VENDA DE COISA DEFEITUOSA
CONSUMIDOR
CADUCIDADE
RECONHECIMENTO DO DIREITO
DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO
VALOR DA REPARAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário


I - Se o reconhecimento da existência dos defeitos, a sua enumeração e o compromisso assumido pela R. de os eliminar ou reparar, com a realização efetiva de intervenções na moradia em causa aconteceu antes de esgotado o prazo de caducidade, tal reconhecimento tem a virtualidade de impedir a caducidade do direito do A. , ou seja a partir desse momento não é lícito à R. (devedor) invocar contra o A. (credor) a exceção de caducidade; na verdade o direito foi exercido e uma vez exercido ou reconhecido já não está sujeito a prazo de caducidade.
II - Perante o defeito da coisa (no caso, no âmbito de uma compra e venda de imóvel para habitação por consumidor a um profissional, vendedor/construtor), o consumidor tem o direito à reparação, à substituição, à redução do preço, à resolução, e à indemnização, mas sem qualquer hierarquização de direitos, embora não se prescinda de uma “eticização da escolha” através do princípio da boa-fé e da cláusula do abuso de direito ( cfr. artigo 4º,nº5 do DL 67/2003).
III - No caso sub judicio, denunciado o defeito no imóvel vendido e exigida a reparação e tendo ocorrido intervenção com vista à eliminação do defeito, e não tendo sido resolvido e novamente denunciado, se o vendedor nada mais faz, o comprador pode pedir-lhe indemnização em termos gerais, por incumprimento do contrato, bem como indemnização pelos danos não patrimoniais decorrentes de tal incumprimento, não envolvendo tais pedidos a violação da boa-fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico do direito em causa.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

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I- Relatório ( que se transcreve):

“AA, maior, NIF ...69, portador do cartão de cidadão n.º ..., com validade até ../../2030, residente Rua ..., ..., freguesia ..., ... ... iniciou uma acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra EMP01... LDA, com o NIPC: ...73, com sede na Travessa ..., freguesia ..., no conselho da ..., ... ... peticionando a condenação desta a (a) pagar-lhe a quantia de €15.800,00, acrescida de juros moratórios à taxa legal, contados desde a data da citação até integral pagamento bem como (b) os danos não-patrimoniais, a serem apurados e calculados em sede de execução de sentença.
Em 15/08/2016, o autor e o réu celebraram um contrato promessa de compra e venda de um prédio urbano, designado por Lote ...2 sito no lugar ..., freguesia ..., conselho de ..., descrito na conservatória de registo predial ... sob o n.º ...33, e inscrito na respetiva matriz com o artigo n.º ...11; através do referido contrato, a ré vendeu aos autores uma moradia a ser construída, pelo valor de €167.500,00 mais o apartamento sito na Rua ..., ..., ..., ..., artigo matricial ...33-F; a título de sinal e princípio de pagamento, liquidou a quantia de €35.000,00, seguido de uma segunda prestação de €15.000,00, tendo ainda ficado acordado que o remanescente do preço, no valor de €117.500,00 seria pago na escritura de compra e venda, bem como a permuta do apartamento, a serem feitos até ../../2017; a escritura de compra e venda somente veio a ocorrer em 26/09/2018, data em que a referida moradia foi entregue aos autores; o atraso na entrega da moradia deveu-se a atrasos na construção e na legalização da mesma nomeadamente com a emissão do Alvará de Licença de Utilização; mais alega que após a entrega da referida moradia, em 26/09/2018, o autor procedeu à denúncia de diversos defeitos de construção melhor discriminados na p.i; em consequência da denúncia, a ré deslocou-se ao imóvel e procedeu à abertura de dois poços de escoamento de água da cave, sem que todavia os vícios tenham ficado resolvidos; seguiram-se novas denúncias de defeitos em 04/01/2021, 08/06/2021, 05/04/2022, 22/.../2022 e em ../../2023, sem que tenha ficado resolvido; referem ainda que a cave continua a sofrer diversas infiltrações de água, as quais se devem à ausência de isolamento; em consequência das infiltrações, as paredes encontram-se manchadas, com a cerâmica a descolar da parede; considera que a reparação e isolamento das duas paredes pintura e materiais de substituição encontra-se orçamentado em €15.800,00, acrescido de IVA à taxa legal; termina formulando o pedido acima enunciado.
A ré apresentou contestação tendo alegado, em suma, o seguinte: começa por se defender por via de excepção peremptória, invocando a caducidade do direito invocado pelos autores visto que, a seu ver, já decorreu o prazo de um ano a contar da denúncia dos defeitos, previsto no art 1225º do Cód Civil; mais se defende por via de impugnação, negando a existência dos defeitos invocados; considera que a referida moradia foi construída de acordo com o caderno de encargos e as boas regras da construção civil; por outro lado, mesmo que as referidas anomalias existam, nunca acarreterão uma despesa superior a €5000,00 para a sua reparação; termina peticionando a absolvição da acção.
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Foi proferido o seguinte despacho: “ objecto do litígio consiste em apurar se a ré deve ser obrigada a pagar as quantias peticionadas com fundamento em defeitos numa obra e em danos não-patrimoniais causados pelos mesmos.  

São as seguintes as questões que o Tribunal tem que apreciar e decidir.
a) Sobre a caducidade do direito da autora;
b) Sobre a indemnização por danos patrimoniais;
c) Sobre a indemnização por danos não-patrimoniais”
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, conforme se alcança da respetiva ata.
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Após a competente audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:  “Termos em que o Tribunal julga a presente acção totalmente procedente e condena a ré:

a) a pagar ao autor a quantia de €15.800,00, acrescida de juros moratórios à taxa legal, contados desde a data da citação até integral pagamento;
b) numa quantia a título de danos não-patrimoniais, a serem apurados e calculados em sede de execução de sentença. ”.
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É desta decisão que vem interposto recurso pela R, a qual termina o seu recurso formulando as seguintes conclusões ( que se transcrevem):

