É aplicável à resolução ilícita do contrato de agência de duração determinada por parte do agente, o regime previsto no n.º 1 do artigo 29.º do DL 178/86, relativo à denúncia do contrato sem observância de pré-aviso.
III. A obrigação de indemnizar ao abrigo do referido preceito reporta-se aoss danos que decorram da cessação antecipada do contrato relativamente ao termo contratual, impendendo sobre a parte o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito à indemnização, nomeadamente a demonstração dos efectivos danos sofridos.
IV. A indemnização forfetária ou parametrizada prevista no n.º 2 do artigo 29.ºdo DL 178/86, que dispensa a prova do dano efectivo, tem por destinatário apenas o agente.
V. A redução equitativa da cláusula penal nos termos previstos no artigo 812.º, n.º 1, do Código Civil, impõe o apuramento: i. do tipo de cláusula penal em causa (de fixação antecipada da indemnização, stricto sensu ou exclusivamente compulsivo-sancionatória); ii. da existência de uma desproporção substancial e ostensiva entre a pena nela inserta e os danos a ressarcir, reportando-se o juízo sobre a manifesta excessividade ao dano efectivo.
VI. Tendo o montante da cláusula penal sido fixado pela Relação num juízo de equidade ao abrigo do artigo 812.º, do Código Civil, não compete ao STJ sindicar a determinação do valor pecuniário, mas apreciar se o juízo equitativo obedeceu aos critérios legais vigentes sem se ter desviado dos padrões que, segundo uma jurisprudência actualista e evolutiva, deverão ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis.
I – Relatório
1. VERDADETEMÁTICA, MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. propôs acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário contra AA, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe os seguintes montantes:
1) €60.000,00, acrescidos de juros de mora civis desde a citação e até integral pagamento, a título de cláusula penal (nos termos dos n.ºs 2 e 3 da cláusula 3.ª do contrato de prestação de serviços);
2) € 60.000,00, acrescidos dos juros de mora desde a citação até integral pagamento, a título de cláusula penal nos termos dos n.ºs e e 4 da cláusula 8:ª do contrato de prestação de serviços;
3) € 213.966,49, acrescidos dos juros legais desde a citação a té integral pagamento, título de danos patrimoniais sob a vertente de lucros cessantes.
Fundamentou a acção na resolução (em 05-05-2022) ilícita do contrato de prestação de serviços celebrado com o Réu, invocando que o mesmo violou os deveres de exclusividade e de confidencialidade a que se havia obrigado contratualmente, não honrando o referido acordo por mais um período de 12 meses e 26 dias.
Alegou para o efeito e fundamentalmente:
- ter celebrado com o Réu, em 02-06-2020 e pelo prazo de 12 meses renovável, contrato de prestação de serviços nos termos do qual este se obrigou a prestar-lhe, mediante o pagamento de uma remuneração variável, serviços de angariador e técnico de mediação imobiliária.
- ter o Réu, em 05-05-2022, sem fundamento e não observando o prazo de aviso prévio acordado, procedido à cessação do contrato;
- ter o Réu passado a prestar os mesmos serviços para outra sociedade de mediação imobiliária concorrente.
2. Após citação, o Réu contestou pronunciando-se pela improcedência total da acção defendendo fundamentalmente:
- a natureza lícita da “rescisão” do contrato e a inexistência de qualquer obrigação de indemnizar a Autora;
- a inexistência de previsão contratual da obrigação de indemnização em caso de incumprimento do prazo da denúncia;
- a nulidade do pacto de não concorrência (por nada dizer quanto à área ou círculo de clientes);
- a desproporcionalidade da cláusula penal fixada.
Deduziu reconvenção pedindo a condenação da Autora a pagar-lhe €6.764,63, acrescidos de juros contados desde a data da notificação da contestação até efectivo e integral pagamento. Fundamenta o pedido no direito a compensação referente ao trabalho de angariação que prestou e de que a Autora usufruiu após cessação do contrato.
4. A Autora, na réplica, contestou o pedido reconvencional, defendendo a improcedência do mesmo, invocando não ter o Réu direito a quaisquer comissões após a cessação do contrato nos termos estipulados contratualmente e por o desenvolvimento do seu trabalho ter sido prosseguido por outros angariadores que receberam as respectivas comissões.
5. Realizada audiência prévia, proferido saneador, fixado objecto do litígio e enunciados os temas de prova, foi realizado julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, tendo condenado o Réu a pagar à Autora €20.000,00, com juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação até efectivo pagamento, absolvendo-o do mais que estava pedido; julgou improcedente o pedido reconvencional dele absolvendo a Autora.
6. A Autora apelou, impugnando a matéria de facto. O tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão que manteve os factos fixados na sentença e julgou parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença com condenação do Réu a pagar à Autora a quantia global de € 82.637,81, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, absolvendo-o do mais peticionado.
7. Inconformados Autora e Réu recorreram de revista.
8. Pretendendo a alteração da decisão recorrida com a condenação do Réu no pagamento de indemnização no valor de €213.966,49, (nos termos do artigo 29.º 2 do Decreto-Lei n.º 178/86, ou nos termos gerais de direito) bem como o pagamento da totalidade da cláusula penal, no montante de €60.000,00 pela violação do pacto de não concorrência, concluiu, essencialmente a Autora nas suas alegações:
• não estando em causa uma denúncia do contrato, mas uma resolução ilícita, a indemnização não poderá ser encontrada no montante correspondente à falta de aviso prévio, mas numa média mensal de rendimento que auferia no tempo correspondente à renovação de 12 meses e 26 dias, caso não ocorresse a cessação;
• a não se entender assim, teria de ser ressarcida em termos de “lucros cessantes correspondem aos ganhos que o lesado deixou de ter por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património.”;
• não ser desconforme o montante de €60.000,00 a título de cláusula penal, por se mostra intensa a ilicitude do Réu (com perfeito conhecimento das consequências da violação da cláusula fixada contratualmente, conformou-se com tal resultado indo prestar serviços para uma concorrente directa da Autora) e por resulta demonstrado que o mesmo sada sabia até ser formado pela Autora, indo facturar um total de €124.748,88 nos 14 meses subsequentes à cessação do contrato.
9. O Réu concluiu essencialmente:
• O contrato celebrado com a Autora consubstancia um contrato de adesão, sujeito ao Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado e publicado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, impondo, nessa medida, que o seu conteúdo lhe tivesse sido devida e pormenorizadamente explicado, ocorrendo violação dos deveres de comunicação e informação;
• No montante da indemnização fixada, €46.637,81 (equiparando a resolução à denúncia sem o aviso prévio de 90 dias e tendo em conta a remuneração média mensal auferida no ano antecedente), o acórdão descurou a licitude da cessação, que ocorreu por comum acordo, uma vez que a mesma foi comunicada por escrito enquanto formalização do que já havia comunicado e informado verbalmente no dia 5 de Maio de 2022;
• Não ter tido o tribunal da Relação em conta que, no caso, não tem cabimento para o cálculo da indemnização o n.º4 do artigo 29.º do DL n.º 178/86, de 3 de Julho, que é de aplicação subsidiária, para os casos em que o contrato de agência não prevê aplicação de qualquer sanção pecuniária, em caso de incumprimento do contrato;
• Tendo o Réu, sem nada ter recebido, deixado à Autora imóveis que tinham o potencial de comissionamento de €222.390,00 (sendo à data da interposição da acção no valor já de €54.117,00), numa margem de comissão no mínimo de 87,5%, carece de fundamento a pretensão de lhe ser atribuída uma indemnização, na quantia de €213.966,49, pois a responsabilidade por não ter conseguido vender os imóveis apenas à Autora pode ser imputada por lhe competir proceder ao seguimento das angariações;
• Encontrando-se a Autora devidamente compensada pela cessação antecipada do contrato de agência em termos de lucros cessantes (por o Réu ter deixado imóveis com o potencial de comissionamento de valor superior àquele que havia gerado quando exercia as suas funções junto da Autora), mostra-se manifestamente abusiva qualquer pretensão a esse título;
• É desproporcional a cláusula penal fixada no contrato a título de incumprimento do referido contrato, atento o respectivo valor se consubstanciar em três vezes mais o valor do capital social da Autora;
• Tendo o Réu estado ao serviço da Autora desde 2 de Junho de 2020, até 5 de Maio de 2022, auferindo durante esse período um total de €54.796,00, a pretensão de ser atribuída à Autora uma indemnização num valor de €60.000,00 mostra-se não só manifestamente excessiva, ferindo os princípios da boa-fé e equidade, como se traduz num duplo enriquecimento da Autora.
II – APRECIAÇÃO DO RECURSO
Questão prévia: (in)admissibilidade da revista da Autora quanto ao segmento decisório de condenação do Réu no pagamento de €36.000,00 por incumprimento da obrigação de não concorrência,
Tendo sido entendido que relativamente ao segmento decisório de condenação do Réu no pagamento de indemnização pelo incumprimento da obrigação de não concorrência, ocorre uma dupla conformidade decisória impeditiva da revista interposta pela Autora, foi proferido despacho (de 15-11-2024) notificando as partes nos termos do artigo 655.º, do Código de Processo Civil (doravante CPC).
Ambas as partes responderam.
A Autora defende que seguindo essa linha de entendimento, também não pode ser conhecida a revista apresentada pelo Réu, que se conformou com a condenação decidida em 1.ª instância.
O Réu considera inexistir dupla conforme por não ocorrer coincidência dos valores de condenação e por se verificar diversidade na fundamentação.
Como referido no despacho que determinou o cumprimento do artigo 655.º, do CPC, na densificação do conceito de dupla conforme, este Supremo Tribunal acolheu o entendimento mais amplo, fixando jurisprudência através do acórdão uniformizador nº7/2022 (publicado no Diário da República, 1ª série, de 18-10-2022), estabelecendo que a conformidade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista tem de ser avaliada em função do benefício que o apelante retirou do acórdão da Relação.
E, embora o referido AUJ tenha sido proferido no âmbito de uma acção de responsabilidade extracontratual, o critério nele fixado tem aplicação em outro tipo de acções, tendo cabimento na presente acção fundada na responsabilidade contratual do réu pela cessação ilícita do contrato de agência e pela violação do pacto de não concorrência acordado entre as partes (cfr. o acórdão do STJ de 03-05-2023, proferido no âmbito do Processo n.º 1866/14.2T8OAZ-AI.P1.S1, acessível através das Bases Documentais do ITIJ).
Assim, como então sublinhado e contrariamente ao que parece ser o entendimento do Réu sobre o conceito de dupla conforme (traduzido na concepção restrita de sobreposição total das decisões), é de assimilar à dupla conforme obstativa da revista normal, a situação em que a Relação, sem voto de vencido e com fundamentação de direito essencialmente convergente, é mais favorável ao recorrente que a sentença apelada, embora fique aquém da satisfação total da pretensão formulada.
