PROCESSO DE INVENTÁRIO
TRAMITAÇÃO
RELAÇÃO DE BENS
BENFEITORIAS
PRECLUSÃO
Sumário


I. Estando definitivamente resolvida a fase de elaboração e discussão da relação de bens, mostra-se precludido o direito de arrolar na relação de bens, benfeitorias realizadas pela apelante em imóvel legado.
II. Sendo inadmissível, nesta fase, a discussão quanto à existência de benfeitorias, é lógico concluir que é um acto inútil produzir prova pericial relativamente a esse facto.

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório.

Nos autos de processo de inventário de que estes são apenso, foi proferida a seguinte decisão:
“Do cotejo dos autos resulta que, se realizou conferência de interessados em 21.12.2023 tendo sido requerido pelo interessado AA a avaliação dos bens arrolados.
Nessa sequência e, por requerimento datado de 11.01.2024, veio a interessada BB alegar que à data em que foi instituído o legado a favor da legatária (em 04.01.2007), tendo por objeto a casa de habitação identificada sob a verba n.º 11 da Relação de Bens (art. ... U da União de Freguesia) encontrava-se tal imóvel em estado de degradação, tendo a interessada (e marido) efetuado obras nos anos de 2010/2011, por forma a conferir-lhe as imprescindíveis condições de habitabilidade, a saber: Capoto na casa exterior; Substituição de janelas, portadas e porta exterior; Fornecimento e aplicação de flutuante em 2 quartos; Fornecimento e aplicação de 1 casa de banho; Fornecimento e aplicação de azulejos da cozinha e sala no chão; Canalização nova; Pintura das portas interiores.
Mais alega a interessada que despendeu com as referidas obras o montante de € 19.958,00, sendo que despendeu ainda a quantia de € 6.500,00 com a instalação da cozinha (mobiliário e electrodomésticos que se encontram encastrados no móvel da cozinha).
Nesta senda, pretende a interessada que a avaliação do prédio legado tenha em consideração as obras realizadas pela interessada, devendo apurar o valor do mesmo à data do óbito com e sem as ditas obras, a fim de apurar a beneficiação que sofreu o imóvel com as mesmas.
Também o interessado AA vem com requerimento com teor semelhante, alegando que realizou obras no bem doado (artigo ...71º da freguesia ..., do concelho ...), mormente, revestimento exterior em “carapinha”; colocação de caleiros; colocação de portadas; execução de uma varanda, com colocação de mosaico e gradeamento em duas varandas; colocação de chão em cimento no rés – do chão; colocação de baixada, execução de todo o circuito eléctrico; execução de toda a canalização Fornecimento e aplicação de mosaicos no chão de todas as divisões do ... piso; fornecimento e aplicação de 1 casa de banho; fornecimento e aplicação de azulejos da cozinha; reboco, execução de molduras no tecto e pinturas interiores de todas as divisões; aquisição e colocação de portas interiores; e colocação de canalização do gás, nas quais despendeu a quantia de 15.500,00, sendo que despendeu ainda a quantia de € 1.400,00 na instalação da cozinha.
Da mesma forma pretende que o Sr. Perito tenha em consideração as ditas obras na avaliação, fazendo consignar o valor do prédio com e sem as mesmas.
Ora, os autos garantem-nos que a inventariada CC, deixou Testamento, lavrado no dia 4 de Janeiro de dois mil e sete, iniciado a folhas (48) quarenta e oito do Livro ... –T, no Cartório da Notaria DD em ..., no qual, por conta da sua quota disponível fez um legado á sua filha BB, tendo legado o prédio urbano sito na freguesia ..., concelho ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...99º (arrolado sob a verba n.º 11).
Também nos garantem que EE e esposa CC, outorgaram escritura de doação no Cartório Notária de FF a favor do interessado GG e HH, através da qual lhe doaram o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...21º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...69º da freguesia ... (arrolado sob a verba n.º 10).
E ainda, a inventariada doou em vida ao filho AA o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...77º da freguesia ..., não descrito na Conservatória do Registo Predial ... (arrolado sob a verba n.º 9).
Mais nos garantem que foi designado cabeça de casal o requerente HH, o qual veio juntar relação de bens, sendo que a interessada BB não apresentou qualquer reclamação à relação de bens.
Posteriormente veio a ser apresentada reclamação à relação de bens e oposição à designação do cabeça de casal, pelo interessado AA.
Não obstante, a reclamação à relação de bens nada alegou quanto a benfeitorias nos prédios doado e legado.
Sobre o teor da referida reclamação vieram os interessados a transacionar.
Veio a ser junta relação definitiva de bens em 14.02.2023.

