I. A junção de procuração forense não é condição para o Advogado poder consultar o processo eletronicamente, como decorre do n.º 4 do artigo 27.º da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, aditado pela Portaria n.º 267/2018, de 20-09.
II. Por conseguinte, a intervenção de Advogado, Reu em causa própria, sem imediata arguição da nulidade da citação, determina a sanação dessa eventual nulidade.
(Sumário elaborado pela relatora)
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca Local 1, Juízo de Família e Menores – J...
Apelante: AA
Apelado: BB
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I. RELATÓRIO
Nos presentes autos de execução para pagamento de quantia certa que BB intentou AA, para haver dela a quantia de 3.923,98 €, acrescida de juros, veio a Senhora Agente de Execução juntar, em 30.03.2017 a certidão de citação da ora Executada.
Por requerimento de 21.12.2021, dirigido ao Tribunal Recorrido, veio a referida Executada, invocando essa mesma qualidade, “expor o seguinte:
I. A ora Requerente, foi informada recentemente pelo seu banco Milleniumbcp, da pendência de uma penhora na sua conta bancária desde 2015 à ordem dos presentes autos.
II. No âmbito desta mesma penhora, foi retirado da sua conta bancária, um valor superior a 5.000 euros, encontrando-se presentemente inclusive penhorado e retido, o valor de 100 euros.
III. Sucede que, depois de ter contactado a secção, a Requerente foi informada do arquivamento do presente processo.
IV. Porém, a Requerente nunca foi notificada nem da conta de custas, nem do valor da quantia exequenda.
V. Apesar de ter contactado sucessivamente a agente de execução CC, não logra a Requerente obter qualquer resposta nem via telefónica, nem por correio electrónico, conforme último pedido de informações enviado no passado dia 28.12, ora junto como Doc. 1.
Face ao exposto, Requer-se Muito respeitosamente a Vª Excia., seja oficiado antes de mais junto do banco Millenniumbcp, pelo levantamento da penhora pendente na conta bancária da executada e por outro, a notificação da executada da conta final de custas. “ (Destacado nosso)
Veio depois, por requerimento de 19.02.2024 (ref.ª citius 12191332) invocar a nulidade da citação com fundamento no disposto no artigo 188.º do Código de Processo Civil.
Em suma, invoca a falsidade do documento datado de 28.03.2017 (ref.ª citius 4225094) onde consta que a mesma foi citada pessoalmente através de agente de execução, afirmando que o teor do referido documento é falso, e nunca a mesma teria sido citada pessoalmente nos moldes aí descritos. Termina, requerendo que “(…) seja declarada a nulidade absoluta e insanável da citação, devendo ser anulado todo o processado posteriormente à petição inicial, incluindo anulada a penhora ordenada pela agente de execução DD, à conta bancária da executada, com a obrigatória restituição do montante de 5.300 euros, que lhe foi indevidamente penhorado e retirado da sua conta. Mais deverá ser extraída certidão do auto de citação e remetido aos serviços do Ministério Público, para respectivo procedimento criminal. Por último, deverá Vª Excia. condenar as partes envolvidas por litigância de má fé, numa indemnização à executada, atendendo aos danos causados com a preterição de uma formalidade imperativa, bem como nos juros legais devidos e calculados sob o valor penhorado, desde a data da penhora e até integral restituição (…)”.
Em 27-02-2024, foi proferido despacho cuja parte dispositiva tem o seguinte teor:
“Em função do exposto, e atenta a intempestividade da arguição de tal nulidade (art. 191.º n.º 2 do C.P.C.), improcede a invocada nulidade da citação, ficando prejudica a análise da alegada falsidade do conteúdo do documento que espelha a citação efectuada.
Improcede, pelo exposto, a arguição de nulidade da citação, não operando a anulação de qualquer acto processual.
Custas do incidente a cargo da Executada (arts. 527.º n.º 1 do CPC e 7.º n.º 4 do RCP, com referência à tabela II anexa).(…)”
*
Inconformada, apelou a Executada, apresentando após alegações, a seguinte síntese conclusiva:
I. Em Dezembro de 2021, a ora recorrente teve conhecimento da pendência de uma penhora na sua conta bancária a ordem do presente processo.