“I- Nos presentes autos a Recorrente foi condenada a pagar ao Recorrido a quantia de €15.800,00, acrescida de juros moratórios à taxa legal, contados desde a data da citação até integral pagamento e no pagamento de uma indemnização a título de danos não-patrimoniais, a serem apurados e calculados em sede de execução de sentença.
II. Acontece que a sentença proferida pelo Tribunal a quo, fez uma incorreta interpretação dos factos e uma errada aplicação do direito, e a Recorrente deveria ter sido absolvida.
III. O Tribunal a quo deu erradamente como provado os pontos 17, 18, 19 da matéria de facto dada como provada, devendo tais factos ser dados como não provados.IV.    Quanto ao ponto 17 o Tribunal a quo deu erradamente como provado o seguinte: “As paredes da cave encontram-se todas manchadas e com cerâmica a descolar, carecendo de pintura.”
V. O Tribunal a quo deu como provado o referido ponto com base no depoimento da testemunha BB, esposa do Recorrido, em conjugação com as fotos juntas como docs 12 a 19 da petição inicial e o relatório técnico remetido com o requerimento com refª ...76 (23/05/2024);
VI. A testemunha BB é esposa do Recorrido, motivo pelo qual o seu depoimento não é objetivo, isento e credível, pois a referida testemunha tem um interesse direto e manifesto na procedência dos presentes autos.
VII. Devido ao interesse que esta testemunha tem na procedência dos presentes autos a mesma deveria ter sido parte nos mesmos e não testemunha, e por tal motivo o seu depoimento enquanto testemunha não reveste utilidade e não pode ser valorado.
VIII. Quanto às fotografias juntas aos autos, as mesmas não indicam a que prédio a que se referem, nem em que data foram tiradas, tendo inclusive a Recorrente impugnado as mesmas.
IX. E por fim quanto ao documento junto pelo Recorrido que pretende ser um relatório de defeitos, desconhece-se se o mesmo foi assinado por pessoa habilitada, com conhecimento técnicos na área da construção civil, sendo certo que tal documento foi impugnado por falsidade pelo Recorrente.
X. Acresce que a dita pessoa que assinou o referido relatório e que se intitulou como Engenheiro, sem juntar qualquer comprovativo das suas reais habilitações literárias, não compareceu á audiência de julgamento para depor como testemunha, tendo o recorrido prescindido do seu depoimento.
XI. Ademais o referido relatório não contem um descrição objetiva, isenta e independente dos alegados defeitos, pelo contrário está eivado de considerações subjetivas e irrelevantes como sejam os estados de ansiedade do Recorrido, como facilmente poderão verificar: “O proprietário não foi informado, muito menos esperava, ter o encargo económico e a ansiedade permanente associado a poder ver a casa inundada a qualquer momento, não podendo dar o uso pretendido ao compartimento”.
XII. Acresce que o Recorrido requereu uma perícia ao Tribunal, à qual nunca indicou os quesitos que pretendia que fossem respondidos, nem mesmo depois do Tribunal a quo ter insistido para que o mesmo requeresse tal perícia.
XIII. Não compete à Recorrente fazer prova dos factos alegados pelo Recorrido, e é sobre este quem tem de fazer a prova dos factos que alega.
XIV. Acresce que o Tribunal a quo reconheceu e deu como não provado que que a origem das infiltrações fosse da responsabilidade da Recorrente.
XV. A única testemunha que depôs de forma credível e com conhecimento direto sobre os factos, porque esteve na construção do prédio foi o Sr. CC, que afirmou na audiência de discussão e julgamento que o prédio não padecia de defeitos.
XVI. Em face da manifesta falta de prova carreada para os presentes autos, nomeadamente a ausência de prova pericial, e tendo em conta o depoimento parcial, interessado, da testemunha esposa do Recorrido, que não pode ser valorado (o qual se encontra gravado no sistema de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, consignando-se o seu inicio pelas 09:57m e término pelas 10:48m por referencia á ata de discussão e julgamento do dia 04 de abril de 2024), o depoimento isento, objectivo, credível da testemunha CC, (o qual se encontra depoimento gravado no sistema de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, consignando-se o seu inicio pelas ...:00m e término pelas ...:09m por referencia à ata de discussão e julgamento do dia 13 de junho de 2024), a total falta de credibilidade dos documentos juntos pelo Recorrido, os quais foram impugnados por falsidade, e ainda tendo em conta que o Tribunal a quo deu como não provado o ponto 21 da matéria de facto dada como não provada, o Tribunal a quo devia segundo as regras e princípios da valoração da prova, ter dado como não provado o ponto 17 da matéria de matéria de facto dada como provada.
XVII. Também não foi produzida prova necessária e suficiente para que o Tribunal a quo pudesse dar como provado o ponto 18 da matéria de facto erradamente dada como provada, do qual resulta o seguinte: “Existem infiltrações de humidade nas caixilharias e apainelados de madeira das portas interiores em madeira, carecendo de substituição.”
XVIII. Por uma questão de economia, reiteramos e damos como integralmente por reproduzido, o referido na impugnação do ponto 17 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo.
XIX. Refira-se ainda que o Tribunal a quo, não possui conhecimentos técnicos-cientificos para poder conhecer oficiosamente sobre infiltrações e uma vez que não existe qualquer perecia realizada no âmbito dos presentes autos, Tribunal a quo não pode dar como provado o ponto 18 da matéria de facto erradamente dada como provada.
XX. O Tribunal a quo nem chegou a ir ao local para fazer uma inspeção ao local a fim de poder ter conhecimento direto e imediato sobre este facto.
XXI. Em face da manifesta falta de prova carreada para os presentes autos, nomeadamente a ausência de prova pericial, e tendo em conta o depoimento parcial, interessado da testemunha esposa do Recorrido, que não pode ser valorado (o qual se encontra gravado no sistema de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, consignando-se o seu inicio pelas 09:57m e término pelas 10:48m por referencia á ata de discussão e julgamento do dia 04 de abril de 2024), o depoimento isento, objetivo, credível da testemunha CC, (o qual se encontra depoimento gravado no sistema de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, consignando-se o seu inicio pelas ...:00m e término pelas ...:09m por referencia à ata de discussão e julgamento do dia 13 de junho de 2024), a total falta de credibilidade dos documentos juntos pelo Recorrido, o quais foram impugnados por falsidade, e ainda tendo em conta que o Tribunal a quo deu e bem como não provado o ponto 21 da matéria de facto dada como não provada, o Tribunal a quo devia segundo as regras e princípios da valoração da prova, ter dado como não provado o ponto 18 da matéria de matéria de facto dada como provada.
XXII. Também não foi produzida prova necessária e suficiente para que o Tribunal a quo pudesse dar como provado o ponto 19 da matéria de facto erradamente dada como provada, do qual resulta o seguinte:
“19 Para reparação dos defeitos enunciados nos pontos 6 a 18 afigura-se necessário fazer as seguintes obras, com o valor estimado de €26.280,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor:.
a. Paredes limítrofes – área de intervenção de 84m2, com preço estimado de €8400,00;
i. Demolição do pano de parede interior, provavelmente em alvenaria de tijolo;
ii. Desmontagem da infraestrutura elétrica para posterior remontagem; iii. Desmontagem de rodapés;
iv. Execução de caleira interior para recolha e drenagem da água de infiltração e execução de dreno para o poço de drenagem existente;
v. Execução de corte hídrico no contato do pavimento com a nova parede a executar;
vi. Execução de nova parede (aconselhamos em gesso cartonado porque facilita a execução do corte hídrico);
vii. Remontagem da infraestrutura elétrica;
viii. Montagem de rodapés, incluindo fornecimento de novos elementos se necessário e pintura dos mesmos;
ix. Emassamento e pintura final.
b. Paredes interiores – área de intervenção de 73m2, com preço estimado de €7300,00;
i. Demolição da parede interior de compartimentação;
ii. Desmontagem da infraestrutura clétrica para posterior remontagem
iii. Desmontagem de rodapés, aros e portas interiores de compartimentação;
iv. Execução de nova parede (aconselhamos em gesso cartonado porque facilita a execução do corte hídrico);
v. Remontagem da infraestrutura elétrica;
vi. Montagem de rodapés, aros e portas interiores de compartimentação, incluindo fornecimento de novos elementos se necessário e pintura dos mesmos;
vii. Emassamento e pintura final.
c. Obras complementares, com valor estimado de €8580,00; i. Remoção dos materiais a vazadouro autorizado;
ii. Pintura do teto do compartimento;
iii. Substituição do pavimento da cave, por tijoleira cerâmica idêntica à existente, visto ser necessário a execução de drenos de ligação das caleiras interiores a executar com o poço de drenagem;
iv. Limpeza final.
d. Sistema de drenagem, com valor estimado de €2000,00;
i. Fornecimento e aplicação de quadro elétrico específico do sistema de drenagem que inclua o comando para funcionamento alternado de duas bombas, alarme sonoro para aviso de bombas avariadas e nível de água;
ii. Fornecimento e aplicação de bombas submersíveis de marca credível e com oficinas de reparação próprias;
iii. Fornecimento e aplicação de todos os elementos elétricos e de pichelaria necessários ao bom funcionamento do sistema;
iv. Fornecimento de tampa de poço com acabamento a tijoleira idêntica à existente.”
XXIII. Uma vez mais por uma questão de economia, reiteramos e damos como integralmente por reproduzido, o referido na impugnação do ponto 17 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo.
XXIV. Uma vez mais o referido relatório junto pelo Recorrido não faz uma discriminação dos preços dos materiais a serem utilizados, o preço da mão de obra, o preço do sistema de bombagem.
XXV. É impossível concluir do referido relatório o custo dos trabalhos a serem executados e dos materiais a serem utilizados.
XXVI. O referido relatório refere que será necessário despender o valor de 26.280,00€ acrescido de IVA, sem, porém, indicar os materiais a serem utilizados, os trabalhos a serem executados e o seu custo, motivo pelo qual o Tribunal a quo não pode dar como provado que seria necessário despender a referida quantia.
XXVII. Em face da manifesta falta de prova carreada para os presentes autos, nomeadamente a ausência de prova pericial, e tendo em conta o depoimento parcial, interessado da testemunha esposa do Recorrido, que não pode ser valorado (o qual se encontra gravado no sistema de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, consignando-se o seu inicio pelas 09:57m e término pelas 10:48m por referencia á ata de discussão e julgamento do dia 04 de abril de 2024), o depoimento isento, objetivo, credível da testemunha CC, (o qual se encontra depoimento gravado no sistema de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, consignando-se o seu inicio pelas ...:00m e término pelas ...:09m por referencia à ata de discussão e julgamento do dia 13 de junho de 2024), a total falta de credibilidade dos documentos juntos pelo Recorrido, os quais foram impugnados por falsidade, e ainda tendo em conta que o Tribunal a quo deu e bem como não provado o ponto 21 da matéria de facto dada como não provada, o Tribunal a quo devia segundo as regras e princípios da valoração da prova, ter dado como não provado o ponto 19 da matéria de matéria de facto dada como provada.
XXVIII. O Tribunal a quo não poderia ter dado como provados os supra referidos pontos 17, 18 e 19 da matéria de facto dada como provada por manifesta falta de prova, até porque ao dar como provados tais factos o mesmo contraria o facto dado como não provado no ponto 21 da matéria de facto dada como não provada.
XXIX. Quanto à matéria de direito, é imperioso definir qual o regime jurídico a ser aplicado aos factos constantes nos presente autos.
XXX. O objeto dos presentes autos consiste em apurar se a Recorrente deveria ser obrigada a pagar as quantias peticionadas título de danos patrimoniais e não-patrimoniais pelo Recorrido com fundamento em alegados defeitos num prédio
XXXI. Nos presentes autos, resulta da prova documental que foi celebrado um contrato de compra e venda através do qual a Recorrente vendeu ao Recorrido e à sua esposa, que compraram, um prédio composto por 3 pisos (cave, rés do chão/garagem e primeiro andar).
XXXII. Entre o Recorrido e a Recorrente não foi celebrado um contrato de empreitada que obrigatoriamente teria de ser reduzido a escrito (sob pena de ser um contrato nulo) e da prova produzida não resultou que o Recorrido tivesse contratado a Recorrente para executar uma obra, nem a Recorrente se comprometeu a executar qualquer obra ao Recorrido.
XXXIII.
Assim o regime o regime aplicável nos presentes autos é o regime dos contratos de compra e venda.
XXXIV
No âmbito do regime dos contratos de compra e venda prevê o artigo 916.º do CC que a denúncia dos defeitos deve ser efetuada no prazo de um a contar do seu conhecimento e no prazo de 5 anos após a entrega do imóvel.
XXXV. Em primeiro lugar a denuncia dos defeitos foi feita exclusivamente pela testemunha BB, esposa do Recorrido, e nunca pelo Recorrido.
 XXXVI. As denúncias feitas pela testemunha BB, esposa do Recorrido foram feitas nas seguintes datas   ../../2020, 04/01/2021 e em relação aos aros da porta de 05/05/2022.
 XXXVII. Por tal motivo não pode Recorrido, através dos presentes autos peticionar o pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais ou não patrimoniais se o mesmo nunca denunciou quaisquer defeitos à Recorrente.
XXXVIII. Caso os Venerandos Desembargadores entendam que a denúncia feita pela testemunha BB, esposa do Recorrido, possa ser aproveitada por este, certo é que os prazos para instaurar os presentes autos há muito que caducaram.
XXXIX. Note-se que na comunicação dirigida à Recorrente dada como provada no ponto 9 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo é confessado o seguinte: “Na cave: cerâmica a descolar, paredes por pintar e portas sem fechar devido à humidade; situação que dura há cerca de 18 meses; Sistema de rega não funciona há mais de um ano”
XL . As comunicações posteriores efetuadas pela  testemunha BB, esposa do Recorrido,  em 22/.../2022, 16/0         2/2023 e em ../../2023, que foram dadas como provadas pelo tribunal a quo nos pontos 12, 13 e 14 não não referem quaisquer defeitos novos que não tivessem sido denunciados em ../../2020, 04/01/2021 e em relação aos aros das portas de 05/05/2022.       
XLI. Ora como resulta da matéria de facto dada como provada o Recorrido não fez qualquer denúncia à Recorrente e as alegadas denúncias feitas pela BB, esposa do Recorrido, foram efetuadas decorrido mais de 1 ano após o seu conhecimento.
XLII. Mesmo que assim não se entenda o que não se concede e apenas por mera hipótese teórica se concebe, tendo em conta a data das alegadas denuncias efetuadas pela testemunha BB, esposa do Recorrido, que datam de ../../2020, 04/01/2021 e em relação aos aros das portas da cave de 05/05/2022, o prazo de caducidade para o Recorrido ter intentado a competente acção sobre cada uma delas terminaria em 17/03/2021,     03/01/2022 e 04/05/2023, respetivamente, o que não fez.
XLIII.   Mais acresce que os presentes autos foram instaurados em 25/09/2023, isto é muito depois de decorridos o prazo de caducidade de 5 anos computados da entrega do prédio (...6/2018). XLIV. Ainda que os Venerandos Desembargadores possam partilhar do entendimento que nos presentes autos será aplicável o regime dos contratos de empreitada, o que não se concede e apenas por mera hipótese teórica se concebe, as conclusões precedentes quanto à caducidade mantêm-se porque os prazos previstos no artigo 1225.º CC são os mesmos que os previstos no artigo 916.º do CC.
XLV. Em face do exposto o Tribunal a quo, em face da matéria de facto dada como provada nos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 8, 9 e ..., fez uma errada interpretação e incorreta aplicação do direito, devendo ter reconhecido a caducidade invocada pela Recorrente e consequentemente ser a sentença proferida pelo Tribunal a quo revogada, e os presentes autos serem julgado totalmente improcedentes.
XLVI. Na eventualidade dos Venerandos Desembargadores entenderem que o direito do Recorrido não está caducado, o que não se concede e apenas por mera hipótese teórica se concebe, sempre se dirá que conforme resulta da impugnação dos pontos 17, 18 e 19 os mesmo deveriam ser dados como não provados.
XLVII.  Nos presentes autos não existe prova cabal dos alegados defeitos denunciados pela testemunha BB, esposa do Recorrido.
XLVIII. A Recorrente nunca reconheceu os defeitos alegados pelo Recorrido.
XLIX. Além do supra exposto resultou não provado no ponto 21 da matéria de facto dada como não provada o seguinte:
Que as infiltrações e humidades da cave derivem:
 a. da falta de isolamento da parede da casa que fica encostado ao jardim exterior, com cerca de 1,5m de altura em relação à cave;
b. falta de aplicação de isolamento de tela;
c. falta de isolamento da parede da moradia do lado das traseiras que dá para um terraço e para um pequeno quintal, com cerca de 1,5m de altura;
L. A origem dos danos não foi imputada à Recorrente, motivo pelo qual o Tribunal a quo não estabeleceu o nexo de causalidade necessário para imputar à Recorrente qualquer responsabilidade.
LI. E independentemente do regime jurídico a ser aplicável, (contrato de compra e venda ou contrato de empreitada), a Recorrente deveria ter sido absolvida nos presentes autos, por não existir prova da existência dos defeitos e ainda por não existir um nexo de causalidade entre os danos e o comportamento da Recorrida.
LII. Sem prescindir, e na hipótese teórica dos Venerandos Desembargadores entenderem que os defeitos alegados pelo Recorrido existem, o que não se concede e apenas por mera hipótese teórica se concebe sempre se dirá o seguinte, a Recorrente sempre poderia reparar os alegados defeitos.
LIII. A Recorrente sempre confessou que a existirem defeitos a mesma procederia à sua reparação.
LIV. A Recorrente apenas não procedeu à reparação dos alegados defeitos, porque entente que não deu causa aos mesmos, mas se resultasse cabalmente provado que os alegados defeitos foram por si provocados a mesma os repararia.
LV. Assim competia ao Recorrido exigir à Recorrente a reparação dos danos e apenas se a reparação não fosse possível ou excessivamente onerosa, é que o mesmo poderia eventualmente requerer o pagamento de uma indemnização.
LVI. O Recorrido apenas poderia ter direito a uma indemnização caso a Recorrente não reparasse os danos que viessem a ser provados, in casu a Recorrente sempre confessou que procederia à reparação dos danos que lhe fossem imputados.
LVII. O mesmo sucede se em causa fosse aplicável o regime dos contratos de empreitada, no âmbito do qual, a se verificaram defeitos na obra a Recorrente teria de os eliminar, ou reduzir o preço da empreitada, e na eventualidade dos defeitos não puderem ser eliminados ou o preço não ser reduzido é que o Recorrido teria uma indemnização por incumprimento defeituoso.
LVIII. O Tribunal a quo, caso entendesse que deveria ser aplicado o regime do contrato de empreitada, deveria quanto muito, condenar a Recorrente na reparação dos alegados defeitos.
LIX. Pelo exposto a sentença ora recorrida deveria ter absolvido a Recorrente do pedido e consequentemente deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada, e os presentes autos serem julgado totalmente improcedentes.
LX. Por fim no que concerne aos danos não patrimoniais, o Recorrido não fez qualquer prova sobre os mesmos.
LXI. Apenas ficou provado que o Recorrido sofreu “incómodos” e não ficou provado que o Recorrido tivesse sofrido alguma perda emocional, ou que lhe tivesse sido infligido alguma dor.
LXII. E não existindo danos não patrimoniais a Recorrente não pode ser condenada no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais inexistentes.
LXIII. Ademais a Recorrente foi condenada no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais que virão a ser apurados e calculados em sede de execução de sentença
LXIV. O Tribunal a quo não pode condenar a Recorrente no pagamento de danos não patrimoniais que ainda virão a ser apurados, pois não é possível relegar para execução de sentença o apuramento de eventuais danos não patrimoniais.
LXV. A douta sentença recorrida violou, além do mais, os artigos 333.º, 342.º, 372.º, 376.º, 562.º, 563.º, 566.º, 914.º, 916.º, 917.º, 1219.º, 1220.º, 1221.º, 1224.º, 1225.º do Código Civil, e os artigos 412º, 414º, 640º e 662º do Código de Processo Civil.
Nestes Termos,
deve o presente recurso merecer provimento, de acordo com as precedentes conclusões, revogando-se a douta sentença do Tribunal da Comarca de Braga – Juízo Local Cível de Braga - Juiz ..., e em consequência julgar improcedentes os pedidos formulados pelo Recorrido, como é de elementar justiça!”
*
Contra-alegou o A, pugnando pela improcedência do recurso.
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O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido após os vistos.

