PERSI
CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE
ACÇÃO EXECUTIVA
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Sumário


Uma carta em que a instituição bancária comunica ao cliente que o PERSI em que o mesmo havia sido integrado se extinguiu por motivo de “OUTRO MOTIVO”, sem qualquer outra menção, não tem eficácia extintiva desse procedimento.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral


Processo n.º 3782/17.7T8ENT.E1

Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca Local 1, Juízo de Execução Local 2, J...

Recorrente: Esperto e Original, S.A.

Recorridos: AA e BB

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Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora,
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I. Relatório
Caixa Geral de Depósitos, S.A. (em cuja posição foi entretanto habilitada a sociedade “Esperto & Original, S.A.” – cfr. sentença proferida sob a ref.ª 85438861 de 16-12-2020 do Apenso B; doravante “Exequente”) moveu em 25.09.2017 contra AA, BB e CC (esta última falecida em ../../2018, tendo sido habilitados como seus herdeiros os identificados AA e BB – cfr. sentença proferida sob a ref.ª 82377753 de 05-11-2019 do Apenso A; doravante “Executados”) ação executiva para pagamento de quantia certa para haver deles a quantia de €153.300,89, acrescida de juros vincendos, dando à execução uma denominada escritura pública de mútuo com hipoteca outorgada em 15-05-2003 e respetivo documento complementar e uma escritura pública de mútuo com hipoteca outorgada em 16-02-2007 e respetivo documento complementar, cujos teores se consideram integralmente reproduzidos.
No requerimento executivo, no segmento destinado à exposição dos factos, alegou, para além do mais, o seguinte:
«(…)
1- A 15/05/2003 a exequente celebrou com AA e mulher BB, na qualidade de mutuários, um contrato de Mútuo com Hipoteca, ao qual a exequente atribuiu o nº ...85, no montante de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) (…);
2 - Em garantia do capital mutuado, juros e despesas, foi constituída hipoteca, a favor da exequente, sobre o imóvel aqui indicado à penhora, pertencente aos mutuários (…);
3 - O empréstimo destinou-se a facultar recursos para o financiamento de investimentos múltiplos, não especificados, em bens imóveis (…);
4 - Acresce que igualmente em 16/02/2007, a exequente celebrou com os mesmos executados, na qualidade de mutuários, um segundo contrato de Mútuo com Hipoteca, ao qual a exequente atribuiu o nº ...85, no montante de € 31.500,00 (trinta e um mil e quinhentos euros) (…);
5 - Em garantia do capital mutuado, juros e despesas, foi constituída segunda hipoteca, a favor da exequente, sobre o imóvel aqui indicado à penhora, pertencente aos mutuários (…);
6 - O empréstimo destinou-se a facultar recursos para o financiamento de investimentos múltiplos, não especificados, em bens imóveis (…);
7 – Em 24/09/2012, os mutuários AA e BB doaram em cumprimento o imóvel, aqui indicado à penhora, a CC, conforme se poderá verificar na certidão anexa com o registo Ap. ...78 de 2012/09/24 (…);
8 – Sendo que se constata ainda da referida certidão que os executados AA e mulher BB, registaram a reserva do direito de Uso e Habitação na Dação em cumprimento, reserva essa a extinguir, no todo, à morte do último que sobreviver, conforme melhor se comprova da Ap. ...78 de 24/09/2012 (…);
9 - Acresce ainda que à credora, ora exequente, ficou expressamente reconhecido o direito de considerar o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado fosse alienado sem o seu consentimento, como foi precisamente o caso – vide sff. Cláusula 12ª, alínea d) do documento complementar do primeiro contrato do doc. 1 em anexo e cláusula 13ª, alínea c) do doc. 2 do documento complementar do segundo contrato.
10 - A partir de 15/01/2015 quanto ao primeiro contrato e de 16/01/2015 quanto ao segundo contrato, os devedores deixaram de cumprir com as obrigações assumidas perante a exequente no âmbito do clausulado dos mesmos;
11 - O incumprimento das obrigações assumidas no âmbito dos contratos acima indicados, por parte dos mutuários, que deixaram de proceder ao pagamento das prestações mensais a que estavam obrigados, confere à exequente o direito de exigir judicialmente a totalidade do valor em dívida no âmbito dos empréstimos, tendo em conta que o incumprimento do prazo de pagamento das prestações mensais determina o vencimento de todas as prestações vincendas e, por isso, a sua exigibilidade por parte da exequente.
12 – Nos termos do disposto no artº 54, n.º 2 do CPC, a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro seguirá directamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor.
13 – Razão pela qual se demanda aqui CC, a quem foi alienado o imóvel hipotecado através de dação em cumprimento (…);
14 - A exequente tem direito a receber o valor do capital em dívida, no âmbito dos dois contratos celebrados com os executados, acrescido dos juros vencidos calculados nos termos legais e contratuais, os quais constam melhor reproduzidos na liquidação da obrigação, o que se peticiona».
Tendo em conta o disposto no artigo 734.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, no despacho proferido sob a ref.ª 94762693 de 06-11-2023 foi determinada a notificação do Sr. Agente de Execução para esclarecer se já tivera lugar algum ato de transmissão de bens penhorados (v.g., venda, adjudicação, entrega de dinheiro, consignação de rendimentos), o que mereceu resposta negativa (cfr. ref.ª 10221136 de 05-12-2023).
Foi então proferido o despacho que consta da ref.ª 95261864 de 09-01-2024 (1.ª parte), do seguinte teor:
«Tomei conhecimento da informação prestada pelo Sr. agente de execução através da ref.ª 10221136 de 05-12-2023, diante da qual, tendo presentes as disposições conjugadas dos artigos 551.º, n.º 3, e 734.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e a natureza do crédito exequendo, é relevante aferir se foi dado cumprimento ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) estipulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.
De facto, e na esteira do que tem jurisprudencialmente entendido de forma pacífica, entendemos que sendo o PERSI obrigatório, o seu cumprimento consubstancia uma condição objetiva de procedibilidade para a execução, impondo-se, por conseguinte, perante o seu eventual desrespeito, a absolvição do executado da instância por procedência de excepção dilatória inominada insanável, de conhecimento oficioso - artigos 573.º, n.º 2, e 578.º, do Código de Processo Civil.
Por outro lado, importa facultar à exequente o exercício do contraditório acerca da eventual adopção do entendimento de acordo com o qual os aditamentos à escritura pública exequenda não podem ser qualificados como títulos executivos (ou considerados como complemento do título executivo) por recusa de aplicação do artigo 9.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20/08, na interpretação segundo a qual se revestem de força executiva os documentos que, titulando acto ou contrato realizado pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., prevejam a existência de uma obrigação de que essa entidade bancária seja credora e estejam assinados pelo devedor, sem necessidade de outras formalidades, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 670/2019, de 13-11-2019, rectificado pelo Acórdão n.º 710/2019, de 04-12-2019, ambos acessíveis em tribunalconstitucional.pt).
Destarte, convido a exequente a alegar e documentar nos autos, no prazo de 10 (dez) dias, o que tiver por conveniente a propósito das questões suscitadas».