II. Ao contactar a secretaria judicial, foi informada que o processo se encontrava arquivado, pelo que não poderia efectuar a sua consulta.
III. Assim, em 31/12/2021, apresentou um requerimento nos presente autos, invocando entre mais, a sua falta de citação, referindo nunca ter sido informada da quantia exequenda nem notificada da conta de custas.
IV. A recorrente fez a junção do Requerimento por via citius e não obstante as várias insistências junto da secretaria judicial, não lhe foi dado acesso ao processo, não existindo outra forma de consulta por se tratar de processo de tramitação electrónica.
V. A recorrente não teve pois como poder efectuar a consulta dos autos, tendo como tal ficado a aguardar que fosse proferido despacho sobre o seu requerimento.
VI. Isto porque, no seu requerimento, invocou nunca ter sido notificada no âmbito dos autos, nem em concreto da conta de custas nem sequer da quantia exequenda, ou seja, não ter sido citada.
VII. É sabido que a falta de citação, constitui uma nulidade de conhecimento oficioso, pelo que estava a recorrente convicta de que iria ser citada de todo o requerimento executivo apresentado e respectivos documentos ou mais certo, que iria ter resposta por parte da MMª Juiz de 1ª Instância, quanto ao requerimento apresentado.
VIII. Não obstante, a recorrente não obteve qualquer resposta ao seu requerimento, nem recebeu qualquer outra notificação, até ao passado dia 15/02/2024, em que foi notificada por parte da secretaria, da resposta da agente de execução com a ref.ª citius 131268130, em que lhe foi enviada a nota de custas finais.
IX. Apenas nesse momento, foi facultado à recorrente acesso ao processo e dado conhecimento do acto de citação existente.
X. Perante o documento que havia sido apresentado, a recorrente veio invocar novamente a nulidade da citação, desta vez do acto em si.
XI. Contudo, a Exma Juiz do Tribunal a quo considerou tal nulidade estar sanada, entendendo apenas ter sido suscitada com o segundo requerimento apresentado pela executada, recorrente.
XII. Discorda porém a recorrente com esta decisão, já que entende ter previamente suscitado no seu requerimento de 31/12/2021 a falta de comunicação da quantia exequenda, ou seja a falta de citação.
XIII. Note-se que o acto da citação em sí, assegura o cumprimento do princípio do contraditório e o inerente conhecimento da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanhassem.
XIV. Ao não ter sido dado cumprimento à citação da executada, foi-lhe vedada a possibilidade de ser chamada ao processo para se defender ao abrigo do disposto no art. 219.º, n.º 1 do C.P.C.
XV. Com efeito, é pela citação que se concretiza a relação jurídica controvertida, sendo que, por regra, a propositura da acção, apenas produz efeitos em relação ao Réu a partir do momento da citação deste (art. 259.º do C.P.C.).
XVI. Assim e como bem referiu a Douta sentença recorrida «A citação produz importantíssimos efeitos materiais, compreendendo-se, por isso, não só que a lei regule exaustivamente o acto de citação e comine com sanções processuais severas a preterição dessas formalidades processuais” (.Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manuel de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, págs. 273 a 284).»
XVII. Acrescentando que «...para além dos casos em que ocorre “falta de citação”, isto é, casos em que a citação foi pura e simplesmente omitida ou em que o acto de citação padece dos vícios enunciados nas alíneas b) a d), do n.º 1 do art. 188.º, ou em que ocorre a circunstância da al. d) desse n.º 1 do art. 188.º - o citando não chegou a ter conhecimento do acto de citação, regularmente efectuado, por facto que não lhe seja imputável -, em que a lei processual civil equipara estas situação à pura e simples “falta de citação”.»
XVIII. E não obstante decidindo a MMª juiz do Tribunal a quo, pela intempestividade da arguição de tal nulidade (art. 191.º n.º 2do C.P.C.) e pela improcedência da invocada nulidade da citação.
XIX. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 227.º do CPC, o acto de citação implica a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanham.