II- FUNDAMENTAÇÃO


As questões a decidir no presente recurso, em função das conclusões recursivas e segundo a sua sequência lógica, são as seguintes:

- saber se houve erro na apreciação da prova e na decisão de facto no tocante aos pontos 17º, 18º e 19º dos factos provados e consequente alteração da decisão jurídica em que tais pontos poderiam influir.
- saber se houve erro na decisão jurídica por se verificar a caducidade do direito à ação (de indemnização) e denúncia dos defeitos.
- saber se ao A/apelado assiste o direito, conforme pedido formulado, de exigir da apelante que esta lhe pague o valor da eliminação/reparação do defeito do imóvel, por via da indemnização pedida;
- saber se houve erro na aplicação do direito relativamente à condenação da indemnização por danos não patrimoniais.
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III- Para a apreciação das questões elencadas, é importante atentar na matéria que resultou provada e não provada, que o tribunal recorrido descreveu nos termos seguintes:

a) factos provados;
1. Em 15/08/2016, o auto e a ré celebraram um acordo escrito designado contrato-promessa de compra e venda, o qual tinha por objecto a alienação de um prédio urbano, designado por Lote ...2, a ser construído conforme especificações técnicas e equipamentos constantes do descritivo anexado ao contrato, composto por três pisos (cave, rés-do-chão/garagem e primeiro andar), sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na conservatória de registo predial ... sob o n.º ...33, e inscrito na respetiva matriz com o artigo n.º ...11.
2. Resulta do acordo escrito referido em 1) o seguinte:
a. Foi acordado o preço de €167.500,00, acrescido do apartamento sito na Rua ..., Hab ..., ..., inscrito no artigo matricial U 04433F;
b. O preço deveria ser liquidado da seguinte forma:
i. Sinal e princípio de pagamento: €35.000,00;
ii. Até final de Dezembro/2016: €15.000,00;
iii. O remanescente do preço, no valor de €117.500,00, bem como a permuta do apartamento referido, seria pago no acto da escritura de compra e venda, a ser celebrada até ../../2017, mediante marcação dos segundos outorgantes; 
3. Em 26/09/2018, autor e ré celebraram uma escritura pública designada »título de permuta com mútuo e hipoteca«, de onde resulta que a ré cedeu ao autor e sua esposa o prédio urbano composto de cave, rés do chão e andar, sito na Rua ..., ..., ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo ...59 e descrito na conservatória de registo predial ... sob o n.º ...33/..., pelo valor de €210.000,00, destinado a habitação própria e permanente e recebendo em troca a fracção autónoma designada pela letra ..., correspondente a uma habitação no ......, designada pelo número ...1, tipo ..., com entrada pelo n.º ...7 e garagem na cave, com entrada pelo n.º ...1, sito na Rua ..., ..., inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ...33 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...10.../..., pelo valor de €80.000,00, destinado a revenda, bem como a quantia em dinheiro de €130.000,00, já recebidos e dos quais deu quitação;
4. A escritura referida em 3) não foi celebrada na data referida em 2), b), iii) em virtude de sucessivos atrasos na construção da moradia nomeadamente a emissão do Alvará de Licença de Utilização n.º ...8, o qual só foi emitida a ../../2018. 
5. A moradia referida em 1) foi entregue ao autor e sua esposa em 29/06/2018.
6. Por email datado de ../../2020, a esposa do autor denunciou à ré os seguintes defeitos no imóvel;
a. Falta de isolamento dos tubos de cobertura;
b. Tinta a levantar nas paredes de um dos quartos e do escritório;
c. Cerâmica a descolar nas paredes da garagem e do escritório;
d. Flutuante na cozinha a levantar;
e. Infiltração de água na cave;
f. Sistema de rega sem funcionar desde 06/2019;
7. Em consequência da denúncia referida em 6), o sócio-gerente da ré deslocou-se ao local e realizou algumas intervenções nomeadamente:
a. a criação dos dois poços de escoamento de água da cave;
b. instalação de bombas de extração de água da cave;
8. Por email datado de 04/01/2021, a esposa do autor denunciou à ré os seguintes defeitos no imóvel;
a. Extrator do WC da suite não funciona;
b. Flutuante a levantar na cozinha, sala de jantar, sala de estar e suite;
c. Falhas de luz na cave e garagem;
d. Infiltração de água na cave; bomba de extração tem que funcionar a cada 2/3 horas;
9. Por email datado de 08/06/2021, a esposa do autor denunciou à ré os seguintes defeitos no imóvel;
a. Problemas no sistema eléctrico;
b. Flutuante da cozinha a levantar junto da porta que dá para as traseiras e na sala de jantar;
c. Cerâmica a descolar das paredes da garagem;
d. Na cave: cerâmica a descolar, paredes por pintar e portas sem fechar devido à humidade; situação que dura há cerca de 18 meses;
e. Sistema de rega não funciona há mais de um ano;
10. Por email datado de 15/06/2021, a esposa do autor escreveu um email à ré a reclamar de ausência de resposta ao email anterior;   
.... Por email datado de 05/05/2022, a esposa do autor denunciou à ré os seguintes defeitos no imóvel;
a. Reitera as queixas constantes dos emails anteriores, as quais se encontram por resolver;
b. Aros das portas da cave incharam aquando da inundação;
c. Sistema de rega continua sem funcionar;
12. Por email datado de 22/.../2022, a esposa do autor denunciou à ré os seguintes defeitos no imóvel;
a. Existência de água na cave e que a solução do poço no exterior não funcionou;
b. Buraco no chão com a cave;
c. Cave com inundação;
d. Bomba de extração sem funcionar;
e. Paredes com humidade, tinta com efeito borbulha junto ao rodapé;
f. Fissuras no chão, junto às escadas;
g. Revestimento da fachada traseira estalado junto ao chão;
13. Por email datado de 16/02/2023, a esposa do autor denunciou à ré os seguintes defeitos no imóvel;
a. Paredes da cave com tinta a descascar;
b. Portas da cave empenadas, o que faz com que não se consigam fechar;
c. Cerâmicas da parede estaladas junto ao chão das traseiras da casa;
d. Abertura de buraco na terra junto ao poço; terra que cedeu depois da chuva;
14. Por email datado de ../../2023, a esposa do autor denunciou à ré os seguintes defeitos no imóvel;
a. Reitera a ausência de resolução dos defeitos denunciados nos emails anteriores;
b. Tinta a cair das paredes da cave;
15. A cave do imóvel referido em 1) continua a sofrer de graves infiltrações, ficando inundada, apesar da construção de dois poços e da instalação de uma bomba extratora de água.
16. Durante a época das chuvas, a bomba extratora tem que funcionar a cada duas horas.
17. As paredes da cave encontram-se todas manchadas e com cerâmica a descolar, carecendo de pintura.
18. Existem infiltrações de humidade nas caixilharias e apainelados de madeira das portas interiores em madeira, carecendo de substituição.
19. Para reparação dos defeitos enunciados nos pontos 6 a 18 afigura-se necessário fazer as seguintes obras, com o valor estimado de €26.280,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor:
a. Paredes limítrofes – área de intervenção de 84m2, com preço estimado de €8400,00;
i. Demolição do pano de parede interior, provavelmente em alvenaria de tijolo;
ii. Desmontagem da infraestrutura elétrica para posterior remontagem;
iii. Desmontagem de rodapés;
iv. Execução de caleira interior para recolha e drenagem da água de infiltração e execução de dreno para o poço de drenagem existente;
v. Execução de corte hídrico no contato do pavimento com a nova parede a executar;
vi. Execução de nova parede (aconselhamos em gesso cartonado porque facilita a execução do corte hídrico);
vii. Remontagem da infraestrutura elétrica;
viii. Montagem de rodapés, incluindo fornecimento de novos elementos se necessário e pintura dos mesmos;
ix. Emassamento e pintura final.
b. Paredes interiores – área de intervenção de 73m2, com preço estimado de €7300,00;
i. Demolição da parede interior de compartimentação;
ii. Desmontagem da infraestrutura clétrica para posterior remontagem;
iii. Desmontagem de rodapés, aros e portas interiores de compartimentação;
iv. Execução de nova parede (aconselhamos em gesso cartonado porque facilita a execução do corte hídrico);
v. Remontagem da infraestrutura elétrica;
vi. Montagem de rodapés, aros e portas interiores de compartimentação, incluindo fornecimento de novos elementos se necessário e pintura dos mesmos;
vii. Emassamento e pintura final.
c. Obras complementares, com valor estimado de €8580,00;
i. Remoção dos materiais a vazadouro autorizado;
ii. Pintura do teto do compartimento;
iii. Substituição do pavimento da cave, por tijoleira cerâmica idêntica à existente, visto ser necessário a execução de drenos de ligação das caleiras interiores a executar com o poço de drenagem;
iv. Limpeza final.
d. Sistema de drenagem, com valor estimado de €2000,00;
i. Fornecimento e aplicação de quadro elétrico específico do sistema de drenagem que inclua o comando para funcionamento alternado de duas bombas, alarme sonoro para aviso de bombas avariadas e nível de água;
ii. Fornecimento e aplicação de bombas submersíveis de marca credível e com oficinas de reparação próprias;
iii. Fornecimento e aplicação de todos os elementos elétricos e de pichelaria necessários ao bom funcionamento do sistema;
iv. Fornecimento de tampa de poço com acabamento a tijoleira idêntica à existente.
20. O autor sentiu-se incomodado com a situação descrita supra e sofre com as inundações e impossibilidade de utilização da cave. 

b) factos não-provados;

21. Que as infiltrações e humidades da cave derivem:
a. da falta de isolamento da parede da casa que fica encostado ao jardim exterior, com cerca de 1,5m de altura em relação à cave;
b. falta de aplicação de isolamento de tela;
c. falta de isolamento da parede da moradia do lado das traseiras que dá para um terraço e para um pequeno quintal, com cerca de 1,5m de altura”
*
 – Da alteração da matéria de facto
Nos termos do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Para que o tribunal se encontre habilitado para proceder à reapreciação da prova, o artigo 640º, do CPC, impõe as condições de exercício da impugnação da matéria de facto.
Como se vê das alegações e conclusões de recurso, desde logo, e além do mais, o recorrente questiona basicamente a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, pretendendo o Apelante que se dê como não provados factos dos pontos 17º, 18º e 19º.
A sentença fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
“ - (pontos 17 a 19) o Tribunal valorou aqui o depoimento da testemunha BB, esposa do autor e residente no imóvel, em conjugação com as fotos juntas como docs 12 a 19 da p.i e o relatório técnico remetido com o requerimento com refª ...76 (23/05/2024); em relação a este documento, pese embora o mesmo não tenha o valor de perícia (pois as partes não responderam à notificação do Tribunal para realização de uma perícia (refª ...13 (30/.../2023)), sendo exclusivamente um documento particular, livremente apreciável pelo Tribunal (art 389º e 366º do Cód Civil), na falta de mais elementos quanto às obras necessárias e respectivos valores, consideramos este facto como provado.”
O recorrente fundamenta a sua discordância na única prova que entende ser credível: a testemunha CC, o qual tem conhecimento direto dos factos por ter estado na obra e que afirmou que o prédio não padecia de defeitos, pelo que entende que o tribunal a quo não deveria ter relevado, como fez para a conclusão dos factos provados, a seguinte prova:
- o depoimento da testemunha BB, por ser esposa do Recorrido, “motivo pelo qual o seu depoimento não é objetivo, isento e credível, pois a referida testemunha tem um interesse direto e manifesto na procedência dos presentes autos”:
- as fotografias juntas aos autos, porque “as mesmas não indicam a que prédio a que se referem, nem em que data foram tiradas, tendo inclusive a Recorrente impugnado as mesmas”;
- o documento junto pelo Recorrido que pretende ser um relatório de defeitos, e que “desconhece-se se o mesmo foi assinado por pessoa habilitada, com conhecimento técnicos na área da construção civil, sendo certo que tal documento foi impugnado por falsidade pelo Recorrente; acresce que a dita pessoa que assinou o referido relatório e que se intitulou como Engenheiro, sem juntar qualquer comprovativo das suas reais habilitações literárias, não compareceu á audiência de julgamento para depor como testemunha, tendo o recorrido prescindido do seu depoimento”.
Em suma, o recorrente entende que não foi produzida prova necessária e suficiente para que o tribunal a quo pudesse dar como provados aqueles factos dos pontos 17, 18 e 19.
Vejamos.
Prima facie, e em face desta última argumentação sobre a “suficiência da prova”, dir-se-á que o designado “ standard” de prova “ consiste numa regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira… o standard que opera no processo civil é, assim, o da probabilidade prevalecente ou “ mais provável que não”. Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais:
(i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.”[i]
Um dos exemplos que Luís Pires de Sousa dá como sendo de aplicar o standard da probabilidade prevalecente é, entre outros, no caso “ em que se discuta a cobrança de um crédito decorrente da compra e venda, na ação de responsabilidade emergente de acidente de viação ou na ação em que se discuta o cumprimento de um contrato de empreitada operará o standard da probabilidade prevalecente desde que ultrapassado o limite mínimo de probabilidade” ( in ob cit, p. 175).
Em suma, como não se pretende, nem é de todo possível alcançarmos uma verdade absoluta, o que podemos obter é uma verdade provável, caracterizada pelo seu grau de probabilidade, que permita que o litígio seja resolvido de uma forma justa. O enunciado fáctico que será considerado verdadeiro, será aquele que beneficiar de um maior grau de probabilidade.
Aquele mesmo autor ( Luís Pires de Sousa, in ob cit,p. 172) ainda conclui que “ as regras do ónus de prova são subsidiárias no sentido de que apenas operam, se necessário, posteriormente à valoração da prova”.