Quid iuris?
Decorre do disposto nos artigos 2024º, 2025º, n.º 1 e 2031º do Código Civil, que o acervo hereditário a partilhar compreende os bens e demais situações jurídicas existentes na esfera jurídica do “de cuius” quando este falece, que não devam extinguir-se por tal motivo.
Havendo legados testamentários a transmissão do domínio só ocorre com a morte do testador, e, nessa medida, os bens legados ainda integravam a sua esfera jurídica quando se abriu a sucessão, não estando excluídos de serem relacionados, por força do preceituado no artigo 1097º, n.º 3, al. c), do C.P.C.
Ademais, também os bens doados carecem de ser relacionados, havendo herdeiros legitimários, como explica Lopes Cardoso, “(…) pois que o respeito pela integridade das legítimas força à relacionação dos bens doados pelo inventariado sucedendo-lhe herdeiros legitimários, e isto quer as doações tenham sido feitas a estranhos quer a herdeiros a que a lei outorga direito a legítima, em ambos os casos sendo mister averiguar se subsiste inoficiosidade para, em caso afirmativo, proceder à revogação ou redução das doações” (vide “Partilhas Judiciais”, Vol. I, 5.ª Ed., 2006, Almedina, pág. 458-459), existindo hoje um incidente previsto nos artigos 1118º e 1119º do C.P.C., que visa dirimir tais controvérsias.
Conclui-se, assim, que quer os bens doados, quer os bens legados, deverão ser relacionados, até porque para poder ser apurada a inoficiosidade das doacções e legados, através do referido incidente de inoficiosidade, carecem as doações e legados de estarem arrolados na relação de bens, sob pena de preclusão do seu arrolamento e, consequentemente, da sua redução por inoficiosidade.
O mesmo se diga das benfeitorias nos bens doados ou legados. Estas têm que ser arroladas na relação de bens, com a especificação do seu valor, sob pena de preclusão.
Isto quer dizer que, se o interessado directo na partilha a quem foi doado ou legado o bem em vida dos inventariados, o qual terá que ser tido em conta na partilha para efeitos de cálculo da legítima e da sua intangibilidade (e possível redução por inoficiosidade), que tiver realizado benfeitorias no bem doado e/ou legado, tem que proceder ao arrolamento das benfeitorias no mesmo momento processual em que arrola o bem doado e o bem legado, ou seja, têm que ser feitas concomitantemente, sob pena de preclusão.
Não é admissível proceder ao arrolamento do bem doado e legado e não suscitar logo a questão das benfeitorias realizadas e o seu valor, para efeitos do seu arrolamento.
Isto significa que a interessada BB deveria ter apresentado reclamação à relação de bens, invocando o arrolamento de um montante de € 26.458,00 atinente ao custo das benfeitorias realizadas no bem legado, sob pena de preclusão.
O mesmo se diga do interessado AA, que apresentou reclamação à relação de bens, mas que nada alegou quanto à realização de benfeitorias no bem doado e a falta de arrolamento de uma verba de € 16.900,00 atinente ao custo de tais benfeitorias.
Com efeito, o Tribunal terá que resolver todas as questões susceptíveis de influir na partilha no decurso do incidente de reclamação à relação de bens.
Quando o Tribunal procede ao saneamento do processo nos termos do artigo 1110º do CPC, já têm que estar resolvidas nos autos todas as questões que sejam susceptíveis de influir na partilha. Nestas questões incluem-se naturalmente as benfeitorias realizadas por beneficiário do bem doado ou legado pelo de cujus, a qual tem que ser arrolada no acervo hereditário de bens a partilhar, ainda que para efeitos meramente de cálculo da legítima.
Como nos explica o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães: “No modelo ora instituído, o processo de inventário para fazer cessar a comunhão hereditária, comporta as seguintes fases: - Uma fase dos articulados na qual as partes, para além de requererem instauração do processo, têm de suscitar e discutir todas as questões que condicionam a partilha, alegando e sustentando quem são os interessados e respectivas quotas ideais e qual o acervo patrimonial, activo e passivo, que constitui objecto da sucessão. Esta fase abrange a subfase inicial (arts. 1097º a 1002º) e a subfase da oposição (arts. 1104º a1107º). No articulado de oposição devem os interessados impugnar concentradamente todas as questões que podem condicionar a partilha, nomeadamente, apresentar reclamação à relação de bens (vd. art. 1104º do CPC). - A fase de saneamento, na qual o juiz, após a realização das diligências necessárias –entre as quais se inclui a possibilidade de realizar uma audiência prévia – deve decidir ,em princípio, todas as questões ou matérias litigiosas que condicionam a partilha e a definição do património a partilhar e também proferir despacho sobre a forma da partilha.- A fase da partilha onde ocorrerá a conferência de interessados na qual se devem realizar todas as diligências que culminam na realização da partilha.
O novo modelo do processo de inventário assenta em fases processuais relativamente estanques e consagra um princípio de concentração dado que fixa para cada ato das partes um momento próprio para a sua realização.
O novo regime jurídico do processo de inventário instituiu o princípio da preclusão.
Definitivamente resolvida a fase de elaboração e discussão da relação de bens (fase dos articulados), mostra-se precludido o direito de arrolar na relação de bens benfeitorias na fase de saneamento ou da partilha (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11.01.2024, relatado pelo Ex.mo Sr. Juiz Desembargador Dr. José Cravo, no proc. 271/20.6T8MNC-A.G1).
Do cotejo dos autos não resulta que quer a interessada BB tivesse realizado benfeitorias no prédio legado, quer o interessado AA tivesse custeado benfeitorias no bem doado. Aliás diga-se que, nenhum dos interessados invocou até à presente data a realização das alegadas benfeitorias nem o valor (custo) das benfeitorias, pelo que, precludiram os respectivos direitos de as invocar nesta fase.
Importa ter presente que, nesta fase adiantada do processo, as ditas invocações nenhum efeito teriam, pois que não será conferido nenhum crédito aos interessados BB e AA, por conta das ditas benfeitorias, pelo que, não teria qualquer efeito a perícia fazer consignar o valor dos imóveis sem as benfeitorias, pois que ao valor dos prédios não pode ser descontado o valor das benfeitorias para efeitos de igualação da partilha.
Se o fito dos interessados com os requerimentos que atravessaram era que o valor (custo) de tais benfeitorias fosse descontado no valor dos bens legado e doado, para efeitos de partilhas, deveriam ter apresentado reclamação à relação de bens e arrolado verbas de € 26.458,00 e de € 16.900,00 respectivamente, atinentes às benfeitorias nos bens legado e doado, como dívidas da herança, na medida em que são valores despendidos que beneficiam a herança.
Ao não o terem feito precludiram os seus direitos.
Destarte, e pelas razões aduzidas, indefere-se as pretensões dos interessados BB e AA, devendo o Sr. Perito proceder à avaliação dos bens arrolados tout court.
Notifique.”.