XX. Por outro lado, dispõe o n.º 3 do art. 219.º do C.P.C. que a citação e as notificações são sempre acompanhadas de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objecto.
XXI. A recorrente entende que, a partir do momento em que referiu no seu requerimento de 31/12/2021 não ter sido informada da quantia exequenda, devia a MMª Juiz a quo ter conhecido oficiosamente a nulidade invocada de falta de citação e oportunamente proferido despacho quanto a esta matéria.
XXII. Isto porque, a recorrente, de acordo com o nulo conhecimento que lhe foi facultado ao processo, resumido apenas ao respectivo número, informou previamente ao Tribunal, não ter conhecimento do processo nem sequer da quantia exequenda.
XXIII. Nunca tendo a recorrente tido conhecimento da citação nem do ato, por motivos que não lhe podem ser imputados.
XXIV. Por outro lado, no seu requerimento datado de 19.02.2024, apenas veio aperfeiçoar e concretizar a nulidade de falta de citação anteriormente suscitada e à qual, reitera-se não obteve resposta por parte da Exma. Juiz a quem o requerimento foi dirigido.
XXV. Não tendo a recorrente como poder insistir na consulta do processo, por se tratar de processo de tramitação electrónica e por outro lado, por ter sido arquivado após a concretização da penhora.
XXVI. Conforme estabelece o art.º 188º n.º 1 al. e) - Há falta de citação: a) Quando o ato tenha sido completamente omitido; e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.
XXVII. A falta de citação é do conhecimento oficioso.
XXVIII. Nos termos previstos no Artigo 200.º, deve o tribunal conhecer das nulidades, logo que sejam reclamadas.
XXIX. A este respeito, veja-se o Ac. proferido pelo TRC no proc. de APELAÇÃO Nº 339/10.7TBCTB-A.C1 em que foi relator ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO, onde se fez constar:
«art.º 199º n.º 2 - Arguida ou notada a irregularidade durante a prática de ato a que o juiz presida, deve este tomar as providências necessárias para que a lei seja cumprida».
XXX. As nulidades de processo, tal como a omissão de um acto prescrito na lei, são desvios do formalismo processual.
XXXI. Há falta de citação nas situações descritas nas diversas alíneas do nº 1 do artº 195º do CPC (actualmente artº 188º), designadamente «Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável (artº 195º, nº 1, al. e), do CPC).»
XXXII. Neste preciso sentido sentido, veja-se o Ac. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no processo: 513/15.0T8PNF.P1 em que foi Relator: JORGE SEABRA - «A falta de citação corresponde à omissão do acto de citação ou a outras situações cuja gravidade se lhe equipara, taxativamente previstas no art. 188º do CPC; Como tal, a falta de citação constitui uma nulidade principal, podendo ser suscitada por qualquer interessado e é de conhecimento oficioso pelo tribunal.»
XXXIII. Também o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24/04/2018, processo n.º 608/10.6TBSRT-B.C1) decidiu sob o entendimento de que “o conceito de intervenção no processo, para efeitos de sanação de nulidade decorrente da falta de citação, deve ser interpretado no sentido de pressupor uma atuação ativa no processo da parte demandada através da prática ou intervenção em ato judicial, que lhe permitam tomar pleno conhecimento de todo o processado ou, pelo menos, que façam presumir esse efetivo conhecimento”. De tal modo, que a “simples junção autos de uma procuração forense pela parte demandada não se integra, só por si, nesse conceito de intervenção no processo”.
XXXIV. Está em causa uma verdadeira falta de citação da executada e não apenas uma nulidade da sua citação, considerando que a destinatária da citação não a recebeu por motivos que não lhe podem ser imputados, tendo como al o acto sido omitido e, por isso estarmos perante uma situação equiparada à total omissão do acto e não meramente à falta de cumprimento de uma formalidade.
XXXV. Note-se que nunca o destinatário da citação pessoal – no presente caso a recorrente-poderia ter chegado a ter conhecimento do acto ou sequer do processo, até lhe ter sido facultado o seu acesso por via electrónica no seguimento do requerimento que havia apresentado.