Aplicando estas considerações ao caso em apreço, desde já se dirá que, analisada toda a prova produzida nos autos, a versão factual apresentada pelo Autor se revela com uma probabilidade prevalecente relativamente à versão factual avançada pelo Réu, não havendo razões para considerar débil a confirmação da hipótese plasmada na petição inicial e para, com esse argumento, no que respeita à existência das anomalias registadas pelo autor e fazer operar as regras do ónus da prova.
Senão vejamos.
Em primeiro lugar e ao contrário do defendido pelo Réu/recorrente, entendemos que, o depoimento da testemunha BB, esposa do autor, analisado e devidamente ponderado de acordo com o critério da livre apreciação da prova, tendo em consideração a respetiva coerência interna, a fluidez e a riqueza de pormenores que contem, constitui um forte contributo para que o tribunal com base nele forme uma “prudente convicção sobre a verdade ou a plausibilidade dos factos probandos” (cf. art. 607.º, n.º 5, 1.ª parte, CPC).
É certo que se a credibilidade ou não de um depoimento se pode depreender do próprio conteúdo, muitas vezes a conclusão final sobre o respetivo valor só se alcança quando tal conteúdo “é enquadrado com a restante prova produzida, permitindo aferir da existência de linha de continuidade entre esse depoimento e o conjunto do material probatório recolhido” (acórdão do STJ de 04.04.2018 e AC deste TRG de 13-09-2018, ambos in dgsi).
Procedendo, pois, a tal enquadramento, verificamos que, no caso, o depoimento da testemunha BB, esposa do autor não se mostra desacreditada pela restante prova produzida: pelo contrário, é corroborado pelo depoimento da testemunha DD, irmã de BB e visita frequente na casa, bem como de ..., empregada doméstica do autor, as quais relataram a permanência da inundação na cave e consequências da mesma nas paredes e portas e o funcionamento frequente das bombas, revelando ter conhecimento direto dos factos e de uma forma objetiva, pese embora a relação de parentesco e profissional – e pelos documentos juntos aos autos ( emails, que nas datas respetivas retratavam tal realidade) e ainda pelo próprio depoimento da testemunha arrolada pelo réu, CC, funcionário da ré que trabalhou na construção do imóvel, o qual relatou, aliás em consonância com as restantes testemunhas ouvidas, a colocação da bomba de extração de água, bem como a construção de um poço no quintal, com vista a colmatar e resolver o problema das inundações na cave. E estas intervenções levadas a cabo pela ré após a venda da moradia e na sequência dos emails a denunciar aqueles defeitos apenas poderão significar, sem grande apelo às regras da experiência comum, o seguinte: um reconhecimento por parte da ré dos defeitos em causa respeitantes às inundações na cave, como iremos analisar infra. Por outro lado, e também sem grande apelo às regras da experiência comum e do normal acontecer nestes contextos, é consabido que aquele grau de humidade causado por infiltrações na cave ( ponto 15 e 16º dos factos provados não foram impugnados) naturalmente e com muita probabilidade mancha as paredes e descola a cerâmica, infiltrando-se a humidade nos apainelados, aliás factos descritos pelas testemunhas ouvidas, nomeadamente a testemunha ali residente BB, sua irmã DD e que ali se desloca frequentemente e ainda EE, empregada doméstica desde janeiro de 2019, pelo que tais depoimentos são verosímeis.
Assim sendo, e descritas pelas testemunhas, em uníssono, as paredes manchadas e caixilharias e apainelados das portas interiores com humidade, aliás já denunciadas nos emails juntos aos autos, são as mesmas verosímeis atentas as inundações graves na cave ( e isto é matéria não discutida), pelo que, e sem grande apelo às regras da experiência comum, e dado o seu aspeto decorrente daquelas descrições e função, conforme resulta da descrição feita pelas testemunhas ( por exemplo, ( “ tudo descascado até um metro de altura”, “ paredes ficaram pretas” “ humidade vai pelas paredes acima”, “ as portas foram retiradas”, como referiu a testemunha EE; “ humidade até interruptores da luz e tinta a descascar”, “ 3 portas lacadas de branco incharam e não fecham nem abrem, e uma delas está lá encostada”, como referiu a testemunha BB), também com muita probabilidade carecem de reparação- substituição e pintura ( aliás como já tinha ocorrido anteriormente, com a retirada da cerâmica e pintura das paredes pelo próprio réu, conforme depoimento da testemunha BB, mas não alegado na p.i), pelo que entendemos que aquela matéria dos pontos 17º e 18º apenas poderá merecer resposta positiva, tal como foi dada pelo tribunal a quo.
O que dizer da ponderação do registo fotográfico junto com a petição inicial?
São documentos particulares que apesar de impugnados, estão sujeitos à livre apreciação do tribunal. Em verdade, aquela alegada “impugnação por falsidade” não colhe como tal incidente previsto na lei, quando é consabido que “ Não é admissível a arguição de falsidade de documento particular, servindo a sua arguição como impugnação do mesmo” ( vide neste sentido AC STJ de 3/05/1996, processo 96B021, disponível em www.dgsi.pt] solução que se coaduna com o disposto no artigo 193º n.º 3 do Código de Processo Civil (vd. Luís Filipe Pires de Sousa, “ Direito Probatório Material, 2 ª ed., pág. 156).
Destarte, ficaram aqueles documentos sujeitos à livre apreciação pelo Tribunal.
Mutatis mudandis, dir-se-á a respeito do documento junto aos autos e designado “ levantamento de defeitos de construção de edifício” com referência à morada do autor e que o réu impugnou alegando novamente “falsidade”, pelo que o mesmo estará sujeito à livre apreciação do tribunal, pelas mesmas razões supra analisadas.
Sem embargo, deverá dizer-se que ouvida toda a prova testemunhal produzida, na verdade, nenhuma das testemunhas foi confrontada em audiência de julgamento com o registo fotográfico junto aos autos como sendo referente à moradia do autos e nem sequer com aquele documento designado “ levantamento de defeitos em edifício” onde se assinala ter sido elaborado por engenheiro, mas sem qualquer outra comprovação ( nem sequer foi ouvido como testemunha, nem identificado com as devidas credenciais, de modo a ser identificado como engenheiro civil ou arquiteto ou técnico da área da construção civil).
Por isso, e apesar de tal circunstância não tolher o tribunal de os valorizar tendo em conta o já citado princípio da livre apreciação da prova (cfr. artigo 607.º, nº 5 do CPC), na verdade, e atenta a sua impugnação e à mingua de qualquer  outro meio de prova que faça a sua correspondência com a moradia em causa e corroboração, não têm aqueles elementos a virtualidade para comprovar in totum seja as obras, em concreto, necessárias à reparação dos defeitos em causa ( estes sim descritos pelas testemunhas, conforme analisamos), seja o valor das mesmas.
Por tudo o exposto, aquele ponto 19º terá de sofrer resposta negativa.
Consigna-se que ao contrário do que defende o recorrente, esta conclusão não se retira do facto não provado nº21, ou seja, pela circunstância de não se ter provado a origem das infiltrações na cave, conforme versão do autor, quando era ao réu que incumbia tal prova ( cfr. art. 344º nº1 do CC, enquadrando-se o caso no regime do art. 913.º, n.º 1, do CC, enquanto vícios que impedem ou, pelo menos, afetam gravemente, a realização do fim a que a coisa se destina – residência permanente do A. – e a desvalorizam)). Com efeito, é ao vendedor que incumbe o ónus da prova de que a causa do mau funcionamento é posterior à entrega da coisa e imputável ao comprador ou a terceiro, ou devida a caso fortuito».[ii][iii][iv][v][vi]
Consequentemente, no caso sub judice, era à vendedora/construtora, ora Ré/Apelante que incumbia o ónus da prova de que a causa ou causas das apontadas deficiências detetadas na moradia por ela vendida (e construída) ao Autor/Apelado eram imputáveis a este ou a terceiro ou eram devidas a caso fortuito.
Assim sendo, basta ao autor alegar e provar a existência do defeito, mesmo sem ter que provar a sua causa, ficando o réu com o ónus de alegar e provar que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua para afastar a responsabilidade, como se irá analisar infra.
Por outro lado, incumbia ao autor provar o valor concreto das obras necessárias à eliminação do defeito, o que não logrou fazer ( cfr. art. 342º do CPC), restando apenas a prova da existência do defeito e a necessidade de serem levado a cabo obras em valor não apurado.
Mais se consigna que o ponto 5º dos factos provados, é matéria assente por acordo entre as partes, e conforme alegação reporta-se à data de 26-09-2018 ( cfr a alegação aduzida na p.i. no art. 5º e aceite pelo Réu), pelo que deverá sofrer retificação em conformidade e passar a constar tal data e não a que por lapso ali ficou a  constar.
Assim sendo passará o ponto 5º a ter a seguinte redação: “ A moradia referida em 1) foi entregue ao autor e sua esposa em 26-09-2018”.
*
IV-
 A factualidade (provada) a atender para efeito da decisão a proferir é a que consta em III supra, com a retificação do ponto 5º dos factos provados, e não prova do ponto 19º, conforme supra.
*
V. Reapreciação de direito.