Nessa avaliação, seguindo a doutrina do referido AUJ, atendendo, separadamente, a cada um dos segmentos decisórios autónomos e cindíveis (que no caso dos autos caso são perfeitamente possíveis de delimitar, correspondendo a cada um dos pedidos formulados pela Autora na petição inicial), há que considerar que, relativamente pedido de condenação do Réu no pagamento de uma indemnização pelo incumprimento da obrigação de não concorrência, ocorre, relativamente à Autora, conformidade parcial de decisões, porquanto o acórdão da Relação, seguindo a mesma linha de fundamentação, decidiu em termos mais favoráveis à Recorrente embora sem satisfazer totalmente a sua pretensão.
Na verdade, quer a 1.ª instância, quer a Relação consideraram válido o pacto de não concorrência, decidindo pela redução da cláusula penal convencionada pelas partes, ao abrigo do disposto no artigo 812.º, do Código Civil.
Concluiu a esse respeito a sentença: “não esquecendo ainda a ausência da estipulação contratual da compensação pelo pacto de não concorrência, consideramos estar perante uma situação em que o acionar da aludida cláusula penal se revela uma pena excessiva, ofendendo a equidade, não havendo qualquer justificação para que esteja acoplada ao capital social da Autora. Justifica-se, pois a sua redução equitativa, de acordo com o que dispõe o artigo 812º do Código Civil, afigurando-se criteriosa e razoável, de acordo com o tudo o que foi exposto, a redução para 20 000,00€, valor que, atendendo ao tipo, conteúdo e fins do contrato celebrado (prestação de serviços de angariação e mediação imobiliária), à formação prestada e às condicionantes que modelam o exercício da atividade em questão, num mercado concorrencial, bem como à ausência da compensação por tal cláusula, que o Tribunal reputa como equitativo.”.
O acórdão recorrido entendeu, também, impor-se a redução da cláusula penal, sopesando o facto de não ter sido convencionada uma compensação pela obrigação de não concorrência na consideração da culpa do lesado (ainda que, em concreto, tal omissão não tenha contribuído para a causação do dano). Concluiu, por isso, que “a A./recorrente terá direito a haver do R./recorrido, a título de indemnização pelo incumprimento da obrigação de não concorrência, a quantia de € 36.000,00 (correspondente a 60% do valor fixado no contrato), quantia que se afigura justa e equitativa e à qual acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento”.
Assim, em relação a este pedido formulado pela Autora, o enquadramento jurídico dos factos provados foi essencialmente o mesmo (assente nos pressupostos de redução da cláusula penal nos termos previstos no artigo 812.º, do Código Civil, com base na equidade), tendo apenas divergido quanto ao valor dessa redução, pois que a Relação aumentou o valor da indemnização devida em termos mais favoráveis à Autora.
Por conseguinte, contrariamente ao pugnado pelo Réu, não ocorre fundamentação essencialmente diversa porquanto o tribunal a quo não sustentou a sua decisão em argumentação jurídica inovatória ou ancorada em preceito ou instituto jurídico diverso do consignado na sentença, ainda que tenha desenvolvido a fundamentação da sentença, aspecto que não descaracteriza a dupla conforme.
Refira-se, por fim, que a situação de dupla conformidade não se aplica ao Réu pois que a decisão da Relação lhe foi mais desfavorável; daí, a admissibilidade da revista.
Importa, porém, realçar que, conforme adiante melhor se explicitará, ao invés do pretendido pelo Réu, na apreciação da revista, quanto a este segmento decisório, importará ter presente que a sentença de 1.ª instância, na parte em que condenou o Réu a pagar o montante de €2.0000,00 acrescido de juros de mora, transitou em julgado, não podendo este tribunal baixar esse valor por tal violar o caso julgado já formado nos autos, nos termos previstos no artigo. 635.º, n.º 5, do CPC, segundo o qual os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo.
Por conseguinte, relativamente à condenação do Réu na quantia de € 36.000,00 a título de indemnização pelo incumprimento da obrigação de não concorrência, ocorre dupla conformidade decisória impeditiva da admissibilidade do recurso de revista da Autora, que inviabiliza o conhecimento do objecto do recurso.
Mostrando-se admissível o recurso interposto pelo Réu e parcialmente admissível o recurso interposto pela Autora (quanto ao segmento decisório relativo ao pedido de condenação do Réu no pagamento de uma indemnização a título de lucros cessantes pela cessação ilícita do contrato), constituem objecto de apreciação, nesta sede, as seguintes questões, que se elencam segundo uma perspectiva lógica do respectivo conhecimento:
1. Da violação dos deveres de comunicação e informação (revista do Réu)
2. Da (i)licitude da cessação do contrato e do direito da Autora a indemnização e seu montante pelos danos decorrentes da cessação antecipada do contrato (revista do Réu e revista da Autora)
3. Da cláusula penal por incumprimento do pacto de não concorrência (revista do Réu)
1. Os factos
Provados
1. A Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à actividade de mediação imobiliária, a actividades intermediárias na compra e venda e arrendamento, à avaliação com vista ao arrendamento e compra e venda por conta de terceiros, à administração e gestão de imóveis por conta de outrem e condomínios, à actividade de compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, à emissão de certificados energéticos e presença ou ausência de térmitas, a actividades desenvolvidas em nome de proprietários necessárias ao funcionamento dos imóveis e edifícios, incluindo a cobrança de rendas, à prestação de serviços nas áreas da consultoria jurídica, fiscal comercial económica e bancária nos limites impostos na Lei e a mediação de seguros, à prestação de serviços de carácter administrativo, orientação e assistência operacional a pessoas singulares e colectivas em matérias diversas com vista à aquisição de imóveis.
2. No dia 2 de Junho de 2020, o Réu celebrou com a Autora, por escrito, um documento particular que as partes denominaram por "CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS", com o seguinte teor:
OBJETO
a) Procura de destinatários para a realização de negócios com a Primeira Outorgante, que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis;
b) Ações de prospeção e recolha de informações que visem encontrar o bem imóvel pretendido pelos Clientes da Primeira Outorgante;
c) Ações de promoção dos bens imóveis sobre os quais os Clientes da Primeira Outorgante pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação, publicitação ou da realização de leilões;
d) Obtenção de documentação e de informações necessárias à concretização dos negócios objeto dos Contratos de Mediação Imobiliária a celebrar entre os Clientes e a Primeira Outorgante;
e) Aferição, no momento da celebração dos Contratos de Mediação Imobiliária, da capacidade e legitimidade para contratar das pessoas intervenientes nos negócios que irão promover; e
f) Aferição, no momento da celebração dos Contratos de Mediação Imobiliária, por todos os meios ao seu alcance, da correspondência entre as caraterísticas do imóvel objeto do contrato de mediação e as fornecidas pelos interessados contratantes, bem como se sobre o mesmo recaem quaisquer ónus ou encargos.
AUTONOMIA
EXCLUSIVIDADE
2. Segundo Outorgante obriga-se a não prestar serviços de técnico de angariação imobiliária ou de angariador imobiliário para qualquer outra Sociedade de Mediação Imobiliária no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, contados a partir do termo do presente Contrato de Prestação de Serviços e independentemente da causa da sua cessação, sob pena de indemnizar a Primeira Outorgante de todas as despesas em que incorreu com a formação e transmissão continuada de conhecimentos, gerais e específicos, os quais foram essenciais e fundamentais para sua prestação de serviços e para os resultados e exercício da actividade do Segundo Outorgante, nomeadamente porquanto muitos deles advieram dos contactos e conhecimentos pessoais e profissionais dos sócios e gerentes da Primeira Outorgante e, outros, tendo origem em contatos gerados na loja de atendimento ao público, sede da Primeira Outorgante. Tanto mais que, confessa, o Segundo Outorgante, não tinha qualquer experiência nesta área profissional de angariação e mediação imobiliária, os quais foram, na íntegra, transmitidos pela Primeira Outorgante, de acordo com o seu próprio método de trabalho e conhecimento do mercado local e técnicas específicas de angariação e venda criadas e desenvolvidas pela Primeira Outorgante segundo o seu próprio método pessoal de trabalho e experiência pessoal e profissional da sua gerência, essências para a otimização dos resultados obtidos.
3. Nestes termos, em caso de incumprimento pelo Segundo Outorgante, do disposto no número anterior, deverá o mesmo de pagar uma indemnização à Primeira Outorgante, no montante correspondente a 3 (três) vezes o capital social desta à data de assinatura do presente contrato, quantia da qual o Segundo Outorgante se considera devedor e aceita sem qualquer possibilidade de redução judicial ou extra- judicial.
IMPEDIMENTOS E OBRIGAÇÕES DO SEGUNDO OUTORGANTE
a) Celebrar Contratos de Mediação Imobiliária em nome próprio, mas apenas em nome e por conta da Primeira Outorgante;
b) Cobrar e/ou receber dos intervenientes do negócio visado com o Contrato de Mediação Imobiliária quaisquer quantias a título de retribuição.
2. O Segundo Outorgante, na prestação dos serviços que são objeto do presente contrato, descritos na Cláusula 1.ª, obriga-se a:
a) entregar à Primeira Outorgante todos os montantes recebidos, no âmbito da celebração dos Contratos de Mediação Imobiliária, que lhe tenham sido confiados pelos Clientes da Primeira Outorgante;
b) aferir, no momento da celebração dos Contratos de Mediação Imobiliária, da capacidade e legitimidade para contratar das pessoas intervenientes nos negócios que irão promover;
c) aferir, no momento da celebração dos Contratos de Mediação Imobiliária, por todos os meios ao seu alcance, da correspondência entre as caraterísticas do imóvel objeto do Contrato de Mediação Imobiliária e as fornecidas pelos interessados contratantes, bem como se sobre o mesmo recaem quaisquer ónus ou encargos;
d) fornecer aos Clientes da Primeira Outorgante, de forma clara, objetiva e adequada, informações, nomeadamente sobre as caraterísticas, composição, preço e condições de pagamento do bem em causa;
e) propor, com exatidão e clareza, os negócios de que for encarregada, procedendo de modo a não induzir em erro os Clientes da Primeira Outorgante.
PREÇO
2. Da mesma forma, a Primeira Outorgante pagará ao Segundo Outorgante, a percentagem mínima de 25% da Transação de Venda do Imóvel, caso o Segundo Outorgante tenha intervido, naquele negócio em concreto, como vendedor do imóvel, sendo que a transação imobiliária de venda apenas corresponde a metade do valor da comissão imobiliária total recebida pela Primeira Outorgante, ou seja, os supra referidos 25% (vinte e cinco por cento) da transação de venda do imóvel corresponde a 12,5% do valor total da comissão imobiliária recebida pela Primeira Outorgante.