Por requerimento de 01-03-2024 a exequente/habilitada veio juntar os seguintes documentos que referiu serem «cartas de integração e extinção quanto aos executados, AA e BB, não tendo a executada CC sido integrada no PERSI, por não intervir nas operações cedidas»:
1.º - Carta datada de 16-03-2015, tendo como destinatário AA e o seguinte teor:
«(…)
PERSI Nº ...25
(…)
Por se registar incumprimento na(s) operação(ões) abaixo indicadas:
MULTI-OPCOES DIFERIMENTO CAPIT
(…)
N.º Operação Dt. Pos. Dívida (…)
...15-03-16 (…)
...15-03-16 (…)
(…)
em que é interveniente, informa-se que, de acordo com o disposto no Art.º 14.º do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, procedemos à sua integração, nesta data, no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) acima referenciado.
Assim, para a resolução da sua situação de incumprimento, e para beneficiar dos direitos consignados no referido Dec-Lei, deverá dirigir-se a uma Agência da Caixa Geral de Depósitos, até ao dia 2015-03-26, apresentando os seguintes documentos comprovativos:
Última Declaração de IRS e respetiva Certidão de Liquidação;
Documentos comprovativos de rendimentos auferidos, nomeadamente a título de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais.
Para obter mais informações sobre o PERSI poderá dirigir-se a uma Agência da Caixa Geral de Depósitos, enviar uma mensagem de correio electrónico para o endereço caixadirecta@cgd.pt ou consultar www.cgd.pt.
(…)».
Com este documento a exequente não juntou qualquer anexo.
2.º - Carta também datada de 16-03-2015, tendo como destinatária BB e, neste caso, o seguinte teor:
«(…)
PERSI Nº ...18
(…)
Por se registar incumprimento na(s) operação(ões) abaixo indicadas:
MULTI-OPCOES DIFERIMENTO CAPIT
(…)
N.º Operação Dt. Pos. Dívida (…)
...15-03-16 (…)
...15-03-16 (…)
(…)
em que é interveniente, informa-se que, de acordo com o disposto no Art.º 14.º do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, procedemos à sua integração, nesta data, no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) acima referenciado.
Assim, para a resolução da sua situação de incumprimento, e para beneficiar dos direitos consignados no referido Dec-Lei, deverá dirigir-se a uma Agência da Caixa Geral de Depósitos, até ao dia 2015-03-26, apresentando os seguintes documentos comprovativos:
Última Declaração de IRS e respetiva Certidão de Liquidação;
Documentos comprovativos de rendimentos auferidos, nomeadamente a título de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais.
Para obter mais informações sobre o PERSI poderá dirigir-se a uma Agência da Caixa Geral de Depósitos, enviar uma mensagem de correio electrónico para o endereço caixadirecta@cgd.pt ou consultar www.cgd.pt.
(…)».
Com este documento a exequente não juntou qualquer anexo.
3.º - Carta datada de 06-12-2016, tendo como destinatário AA e o seguinte teor:
«(…)
PERSI Nº ...25
(…)
Informa-se que ao abrigo do D.L. nº 227/2012, de 25 de outubro, o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) foi extinto em 2016-12-06, por motivo de:
OUTRO MOTIVO
Caso tenha créditos noutra Instituição de Crédito poderá recorrer a um mediador de crédito, no prazo de 5 dias, para se manter ao abrigo das garantias do PERSI.
(…)».
4.º - Carta também datada de 06-12-2016, tendo como destinatária BB e o seguinte teor:
«(…)
PERSI Nº ...18
(…)
Informa-se que ao abrigo do D.L. nº 227/2012, de 25 de outubro, o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) foi extinto em 2016-12-06, por motivo de:
OUTRO MOTIVO
Caso tenha créditos noutra Instituição de Crédito poderá recorrer a um mediador de crédito, no prazo de 5 dias, para se manter ao abrigo das garantias do PERSI.
(…)».
Foi então proferido o seguinte despacho de 03-04-2024:
«Por 10 (dez) dias, faculte aos executados o exercício do contraditório acerca dos teores das ref.ªs ...64 de 09-01-2024 e ...00 de 01-03-2024.
(…)
Sem prejuízo do assim determinado, uma vez analisados os teores dos documentos juntos pela exequente faculto-lhe um prazo de 10 (dez) dias para:
A) Documentar a comunicação da integração em PERSI em conformidade com a integralidade do disposto nos artigos 14.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e 7.º do então vigente Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012, maxime no que tange ao documento informativo elaborado em conformidade com o modelo constante do Anexo II ao mencionado Aviso; e
B) Exercer, querendo, o respetivo contraditório acerca da eventual adopção do entendimento de acordo com o qual as cartas de comunicação de extinção do PERSI não são suscetíveis de traduzir o cabal cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, por não indicarem a concreta norma habilitante da extinção nem, de forma conveniente, as concretas razões pelas quais foi considerada inviável a manutenção do procedimento».
Devidamente notificadas por ofícios datados de 04-04-2024, nenhuma das partes se pronunciou.
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Veio então em 11.06.2024 a ser proferida decisão que julgou “oficiosamente verificada a excepção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito, pela exequente/habilitada “Esperto & Original, S.A.”, da demonstração do cumprimento das obrigações decorrentes do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e, em consequência, absolver os executados AA e BB, por si e enquanto herdeiros da executada CC, da instância executiva, com a consequente extinção da execução – artigos 551.º, n.º 3, 573.º, n.º 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, 578.º, e 734.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.”.
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Inconformada, a Exequente interpôs o presente recurso de apelação, formulando, após alegações, as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença de 14/06/2024, que julgou “oficiosamente verificada a excepção dilatória inominada insanável (…) com a consequente extinção da execução”
B. Entende a ora Recorrente que douta sentença referida fez uma errónea aplicação do Direito aos factos, nomeadamente do princípio constitucional da proporcionalidade e do Decreto-Lei n.º 227/2012.
C. A Recorrente juntou aos autos as cartas de integração e extinção do PERSI que comprovam que a entidade bancária respeitou o desenvolvimento de diligências/comunicações que concretizaram/comunicaram a integração no PERSI.
D. A integração do cliente no PERSI não depende da opção/decisão da entidade bancária, resultando automaticamente da lei.
E. Analisando o regime no seu todo e o próprio art. 14.º, a obrigação a que a lei alude como imputável à instituição de crédito é a de concretizar a integração que se inicia/verifica automaticamente, uma vez preenchidos os passos da fase inicial que ali se elencam, o que aconteceu.
F. Não será, pois, de admitir, salvo devido respeito e melhor opinião, a exigência que o Tribunal faz carrear para este mecanismo, pois se é verdade que a instituição de crédito tem de informar o cliente da sua integração no PERSI, nos termos do n.º 4 do art. 14.º, tal comunicação traduz mera informação de uma integração já verificada e decorrente automaticamente da lei.
G. Os Executados, após a receção das comunicações devidas por parte da entidade bancária, nada fizeram.
H. Não mantiveram a atitude preventiva que compete a qualquer cliente e devedor bancário (não antecipando eventuais dificuldades de cumprimento dos compromissos financeiros que assumiram).
I. Nunca alertaram a instituição de crédito para a possibilidade de não conseguirem pagar as suas prestações.
J. Quando receberam as devidas comunicações de integração em PERSI, nada fizeram.
K. Ora, face a esta factualidade, que não foi contestada, vê-se a Recorrente confrontada com a decisão sub judice, sendo que, os tribunais, mesmo no quadro da apreciação da prova, não podem deixar de considerar os potenciais impactos das suas decisões na organização da sociedade e no próprio Estado de Direito.