Cabe agora verificar se deve a sentença apelada ser revogada/alterada, em razão da pretendida alteração da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo – no seguimento da impugnação do apelante - decidindo-se pela improcedência da ação.
Como resulta das conclusões do recurso dos apelantes, é manifesto que a pretendida alteração da decisão, na parte da matéria de direito, dependia integralmente da modificação/alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo.
Analisaremos se a alteração introduzida tem algum reflexo no desfecho da ação.
Antes, porém, ter-se-á de apreciar a questão da caducidade do direito de ação e do direito de denúncia e que passa pela apreciação do regime jurídico aplicável ao contrato celebrado entre as partes.
A decisão recorrida apreciou a questão da caducidade do direito de denúncia e de ação do autor, tendo concluído não ter ocorrido caducidade dos mesmos.
O réu persiste na alegação já aduzida na contestação, da caducidade do direito de denúncia ( a partir da primeira denúncia ocorrida em 18-03-2020 e repetida nos anos seguintes e não tendo sido proposta a ação no ano seguinte) e ainda, atenta a propositura da ação ( 25-09-2023) e entrega do imóvel (26-09-2018), quando o réu é citado ( em outubro de 2023), já tinham decorrido mais de cinco anos.
Prima facie, importa relembrar o regime jurídico em causa quer quanto ao contrato celebrado entre as partes, quer em geral quanto à caducidade.
Em causa está, na discussão da questão de direito suscitada, o regime jurídico da venda de coisa defeituosa.
Com efeito, atenta a prova produzida, A e R. realizaram um contrato de compra e venda de imóvel, disciplinado, para além das suas regras próprias-  Art. 874º a 938º do C. Civil( com as devidas adaptações)- , pelos princípios comuns a todos os contratos- Art. 405º e ssg. e pelos princípios comuns a todos os negócios jurídicos consagrados na parte geral do Código Civil- Art. 217º e ssg.
Em face do Art. 879º do C.C. um dos efeitos do contrato de compra e venda é a obrigação de entrega da coisa( sem defeitos).
A lei designa no art. 913º do CC o que se entende por defeitos, sendo certo que a lei parifica os vícios e falta de qualidade da coisa vendida.
Perante uma venda de coisa defeituosa, o comprador tem várias hipóteses ao seu alcance: tem o direito de anular o contrato, no caso de erro ou dolo; tem o direito de pedir a reparação ou substituição da coisa; a redução do preço e até indemnização pelos prejuízos que lhe forma causados, nos termos gerais da responsabilidade civil( no caso de o contrato não ter sido anulado).
Diz a lei ainda que o vendedor não tem, contudo, que proceder à reparação ( e não tem o dever de indemnizar, nos termos do art. 915º CC) se desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que ela padecia, sendo certo que incumbe ao mesmo alegar e provar o desconhecimento do vício ou defeito da coisa.
“Á primeira vista, por força do art. 915º do CC, afastava-se a hipótese de responsabilidade objectiva do art. 909º. Porém, este “ desconhecimento sem culpa” por parte do vendedor, deverá ser interpretado de forma restritiva. O vendedor profissional deve considerar-se sempre onerado com o dever de conhecer os vícios da coisa vendida. Por duas razões: primeiro, porque sendo um profissional na venda daquele outro produto, tem a obrigação de se aperceber dos vícios de que a coisa padece; se segundo, porque só assim se protegem cabalmente os interesses do consumidor”( in “ A garantia contra os vícios da coisa na compra e venda e empreitada”, Comentário de Menezes Cordeiro ao Ac. Do STJ de 23.02.88, in Tribuna da Justiça, nº4 e 5 ( Junho/Set. De 1993, p. 187).
Tudo isto, pese embora, não se olvidar que o vendedor por vezes é um mero intermediário na circulação dos bens, um simples elo da cadeia de distribuição, pelo que os defeitos materiais do bem lhe podem passar despercebidos.
Contudo, no caso sub judicio, não foi alegado sequer tal factualidade e a mesma não se verifica, tratando-se a R de vendedor e construtor, atenta a leitura dos contratos em causa e seus anexos.
Assim sendo, ainda tem pertinência trazer à colação o disposto no art. 1225 do CC.
Nos termos do Art. 1225º, nº1 do CC “ Sem prejuízo do disposto nos arts. 1219º e ssgs, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega... a obra ... apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente”.
E no seu nº2 estipula-se que “  a denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia”.
E, nos termos do nº4 da citada disposição legal “ O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado”.
Com efeito, adota-se aqui um conceito amplo de construtor na previsão do nº. 4, do artº. 1225º, a qual tanto abrange o construtor direto, como o que profissionalmente constrói diretamente ou mediante contratos com terceiros para vender a adquirentes/consumidores ( vide neste sentido, AC RL de 5-3-2020, proc. 3490/14.0TBCSC.L1), o que é o caso.
Acresce dizer ainda que, para além das normas do CC, e contemplando a compra e venda de coisas defeituosas, existem outras normas contidas num diploma avulso e que têm de ser trazidas à guisa: DL 67/2003, posteriormente alterado e revogado pelo DL 84/2008 de 21 de maio ( atualmente está em vigor DL 84/2021, mas aqui não aplicável atenta a entrada em vigor e data do contrato) e aqui aplicável, uma vez que estamos perante uma compra e venda de consumo, realizada entre um consumidor (arts.1°/2,a) da diretiva, 2° da LDC e 1°-B,a) do DL) que adquiriu o bem ( imóvel) de consumo com fim não profissional (ou seja, em vista da satisfação das suas necessidades pessoais e familiares- com vista a habitação) a um profissional (sociedade vendedora/construtora), no exercício de uma atividade económica que visa a obtenção de lucros, sendo certo que para os prazos rege o art. 5º e 5ºA e quanto aos direitos ao dispor do credor rege o art. 4º.
*
Quanto o regime geral da caducidade, dir-se-á o seguinte:
Prescreve o Artigo 329.º, do Código Civil, que o prazo começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.
E só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo (cfr. artigo 331.º, n.º 1 do Código Civil). Admite a lei – n.º 2, do citado preceito – que sendo o direito disponível, a caducidade, quer legal, quer convencional, possa ser impedida pelo reconhecimento do direito feito por aqueles contra quem o mesmo poderia fazer-se valer- cfr. Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, no BMJ, 107 pág. 232.
O mesmo vem a afirmar na RLJ, Ano 107, pág. 24, que «A caducidade é estabelecida com o fim de, dentro de certo prazo, se tornar certa, se consolidar, se estabelecer determinada situação jurídica; por isso, o reconhecimento impeditivo da caducidade tem de ter o mesmo efeito de tornar certa a situação».
Sobre a caducidade do direito de exigir a reparação dos defeitos do imóvel ao empreiteiro vendedor e o reconhecimento desses mesmos defeitos por parte do empreiteiro, afirma-se no Ac. do STJ, datado de 10-12-2019, disponível in dgsi(…) “ Da exegese do citado n.º 2 do art.º 331º do Código Civil decorre que, estando em causa direitos disponíveis, como é o caso trazido a Juízo, e estando fixado por disposição legal um prazo de caducidade, impede essa caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido, neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in, Código Civil Anotado, I, Coimbra Editora, 3ª Edição Revista e Actualizada, em anotação ao art.º 331º, página 294, ao sustentar, citando Vaz Serra, in, BMJ n.º 118, Prescrição e Caducidade, aliás mencionados nas doutas alegações recursivas “O reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do reconhecimento que interrompe a prescrição, não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida” sublinhando “O que pode acontecer é que a lei sujeite o exercício do direito a um novo prazo de caducidade (cfr. por exemplo, os artºs 916º e 917º). Quando tal não se verifique, o direito reconhecido passará a ficar subordinado às regras da prescrição, se se tratar de um direito prescritível”, no mesmo sentido, Vaz Serra, in, Revista de Legislação e Jurisprudência Ano 107º, n.º 3515, página 24 “Se o direito for disponível, e for reconhecido pelo eventual beneficiário da caducidade, não constitui o reconhecimento um meio interruptivo da caducidade, pois a circunstância de esse beneficiário reconhecer o direito da outra parte não tem o efeito de inutilizar o tempo já decorrido e abrir novo prazo de caducidade (como aconteceria na prescrição): o reconhecimento impede a caducidade tal como a impediria a prática de acto sujeito a caducidade. Na verdade, se o direito é reconhecido pelo beneficiário da caducidade, não faria sentido que se compelisse o titular a pedir o reconhecimento judicial do mesmo direito ou a praticar, no prazo legal, qualquer outro acto sujeito a caducidade (…). O reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do interruptivo da prescrição, não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida, tal como se tratasse do exercício da acção judicial. Pois, com efeito, se o direito é reconhecido, fica definitivamente assente e não há já que falar em caducidade (…) O reconhecimento impede a caducidade de um direito disponível porque, feito ele, seria violento e absurdo que o titular do direito tivesse, não obstante o reconhecimento do seu direito, de praticar o acto sujeito a caducidade. Assim, tratando-se de prazo de caducidade do direito de propor uma acção judicial, não seria razoável que o titular desse direito tivesse de propor a acção no prazo legal apesar de a parte contrária haver já reconhecido o direito. A caducidade pode ser impedida, mas não interrompida ou suspensa. Como afirma Aníbal de Castro o impedimento corresponde à efectivação do direito, não gera novo prazo, ficando o direito definido sujeito às disposições que regem a prescrição. Ou antes, esgotando-se ou exaurindo-se, com o exercício, o direito caducável, o que porventura surgir, em consequência desse exercício, ficará sujeito, não ao regime anterior, mas àquele a que houver mister recorrer-se, se for caso disso. O impedimento da caducidade, como se escreveu no ac. S.T.J., de 1998/.../25, não tem como efeito o início de novo prazo, mas o seu afastamento definitivo”, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Novembro de 2009 (Processo n. 4073/04.9TBMAI.P1).”.[vii]
Perfilhando a enunciada orientação também no Ac. da RL de 17-03-2022, in dgsi, entendeu-se que a caducidade pode ser impedida pelo reconhecimento do direito por parte do seu beneficiário nos casos, além dos mais, em que estão em causa direitos disponíveis, conforme disposto no n.º 2 do art. 331.º do Código Civil. Sendo certo que a doutrina e a jurisprudência têm apontado como requisitos do reconhecimento do direito: a concretude; a clareza; e a inequivocidade. Note-se que, ademais, a declaração de reconhecimento do direito por parte do beneficiário da caducidade, não tem de ser necessariamente expressa, podendo ocorrer, validamente, de modo tácito (nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do art. 217º do Código Civil).
No caso sub judicio, não se discute que as denúncias ocorridas sobre várias anomalias ocorridas na moradia do autor foram efetivadas no decurso do prazo de cinco anos previsto na lei.
Com efeito, resulta dos factos provados que após a entrega do imóvel ...18, o autor foi procedendo a diversas denúncias de defeitos entre ../../2020 e ../../2023 (pontos 5 a 14), tendo a presente ação sido autuada em 25/09/2023; pelo que ainda que, a este respeito, se considere a denúncia relevante para efeitos de contagem do prazo a última realizada em ../../2023, então temos o seguinte quadro: tendo a ação sido autuada em 25/09/2023, consideramos ter sido respeitado o prazo de um ano previsto no art 1225º, n.º2, 2ª parte do Cód Civil e dentro dos cinco anos. O mesmo se passa em relação aos prazos previstos no DL 67/2003.
A decisão recorrida ainda acrescenta que “ após a primeira denúncia, a ré se deslocou ao imóvel e realizou as intervenções descritas no ponto 7, a saber, (a) a criação dos dois poços de escoamento de água da cave e (b) a instalação de bombas de extração de água da cave, cremos que a ré reconheceu a existência dos defeitos, o que funciona como causa impeditiva da caducidade, nos termos previstos no art 331º, n.º 2 do Cód Civil.”.