*
Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a interessada BB que a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem:
CONCLUSÕES:

1ª Pronunciou-se a Mª Juiz “a quo” no sentido de que as benfeitorias efetuadas pelo legatário/donatário em prédio legado/doado têm de ser arroladas na relação de bens, no mesmo ato em que é relacionado o bem legado ou doado, sob pena de preclusão.
2ª Do mesmo passo, é perfilhado o entendimento de que tal questão (benfeitorias feitas pelo legatário em prédio legado) constitui questão que é suscetível de influir na partilha e, por isso, deverá ser objeto de decisão em consonância com o disposto no art. 1110º nº.1 al. c) do C.P.C..
Ora,
3ª Conforme ensina Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, Vol. I, 5ª edição (revista, adaptada e atualizada), pag. 404, é óbvio que não têm de ser relacionadas as benfeitorias feitas pelo donatário em prédio que lhe foi doado pelo inventariado, se bem que na sua eventual avaliação não possa ser computada a mais valia que elas lhe tenham trazido.
4ª Nesse sentido pronunciou ainda o Ac. R.C. de 15-01-80, CJ 5-I-112, já que ali se pode ler: “Tendo as benfeitorias sido feitas por donatário em bens que lhe foram dados pelo inventariado, não foram feitas pelo autor da herança, nem por um terceiro... mas sim por um interessado. Assim, não têm que ser descritas nem como “créditos”, nem como “débitos”.
5ª Serve isto por dizer que, ao contrário do que se mostra vertido na douta decisão recorrida, não têm de ser relacionadas as benfeitorias feitas pelo legatário em prédio que lhe foi legado pelo inventariado, já que da relação de bens apenas deverão constar os créditos e dívidas da herança, sendo que, no que tange às benfeitorias, deverá observar-se o disposto nos nº.s 6 e 7 do art. 1098º do C.P.C..
6ª Pelo que, mostrando-se violados, para além de outros normativos legais, o disposto nos arts. 216º nº.1, 1272º e 1275º do C. Civil e, arts. 1098º nº.2, 3, 6 e 7, art. 1104º nº.1 al. d); 1110º nº.1al. a) e 615º nº.1 al. d) do C.P.C., deve ser revogada a decisão recorrida, nessa parte, substituindo-se por outra em que se decida que as alegadas benfeitorias feitas pela referida interessada em prédio que lhe foi legado não têm “de ser arroladas na relação de bens com especificação do seu valor, sob pena de preclusão”, devendo, outrossim, ser a mais valia que as mesmas trouxeram ao prédio legado objeto do adequado desconto ou dedução.
Assim decidindo, será feita a devida e costumada JUSTIÇA”.
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Não houve contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Objecto do recurso.      
       