L. Parece-nos assim, no mínimo, pertinente, que seja efetuado um juízo de proporcionalidade quanto à intervenção do Tribunal, e até atendendo ao princípio do dispositivo e à repartição do ónus da prova.
M. Estamos perante um incumprimento que reporta a janeiro de 2015, que é desde logo indiciador da inviabilidade e falta de interesse dos executados para regularizar a situação de incumprimento.
N. E de uma situação desvantajosa e desproporcionada em que se coloca a Exequente/Recorrente, em relação a qualquer credor terceiro, na medida em que a extinção da presente execução determinaria a perda da prioridade da garantia penhora – que garante o crédito que excede o garantido por hipoteca - relativamente à execução de 3.º com penhora posterior.
O. Somos assim do entendimento que estamos perante uma violação do princípio constitucional da proporcionalidade.
P. Recorde-se que o que está aqui em causa é uma questão de prova de formalidade da integração em PERSI - que efetivamente ocorreu, por via das referidas cartas - sendo que quanto à existência da dívida, esta é certa e provada e não foi posta em causa.
Q. Não entende pois a Recorrente, nem pode aceitar que, por um lado, se tente desresponsabilizar os Executados, e, por outro lado, atribuir ao Banco originador todo o ónus de fazer os Executados - eles sim, não observantes de “princípios de conduta” - cumprir as obrigações que livremente contraíram e que, manifestamente, não podiam desconhecer.
R. Em relação ao entendimento que as comunicações efetuadas não cumpriram cabalmente o PERSI, por falta de menção das razões pelas quais a instituição de crédito teria considerado inviável a manutenção do procedimento, tal posição também não se acompanha.
S. Os Executados não deduziram embargos, nem suscitaram qualquer questão decorrente da falta de integração em PERSI e veio o Tribunal suscitar oficiosamente a questão do PERSI, determinando que a Exequente demonstrasse o seu cumprimento, o que fez, juntando as respetivas comunicações.
T. Não tendo sido obtida a colaboração dos Executados, a verificação deste facto a lei tem como cominação a extinção do PERSI.
U. E, em momento algum, os Executados vieram alegar que a entidade bancária não teve uma atuação diligente e conforme a lei, durante o período do PERSI, pelo que não parece justificável a atuação do Tribunal.
V. Entende portanto a Exequente/Recorrente não estar em causa a exceção dilatória inominada, pelo que não deverá ocorrer a absolvição da instância, devendo a execução seguir os seus termos.
W. Devendo ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo e ser o presente recurso julgado totalmente procedente e, em consequência, considerado provado que os Recorrentes integraram os Recorridos no regime do PERSI, o qual se extinguiu e por isso deverão os autos principais prosseguir os seus termos, por não se verificar qualquer exceção dilatória.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE CONCEDER-SE INTEGRAL PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGANDO-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA E SUBSTITUINDO-A POR OUTRA NOS TERMOS DA ANTECEDENTE MOTIVAÇÃO E CONCLUSÕES, SEGUINDO O PROCESSO OS SEUS TRÂMITES ATÉ FINAL.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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II. QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo certo que o objeto do recurso se delimita pelas conclusões das alegações do apelante (cfr. artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil), importa apreciar e decidir se a Exequente deu cumprimento ao PERSI, condição de procedibilidade da execução, atento o disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, o que passará por apurar se as comunicações que foram dirigidas aos Executados cumpriram os preceitos legais aplicáveis, devendo ser julgada improcedente a exceção dilatória decorrente do desrespeito, pela Exequente, da demonstração do cumprimento das obrigações decorrentes do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10 e determinado o prosseguimento dos autos