Ora, desde já se diga que desde a primeira denúncia de 18-03-2020 e que, além do mais, denunciava as inundações na cave e consequências das humidades provocadas, como seja, a cerâmica a descolar, a tinta das paredes a descascar ou cair e as portas sem fechas, logo o réu nessa sequência se deslocou à moradia e realizou algumas intervenções, nomeadamente a criação de dois poços de escoamento de água na cave e instalação de bombas de extração de água na cave ( cfr. ponto 7 dos factos provados).
Ou seja, perante aquela denúncia, a ré tomou conhecimento desse vício/desconformidade e ao ordenar a respetiva reparação do problema da inundação da cave com a realização de dois poços e instalação de bombas para extração de água da cave, pelo menos, reconheceu, inequívoca e claramente, o direito do autor à reparação/eliminação dessa desconformidade.
Este comportamento da ré não pode ter outro entendimento que não seja o reconhecimento do direito do autor à reparação/eliminação das infiltrações/inundações de água na cave e consequências das mesmas: tinta a descascar nas paredes, cerâmica a descolar e portas sem fechar, tudo ao nível da cave ( e que percebemos pela audição dos depoimentos das testemunhas é ao mesmo nível da garagem, e escritório, tudo na cave).
A essa luz, perante o reconhecimento inequívoco do direito do autor à reparação da desconformidade, fica impedida, como vimos, a caducidade desse direito nos termos do artº 331º nº 2 do CC, pelo que torna-se irrelevante a citação do réu em outubro de 2023.
Já o mesmo não se dirá a respeito das demais desconformidades que foram denunciadas mas que não foram alvo de intervenção, nem de reconhecimento, nem de propositura da devida ação no prazo de um ano após a denúncia, logo em relação a estas, sim, estará caducado o direito de ação ( por exemplo a respeito do sistema de rega, flutuante da cozinha, extratores do wc, etc).
Não pode, assim, proceder a posição da ré apelante, no que respeita às infiltrações de água na cave.
É oportuno chamar à colação o acórdão do STJ, de 24/09/2009 (Lopes do Rego) “…não seria aceitável, nem conforme aos princípios da boa fé e da confiança, «forçar» o comprador a propor em juízo acção visando o reconhecimento do seu direito e a condenação do réu a efectivá-lo quando o comportamento da contraparte sugere claramente uma aceitação do «núcleo essencial» do seu direito e vem manifestando disponibilidade prática para o realizar, através das intervenções técnicas aparentemente adequadas, sem necessidade de recurso à via judiciária: na realidade, a propositura de acção na pendência desta situação implicaria normalmente a falta do pressuposto processual «interesse em agir», por o direito invocado não estar, nesse momento, carecido de tutela judiciária, inexistindo um litígio actual e efectivo entre os contraentes - o qual, naturalmente, apenas se desencadeará no momento em que o vendedor, invertendo a posição inicialmente assumida, passar a recusar a existência e o dever de reparação dos defeitos da coisa que ainda subsistam.”.
Consigna-se que por esse motivo ( o reconhecimento) igualmente torna-se falaciosa a questão suscitada pelo recorrente quanto ao facto de as denúncias serem da autoria da mulher do autor, aqui testemunha, e nenhuma ter sido feita pelo próprio  autor, tudo para ainda sustentar a caducidade do direito de ação.
Por tudo o exposto, o prazo para o exercício do direito de ação por parte do Autora mostra-se devidamente cumprido, o que determinava, também neste enquadramento, o não reconhecimento da aludida exceção perentória de caducidade.
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Ora, atenta a prova produzida é indubitável que se provaram os defeitos ( seja enquadrando no art. 913º do CC ou no DL 67/2003) e respeitantes às infiltrações de água na cave e suas consequências nas pinturas da parede, cerâmica descolada e portas sem abrir.
Assim sendo, é quanto basta ao autor/ comprador ter provado a existência do defeito, não lhe competindo provar a sua origem e a sua anterioridade relativamente à venda e entrega do bem, cabendo ao vendedor/construtor, ora réu, ilidir essa presunção, provando que o defeito tem origem posterior à sua entrega, tal como lhe cabe demonstrar as suas causas, pois trata-se de matéria de exceção – facto extintivo do direito, o que não logrou fazer, aliás, conforme já supra mencionámos, pelo que cai pela base a conclusão LI) quanto ao nexo de causalidade entre os danos e o comportamento da ré.
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E o que dizer sobre o pedido formulado de indemnização quando na ótica do recorrente apenas poderia ter lugar caso não fosse reparado ou a reparação fosse excessivamente onerosa?
No caso vertente, alega o Autor que a moradia vendida padece de defeitos vários, que enumera – defeitos esses impugnados pelo Réu –, pretendendo o demandante a condenação do demandado – no essencial – a pagar-lhe o custo da respetiva eliminação segundo orçamento também alegado pelo demandante e uma indemnização por danos não patrimoniais alegadamente por si sofridos devido a tais defeitos.
Relativamente aos mecanismos ao dispor do comprador não é consensual na doutrina o entendimento segundo o qual estes tenham necessariamente de ser exercidos numa determinada ordem.
Para uma parte da doutrina e jurisprudência[viii] existe uma sequência lógica entre os diferentes meios de tutela (primeiro o vendedor deve tentar eliminar o vício, não conseguindo ou sendo demasiadamente oneroso, deve substituir a coisa, frustrando-se estas pretensões, pode ser exigida a redução do preço cumulativamente com uma indemnização pelo interesse contratual negativo; mas não sendo nenhum destes meios adequados e satisfatórios, resta ao comprador recorrer à resolução do contrato). Com base no entendimento de Pedro Romano Martinez, os meios ao dispor do comprador não podem ser exercidos em alternativa porque “enquanto o cumprimento da prestação acordada for possível, mediante a eliminação do defeito ou através da sua substituição, não pode estar aberto o caminho para a resolução do contrato, nem para a redução do preço” ( in ob cit.). Para esta corrente doutrinária, deve evitar-se recorrer a meios mais drásticos e, por isso, privilegiar a reparação ou a substituição; no caso de não ser possível a primeira, deve possibilitar-se ao vendedor a hipótese de ele reparar o cumprimento defeituoso antes de o comprador recorrer à resolução do contrato.
 No entanto, para outra doutrina, os diversos direitos podem ser exercidos autonomamente sem qualquer sequência lógica.[ix]
 O comprador pode, conforme lhe aprouver, requerer a anulação do contrato desde que estejam preenchidos os pressupostos legais da anulação por erro ou por dolo, reduzir o preço com o direito a uma eventual indemnização ou pedir a reparação ou substituição da coisa. Contudo, a escolha deve ser conforme ao princípio da boa-fé. Seguem esta tese os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça em 18/12/2008 e em 06/.../2007. Neste segundo, o STJ entendeu que um “comprador pode escolher e exercer autonomamente a ação de responsabilidade civil pelo interesse contratual positivo decorrente do cumprimento defeituoso ou inexato, presumidamente imputável ao devedor, sem fazer valer outros direitos, ou seja, sem pedir a resolução do contrato, a redução do preço ou a reparação ou substituição da coisa”.
Segundo MORAIS CARVALHO, pese embora a jurisprudência, num primeiro momento, tivesse oscilado entre as duas soluções, ora decidindo no sentido da existência de hierarquia, ora concluindo que o consumidor podia exercer qualquer um dos direitos imediatamente, com o limite do abuso do direito, a jurisprudência dominante atual vai neste último sentido, ou seja, da inexistência de hierarquia.[x]
Temos para nós e em defesa de uma posição intermédia, tal como ocorreu nos Acs da RC de Ac RC de 01.03.2016, Proc.º 1684/08.7TBCBR.C1, e ACRL de 6-7-2017, proc.899/17.1YRLSB-8, que como ali se sustenta “ Perante o defeito da coisa, o consumidor tem o direito à reparação, à substituição, à redução do preço, à resolução, e à indemnização, mas sem qualquer hierarquização de direitos, embora não se prescinda de uma “eticização da escolha” através do princípio da boa-fé e da cláusula do abuso de direito”.
Com refere Fernando Gravato Morais ( in União de Contratos de Crédito e de Venda para o Consumo, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 117 e 118.), “o DL 67/2003 contém uma ordem sequencial não arbitrária para o exercício dos referidos direitos”. Conforme se lê no Acórdão do TRL de 06/07/2017 (Processo 899/17.1YRLSB-8),“ à luz do princípio da boa fé (e concretamente do instituto do abuso de direito incluído na boa fé objectiva) poderá impor-se sempre o recurso por parte do consumidor ao exercício de um dos direitos teoricamente ao seu dispor, ainda que porventura o mesmo manifestasse e compreensivelmente preferência pelo exercício de outro direito que lhe fosse mais conveniente: em termos gerais, pode então dizer-se que a escolha do consumidor se encontra limitada, à luz do que dispõe o artigo 4º, nº 5, do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril, pelo respeito pelo princípio da boa fé, pelo que a sua pretensão de substituição do bem terá de ser recusada “quando, e perante pequena anomalia ou defeito facilmente reparável, o vendedor se dispõe a repará-la prontamente”.
Também foi esta a posição recentemente assumida no Ac deste TRG de 21-03-2024, proc. 1007/17.4T8VCT.G1 ( ij dgsi), em cujo sumário se lê:
 “- O regime do Decreto-Lei n.º 67/03 prevalece sobre os arts. 913º, 916º e 917º do Cód. Civil no que se refere à matéria dos defeitos/conformidade da coisa vendida com o contrato e dos prazos de denúncia dos defeitos e caducidade de acção, dada a relação de especialidade, com tratamento mais favorável ao consumidor daquele primeiro diploma legal.
- O consumidor pode exercer qualquer um dos direitos previstos no art. 4º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 67/2003 – reparação, substituição do bem, redução do preço ou resolução do contrato –, imediatamente, com o limite do abuso de direito.”
No caso sub judicio, cremos que atentos os factos dados como provados, é indubitável que houve cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda, na medida em que a casa vendida apresentava defeitos que permitem qualificar o cumprimento como defeituoso, inexato ou imperfeito, de tal modo que ocorreu um incumprimento definitivo, visto que no âmbito extraprocessual a ré procedeu a reparações, mas que não resultaram nem foram solução para a infiltração de água na cave, pelo que a prestação não foi cumprida e após nova denuncia nada fez a ré (art.º 808.º, n.º 1, do Código Civil), o que dava ao autor o direito de exigir do réu a reparação da casa nos termos do citado art.º 914.º, caso se enquadrasse aí a hipótese e indemnização pelo dano excedente ou em qualquer uma das hipóteses contempladas no art. 4º do DL 67/2003, aqui aplicável, como já vimos.
No entanto, não é desta indemnização que se trata nem daquele direito específico, mas de indemnização, nos termos gerais, acima referidos e que foi pedida e a que tem direito.
No contexto fáctico apurado é de concluir que a utilização do meio legal de indemnização em termos gerais pedida pelo A./Recorrido, atentas as circunstâncias do caso concreto, não envolve a violação da boa-fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico do direito em causa.
Desde logo, não deixa igualmente de se assinalar não resultar dos autos que o A./Recorrido em momento algum agiu de modo não condizente com a conduta que anteriormente assumira, atuando, sim, de acordo com os ditames da boa fé. O mesmo é dizer que não se evidencia que o A./recorrido/consumidor tenha incorrido no exercício ilegítimo do direito de opção que a lei lhe confere.
O autor propõe-se fazer as obras de reparação adequadas, depois de, em vão, ter reclamado da ré a eliminação dos defeitos retratados no n.º 7 dos factos provados e que já a ré tentou eliminar ( fazendo dois poços e instalando bombas de extração de água), mas igualmente não resolvidos, pois atualmente continuam as graves inundações na cave ( cfr. ponto 7 e 15 dos factos provados).
Sem embargo, não se provou o custo da reparação em ordem a fixar-se a indemnização devida, pelo que ter-se-á de relegar o valor da mesma e sua liquidação para execução de sentença.
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No que respeita aos danos não patrimoniais, alega o recorrente que o autor não fez prova dos mesmos, apenas se provaram “ incómodos”.
Salvo o devido respeito, não concordamos.