3. Os valores suprarreferidos, não incluem a taxa legal de IVA liquidada pelos clientes do Segundo Outorgante, e por cada transação de angariação ou venda, a esta sim acrescerá o IVA à taxa legal aplicável
4. O pagamento das quantias previstas nos números anteriores será efetuado pela Primeira Outorgante ao Segundo Outorgante até ao final do mês do recebimento.
5. Por cada pagamento dos serviços prestados, o Segundo Outorgante emitirá o correspondente recibo.
PRAZO
2. Findo o prazo estabelecido no número anterior, o presente Contrato de Prestação de Serviços renovar-se-á automaticamente por período iguais de 12 (doze) meses, exceto se algum dos Outorgantes o denunciar, por meio de Carta Registada, com a antecedência mínima de 90 (noventa) dias em relação ao termo de cada período contratual
3. No caso de renovação do presente Contrato de Prestação de Serviços nos termos do número anterior, o Primeiro Outorgante, em função dos critérios que considerar pertinentes, poderá ajustar o regime da prestação de serviços, nomeadamente no que concerne à retribuição.
RESOLUÇÃO
DEVERES DE CONFIDENCIALIDADE
2. O Segundo Outorgante obriga-se a não usar ou comunicar a qualquer pessoa, firma, organização ou entidade, exceto quando no desempenho normal dos seus serviços e com o consentimento expresso da Primeira Outorgante ou, também, quando requerido por um Tribunal ou Autoridade competente, quaisquer segredos ou outras informações confidenciais da Primeira Outorgante ou de entidades em que preste serviços por decorrência do presente contrato, relativas ao negócio, organização, transações, contas, finanças ou assuntos da mesma, incluindo nomes dos clientes e fornecedores, relatórios, documentos, dados informáticos e quaisquer outras informações preparadas para a Primeira Outorgante, e que obtenha enquanto ao serviço da Primeira Outorgante.
3. Em caso de cessação por qualquer motivo do presente contrato, o Segundo Outorgante deverá devolver imediatamente à Primeira Outorgante todos os originais,
e/ou cópias dos dossiers, correspondência, arquivos, memorandos e outros documentos e informações que se encontrem em seu poder.
4. Esta restrição de confidencialidade manter-se-á aplicável após o termo do presente contrato, seja qual for a causa, sem qualquer limite temporal fazendo incorrer o Segundo Outorgante em responsabilidade indemnizatória para com a Primeira Outorgante em caso de inobservância, no montante mínimo de 3 (três) vezes o capital social desta à data de assinatura do presente contrato ou, se superiores forem os danos, o que for quantificado, bem como em eventual responsabilidade criminal
ALTERAÇÕES
COMISSÕES APÓS A CESSAÇÃO DO PRESENTE CONTRATO
FORO
AUTENTICAÇÃO
3. No dia 5 de Maio de 2022, o Réu comunicou, verbalmente, ao sócio-gerente da Autora, a sua intenção de fazer cessar o contrato de prestação de serviços.
4. O Réu, por escrito, e por carta datada de 9 de Maio de 2022, dirigida e recebida pela Autora, comunicou-lhe o seguinte: Eu, AA, venho informar v. exa. Que pretendo rescindir o meu contrato de prestação de serviços, com efeitos imediatos, nos termos e com os fundamentos seguintes: 1. Uma vez que sou uma pessoa correta, honesta e de bons princípios, não me sinto bem em continuar a prestar serviços na vossa empresa, tendo em conta que a minha esposa aceitou uma proposta irrecusável mediante contrato de trabalho, e, portanto, mais estável, como diretora administrativa e financeira, numa imobiliária local concorrente. 2. Entendo existir uma incompatibilidade e não seria correto da minha parte continuar a trabalhar na vossa imobiliária, podendo pôr em causa a confidencialidade que é fundamental existir neste ramo. 3. Para além disso, apesar do meu contrato frisar que era um prestador de serviços, com autonomia técnica, não estando sujeito a qualquer período ou horário de trabalho, na realidade isso nunca aconteceu, tendo eu a obrigação, sob vossa ordem de comparecer na loja todos os dias às 8:30 horas e às 15:30 horas. 4. Estas instruções violam o disposto na cláusula 2.2 do contrato de prestação de serviços, o que me dá o legal direito de rescindir o contrato com efeitos imediatos. 5. Nesta semana, será entregue, pelo colega BB, todo o material que tenho na minha posse.
5. O Réu, após ter rescindido o contrato de prestação de serviços com a Autora a 05/05/2022, foi trabalhar, a 24/06/2022, para outra sociedade de mediação imobiliária concorrente da Autora e denominada por "Z..., Lda.".
6. O Réu, desde Junho de 2022 e até à presente data, continua a prestar serviços de angariador e técnico de mediação imobiliária na sociedade de mediação imobiliária concorrente da Autora e denominada por Z..., Lda.
7. O Réu, no ano de 2022, recebeu diversos prémios de reconhecimento nacional, nomeadamente: - Top 50 Volume de Negócios - prémio nacional de produção. - Top 25 Volume de Negócios - prémio nacional de produção. - Top n. ° 1 Income - em termos de faturação nacional
8. A Autora tinha e sempre teve uma base de dados dos seus clientes.
9. Essa base de dados é composta pelo nome do cliente, número de identificação fiscal número do cartão de cidadão, morada, contactos telefónicos e endereço eletrónico.
10. Eram clientes da Autora, e como tal consta da sua base de dados de clientes: a) CC; b) DD e Herdeiros; c) EE e Herdeiros; d) FF e e) GG.
11. O Réu, quando assinou o contrato de prestação de serviços com a Autora, não tinha qualquer conhecimento na área da mediação imobiliária, nem tinha exercido qualquer actividade relacionada com essa área de comércio.
12. Nos quase dois anos de relação contratual entre a Autora e o Réu, esta dotou o Réu de diversos conhecimentos de modo a que pudesse desenvolver a actividade de angariador e técnico de mediação imobiliária.
13. A Autora deu diversas acções de formação ao Réu, explicando-lhe procedimentos a adotar; forneceu-lhe diversas minutas e formulários.
14. Entre outros conhecimentos passados pela Autora ao réu, destacam-se os seguintes: Como efetuar a abordagem pessoal para imóveis que estão actualmente na concorrência - a apresentação de serviços; As objecções contratuais - o que são, como devem ser trabalhadas e ultrapassadas e as várias objecções e quais os argumentos que devem ser utilizados; Como fazer o seguimento inicial ao cliente da angariação; Como efectuar o seguimento de um imóvel de um outro colega que tenha saída; Minutas dos contratos de mediação imobiliária (o Contrato Prioritário e o Imóvel de Luxo); Minutas para apresentação dos Estudos de Mercado (Apartamentos, Moradias e Lotes); A correcta forma de apresentação de um Estudo de Mercado; O procedimento para Seguimento da Angariação (Cada 30 dias); A apresentação da avaliação do Imóvel; A apresentação do seguimento da visita ao cliente Vendedor - Os documentos bancários necessários dos Compradores; A qualificação financeira dos Compradores minuta correcta do atendimento; Minuta do email a enviar para os clientes para obtenção dos documentos bancários; O registo e tabela de seguimento das angariações na zona de prospecção - minuta do telefonema no dia de atendimento à loja (argumentos que devem ser utilizados); Os telefonemas para os imóveis na Concorrência; Os telefonemas para os Imóveis que estão em Estado Inactivo; Os particulares com os imóveis à Venda - O telefonema correcto; As listagens dos Comprados; As rescisões Contratuais com outras imobiliárias; O quadro da equipa - Registo de Contatos de Vendedores e Compradores; As várias zonas de prospecção na ... (divisão em 84 zonas de trabalho, todas elas identificadas, limitadas e atribuídas aos vários colegas e equipas); O mapa de agendamento de escrituras - O qualificador financeiro - Instrumento para Qualificação Financeira dos Compradores.
15. O Réu tornou-se num elemento importante e valioso na estrutura da Autora.
16. A Autora, ao longo dos anos, tem tido um excelente desempenho na sua área de actividade, o que, de resto, tem sido reconhecido por diversos prémios nacionais na área da mediação imobiliária e na rede de lojas ibérica da ComprarCasa, nomeadamente: O prémio Cinco Estrelas de Melhor Imobiliária ... em 2021; O prémio Cinco Estrelas de Melhor Imobiliária ... em 2022; O prémio do banco CGD de melhor agência; O prémio do banco BPI de melhor Agência; O prémio do banco Santander Totta de melhor agência; O prémio banco BIC de melhor agência; O prémio de melhor agência do site Imovirtual; O prémio melhor agência do site Idealista.
17. Na rede ComprarCasa, e nos últimos 5 anos, a Autora recebeu os prémios de melhor agência em angariação, facturação, volume de vendas, tendo sido a melhor agência da Península Ibérica no ano de 2022.
18. O capital social da Autora é de €20 000,00.
19. O Réu acedia à base de dados confidencial através de uma senha e password pessoal e intransmissível que foi cedida especificamente pela Autora, e isto em qualquer local e computador, porque se encontrava numa base de dados em "cloud".
20. A palavra passe fornecida pela Autora ao Réu permitia aceder ao sistema e informação interna da Autora nomeadamente à identificação de todos os clientes desta e os respectivos imóveis a serem comercializados, não só os angariados pelo Réu mas a todos os clientes da Autora em virtude duma autorização especial que lhe foi concedida, permitindo que este pudesse consultar todos os restantes clientes e imóveis angariados por todos os colegas, nomeadamente com acesso aos contactos diretos (telemóvel e emails) a compradores e vendedores.
21. Uma base de dados de clientes de uma sociedade de mediação imobiliária leva anos a fazer-se e com enormes custos.
22. Tal base de dados é fulcral para o desenvolvimento da actividade da Autora ou de qualquer outra sociedade de mediação imobiliária.
23. Desde o mês de Junho de 2020 a Abril de 2022, o Réu gerou para a Autora comissões no valor de €378 532,50:
a) Junho de 2020 - 0,00€.
b) Julho de 2020 - 5 000,00€.
c) Agosto de 2020 - 5 000,00€.
d) Setembro de 2020- 0€.
e) Outubro de 2020 - 0,00€.
f) Novembro de 2020 - 6 247,50€.
g) Dezembro de 2020 - 12 650 00€.
h) Janeiro de 2021 - 14 500,006.
i) Fevereiro de 2021- 21 247,50€.
j) Março de 2021- 10 000,00€.
k) Abril de 2021- 17 347,50€.
l) Maio de 2021-10 000,00€.
m) Junho de 2021- 46 742,50€.
n) Julho de 2021 - 29 125,00€.
o) Agosto de 2021 - 10 000,00€.
p) Setembro de 2021- 0,00€.
q) Outubro de 2021- 7 300,006.
r) Novembro de 2021- 10 625,00€.
s) Dezembro de 2021 - 16 250,00€.
t) Janeiro de 2022 - 10 000 00€.
u) Fevereiro de 2022 - 26 350 00€.
v) Março de 2022 - 28 750,00€.
w) Abril de 2022 - 36 245,00€.