XXXVI. Como se salienta no Ac. R.P. de 30.09.2004 (6) « Efectivamente, o direito a intervir no processo, na sequência de prévia citação, tem, no fundo, a ver com o próprio direito de acesso aos tribunais consagrado no artº 20º da Const. Rep. Portuguesa, mais propriamente na vertente da tutela jurisdicional efectiva.
XXXVII. Trata-se, in casu, da chamada proibição da indefesa que, para Gomes Canotilho e Vital Moreira, consiste «na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito. A violação do direito à tutela, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses»[Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p. 164)].»
XXXVIII. A este propósito, Alberto dos Reis (14) diz-nos elucidativamente, o que reportaremos ao preceito do actual código de processo civil, que a exigência prevista no n.4 do actual 191º do CPC (correspondente à exigência prevista no artigo 198º n.2 do CPC de 1961), só funciona no caso de o réu não ser revel, então é que o prazo para a sua arguição se conta da citação e a arguição deve ser desatendida se a falta cometida não puder prejudicar a defesa do citando.
XXXIX. Já que sendo revel a simples nulidade da citação vale o mesmo que a falta absoluta de citação, como se evidencia do disposto nos artigos 729º al.d) e 696º al.e) e 851º (15) do CPC.
XL. Quanto à sanação, seja considerando a falta, seja a nulidade da citação, resulta evidenciado do disposto nos artigos 189º e 191º do C.P.C. que a mesma só poderia ocorrer se a executada/recorrente não a tivesse já suscitado aquando o seu requerimento de 31/12/2021 ao referir: «Porém, a Requerente nunca foi notificada nem da conta de custas, nem do valor da quantia exequenda.»
XLI. Sendo certo que o conhecimento da quantia exequenda, advém com a citação e com a inerente entrega do requerimento executivo e respectivos documentos.
XLII. Por não lhe ter sido dado acesso à consulta do processo, a recorrente não tinha como poder especificar os precisos termos em que não foi citada, ou como em concreto não lhe foi dado conhecimento do processo, da quantia exequenda e demais documentos que pudessem existir, não podendo contudo por isso ser prejudicada, e considerar-se a nulidade de falta de citação, sanada.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DOUTAMENTE SUPRIDOS POR VªS EXCIAS., DEVERÁ A NULIDADE INVOCADA DE FALTA DE CITAÇÃO, AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ART.º 188 N.º 1 ALS. A) E E) DO C.P.C SER CONSIDERADA PROCEDENTE POR PROVADA E NÃO SANADA, BEM COMO REVOGADA A CONDENAÇÃO DA EXECUTADA EM CUSTAS PELO INCIDENTE.
POSTERIORMENTE, DEVERÁ ANULAR-SE TODO O PROCESSADO SUBSEQUENTE, INCLUÍNDO A RESTITUIÇÃO DOS VALORES QUE FORAM INDEVIDAMENTE RETIRADOS DA CONTA BANCÁRIA DA ORA RECORRENTE, DEVENDO ANTES DE MAIS, HAVER LUGAR À CITAÇÃO COM VISTA AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA DA EXECUTADA, DE FORMA A POSSIBILITAR DISCUTIR EM SEDE PRÓPRIA, A (IN)EXISTÊNCIA DE FUNDAMENTOS PARA A PRESENTE EXECUÇÃO.
FAZENDO VªS EXCIAS VENERANDO DESEMBARGADORES. JUSTIÇA!.”
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar da tempestividade da arguição de nulidade por falta de citação e, caso a mesma seja tempestiva, se ocorreu a arguida nulidade.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De Facto
Os factos e ocorrências relevantes para a apreciação do objeto do recurso constam do antecedente Relatório.