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III. Fundamentação.
III.1. De facto
Com interesse para a decisão a proferir relevam os factos já contantes do relatório, bem como o teor dos documentos ali mencionados, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
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III.2. Apreciação jurídica.
Como é sabido, e se expôs adequadamente na decisão recorrida, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, veio instituir o Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI), bem como o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras.

Se o cliente bancário (consumidor) estiver em situação de mora ou incumprimento de obrigações decorrente de contratos de crédito ao consumo, a entidade bancária fica sujeita a um regime procedimental imperativo, sendo obrigatória a integração de tal devedor no PERSI, sendo tal procedimento composto por três fases: inicial, de avaliação e proposta e de negociação (cfr. artigos 14.º a 17.º do diploma).

Sobre a entidade bancária incide o ónus de prova sobre a validade e eficácia da integração do devedor bancário inadimplente no âmbito do PERSI, bem como a validade e eficácia da respetiva extinção (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), sendo as mesmas condições de admissibilidade da ação declarativa ou executiva que a instituição bancária pretender mover contra esse devedor.

Assim, se o devedor não tiver sido integrado no PERSI ou se o mesmo ainda não tiver sido extinto, está vedado à instituição bancária a instauração da execução e, tendo-a instaurado, deve a mesma ser extinta por via do funcionamento da referida exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso de falta de PERSI.

Como resulta do respetivo preâmbulo, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, instituiu o PERSI visando, além de tudo o mais, promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras, lendo-se no mesmo que «(…) as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor».

Ocorrendo incumprimento das obrigações decorrentes dos contratos de crédito abrangidos pelo diploma, as instituições de crédito têm de integrar o devedor obrigatoriamente no PERSI (artigos 12.º a 17.º do diploma) em ordem a regularizar e viabilizar um mútuo acordo tendente a evitar o recurso à via judicial.

Nos termos do artigo 2.º do diploma estão abrangidos pelo PERSI o cliente bancário (consumidor) em relação a contratos de crédito abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02-06, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18-06.