24. De tais comissões o Réu auferiu €54 796,00 pelos serviços prestados.
25. A Autora tinha direito a 75% da comissão gerada, deduzindo os valores pagos de 12,5% ao consultor angariador e 12,5% ao consultor vendedor.
26. A venda de imóveis na Região Autónoma ... e mais especificamente ilha ... tem vindo a crescer ano após ano.
27. O Réu tinha de se apresentar todos os dias na agência da Autora, às 08h30m e às 15h30m para participar em reuniões.
28. O Réu tinha de estar de escala um dia por semana na sede da Autora durante um período de 10 horas.
29. O Réu tinha de estar de escala um dia por semana na sede da Autora, durante um período de 10 (dez) horas.
30. O Réu era obrigado a ter uma agenda de trabalho toda preenchida, com uma antecedência mínima de 15 (quinze) dias e exibir à gerência.
31. O Réu era obrigado a agendar previamente as férias e tinha de ser necessariamente autorizado pela gerente da Autora.
32. O Réu é que pagou os seus cartões de identificação com a marca associada à Autora, despendeu a sua gasolina com as deslocações que fez na tentativa de prospecção e angariação de clientes.
33. Entre o dia 5 de Maio de 2022 e o dia 24 de Junho de 2022, o Réu entregou angariações de imóveis à Autora e todos os contactos recebidos por potenciais compradores que iam surgindo, entregou-os aos seus colegas, que desempenhavam funções com a Autora.
34. O contrato celebrado pelas partes trata-se de um conteúdo análogo aos demais subscritos pela Autora com os seus demais colaboradores sendo que, nenhuma das cláusulas foi discutida ou negociada entre as partes.
35. E sem que ao Réu tivesse sido explicado as consequências das cláusulas penais aí previstas.
36. A partir do dia 5 de Maio de 2022, o Réu nunca mais acedeu à referida base de dados.
37. Os imóveis deixados pelo réu tinham o potencial de comissionamento de 222 390,00€:
a) Cliente vendedor: HH, moradia T4, ..., preço base: 219 000,00€, contrato denunciado;
b) Cliente: II, prédio urbano na Rua ..., freguesia de ..., concelho de ..., preço base: 890 000 00€, contrato denunciado;
c) Cliente vendedor: JJ, ruína com habitação e comércio em ..., preço base: 59 950 00€, ainda não vendido;
d) Cliente vendedor: KK e LL, moradia T3, ..., preço base: 219 950,00€, ainda não vendido;
e) Cliente: MM, terreno com 12 800m2, nos ..., preço base 424 950,00€, ainda não vendido;
f) Cliente: NN, cabeça de casal da herança de (OO), terreno rústico na ..., preço base 24 950,00€, ainda não vendido;
g) Cliente: PP e QQ, terreno com 10 540 m2, na ..., preço base 499 950,00€, ainda não vendido;
h) Cliente vendedor: RR, moradia na ..., preço base 499 950,00€, ainda não vendido;
i) Cliente: CC, moradia T3 na ..., preço base 349 950,00€, contrato não denunciado;
j) Cliente: SS, terreno com 8 040 m2, na ..., preço base 81 950,00€, contrato não denunciado.
38. Os seguintes imóveis angariados pelo Réu foram vendidos pela Autora após a sua saída, gerando para aquela comissões no valor de 54 117,00€:
a) Cliente vendedor: TT e UU, - Lote para construção de moradia, nos ..., concelho de ..., comissão de 625,00€.
b) Cliente angariador: VV, cabeça de casal - quinta com árvores de fruto em ..., comissão de 625,00€;
c) Cliente vendedor: WW, cabeça de casal da herança de - moradia T3 + 1, nas ..., comissão de 999,69€;
d) Cliente vendedor: XX e YY - moradia T3, nas ..., comissão de 843,75€;
e) Cliente vendedor: KK, cabeça de casal da herança de - moradia T 2, nos ..., comissão de 734,38€;
f) Cliente: ZZ – moradia T3, em ..., comissão de 687,19€.
g) Cliente: NN, cabeça de casal da herança de (OO) – moradia T5 + 1, ..., comissão de 1 624,68€.
h) Cliente: Procuradora TT, Ruína para reconstrução nas ..., comissão devida 625,00€. 39. O contrato de prestação de serviços foi enviado por e-mail para o Réu para sua análise”.
Não provados
a) O Réu celebrou, por si ou por interposta pessoa, designadamente pela sociedade de mediação imobiliária denominada por "Z..., Lda.", com os clientes referidos em 10) e forneceu a terceiros todos os elementos de identificação daqueles clientes.
b) O Réu, por si e pela sociedade de mediação imobiliária denominada por "Z..., Lda.", a quem o Réu forneceu os elementos de identificação daqueles clientes, contactaram-nos, convencendo-os a denunciarem os contratos de mediação imobiliária que tinham assinado com a Autora para passarem a ter contratos do mesmo género com eles.
c) O Réu angariou o imóvel de AAA, um terreno com 12 920 m2, em ... e com preço base 317 700,00€.
2. O direito
1. Da violação dos deveres de comunicação e informação (revista do Réu)
Na presente revista está em causa, fundamentalmente, apreciar as consequências decorrentes da cessação do contrato celebrado entre Autora e Réu, intitulado de contrato de prestação de serviços, que ambas as instâncias qualificaram como contrato de agência, enquanto acordo pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos em certa zona ou determinado círculo de clientes, de modo autónomo e estável e mediante retribuição; por isso, sujeito ao regime do disposto no DL n.º 178/86, de 03-07.
Mostra-se pacífico no processo quer a qualificação do contrato, quer a cessação efectiva deste por iniciativa do Réu. Em discussão, porém, está a (i)licitude dessa cessação.
Previamente, importa ter em conta a questão suscitada pelo Réu relativamente à violação, pela Autora, dos deveres de informação e comunicação com a qual o Recorrente inicia a sua alegação.
Invoca o Réu que a sua relação contratual com a Autora consubstancia um contrato de adesão, sujeito ao Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25-10, e que o conteúdo do mesmo nunca lhe foi devida e pormenorizadamente explicado “não suprindo essa lacuna, o facto de o mesmo constar de um documento particular ainda que autenticado, atenta sua a natureza de contrato de adesão e as obrigações legais daí decorrentes”.
A este respeito evidenciam os autos que, na contestação, o Réu limitou-se a invocar que “o contrato em crise nos presentes autos trata-se de um conteúdo análogo aos demais subscritos pela Autora com os seus demais colaboradores sendo que nenhuma das cláusulas foi discutida ou negociada entre as partes” (artigo 58.º da contestação) e “sem que ao Réu tivesse sido explicado as consequências das cláusulas penais aí previstas” (artigo 59.º da contestação), matéria considerada provada pelas instâncias (pontos 34 e 35 dos factos provados).
O Réu, porém, não alegou nem suscitou no articulado a violação pela Autora dos referidos deveres de comunicação e de informação, não demonstrando vontade de se prevalecer dessa infracção.
Não obstante, a sentença abordou tal matéria ao conhecer da questão da nulidade da cláusula 3.ª, n.sº2 e 3, do contrato (relativa ao pacto de não concorrência) tendo considerado que “para se considerar que foi violado o dever de informação, torna-se necessário demonstrar que o aderente solicitou a prestação de esclarecimentos ao proponente, sendo que, neste caso, o ónus da prova recai sobre o aderente, e, no presente caso, o Réu confessou ter recebido o contrato por e-mail, ter analisado e após, de livre vontade, o ter assinado, sem ter solicitado qualquer outro esclarecimento à Autora, pelo que, não tendo feito prova da violação dos deveres de comunicação e de informação previstos nos artigos 5º a 8º do RJCCG, não podemos concluir pela exclusão das mesmas do contrato celebrado entre as partes.”
Nas contra-alegações do recurso de apelação que apresentou, o Réu veio invocar a alegada violação dos deveres de comunicação e de informação (cfr. conclusões 39 a 43). Porém, não requereu a ampliação do respectivo âmbito, nos termos previstos no artigo 636.º, do CPC, pelo que tal matéria não foi objecto de apreciação pelo acórdão recorrido.
Vem agora em sede da revista que interpôs suscitar tal a questão.
Partilhamos do entendimento maioritário neste tribunal que considera que o ónus que impende sobre o contraente que submete ao aderente as respectivas cláusulas contratuais gerais de provar o cumprimento dos deveres de comunicação e de informação previstos nos artigos 5.º e 6.º, do Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais, não retira à parte que se quer fazer valer dessa infracção do ónus de alegação da violação desses deveres (cfr. entre outros acórdãos do STJ o de 02-11-2017, Processo n.º 620/09.8TBCNT.C1.S1 e de 21-04-2022, Processo n.º 2502/21.6T8VNG.P1.S1; em sentido contrário indica-se o acórdão de 30-03-2023, Processo n.º 1831/20.0T8STR.E1.S1, todos acessíveis através das Bases Documentais do ITIJ).
Como se afirma no acórdão do STJ de 21-04-2022, acima citado, “em face do princípio das substanciação que enforma o processo civil português, se de um lado cabe ao predisponente das cláusulas gerais o ónus de prova de uma comunicação adequada e efectiva (art.º 5.º n.º 3 LCCG), de outro lado cabe ao destinatário da cláusula que se pretende afastada, ou a quem beneficia desse afastamento, o ónus de alegação de que os mencionados deveres de comunicação e de informação não foram cumpridos.”
No caso, verifica-se que o Recorrente não cumpriu o referido ónus de alegação da violação dos referidos deveres de comunicação e de informação por parte da Autora, não tendo suscitado tal questão na sua contestação ou em qualquer outro articulado, trazendo-a à discussão nas contra-alegações que apresentou ao recurso de apelação e, agora, nas alegações da revista.
Assim, não tendo a questão sido submetida, previamente, à apreciação do Tribunal Relação, consubstancia, por esse motivo, uma questão nova neste âmbito. Conforme se encontra sublinhado no acima citado acórdão de 02-11-2017, (Processo n.º 620/09.8TBCNT.C1.S1) “no nosso direito processual civil os recursos ordinários são, por regra, recursos de reponderação, não podendo o tribunal superior ser chamado a decidir questões de facto ou de direito que não tenham sido colocadas na instância recorrida, mas apenas reapreciar a decisão proferida pelo tribunal hierarquicamente inferior, a não ser que se trate de matéria de conhecimento oficioso.”.
Cumpre realçar que, ainda que se entendesse que a referida questão foi oportuna e adequadamente suscitada pelo Réu nos autos, o certo é que a mesma não foi apreciada no acórdão recorrido, não tendo a parte arguido qualquer nulidade dessa decisão por omissão de pronúncia, a qual não é de conhecimento oficioso.