Com efeito, neste particular, provou-se que:
“ 20. O autor sentiu-se incomodado com a situação descrita supra e sofre com as inundações e impossibilidade de utilização da cave”.
Ou seja, não se provaram meros incómodos, mas sim que o autor sente-se incomodado e sofre com as inundações na cave por via da impossibilidade de utilização da cave (que alberga ainda a garagem e escritório, conforme foi por nós percecionado aquando da audição dos depoimentos testemunhais).
Ora, cremos que, no caso, estamos em presença de uma situação que se situa dentro do aludido patamar de gravidade superior que a lei erige como pressuposto para atribuição de uma compensação por danos de natureza não patrimonial, uma vez que revestem uma gravidade objetiva tal que podem ser enquadráveis no disposto no artº 496.º n.º 1 do Cód. Civil, não sendo despiciendo sublinhar que o prejuízo sofrido pelo autor com a privação daquele espaço não foi alvo sequer de pedido de indemnização, nomeadamente a privação de um espaço para o fim a que destinava, com todos os incómodos que lhe acarretou por ser alvo de várias inundações na cave, pelo que deverá uma indemnização por tais danos compensá-lo pelas “dificuldades acrescidas” que o comportamento da ré ( ou a sua omissão na falta de reparação/eliminação pronta) implicou para a sua (dele, autor) vida pessoal e familiar.
Improcedem, por isso, as demais conclusões recursivas.
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V- DECISÃO