Releva ainda o teor do despacho recorrido, que é o seguinte:
“Veio a executada, através de requerimento datado de 19.02.2024 (ref.ª citius 12191332) invocar a nulidade da citação com fundamento no disposto no art. 188.º do C.P.C.. Em suma, invoca a falsidade do documento datado de 28.03.2017 (ref.ª citius 4225094) onde consta que a mesma foi citada pessoalmente através de agente de execução, afirmando que o teor do referido documento é falso, e nunca a mesma teria sido citada pessoalmente nos moldes aí descritos. Termina, requerendo que “(…) seja declarada a nulidade absoluta e insanável da citação, devendo ser anulado todo o processado posteriormente à petição inicial, incluindo anulada a penhora ordenada pela agente de execução DD, à conta bancária da executada, com a obrigatória restituição do montante de 5.300 euros, que lhe foi indevidamente penhorado e retirado da sua conta. Mais deverá ser extraída certidão do auto de citação e remetido aos serviços do Ministério Público, para respectivo procedimento criminal. Por último, deverá Vª Excia. condenar as partes envolvidas por litigância de má fé, numa indemnização à executada, atendendo aos danos causados com a preterição de uma formalidade imperativa, bem como nos juros legais devidos e calculados sob o valor penhorado, desde a data da penhora e até integral restituição (…)”.
Cumpre decidir.
A citação é o acto através do qual se dá a conhecer ao Réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama o mesmo ao processo para se defender (art. 219.º, n.º 1 do C.P.C.), pelo que é pela citação que se assegura o cumprimento do princípio do contraditório e o inerente exercício do direito de defesa pelo Réu, implicando, aliás, o acto de citação a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanhem, a indicação do tribunal, juízo e secção por onde corre o processo, se já tiver havido distribuição, bem como a indicação do prazo dentro do qual aquele pode oferecer a sua defesa, a necessidade ou não de patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia (art.s. 227.º e 563.º do C.P.C.) Efectivamente, é pela citação que se concretiza a relação jurídica controvertida, sendo que, por regra, a propositura da acção, apenas produz efeitos em relação ao Réu a partir do momento da citação deste (art. 259.º do C.P.C.).
“A citação produz importantíssimos efeitos materiais, compreendendo-se, por isso, não só que a lei regule exaustivamente o acto de citação e comine com sanções processuais severas a preterição dessas formalidades processuais” (.Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manuel de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, págs. 273 a 284).
Para além dos casos em que ocorre “falta de citação”, isto é, casos em que a citação foi pura e simplesmente omitida ou em que o acto de citação padece dos vícios enunciados nas alíneas b) a d), do n.º 1 do art. 188.º, ou em que ocorre a circunstância da al. d) desse n.º 1 do art. 188.º - o citando não chegou a ter conhecimento do acto de citação, regularmente efectuado, por facto que não lhe seja imputável -, em que a lei processual civil equipara estas situação à pura e simples “falta de citação”.
Por outro lado, o art. 191.º do C.P.C. prevê que a citação é nula quando não haja sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei (n.º1), devendo essa nulidade ser arguida no prazo indicado para a contestação, excepto se a citação tiver tido lugar por via edital ou caso não tiver no acto de citação sido indicado prazo para a defesa, situação em que a nulidade da citação pode ser arguida aquando da primeira intervenção do citado no processo (n.º 2).
O n.º 1 do artigo 227.º do CPC determina que o acto de citação implica a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanham. Por outro lado, dispõe o n.º 3 do art. 219.º do C.P.C. que a citação e as notificações são sempre acompanhadas de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objecto.
Por sua vez, estabelece o artigo 191.º do C.P.C. que “1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 188.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei. 2 - O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo (…)”.
In casu, compulsados os autos, verifica-se que a primeira intervenção processual da Executada ocorreu através de requerimento datado de 31.12.2021 (ref.ª citius 9629630) através da qual a executada apenas requereu, e passamos a citar, “(…) seja oficiado antes de mais junto do banco Millenniumbcp, pelo levantamento da penhora pendente na conta bancária da executada e por outro, a notificação da executada da conta final de custas”.
Ora, atento ao melhor disposto no art. 191.º n.º 2 do C.P.C., dúvidas não tem o tribunal em afirmar que o requerimento datado de 19.02.2024 através do qual a executada invoca a nulidade da citação é intempestivo. De facto, a Executada deveria ter invocado a nulidade da citação na sua primeira intervenção processual, o que não se verifica.