Por conseguinte, revestindo a matéria agora invocada pelo Recorrente a natureza de questão nova – que não é de conhecimento oficioso – não pode este tribunal dela conhecer.
1. Da (i)licitude da cessação do contrato e do direito da Autora a indemnização pelos danos decorrentes da cessação antecipada do contrato (revista do Réu e revista da Autora)
2.1 Da (i)licitude da cessação do contrato
Ambas as instâncias entenderam tratar-se de uma cessação ilícita do contrato levada a cabo pelo Réu, divergindo quanto às consequências daí decorrentes.
Considerou a sentença a esse respeito que “o Réu não logrou provar qualquer facto que permitisse concluir que a resolução do contrato por si operada foi com justa causa, sendo a questão do horário e das férias manifestamente insuficiente para se concluir pela justeza da resolução, tanto mais que, segundo a sua alegação, tal sempre aconteceu, não se tratando de qualquer alteração contratual levada a cabo pela Autora”.
O acórdão recorrido, por sua vez, entendeu que a cessação do contrato da iniciativa do Réu constituía “uma resolução ilícita do contrato por iniciativa do R.”. Está-lhe subjacente o seguinte raciocínio:
“em face da redacção do n.º 3 dos factos provados, não pode entender-se que o R. tenha procedido à denúncia do contrato, de forma verbal, em 05.05.2022.
Na verdade, nessa data, o R. limitou-se a comunicar ao sócio-gerente da A. a sua intenção de fazer cessar o contrato, intento que viria a concretizar, apenas, com a carta de 09.05.2022 (o n.º 5 dos factos provados, ao referir “o réu, após rescindir o contrato de prestação de serviços com a autora a 05/05/2022…”, pretendeu transpor a alegação que a A. deduziu no art. 12.º da petição inicial, que, por ser conclusiva, não tem qualquer caracter vinculativo no que tange à correcta interpretação e qualificação daquele acto do R., sendo certo que o facto relevante neste no nº 5 é a circunstância de o R. ter ido trabalhar para outra sociedade em 24.06.2022).
(…) Na carta referida, o R. indicou os motivos da cessação do contrato (a que chamou de “rescisão”) e informou que a mesma tinha efeitos imediatos, o que demonstra que o R. pretendeu resolver o contrato, uma vez que esta, enquanto exercício de um direito potestativo vinculado, impõe à parte o ónus de alegar e demonstrar o fundamento justificativo da desvinculação contratual e opera imediatamente. Sucede que os fundamentos de resolução do contrato de agência encontram-se previstos no art. 30.º do DL n.º 178/86:
a) incumprimento de obrigações contratuais, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual;
b) ocorrência de circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia.
(…) compulsada a matéria de facto provada, terá de conclui-se, como na sentença recorrida, que não se provou nenhum dos fundamentos que, nos termos da lei, legitimava o R. a resolver o contrato, sendo que os motivos invocados pelo R. e provados sob os n.ºs 27 a 32 não assumiam a importância e gravidade exigidas para sustentar a resolução do contrato, nem, de resto, se perceberia que, a assumirem essa relevância para o R., só tivessem sido por si invocados mais de um ano após o normal cumprimento do contrato.”.
2.1.1. Insurge-se o Réu pugnando pela licitude da cessação do contrato por ter obedecido ao requisito de forma previsto na lei, pressupondo, por isso, o mútuo acordo.
Considera o Recorrente que o DL 178/86, de 03-07, que regulamenta o contrato de agência, impõe que o termo da relação contratual seja operada pela forma escrita, pelo que, tendo remetido à Autora a carta, datada de 09-05-2022, com tal pretensão, encontra-se cumprido o requisito de forma estipulado, mostrando-se a cessação válida e eficaz.
Como já realçado, constitui dado pacífico que o contrato celebrado entre as partes deve ser qualificado como um contrato de agência (artigo 1.º, do DL n.º 178/86, de 03-07).
Evidenciam os autos que o contrato foi celebrado por um período de 12 meses, com início em 02-06-2020 e termo em 01-06-2021 (n.º 1 da cláusula 6.ª), estipulando-se ainda que, findo esse prazo, o contrato renovar-se-á automaticamente por período iguais de 12 meses, excepto se algum dos outorgantes o denunciar, por meio de carta registada, com a antecedência mínima de 90 dias em relação ao termo de cada período contratual (n.º 2 da 6.ª).
Assim, de acordo com o convencionado pelas partes, verifica-se que o referido contrato se renovou automaticamente por um período de 12 meses até 01-06-2022. E, não tendo nenhuma das partes comunicado à outra a sua intenção de não renovar o contrato no termo da sua duração, com a antecedência mínima de 90 dias, ou seja, até 01-03-2022, de acordo com o convencionado pelas mesmas, ocorreu nova renovação (automaticamente) por novo período de 12 meses, ou seja, até 01-06-2023.
Demonstram os autos que no dia 05-05-2022, o Réu comunicou, verbalmente, ao sócio-gerente da Autora a sua intenção de fazer cessar tal contrato (n.º 3 dos factos provados) e, por carta de 09-05-2022, dirigiu carta à Autora (recebida por esta) a comunicar-lhe que pretendia “rescindir” o contrato, com efeitos imediatos, por, no seu entender, existir uma incompatibilidade decorrente do facto de a sua mulher ter começado a trabalhar para uma empresa imobiliária concorrente e por ter ocorrido violação, por parte da Autora, do disposto na cláusula 2.ª, n.º 2, do contrato (n.º 4 dos factos provados).
De acordo com o disposto no artigo 24.º, do DL n.º 178/86, o contrato de agência pode cessar por: “a) Acordo das partes; b) Caducidade; c) Denúncia; e d) Resolução.”
Estipula o artigo 25.º, do mesmo diploma, que “o acordo pelo qual as partes decidem pôr termo à relação contratual deve constar de documento escrito.”
Contrariamente ao defendido pelo Réu, inexiste qualquer factualidade nos autos que permita concluir que o contrato celebrado entre as partes terminou por mútuo acordo.
Na verdade, da matéria de facto apurada resulta que foi o Réu quem, unilateralmente, expressou a sua intenção de cessar o contrato, não havendo qualquer manifestação de vontade da Autora em concordar com essa cessação antecipada.
Não tem, pois, qualquer suporte fáctico a pugnada licitude da cessação do contrato.
2.1.2 Se é uma realidade incontornável a extinção do contrato, a mesma não resultou por caducidade, pois que tal sucederia findo o prazo estipulado (artigo 26.º, alínea a), do DL 178/86), e, no caso, atenta a renovação automática nos termos acima descritos, a caducidade só ocorreria em 01-06-2023.
Dispõe o artigo 28.º, do DL 178/86, que a denúncia só é permitida nos contratos celebrados por tempo indeterminado.
A este respeito secundamos o salientado no acórdão recorrido ao referir que “a denúncia constitui uma forma típica de cessar relações contratuais duradouras por tempo indeterminado, podendo as partes, livre e discricionariamente (isto é, sem invocar qualquer motivo ou justificação), fazer cessar o contrato, por mera declaração unilateral receptícia, exigindo-se, no contrato de agência, que a comunicação revista a forma escrita (art. 28.º, n.º 1 do DL n.º 178/86) e que observe uma antecedência mínima relativamente à produção dos efeitos extintivos (tempo de pré-aviso)”.
No caso dos autos, é manifesto que o contrato celebrado entre as partes tinha duração determinada, pelo que o no n.º 2 da cláusula 6.ª, ao prever a possibilidade de algum dos outorgantes “denunciar” do contrato, está a reporta-se a cessação correspondente à oposição à renovação do contrato, extinguindo-se o mesmo por caducidade no final do seu prazo e não por denúncia, segundo o regime previsto no DL 178/86.
Como é apontado no acórdão do STJ de 19-02-2015 (Processo n.º 320/08.6TCGMR.G1.S1, acessível através das Bases Documentais do ITIJ), citando António Pinto Monteiro (Contrato de Agência, Anotação, 6.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2007, pp.120-121), em que estava, também, em causa um contrato de agência de duração determinada com renovação automática por períodos iguais e sucessivos, “o contrato de agência não se considera transformado em contrato por tempo indeterminado, nos termos do n.º 2 do artigo 27.º do Dec.-Lei n.º 178/86, quando as partes o celebrem por determinado período de tempo prorrogável por um outro período, de igual ou de diferente duração, salvo se alguma delas comunicar à outra, com certa antecedência, que não desejam tal prorrogação. (…) Tratar-se-á de uma situação em que, por força do acordo das partes (cfr. artigo 218.º do CC), o silêncio destas vale como declaração negocial de prorrogação do prazo inicialmente previsto. (…) Assim como poderá essa estipulação fixar o número máximo de prorrogações ou, pelo contrário, não estabelecer qualquer limite, prorrogando-se o contrato por períodos sucessivos se nenhuma das partes se opuser. Independentemente de saber se, pelo menos neste último caso, o contrato não será já por tempo indeterminado – até porque não será o decurso de qualquer prazo a fazê-lo cessar, antes a declaração de uma das partes, que não se sabe se e quando virá -, o certo é que deve entender-se que a declaração pela qual se faz cessar o contrato está sujeita à mesma antecedência mínima estabelecida no artigo 28.º, por argumento “a pari” ou de identidade de razão”.
No caso dos autos, no contrato celebrado entre as partes, foi prevista expressamente a antecedência mínima de 90 dias para a comunicação da intenção de não renovação do contrato em relação ao termo de cada período contratual.
Ao contrário da denúncia, a resolução contratual, como também é referido no acórdão recorrido, “consiste na destruição da relação contratual operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato (cfr. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, II, p. 265), pretendendo fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado (cfr. arts. 289.º, 433.º, 434.º, n.º 1 primeira parte, do CC). A resolução do contrato necessita de ser motivada, opera nos contratos por tempo indeterminado e nos demais, sem qualquer aviso prévio e tem efeitos imediatos.”
De acordo com o disposto na cláusula 7.ª do contrato celebrado entre as partes, o incumprimento pelo aqui Réu de qualquer das disposições nele previstas, confere à Autora, mediante envio de carta registada, o direito de resolvê-lo, sem prejuízo de poder exigir uma indemnização pelos danos sofridos, e sem prejuízo do apuramento da eventual responsabilidade civil e criminal decorrente desse incumprimento.
Como é referido no acórdão recorrido, é evidente que este direito de resolução do contrato também assistia ao Réu nos termos gerais previstos na lei civil e, em especial, no regime do contrato de agência. Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 30.º, do DL 178/86: “o contrato de agência pode ser resolvido por qualquer das partes: a) Se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual; b) Se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia.”