Pelo exposto, acordam as Juízes que constituem este Tribunal:
A) em julgar parcialmente procedente a apelação, e em consequência, deverá ser substituída a decisão recorrida por outra em se condene a ré a pagar ao autor uma indemnização correspondente ao valor das obras necessárias para a reparação dos defeitos denunciados e reconhecidos pela Ré- reparação/eliminação das infiltrações na cave, e ainda pintura das paredes da cave e colocação da cerâmica na cave, relegando-se o valor da mesma e sua liquidação para execução de sentença.
B) no mais confirma-se a decisão recorrida.
C) Custas da ação e apelação pelo apelante e apelado, na proporção do seu decaimento.
Notifique.
Guimarães, 18 de dezembro de 2024

Relatora: Anizabel Sousa Pereira
 Adjuntas: Maria Amália dos Santos e
Sandra Melo                      


[i] Luís Filipe Pires de Sousa “ Prova Por Presunção no Direito Civil, p. 165, 169, 3ª ed ( 2017). Vide nesta obra as crescentes referências à doutrina nacional ( p. 172) e jurisprudência nacional ( p. 173) sobre a especial atenção ao standard de prova
[ii] Ac. do STJ de 3/4/1991 (Proc. nº 079799; Relator: RICARDO DA VELHA), cujo sumário pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
[iii] Cfr., também no sentido de que «ao comprador basta fazer prova do mau funcionamento da coisa no período de garantia, sem necessidade de identificar ou individualizar a causa concreta impeditiva do resultado prometido e assegurado, nem de provar a sua existência no momento da entrega, competindo ao vendedor que queira ilibar-se da responsabilidade, a prova de que a causa concreta do mau funcionamento é posterior à entrega», o Ac. da Rel. do Porto de 24/.../2008, proferido no Proc. nº 0856163 0856163e relatado pela Desembargadora MARIA ADELAIDE DOMINGOS (in dgsi.pt).
[iv] Cfr., igualmente no sentido de que «ao comprador basta provar a existência do defeito, não lhe competindo provar a sua origem e a sua anterioridade relativamente à venda e entrega do bem, cabendo ao vendedor ilidir essa presunção, provando que o defeito tem origem posterior à sua entrega, tal como lhe cabe demonstrar as suas causas, pois trata-se de matéria de excepção – facto extintivo do direito», o Ac. da Relação de Lisboa de 17/1/2008, proferido no Proc. nº 2093/07-2 2093/07-2e relatado pelo Desembargador MANUEL MARQUES (in dgsi.pt).
[v] Cfr., por exemplo, no sentido de que, «não se apurando qual a causa de um curto-circuito que determinou a avaria de uma máquina de filmar é responsável pela reparação o vendedor», o Ac. da Rel. do Porto de 27/3/2006, proferido no Proc. nº 0650794 e relatado pelo Desembargador ABÍLIO COSTA (in dgsi.pt).
[vi] Cfr., também no sentido de que «na compra e venda a presunção de conformidade consubstancia a ideia de que as mercadorias pela sua qualidade, quantidade e tipo correspondem às previstas no contrato», sendo que «dessa presunção de conformidade decorre a desnecessidade de, uma vez provada a existência de defeito, se impor ainda ao comprador a prova acrescida de que tal defeito não ocorreu supervenientemente à compra e venda», pelo que «incumbe, assim, ao vendedor o ónus de provar ou que o comprador sabia, quando comprou, da não conformidade ou que foi ele quem deu causa ao defeito (artigo 342º/2 do Código Civil)», o Ac. desta Relação de Lisboa de 8/6/2006 (Proc. nº 2483/2006-8; Relator – SALAZAR CASANOVA), in dgsi.pt.
[vii] Perfilhando este entendimento ainda AC. RE de ....05.2017 ( relator Bernardo Domingos) e ainda Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 9 de Setembro de 2015 (Processo n.º 3137/09.7TBCSC.L1.S1),  Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 2018 (Processo n.º 267/12.1TVLSB.L1.S1), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Setembro de 2014 (Processo n.º 1857/09.9TJVNF.P1.S1), e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Maio de 2013 (Processo n.º 1079/06.7TBMTS.P1.S1).
[viii] Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso…, cit., p.392; na jurisprudência, neste sentido os ac. STJ, proc.3362/05.TBVCT.G1.S1 de 25/10/2012, 1288/08.4TBAGD.C1.S1 de 24/05/2012 e do TRC, proc.92/....7T2SVV.C1 de 25/06/2013.
[ix] É o caso de Calvão da Silva, Compra e Venda…, cit., p.77-80. Neste sentido, o ac. STJ, proc.08B4008 de 18/12/2008.
[x] JORGE MORAIS CARVALHO, Manual de Direito de Consumo, pp. 324 e 325.