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do CPC –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber se as alegadas benfeitorias feitas pela apelante em prédio que lhe foi legado não têm “de ser arroladas na relação de bens com especificação do seu valor, sob pena de preclusão”, devendo, outrossim, ser a mais valia que as mesmas trouxeram ao prédio legado objeto do adequado desconto ou dedução.
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III. Fundamentação de facto.

Os factos relevantes para a decisão a proferir, constam do relatório supra.
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IV. Do objecto do recurso.            

1. Delimitada que está, sob o n.º II, a questão a decidir, é o momento de a apreciar.
Entende a apelante que, ao contrário do que se mostra vertido no despacho impugnado, as benfeitorias por si efectuadas no prédio legado não têm de ser relacionadas pela simples razão de que as mesmas não fazem parte do activo ou do passivo da herança, já que não podem ser relacionadas nem como “créditos”, nem como “débitos”, em nada contendendo, pois, com a elaboração e discussão da relação de bens.
Mais entende que, a inclusão do bem legado na relação de bens não implica que, concomitantemente e sob pena de preclusão, tenha o legatário de proceder desde logo ao arrolamento das benfeitorias feitas no bem legado, se bem que na sua eventual avaliação não possa ser computada a mais valia que elas tenham trazido ao mesmo.
É que, ao contrário do que transparece do entendimento perfilhado no despacho recorrido, não pretende a apelante, através do seu requerimento de 11.01.2024, ver arroladas na relação de bens quaisquer benfeitorias, sejam elas como dívida da herança ou como crédito da herança, mas tão somente que as mesmas, em caso de eventual avaliação, sob a égide do art. 1118º do CPC, não possam ser computadas pela mais valia que elas tenham trazido ao imóvel legado.
Vejamos.
Como é sabido, a sucessão consiste no chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam (artigo 2024º do Cód. Civil).
Decorre do disposto pelo já referido art. 2024º, bem como do disposto pelos arts. 2025º n.º 1 e 2031º do Cód. Civil, que o acervo hereditário a partilhar compreende os bens e demais situações jurídicas existentes na esfera jurídica do “de cujus” quando este falece, que não devam extinguir-se por tal motivo.
Por outro lado, resulta do art. 2030º nº 1, do Cód. Civil que os sucessores podem ser herdeiros ou legatários, dizendo-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados (artigo 2030º nº 2, do Cód. Civil).
A questão a apreciar neste recurso insere-se no âmbito da tramitação do processo de inventário.
Atenta a data da respectiva instauração, ao presente processo de inventário é aplicável o regime emergente da Lei nº 117/2019 de 13 de Setembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2020 e que alterou o regime do processo de inventário.
O processo de inventário destina-se a fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens (art.º 1082º al. a) do CPC).
Nos termos do disposto no art.º 1097º nº 3 do CPC “deve o cabeça de casal apresentar a relação de todos os bens sujeitos a inventário, ainda que a sua administração não lhe pertença, acompanhada dos documentos comprovativos da sua situação no registo respetivo e, se for o caso, da matriz” (al. c)), bem como “a relação dos créditos e das dívidas da herança, acompanhada das provas que possam ser juntas” (al. d).