Atento o previsto no artigo 31.º, do mesmo diploma, a resolução deve ser efectuada por escrito, no prazo de um mês após o conhecimento dos factos que a justificam, devendo indicar as razões em que se fundamenta.
No caso dos autos, a conduta do Réu (de no dia 5-05-2022 comunicar, verbalmente, ao sócio-gerente da Autora, a sua intenção de fazer cessar o contrato de prestação de serviços, e de, posteriormente, por carta datada de 09-05-2022, comunicar à empresa que pretendia “rescindir” o contrato “com efeitos imediatos”, com os fundamentos invocados nessa missiva) enquadra a pretensão de fazer cessar o contrato por “resolução”, nos termos do disposto dos referidos artigos 30.º e 31.º, do DL 178/86.
Porém, ao contrário do que é alegado pelo Recorrente, não basta a observância da forma escrita para que se tenha a resolução contratual como válida.
É manifesto, no caso dos autos, como foi entendido no acórdão recorrido, que não se provou nenhum dos fundamentos que, nos termos da lei, legitimaria o Réu a resolver o contrato, “sendo que os motivos invocados pelo R. e provados sob os n.ºs 27 a 32 não assumiam a importância e gravidade exigidas para sustentar a resolução do contrato, nem, de resto, se perceberia que, a assumirem essa relevância para o R., só tivessem sido por si invocados mais de um ano após o normal cumprimento do contrato.”
Não merece, assim, reparo a decisão das instâncias ao consideraram ilícita a cessação do contrato de agência levada a cabo pelo Réu, cumprindo extrair daí as respectivas consequências.
2.2 Da indemnização pelos danos decorrentes da cessação antecipada do contrato
A determinação dos efeitos de uma resolução contratual ilegal, ilícita ou ilegítima, no sentido de saber se a mesma deve ser considerada ineficaz, sem efeito extintivo, ou se a mesma acarreta a extinção do contrato, desonerando as partes do cumprimento das suas prestações, mostra-se controvérsia na doutrina e na jurisprudência1.
No caso, como já afirmámos, mostra-se pacífico entre as partes que a resolução contratual ilícita levada a cabo pelo Réu acarretou a extinção do contrato (a esse respeito entendeu o acórdão recorrido, “não obstante a falta de fundamento da resolução, os factos provados revelam uma vontade séria e determinada do R. de não querer manter vivo o contrato, pelo que se nos afigura inequívoco que o mesmo se extinguiu.”).
Sem particular controvérsia tem a jurisprudência entendido que, independentemente da questão de saber se o contrato se extingue ou não em resultado de uma declaração de resolução ilícita, o autor dessa declaração constitui-se no dever de indemnizar os danos causados à contraparte (cfr. entre outros, acórdãos do STJ de 20-06-2013, Processo n.º 178/07.2TVPRT.P1.S1, acessível através das Bases Documentais do ITIJ e de 28-06-2017; proferido no Processo n.º 1287/08.6TVLSB.L3.S1, 1.ª Secção, inédito).
Pretende a Autora ser ressarcida com a desvinculação contratual da iniciativa do Réu, reivindicando que este seja condenado a pagar-lhe o valor de €213.966,49 € pela cessação ilícita do contrato (por aplicação do artigo 29.º, n.º 2, do DL 178/86, de 03-07, ou a título de lucros cessantes, nos termos gerais de direito).
O Réu, defende, não ter a Autora sofrido quaisquer danos com essa extinção.
A sentença, embora tenha considerado ilícita a cessação do contrato, concluiu que a Autora não tinha direito ao pagamento de qualquer indemnização por lucros cessantes por ultrapassar os limites impostos pela boa fé, traduzindo-se num enriquecimento duplo à custa do Réu, porque ficaria com um potencial de comissionamento superior ao valor que peticiona a título de lucros cessantes (atenta à prova de que os imóveis deixados pelo Réu com a Autora tinham o potencial de comissionamento de 222 390,00€, tendo alguns deles sido efectivamente vendidos, gerando comissões no valor de 54 117,00€, não tendo o Réu nada recebido por tal angariação).
O acórdão recorrido enveredou por caminho diferente.
Entendeu o tribunal recorrido que traduzindo a ilícita resolução do contrato um incumprimento definitivo por parte do Réu, tal situação tem as consequências previstas no artigo 29.º, do DL 178/86, no qual se dispõe que “1 - Quem denunciar o contrato sem respeitar os prazos referidos no artigo anterior é obrigado a indemnizar o outro contraente pelos danos causados pela falta de pré-aviso. 2 - O agente poderá exigir, em vez desta indemnização, uma quantia calculada com base na remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo em falta; se o contrato durar há menos de um ano, atender-se-á à remuneração média mensal auferida na vigência do contrato”.
Aludindo ao acórdão do STJ de 19-02-2015, considerou o tribunal recorrido que “a declaração de denúncia de um contrato de agência de duração determinada reconduz-se a uma resolução infundada, sendo-lhe aplicável, subsidiariamente, o regime sancionatório previsto para a inobservância dos prazos de pré-aviso, conforme o previsto nos artigos 28.º e 29.º do Dec.-Lei n.º 178/86”.
No referido aresto de 19-02-2015, citando-se António Pinto Monteiro (Contrato de Agência, Anotação, 6.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2007, p.133), é afirmado que “tendo as partes assumido a rutura contratual, a ilicitude de uma resolução infundada poderá equiparar-se a uma denúncia sem observância do pré-aviso exigível, o que implicará a correspondente obrigação de indemnização, sem que isso evite a extinção do contrato (…) Assim sendo, a dita denúncia operada pela A., como agente, traduz-se, ao fim e ao cabo, num resolução infundada, equiparável portanto a denúncia sem observância de pré-aviso, a qual, no caso, só seria admissível para efeitos de caducidade em relação ao termo do prazo contratual então em curso. (…) E quanto à indemnização pelos danos decorrentes de uma resolução ilícita ou infundada, não se mostra convocável o preceituado no art.º 32.º do Dec.-Lei n.º 178/86, no qual se prevê o direito de indemnização, nos termos gerais, pelos danos resultantes do não cumprimento das obrigações da outra parte, paralela ou complementarmente ao direito de resolver o contrato. Para a hipótese de ocorrência de resolução ilícita ou infundada mais ajustada se afigura a sanção indemnizatória estabelecida para a inobservância dos prazos de pré-aviso de denúncia, nos termos do art.º 29.º do citado diploma ou, nessa linha, conforme o especificamente estipulado pelas partes.”
Nesta ordem de ideias, com base na aplicação do disposto no artigo 29.º, do DL 178/86, o tribunal recorrido entendeu que tal preceito legal “confere a possibilidade de se optar por um montante indemnizatório correspondente ao valor dos danos que, efectivamente, se sofreu (quer sejam danos emergentes, quer lucros cessantes), devido ao facto de não ter sido concedido um prazo razoável para tomar as medidas necessárias para anular as consequências negativas da cessação do contrato (n.º 1), ou por um valor calculado com base na remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo do pré-aviso em falta (n.º 2).”. E, no caso dos autos, considerou que a Autora optou pela indemnização prevista do n.º 2 do artigo 29.º, do DL 178/86 o qual prevê “a denominada indemnização à forfait, forfetária ou parametrizada, que é fixada previamente com base noutros critérios que não a medida efectiva do dano, tendo em conta as dificuldades de prova dos prejuízos futuros e/ou do seu montante com que o lesado se poderá deparar ou o facto de a indemnização apurada nos termos do n.º 1 não ser significativa.” Acrescentando-se na decisão sob censura que desta forma, “evitam-se as dificuldades inerentes ao processo de indagação e prova dos prejuízos, dispensando-se o lesado da comprovação dos prejuízos que a falta ou insuficiência do pré-aviso lhe possa causar e arbitrando-se uma quantia única, calculada segundo critérios diversos dos que geralmente presidem à fixação de indemnização (arts. 562.º e segs. do CC) – cfr. acórdão da RG de 09.01.2024, in www.dgsi.pt. Tal quantia pretende compensar os benefícios que o lesado deixou de receber, isto é, os proventos que, segundo critérios de normalidade, teria auferido não fosse a cessação inopinada do contrato. No entanto, a exigibilidade da indemnização à forfait poderá revelar-se vantajosa, quer porque pode ser reclamada mesmo que a cessação ilícita do contrato não tenha causado qualquer dano (pois que é dispensada a prova do dano), quer porque o seu montante poderá exceder o da indemnização calculada nos termos gerais, mas poderá também ser desvantajosa, por ficar aquém da indemnização calculada nos termos gerais.”.
Na senda da orientação traçada no referido acórdão de 19-02-2015 e da posição doutrinária de António Pinto Monteiro, concordamos com a aplicação ao caso do disposto no artigo 29.º, do DL 178/86, cujo n.º 1, conforme supra realçado, que consagra o que já decorre das regras gerais, ou seja, de que o aqui Réu é obrigado a indemnizar a Autora pelos danos causados pela cessação ilícita do contrato. E o período a ter em conta para apurar esses danos é todo o período temporal que decorreu entre a data da resolução e o termo do período contratual acordado entre as partes, atendendo à última renovação contratual, ou seja, todo o período decorrente entre 05-05-2022 e 01-06-2023.
Porém, ao contrário do que foi considerado no acórdão recorrido, entendemos não ser aplicável à situação dos autos o n.º 2 do referido artigo 29.º, do DL 178/86.
Nessa norma ao prever que “O agente poderá exigir, em vez desta indemnização, uma quantia calculada com base na remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo em falta; se o contrato durar há menos de um ano, atender-se-á à remuneração média mensal auferida na vigência do contrato” (negrito e sublinhado nossos), expressamente resulta que é exclusivamente aplicável ao agente e, não, ao principal.
Com efeito, esta norma constitui uma forma de proteger o agente contra dificuldades de prova da existência de danos e do respectivo montante (cfr. acórdão do STJ de 06-12-2011, Processo n.º 423/04 - 7.ª Secção, inédito).
Na doutrina, pronunciaram-se sobre a aplicação da norma exclusivamente ao agente, António Pinto Monteiro (“Contrato de Agência – Anotação”, 8.ª ed., Coimbra, Almedina, 2017, p. 133) e Carlos Lacerda Barata (“Anotações ao novo regime do contrato de agência”, Lisboa, Lex, 1994, p. 76). Como salienta este último autor: “Diferentemente do n.º 1, a norma contida no n.º 2 do artigo 29.º tem por destinatário apenas o agente. Trata-se de mais uma regra que ilustra bem o pendor proteccionista da lei perante o agente. (…) A vantagem deste regime é evidente: por um lado, pode o montante obtido nos termos do n.º 2 ser superior àquele que decorreria da aplicação do n.º 1 (cfr. PINTO MONTEIRO, Contrato de Agência -Anotação..., cit, p. 97) e, por outro, fica, assim, salvaguardada a posição do agente que depare com dificuldades de prova da existência de danos, ou do seu montante. Na verdade, ao invés do que se verifica no domínio do n.º 1, perante o n.º 2 do artigo 29.º o agente não tem de fazer prova de existência de qualquer prejuízo (neste sentido, nomeadamente, BAPTISTA MACHADO, «"Denúncia-modificação" de um contrato de agência», cit,, p. 192).”