No caso, conforme decorre da decisão recorrida, e não é controvertido, os contratos dados à execução inserem-se no âmbito do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10 (alterado pelo Decreto-Lei n.º 70-B/2021, de 06.08), nomeadamente face ao disposto no seu artigo 2.º, n.º 1, alínea b), na redação anterior ao citado Decreto-Lei n.º 70-B/2021, aplicando-se-lhe por isso as obrigações decorrentes do PERSI, o que não foi sequer posto em causa pela Exequente, que, como resulta da consulta dos autos, juntou documentos destinados a demonstrar o cumprimento daquele procedimento relativamente aos aqui Executados.
Em face do disposto no artigo 14.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 227/2012, não sofre igualmente dúvidas o entendimento expresso em numerosos arestos dos Tribunais Superiores de que a integração de cliente bancário no PERSI é obrigatória sempre que se mostrem verificados os seus pressupostos, e que a falta de integração do devedor no PERSI pela instituição de crédito, a omissão da informação devida, ou a ausência de comunicação da extinção do procedimento, constituem violação de normas de caráter imperativo. Por isso, e atento o preceituado no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do referido diploma, vem sendo reiteradamente afirmado que o cumprimento das obrigações que impendem sobre as instituições bancárias, constitui uma verdadeira condição objetiva de admissibilidade da ação (declarativa ou executiva), configurando o respetivo incumprimento uma exceção dilatória atípica ou inominada, insuprível, e de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (artigo 576.º, n.º 2, do CPC)[1].
Como tal, a sua apreciação oficiosa, encontra-se abrangida pelo artigo 578º do Código de Processo Civil.
A controvérsia apenas surge acerca da forma como as comunicações dirigidas foram realizadas, tendo o Tribunal Recorrido entendido que não foi dado cabal cumprimento ao disposto nos artigos 14º e 17º do citado diploma.
Cremos que o Tribunal Recorrido decidiu bem.

Recordemos o teor das disposições em causa.

De acordo com o artigo 13.º do citado diploma:

«No prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado».

De harmonia, por sua vez, com o artigo 14.º:

«1 - Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa.

2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a instituição de crédito está obrigada a iniciar o PERSI sempre que:

a) O cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração no PERSI, considerando-se, para todos os efeitos, que essa integração ocorre na data em que a instituição de crédito recebe a referida comunicação;

b) O cliente bancário, que alertou para o risco de incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, entre em mora, devendo, para todos os efeitos, considerar-se que a integração desse cliente no PERSI ocorre na data do referido incumprimento.

3 - Quando, na pendência do PERSI, o cliente bancário entre em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de outros contratos de crédito celebrados com a mesma instituição, a instituição de crédito deve procurar obter a regularização do incumprimento no âmbito de um único procedimento, informando o cliente bancário desse facto nos termos previstos no número seguinte.

4 - No prazo máximo de cinco dias após a ocorrência dos eventos previstos no presente artigo, a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.

5 - O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no número anterior».

Em cumprimento deste n.º 5 foi publicado o Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 (publicado no Diário da República, 2.ª série, Parte E, n.º 243, de 17-12-2012), de cujo artigo 7.º, sob a epígrafe «[c]omunicação de início do PERSI», decorre o que segue:

«1 - A comunicação pela qual a instituição de crédito informa o cliente bancário do início do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, as seguintes informações:

a) Identificação do contrato de crédito;

b) Data de vencimento das obrigações em mora;

c) Montante total em dívida, com descrição detalhada dos montantes relativos a capital, juros e encargos associados à mora;

d) Data de integração do cliente bancário no PERSI;

e) Elementos de contacto da instituição de crédito que o cliente bancário deve utilizar para obter informações adicionais e para negociar eventuais soluções para a regularização da situação de incumprimento que lhe sejam propostas.

2 - Em complemento à informação prevista no número anterior, as instituições de crédito devem fazer acompanhar a referida comunicação de documento informativo elaborado em conformidade com o modelo constante do Anexo II ao presente Aviso, de que faz parte integrante».

Ora, perante o teor das cartas datadas de 16.03.2015 não pode deixar de entender-se que não foi junto o referido documento informativo elaborado em conformidade com o modelo constante do Anexo II ao mencionado Aviso 17/2012.