Em função do exposto, e atenta a intempestividade da arguição de tal nulidade (art. 191.º n.º 2 do C.P.C.), improcede a invocada nulidade da citação, ficando prejudica a análise da alegada falsidade do conteúdo do documento que espelha a citação efectuada.
Improcede, pelo exposto, a arguição de nulidade da citação, não operando a anulação de qualquer acto processual.
Custas do incidente a cargo da Executada (arts. 527.º n.º 1 do CPC e 7.º n.º 4 do RCP, com referência à tabela II anexa).
*
II.2. De Direito
Estipula o artigo 187.º do CPC, que «É nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta:
a) Quando o réu não tenha sido citado;».
O artigo 188.º enuncia as situações de falta de citação caso ocorram as situações elencadas no seu n.º 1, alíneas a) a f), isto é, seja qual for o motivo dos previstos nestas alíneas, que vão desde a omissão completa do ato como previsto na alínea a) até às situações que, pela sua gravidade, lhe são equiparadas e é-lhes aplicável o mesmo regime e que se encontram previstas nas alíneas b) a f).
Os efeitos processuais da falta de citação encontram-se previstos no artigo 187.º alínea a), que estipula: «É nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta:
a) Quando o réu não tenha sido citado;».
A falta de citação pode ser arguida «em qualquer estado do processo», enquanto não deva considerar-se sanada (artigo 198.º, n.º 2, do CPC), considerando-se sanada se o réu intervier no processo sem arguir logo tal falta, estipulando desse modo o artigo 189.º do CPC: «Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.»
Para além da falta de citação, também a lei prevê no artigo 191.º do CPC um outro vício concernente a este ato que apelida de nulidade da citação, o que se verifica quando «não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.»
Esta nulidade é arguida no prazo do n.º 2 do mesmo preceito, ou seja, «O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo.»
Todavia, a nulidade «só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.» (n.º 4 do artigo 191.º do CPC).
No caso em apreço, a Apelante alega que ocorreu «nulidade da citação, devendo ser declarada a nulidade de todos os actos posteriores».
Em face das consequências que invoca, e embora não o diga expressamente, o que visou arguir foi a falta de citação.
Sendo a mesma sanável, como supra referido, importa, assim, apreciar se quando a parte interveio nos autos, sem arguir nesse momento, a nulidade da sua citação, se tal ato processual tem a virtualidade de sanar a nulidade decorrente da falta de citação.
Como se referiu no Acórdão desta Relação de Évora de 16-04-2015, tudo se resume à interpretação do que seja «intervenção no processo» porquanto a lei não diz sobre o que pretendia expressar.
A questão decidenda foi perspetivada durante muito tempo no sentido de se reportar à primeira vez que o réu intervém no processo bastando para tal por exemplo, a mera junção de procuração.
Pode ler-se no recente Acórdão desta Secção, de 12.09.2024, em que a ora relatora foi adjunta, que:
«Não nos diz a lei o que se deve entender por “intervenção no processo”.
A este respeito, Alberto dos Reis explicava que, enquanto o réu ou o Ministério Público se mantiver em situação de revelia, ou melhor, enquanto se conservar alheio ao processo, está sempre a tempo de arguir a falta da sua citação (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 313), acrescentando que “[d]esde que o réu, por sua vontade, intervém no processo, não deve poder arguir a falta da sua citação. Por outras palavras: se a quiser arguir, não deve intervir no processo, pois não é a isso obrigado. O réu, tendo conhecimento de que contra ele corre um processo em que não foi citado, ou intervém nele na altura em que se encontra ou argui a falta da sua citação” (Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º, pág. 447, reproduzindo intervenção do Prof. Barbosa de Magalhães no âmbito da Comissão Revisora, que propôs a eliminação do prazo de cinco dias para arguir a falta de citação, que constava do artigo 224º do Projecto, e que foi aceite).
Em consequência destas observações, conclui o mesmo autor, “…, declarou-se que que a falta fica sanada se o réu a não arguir logo, isto é, no preciso momento em que, pela 1ª vez, intervém no processo” (cf. ob. e loc. cit.).