Seguindo este entendimento, que temos por adequado, uma vez que a Autora assume a posição de principal no contrato de agência, não lhe pode ser aplicável o referido preceito para beneficiar da indemnização à forfait nele prevista que dispensa a prova do dano efectivo.
Tendo aplicação no caso o n.º 1 do artigo 29.º do DL 178/86, cabia à Autora o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito à indemnização, nomeadamente a prova dos efectivos danos sofridos – art. 342.º, n.º 1, do Código Civil.
Como refere António Pinto Monteiro, são abrangidos quer os danos emergentes, quer os lucros cessantes (“Contrato de Agência – Anotação”, 8.ª ed., Coimbra, Almedina, 2017, p. 132), esclarecendo Carlos Lacerda Barata (op. cit., p. 75) que “os danos indemnizáveis não são aqueles que (eventualmente) a contraparte venha a suportar em consequência da extinção do contrato, mas, apenas, aqueles que decorram da violação da obrigação acessória do exercício do direito de denúncia (…): a saber, a obrigação de pré-aviso. São, pois, somente, os prejuízos decorrentes de um imprevisto e súbito desaparecimento da relação contratual que deverão ser ressarcidos”.
Assim, no caso dos autos, os danos indemnizáveis seriam os danos emergentes ou os lucros cessantes decorrentes não da extinção do contrato de agência, mas sim da cessação antecipada do mesmo relativamente ao termo contratual, ou seja, os danos decorrentes do contrato ter findado em Maio de 2022 e não em 01-06-2023, como estava contratualmente estabelecido.
Todavia, da realidade fáctica provada, não resulta a verificação de um dano sofrido pela Autora causado pela referida cessação antecipada do contrato.
Note-se que decorre demonstrado nos autos que entre a data em que o Réu comunicou à Autora a resolução do contrato (05-05-2022) e a data em que começou a trabalhar para outra entidade (24-06-2022), o mesmo entregou à Autora angariações de imóveis e os contactos recebidos por potenciais compradores que iam surgindo foram entregues aos colegas, que desempenhavam funções na Autora. Igualmente ficou apurado que esses imóveis deixados pelo Réu tinham o potencial de comissionamento de € 222 390,00.
Embora também tenha sido provado que dois desses clientes angariados pelo Réu denunciaram o contrato que os ligava à Autora e que alguns imóveis angariados ainda não foram vendidos, nada foi provado no sentido de relacionar a perda de clientes e a falta de venda dos imóveis com o facto do Réu ter cessado ilicitamente o contrato de agência. Alias, importa sublinhar, que as funções que eram desempenhadas pelo Réu passaram a ser exercidas por outros agentes que prestam serviços à Autora, não sendo aquele responsável pela actividade dos mesmos.
Há, assim, que concluir que, tal como alegado pelo Réu, não se encontram provados quaisquer danos sofridos pela Autora em resultado da cessação antecipada do contrato, pelo que, nessa parte, cabe dar procedência ao seu recurso de revista, não podendo, pois, manter-se a condenação relativa ao pagamento de uma indemnização no montante de € 46 637,81 (acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento), pela resolução ilícita do contrato de agência.
Consequentemente, ao concluirmos que a Autora não é titular de qualquer direito de indemnização pela resolução ilícita do contrato efectuada pelo Réu (por não ter logrado provar a existência de danos sofridos devido a essa cessação antecipada do contrato) mostra-se prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pelos Recorrentes e que pressuponham esse direito de indemnização: abuso de direito invocado pelo Réu na revista; cálculo do montante da indemnização (“tempo em falta” correspondente ao período de duração restante do contrato atendendo à renovação do mesmo, ou seja, não os 90 dias do aviso prévio, mas 12 meses e 26 dias), como pugnado pela Autora na revista interposta.
2. Da cláusula penal por incumprimento do pacto de não concorrência (revista do Réu)
Defende o Réu no seu recurso de revista que a cláusula penal fixada no contrato, no montante de €60.000,00, é manifestamente excessiva e desproporcional, encontrando-se o seu valor fixado em três vezes o valor do capital social da Autora.
Considera, ainda, que a quantia fixada fere os princípios da boa-fé e equidade, podendo mesmo o “pagamento ser totalmente excluído por manifestamente abusivo”, por ocorrer abuso de direito da Autora ao reclamar o respectivo pagamento, uma vez que tal pretensão traduzir-se-ia “no seu enriquecimento duplo, isto é, a mesma lucrou com as angariações que o réu realizou antes da sua saída, sem que ao mesmo tivesse pago qualquer valor em relação às mesmas e ainda, pretende, através do presente processo que lhe seja entregue uma quantia avultada, negligenciado as comissões por si já recebidas, como se o réu não lhe tivesse gerado qualquer lucro após a sua saída.”
Conclui, por isso, que “os limites impostos pela boa-fé foram excedidos por parte da autora, sendo a sua verdadeira pretensão enriquecer à custa do réu, em claro abuso do direito, o qual é do conhecimento oficioso do tribunal e como tal deverá ser declarado com as legais consequências, incluindo a exclusão da cláusula penal.”.
Em causa está a cláusula penal prevista no n.º 3 da cláusula 3.ª do contrato celebrado entre as partes (prevista para o caso de não cumprimento pelo aqui Réu do pacto de não concorrência previsto no n.º 2 da mesma cláusula), sob a epígrafe “Exclusividade”, com a seguinte redacção:
“1. O Segundo Outorgante prestará os serviços que são objeto do presente contrato, descritos na Cláusula 1ª, em regime de exclusividade, para a Primeira Outorgante.
2. O Segundo Outorgante obriga-se a não prestar serviços de técnico de angariação imobiliária ou de angariador imobiliário para qualquer outra Sociedade de Mediação Imobiliária no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, contados a partir do termo do presente Contrato de Prestação de Serviços e independentemente da causa da sua cessação, sob pena de indemnizar a Primeira Outorgante de todas as despesas em que incorreu com a formação e transmissão continuada de conhecimentos, gerais e específicos, os quais foram essenciais e fundamentais para sua prestação de serviços e para os resultados e exercício da atividade do Segundo Outorgante, nomeadamente porquanto muitos deles advieram dos contactos e conhecimentos pessoais e profissionais dos sócios e gerentes da Primeira Outorgante e, outros, tendo origem em contatos gerados na loja de atendimento ao público, sede da Primeira Outorgante. Tanto mais que, confessa, o Segundo Outorgante, não tinha qualquer experiência nesta área profissional de angariação e mediação imobiliária, os quais foram, na íntegra, transmitidos pela Primeira Outorgante, de acordo com o seu próprio método de trabalho e conhecimento do mercado local e técnicas específicas de angariação e venda criadas e desenvolvidas pela Primeira Outorgante segundo o seu próprio método pessoal de trabalho e experiência pessoal e profissional da sua gerência, essências para a otimização dos resultados obtidos.
3. Nestes termos, em caso de incumprimento pelo Segundo Outorgante, do disposto no número anterior, deverá o mesmo de pagar uma indemnização à Primeira Outorgante, no montante correspondente a 3 (três) vezes o capital social desta à data de assinatura do presente contrato, quantia da qual o Segundo Outorgante se considera devedor e aceita sem qualquer possibilidade de redução judicial ou extra- judicial.”.
Provado nos autos que o capital social, à data da assinatura do contrato, ascendia a €20.000,00, o montante da cláusula penal remontaria ao valor de €60.000,00.
A sentença considerou o pacto de não concorrência válido, mas determinou a redução da cláusula penal convencionada pelas partes ao abrigo do disposto no artigo 812.º, do Código Civil, para o montante de € 20.000,00, condenando o Réu a pagar tal quantia acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa de 4%.
Na sequência do já referido, importa ter em conta que o Réu não interpôs recurso da sentença, apelando, apenas, a Autora em relação a esta parcela indemnizatória.
O tribunal recorrido concedeu procedência parcial ao recurso, alterando o valor da indemnização devida pelo Réu para €36.000,00, acrescida de juros de mora, desde a citação e até integral pagamento.
Importa ter presente que a sentença de 1.ª instância, na parte em que condenou o Réu a pagar o montante de €20.000,00, acrescido de juros de mora, transitou em julgado, não podendo este tribunal baixar esse valor por tal violar o caso julgado já formado nos autos, nos termos previstos no artigo 635.º, n.º 5, do CPC, segundo o qual os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo (cfr. acórdão do STJ de 19-06-2019; Processo n.º 1274/15.8T8FAR.E1.S1, acessível através das Bases Documentais do ITIJ).
Nos termos da referida disposição legal, o caso julgado pode formar-se sobre um segmento decisório e não somente sobre a decisão no seu todo (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª ed., Almedina, 2020, p. 138).
Como se afirmou no sumário do acórdão deste tribunal, de 21-03-2023 (Processo n.º 1069/09.8TVLSB.S1, acessível nas Bases Documentais do ITIJ), “o princípio da proibição da reformatio in pejus consagrado no art. 635.º, n.º 5, do CPC está estreitamente relacionado com o efeito de caso julgado formado sobre a decisão recorrida, na parte não impugnada.” Pois “a expressão efeitos do julgado do art. 635.º, n.º 5, do CPC deve interpretar-se como reportada à parte decisória da sentença.”.
Desta forma, podemos concluir que no presente recurso de revista, não poderá a indemnização fixada a favor da Autora ser inferior a €20.000,00, nem superior a €36.000,00, atento a proibição da reformatio in pejus, uma vez que, conforme decidido, não é admissível o recurso da Autora na parte relativa à fixação desta indemnização.
Improcedendo, assim, a argumentação do Réu no sentido da exclusão total da cláusula penal, resta apreciar o montante concreto da indemnização a fixar a favor da Autora.
Estando assente nos autos, atento o caso julgado parcial acima referido, a validade do pacto de não concorrência previsto no n.º 2 da cláusula 3.ª do contrato celebrado entre as partes, não existem dúvidas, face à factualidade provada, que o Réu violou tal pacto, uma vez que, após ter rescindido o contrato com a Autora a 05-05-2022, foi trabalhar, a 24-06-2022, para outra sociedade de mediação imobiliária concorrente da Autora (denominada por “Z..., Lda.”), continuando nela a trabalhar.