Mas ainda que assim não se entendesse, sempre haveria que referir que não foi demonstrado o válido cumprimento da obrigação de comunicação e informação expressa no 3.º do artigo 17.º do diploma legal em referência.

O artigo 17.º, n.ºs 3 a 5, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, dispõe nos seguintes termos:
«3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.
4 - A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.
5 – O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3».
Em cumprimento deste n.º 5, o precedente artigo 8.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 (publicado no Diário da República, 2.ª série, Parte E, n.º 243, de 17-12-2012) estabelecia, designadamente, que:
«A comunicação pela qual a instituição informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, os seguintes elementos:
a) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal; (…)»
Na situação dos autos, as comunicações dirigidas aos aqui Executados, datadas de 06.12.2016, dando-lhes conta da extinção do PERSI em que haviam sido integrados não satisfaz os requisitos enunciados.
Na verdade, aos Executados terá sido transmitido que aqueles procedimentos se extinguiram por motivo de «OUTRO MOTIVO», mas nenhuma palavra se acrescentou no sentido de, «em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis», informá-los em que concretas razões se terá baseado a inviabilidade da manutenção do procedimento, descrevendo os factos que determinaram a extinção ou que justificaram a decisão de pôr termo aos mesmos.
Nas comunicações em causa a Exequente, para além de não indicar a concreta norma habilitante (refere-se apenas ao «Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro»), limitou-se a escrever a expressão “Outro Motivo”, omitindo por completo quaisquer «factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento»”.
Em rigor, a Apelante não se insurge diretamente contra a falta de cumprimento do referido preceito, apenas tecendo considerações que lhe permitem considerar desvantajosa e desproporcionada a decisão, em que se “coloca a Exequente/Recorrente, em relação a qualquer credor terceiro, na medida em que a extinção da presente execução determinaria a perda da prioridade da garantia penhora – que garante o crédito que excede o garantido por hipoteca – relativamente à execução de 3º com penhora posterior”.
Ora, a esta questão respondeu o legislador no preâmbulo do diploma em causa, que estabeleceu princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e regularização de situações de incumprimento de contratos de créditos pelos clientes bancários, procurando, “(…) reforçar a importância de uma atuação prudente, correta e transparente (…) em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes, enquanto consumidores”.
Num contexto de generalizada crise económica e financeira, pautada por um aumento exponencial de incumprimento dos contratos de crédito, pretendeu-se estabelecer, “ (…) um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito (…) Em concreto, prevê-se que cada instituição de crédito crie um Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) (…) Adicionalmente, define-se um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)…O presente diploma visa, assim, promover a adequada tutela dos direitos dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários” – cfr. preâmbulo do Dl 227/2012, de 25-10.
Com a criação de tal regime visou-se assim, ponderando as «assimetrias de informação entre consumidores e instituições de crédito», a proteção do cliente bancário que, assumindo as vestes de consumidor, celebra contratos de mútuo com entidades bancárias – cfr. artigo 3º, alínea a), Dl 227/2012, de 25/10 – consubstanciando os preceitos o justo equilíbrio dos interesses em causa, razão pela qual têm, como se referiu, natureza imperativa e aplicam-se a qualquer credor nas condições da ora Exequente.
Resta concluir.
Sendo certo que a extinção do PERSI impõe que a entidade bancária de comunique as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento, sob pena de ineficácia da comunicação da extinção do PERSI, e que por isso, uma carta em que a instituição bancária comunica ao cliente que o PERSI em que o mesmo havia sido integrado se extinguiu por “outro motivo”, sem qualquer outra menção, não tem eficácia extintiva desse procedimento, a decisão recorrida, ao absolver os Executados da instância executiva, não merece qualquer censura.
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.

Évora, 16-12-2024
Ana Pessoa
Elisabete Valente
Maria João Sousa e Faro
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[1] Cf. Ac. STJ de 13.04.2021, processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, Ac. STJ de 02.02.2023, processo n.º 1141/21.6T8LLE-B.E1.S1. e os Acórdãos desta Relação de 16.12.2021, processo n.º 2612/19.0T8ENT.E1 todos acessíveis em www.dgsi.pt