A relação de bens, créditos e dívidas da herança deve obedecer ao estatuído no art.º 1098º, designadamente:

“2 - Os bens que integram a herança são especificados na relação por meio de verbas, sujeitas a uma só numeração, pela ordem seguinte: direitos de crédito, títulos de crédito, valores mobiliários e demais instrumentos financeiros, participações sociais, dinheiro, moedas estrangeiras, objetos de ouro, prata e pedras preciosas e semelhantes, outras coisas móveis e, por fim, bens imóveis.
3 - Os créditos e as dívidas são relacionados em separado, sujeitos a numeração própria, e com identificação dos respetivos devedores e credores.
4 - A menção dos bens é acompanhada dos elementos necessários à sua identificação e ao apuramento da sua situação jurídica.
5 - Se não houver inconveniente para a partilha, podem ser agrupados, na mesma verba, bens móveis, ainda que de natureza diferente, que se destinem a um fim unitário.
6 - As benfeitorias pertencentes à herança são descritas em espécie, quando possam separar-se, sem detrimento, do prédio em que foram realizadas, ou como simples crédito, no caso contrário.
7 - As benfeitorias efetuadas por terceiros em prédio da herança são descritas como dívidas, quando não possam, sem detrimento, ser levantadas por quem as realizou.”

Havendo legados testamentários a transmissão do domínio só ocorre com a morte do testador, e, nessa medida, os bens legados ainda integram a sua esfera jurídica quando se abre a sucessão, não estando assim excluídos de serem relacionados, por força do preceituado no art. 1097º n.º 3 al. c) do CPC.
A tal acresce que, pretendendo apurar-se da eventual inoficiosidade dos legados, carecem os mesmos de estar arrolados na relação de bens, sob pena de preclusão do seu arrolamento e, consequentemente, da sua redução por inoficiosidade.
Por outro lado, por força do disposto nos já citados arts. 1097º n.º 3 al. d) e 1098º nº 7, do CPC, as benfeitorias efectuadas por terceiros em prédio da herança são descritas como dívidas, quando não possam, sem detrimento, ser levantadas por quem as realizou.
E as benfeitorias feitas nos bens legados também carecem de ser arroladas na relação de bens, com a especificação do seu valor.
É que, ainda que se entenda que as benfeitorias feitas pelo legatário (também herdeiro) no bem legado não são feitas por terceiro - e por isso não devem ser consideradas dívidas da herança - a verdade é que as mesmas terão de constar dessa relação de bens, ainda que apenas para efeitos de cálculo da legítima.
Qualquer interessado que discorde daquele relacionamento de bens e dívidas, deverá dar início ao incidente de reclamação à relação de bens em inventário, que prevê os seguintes articulados: a oposição, impugnação e reclamação dos interessados (art. 1104.º do CPC) seguida da resposta pelos interessados com legitimidade em responder (art. 1105.º n.º 1 do CPC), sendo que com os respectivos articulados, têm as partes o ónus de arrolar os respectivos meios de prova.
Como escrevem M. Teixeira de Sousa, Lopes do Rego, Abrantes Geraldes de Pedro Pinheiro Torres, in O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, 2021, pp. 81-82:
a) Cabe aos interessados directos deduzir no articulado de oposição qualquer reclamação quanto à relação de bens apresentada pelo requerente ou pelo cabeça-de-casal […], sustentando, nomeadamente, a insuficiência dos bens, o excesso dos bens relacionados, a inexactidão na sua descrição ou impugnando o valor que lhe foi atribuído.
Este ónus de concentração das reclamações contra a relação de bens no âmbito da oposição ao inventário é consequência de a fase inicial do processo se não encerrar sem que se mostre apresentada pelo cabeça-de-casal a relação de bens […].
[…]. No actual sistema, o momento das reclamações contra a relação é necessariamente o previsto no n.º 1, sob pena de preclusão do direito de reclamar, ainda que, naturalmente, sem prejuízo da invocação de uma situação de superveniência […].
No actual modelo, os interessados têm um ónus de impugnação dos créditos e das dívidas da herança, semelhante ao que sobre eles incide no que respeita à reclamação quanto aos bens relacionados, antecipando-se, pois, para a subfase da oposição a suscitação de uma questão que anteriormente estava relegada para o momento da conferência de interessados.”.
Ou seja, mostra-se precludido o direito de todos os interessados fazerem qualquer alteração à relação de bens, removendo, modificando ou aditando bens, direitos, créditos ou dívidas, transcorrido que se mostre o prazo legalmente concedido ao cabeça-de-casal para apresentar a relação de bens ou aos demais interessados para reclamarem da mesma.
Como se escreve no acórdão desta Relação de Guimarães, de 11 de Janeiro de 2024, relator José Cravo, citado na decisão apelada e disponível in www.dgsi.pt: “Explicam estes autores que, no modelo ora instituído, o processo de inventário para fazer cessar a comunhão hereditária, comporta as seguintes fases:
- Uma fase dos articulados na qual as partes, para além de requererem instauração do processo, têm de suscitar e discutir todas as questões que condicionam a partilha, alegando e sustentando quem são os interessados e respectivas quotas ideais e qual o acervo patrimonial, activo e passivo, que constitui objecto da sucessão. Esta fase abrange a subfase inicial (arts. 1097º a 1002º) e a subfase da oposição (arts. 1104º a 1107º). No articulado de oposição devem os interessados impugnar concentradamente todas as questões que podem condicionar a partilha, nomeadamente, apresentar reclamação à relação de bens (vd. art. 1104º do CPC).
- A fase de saneamento, na qual o juiz, após a realização das diligências necessárias – entre as quais se inclui a possibilidade de realizar uma audiência prévia – deve decidir, em princípio, todas as questões ou matérias litigiosas que condicionam a partilha e a definição do património a partilhar e também proferir despacho sobre a forma da partilha.
- A fase da partilha onde ocorrerá a conferência de interessados na qual se devem realizar todas as diligências que culminam na realização da partilha.
Sendo que, por via do disposto no art. 549º/1 do CPC, à tramitação do inventário são aplicáveis as disposições da parte geral desse Código, bem como as regras do processo civil de declaração que se mostrem compatíveis com o processo de inventário judicial”.
Com efeito, o actual processo de inventário “parte de uma definição de fases processuais relativamente estanques, envolvendo apelo decisivo a um princípio de concentração, propiciador de que determinado tipo de questões deva ser necessariamente suscitado em certa fase procedimental (e não nas posteriores), sob pena de funcionar uma regra de preclusão para a parte” (cfr. Lopes do Rego, in A recapitulação do inventário, Julgar Online, Dezembro 2019, p. 9).
Vistas estas considerações jurídicas, vertamos ao caso dos autos.
A apelante, sendo legatária de um imóvel pertencente à herança a partilhar nestes autos de inventário, em momento algum (até ao requerimento apresentado no âmbito da conferência de interessados e que deu origem ao despacho apelado), fez saber nos autos que havia efectuado quaisquer benfeitorias no bem legado.
Só após a fase dos articulados e do saneamento, vem invocar a existência de tais benfeitorias e pedir que as mesmas sejam consideradas na avaliação do bem legado.
Tarde o fez, como resulta do acima exposto.
É que, definitivamente resolvida a fase de elaboração e discussão da relação de bens (fase dos articulados), mostra-se precludido o direito de arrolar na relação de bens benfeitorias, ainda que para efeitos meramente de cálculo da legítima.
E estando precludido tal direito, nenhum crédito será conferido à apelante por conta das ditas benfeitorias, pelo que, como bem se diz na decisão apelada “não teria qualquer efeito a perícia fazer consignar o valor dos imóveis sem as benfeitorias, pois que ao valor dos prédios não pode ser descontado o valor das benfeitorias para efeitos de igualação da partilha”.
Caso pretendesse a apelante que o valor ou custo de tais benfeitorias fosse descontado no valor do bem legado, para efeitos de partilhas, deveria ter apresentado reclamação à relação de bens e arrolado a verba atinente à benfeitoria no bem legado.
Estando definitivamente resolvida a fase de elaboração e discussão da relação de bens, mostra-se precludido o direito de arrolar na relação de bens, benfeitorias realizadas pela apelante no imóvel legado.
Assim, sendo inadmissível, nesta fase, a discussão quanto à existência de benfeitorias, é lógico concluir que é um acto inútil produzir prova pericial relativamente a esse facto.
Improcede, pois, a apelação.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):
I. Estando definitivamente resolvida a fase de elaboração e discussão da relação de bens, mostra-se precludido o direito de arrolar na relação de bens, benfeitorias realizadas pela apelante em imóvel legado.
II. Sendo inadmissível, nesta fase, a discussão quanto à existência de benfeitorias, é lógico concluir que é um acto inútil produzir prova pericial relativamente a esse facto.
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V. Decisão.

Perante o exposto, acordam os Juízes que constituem este Colectivo da 3ª secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a apelação totalmente improcedente, confirmando, em consequência, a decisão apelada.
Custas pela apelante.
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Guimarães, 18 de Dezembro de 2024

Assinado electronicamente por:
Fernanda Proença Fernandes
Luís Miguel Martins
Elisabete Moura Alves
(O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das “citações/transcrições” efectuadas que o sigam)