Considerou o Tribunal da Relação, à semelhança da 1.ª instância, que a cláusula penal prevista na referida cláusula 3.ª teria de ser reduzida, entendendo, também e citando jurisprudência deste Supremo Tribunal, que a ausência de estipulação contratual de compensação pela obrigação de não concorrência teria de ser sopesada na consideração da culpa do lesado/principal, ainda que, em concreto, tal omissão não tenha contribuído para a causação do dano. Concluiu, nesse sentido, o acórdão que “a A./recorrente terá direito a haver do R./recorrido, a título de indemnização pelo incumprimento da obrigação de não concorrência, a quantia de € 36.000,00 (correspondente a 60% do valor fixado no contrato), quantia que se afigura justa e equitativa e à qual acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento”.
No que concerne à redução equitativa da cláusula penal nos termos previstos no artigo 812.º, n.º 1, do Código Civil, a jurisprudência deste STJ tem entendido impor-se apurar para tal efeito:
i. o tipo de cláusula penal em causa (de fixação antecipada da indemnização, stricto sensu ou exclusivamente compulsivo-sancionatória) - cfr. acórdão do STJ de 18-01-2018, Processo n.º 473/14.4T8LRA.C1.S1, acessível através das Bases Documentais do ITIJ);
ii. a existência de uma desproporção substancial e ostensiva entre a pena nela inserta e os danos a ressarcir, reportando-se o juízo sobre a manifesta excessividade da pena, não ao momento em que ela foi estipulada, mas antes ao da sua exigibilidade, ou seja, deverá atender-se ao dano efectivo e não ao dano previsível – cfr. entre outros, acórdãos do STJ de 19-06-2018, Processo n.º 2042/13.7TVLSB.L1.S2, e de 06-07-2023, Processo n.º 547/20.2T8ALM.L1.S1, ambos acessíveis através das Bases Documentais do ITIJ.
Por outro lado, tendo a Relação fixado o valor concreto da indemnização com base na equidade, nos termos previstos no artigo 812.º, n.º 1, do CC, tem sido entendimento consolidado neste tribunal que “o juízo de equidade das instâncias deve ser mantido salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade, isto é, se o critério adotado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adotados, numa jurisprudência evolutiva e atualística (cfr. acórdão de 30-03-2023, Processo n.º 15945/18.3T8PRT.P1.S1, acessível através das Bases Documentais do ITIJ). No mesmo sentido explicita o acórdão de 03-05-2023 (Processo n.º 291/09.1TCFUN-A.L2.S1, acessível através das Bases Documentais do ITIJ): “quando o cálculo de um montante indemnizatório tenha assentado em juízos de equidade, não compete ao STJ a determinação do valor pecuniário, até porque a pura aplicação de tais juízos já não se consubstancia, em bom rigor, numa apreciação de uma questão de direito. As atribuições do STJ reportam-se a sindicar se o recurso à equidade foi indevidamente utilizado, porquanto competia ao tribunal aplicar critérios de cariz normativo, decorrentes dos preceitos normativos atendíveis, bem como aferir se foram ultrapassados os limites do acervo fáctico apurado, pois tal constitui violação da lei, e nessa medida abrangidos pelos poderes desse tribunal.”
No caso sob apreciação, o tribunal recorrido começou por considerar que “em face do teor literal das cláusulas em apreço e da sua estipulação sequenciada, e sendo certo que nada mais se provou, especificamente, em relação ao escopo das partes, teremos que concluir que com tais cláusulas pretenderam as partes estabelecer que, em caso de incumprimento da obrigação de não concorrência por culpa do R., ficaria este obrigado a compensar a A. pelas despesas que suportou relativas à formação e transmissão de conhecimentos ao R. (n.º 2), em montante que entenderam liquidar, desde logo, em € 60.000,00 (n.º 3).” Concluiu assim, que “as partes visaram, portanto e apenas, compensar a A. pelas despesas de formação, o que se traduz no estabelecimento de uma cláusula penal indemnizatória, prevista no art. 810.º do CC, com a finalidade de fixação antecipada da indemnização (antes de ocorrer o facto constitutivo da responsabilidade), sem prejuízo, como se viu, do seu inerente ou consequente efeito coercitivo.”
Quanto ao juízo equitativo de redução da cláusula penal, o tribunal a quo sustentou-se na orientação seguida pelo acórdão do STJ de 24-05-2022 (Processo n.º 2017/19.2T8PDL.L2.S1, acessível através das Bases Documentais do ITIJ), atento o facto de o caso apreciado por esse aresto, reportado à actividade de mediação imobiliária, assumir contornos similares aos da presente acção.
Naquele aresto foi apreciado o carácter excessivo e desproporcional de uma cláusula penal fixada, no montante de € 50000,00, para a violação de um pacto de não concorrência no âmbito de um contrato de agência. Nesse caso, foi também ministrada formação ao agente por parte da sociedade de mediação imobiliária, que prestou funções durante cerca de dois anos e não foi fixada qualquer compensação devida ao mesmo, nos termos do artigo 13º, alínea g), do DL n.º 178/86, pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato.
Diferentemente do caso dos autos, na situação apreciada por essa decisão, o agente desempenhou as funções de director comercial.
Nesse enquadramento entendeu aquele acórdão que “deverá atender-se aos factores em geral relevantes para averiguar se a cláusula penal é ou não desproporcionada ou excessiva — à extensão dos danos causados pelo não cumprimento, à gravidade da ilicitude, à gravidade da culpa, às finalidades da cláusula penal, à situação económica do lesado, à situação económica do lesante e à culpa do lesado na produção, ou no agravamento, do dano.”, tendo sido atribuída especial relevância à culpa do lesado, ou seja, do principal, que não pagou qualquer compensação ao agente pela obrigação de não concorrência, apesar de tal obrigação vigorar pelo período de dois anos, a que acrescia o facto de se tratar de uma empresa de dimensão nacional, que contava com várias agências distribuídas por todo o país, e que continuava a promover a sua abertura, com o objectivo de estar representada em todas as capitais de distrito e nas principais cidades, assim como de aumentar o número de consultores imobiliários a nível nacional.
Foi concluído nesse aresto que a gravidade da ilicitude e da culpa do comportamento do agente justifica que o mesmo fosse condenado a pagar 60% do total da pena convencionada — 30 000 euros —; enquanto a gravidade da ilicitude e da culpa do comportamento do principal, determinava que o agente não devia ser condenado a pagar-lhe 40% do total da pena convencionada.
No caso dos autos, o tribunal a quo considerou a gravidade da ilicitude e da culpa do aqui Réu, justificando que o mesmo “decidiu, inopinada e subitamente, colocar termo ao contrato, sem qualquer aviso prévio e com efeitos imediatos (09.05.2022), sendo que, escasso mês e meio depois (em 24.06.2022), começou a trabalhar para outra sociedade de mediação imobiliária concorrente da A., como angariador e técnico de mediação imobiliária, onde se mantém ainda hoje (cfr. n.ºs 5 e 6 dos factos provados). Desconsiderou, pois, o R., completamente, o pacto de não concorrência a que se tinha vinculado (de forma livre e consciente), frustrando, desta forma, as finalidades da cláusula de não concorrência e beneficiando com isso de consideráveis vantagens patrimoniais, o que é bem revelador da sua má-fé.”
Por outro lado, mostra-se salientado no acórdão recorrido, a circunstância de se encontrar provado que quando o Réu assinou o contrato não tinha qualquer conhecimento na área da mediação imobiliária, nem exercido qualquer actividade relacionada com essa área de comércio e que, nos quase dois anos de relação contratual, a Autora dotou o Réu de conhecimentos específicos de modo a que pudesse desenvolver a actividade de angariador e técnico de mediação imobiliária.
O acórdão deu ainda relevância ao facto de se encontrar demonstrado que a Autora deu diversas acções de formação ao Réu, explicando-lhe procedimentos a adoptar, fornecendo-lhe diversas minutas e formulários e que os vários conhecimentos que lhe foram transmitidos tornaram-no num elemento importante e valioso na estrutura da empresa (cfr. n.ºs 11 a 15 dos factos provados).
Foi ainda levado em linha de conta que, apesar de não se ter provado que com essa actividade de formação a Autora tenha incorrido em qualquer despesa, o pacto de não concorrência tinha como objectivo evitar que todo o conhecimento proporcionado ao Réu sobre a actividade de mediação imobiliária fosse transmitido a uma empresa concorrente que operasse exactamente na mesma área geográfica de actuação da Autora, acrescendo as vantagens patrimoniais que advieram para o Réu da violação do pacto passando a prestar serviços para essa empresa concorrente.
Igualmente, no caso dos autos, se verifica a omissão por parte da Autora de pagamento de qualquer compensação ao Réu pelo referido pacto de não concorrência, acrescendo a circunstância de esse pacto vigorar por dois anos, que corresponde ao período máximo previsto no artigo 9.º, n.º 2, do DL n.º 178/86.
Na sequência dos critérios seguidos, não se vislumbra que o juízo equitativo levado a cabo pelo tribunal recorrido tenha extravasado a margem de discricionariedade consentida pela norma prevista no artigo 812.º, n.º 1, do Código Civil, não se afastando, de modo substancial e injustificado, dos critérios acima expostos e que, generalizadamente, são adoptados em situações deste tipo.
Por conseguinte, dado que a indemnização fixada no acórdão recorrido pelo incumprimento da obrigação de não concorrência (na quantia de €36.000,00, correspondente a 60% do valor fixado no contrato, à qual acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento) obedeceu aos critérios legais vigentes sem se ter desviado dos padrões que, segundo uma jurisprudência actualista e evolutiva, deverão ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis, não pode deixar de ser mantida.
Improcede, assim, nesta parte, a revista do Réu.
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em:
- não tomar conhecimento do objecto do recurso da Autora relativamente ao segmento decisório referente à indemnização pelo incumprimento da obrigação de não concorrência;
- julgar improcedente a revista da Autora e parcialmente procedente a revista do Réu;
- revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de €46.637,81, a título de indemnização pela cessação ilícita do contrato, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, absolvendo aquele do pedido;
- manter, no mais, o acórdão recorrido (condenação do Réu no pagamento à Autora da indemnização, no valor de € 36.000,00 e juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, pelo incumprimento da obrigação de não concorrência).
Custas a cargo da Autora e do Réu na proporção do respectivo decaimento.
Lisboa, 17 de Dezembro de 2024
Graça Amaral (Relatora)
Rosário Gonçalves
Luís Espírito Santo
_____________________________________________
1. No sentido de que tal declaração acarreta a extinção do contrato, sem prejuízo do mesmo vir a ser repristinado quando as partes mantém, objectivamente interesse na sua realização, cfr. o acórdão do STJ de 08-05-2013, proferido no Processo n.º 13/09.7TVPRT.P2.S1. Em sentido contrário, de que a declaração de resolução é ineficaz, sem efeito extintivo, cfr. o acórdão do STJ de 22-11-2018, Processo n.º1559/13.8TBBRG.G1.S1.↩︎