Rodrigues Bastos, por seu turno, afirmava que parece claro que o réu não intervém no processo enquanto se mantiver o seu estado de revelia, o que vale por dizer enquanto se não apresentar a praticar qualquer acto judicial. Por “intervenção no processo” entendemos, pois, a prática de acto susceptível de pôr termo à revelia do réu (Notas ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª ed., pág. 398).
Para Lebre de Freitas, “[a]o intervir no processo, o réu ou o Ministério Público tem, ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que, optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir iuris et de iure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se” (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 2ª ed., pág. 357).
E importante, para que essa intervenção no processo possa assumir tal relevo, é, no dizer do Acórdão da Relação do Porto, de 17/12/2008 (proc. n.º 0835621), que a mesma pressuponha “[o] conhecimento ou a possibilidade de conhecimento da pendência do processo, como decorreria da citação; se, com esse conhecimento, o réu intervém sem arguir a falta de citação é porque não está interessado em prevalecer-se dessa omissão, devendo a mesma considerar-se sanada”.
“Será, assim, suficiente qualquer intervenção do réu no processo, ainda que não qualificada como defesa ou mesmo formalmente inválida, para por termo à revelia absoluta, bastando, para tanto, a simples junção de procuração a mandatário judicial”, como se concluiu no Acórdão da Relação de Guimarães, de 5/04/2011, já citado.
Em idêntico sentido, com o qual se concorda, concluiu-se no Acórdão da Relação do Porto, de 25/11/2013 (proc. n.º 192/12.6TBBAO-B.P1), que “a junção da procuração a advogado constitui uma intervenção (acto judicial) relevante que faz pressupor o conhecimento do processo que a mesma permite, de modo a presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação”.»
Mais recentemente, têm sido proferidos acórdãos (desde logo, os referidos na decisão recorrida) que entendem que junção de procuração aos autos sem nada mais ser requerido não é um ato processualmente relevante em termos de se ter como sanada a falta de citação.
Mas sem que haja um consenso no sentido inverso do que vinha sendo decidido sobre esta questão.
O STJ no acórdão de 24-05-2022 enfrentou a mesma questão constando do seu sumário:
«I. Considera-se sanada a nulidade de falta de citação, nos termos do artigo 189º do CPC, quando o réu intervier no processo sem arguir logo essa falta.
II. A junção de uma procuração a advogado pressupõe o conhecimento do processo e configura-se como uma intervenção bastante para desencadear o ónus de arguição da falta de citação.»
Na fundamentação do assim decidido escreveu o STJ:
«A tese expressa no acórdão é a de que a junção de procuração outorgada pela Ré configura um acto de intervenção no processo, o qual pressupõe que a Ré tinha já conhecimento da existência dos autos. Daí que devesse logo arguir a falta da sua citação.
É essa a posição de Miguel Teixeira de Sousa, citado no acórdão, que vem expressa em “CPC ONLINE”, Livro II, p. 11[1]:
«2 (a) A falta de citação fica sanada se o réu ou o MP intervier no processo e não arguir logo essa falta (TC 698/98; RL 23/3/2021 (8284/16)). A sanação opera com eficácia ex tunc. (b) O regime compreende-se: se o réu ou o MP intervém no processo é porque, qualquer que tenha sido a anomalia que tenha ocorrido no acto da citação, tem conhecimento do processo. Note-se que não é a intervenção no processo que cessa o vício; o que cessa o vício é a intervenção no processo e a não arguição imediata da falta de citação.
3 (a) A intervenção no processo ocorre quando o réu ou o MP pratica algum acto no processo. (b) O acto praticado pode ser a junção pelo réu de procuração a advogado (RE 6/10/2016 (455/13)). Esta junção é suficiente para onerar a parte com a arguição da falta de citação (dif. RP 9/1/2020 (2087/17)), dado que seria estranho que o réu que sabe que houve falta de citação e que, ainda assim, escolhe praticar um acto no processo não tivesse o ónus de invocar "logo" essa falta de citação.»
Na verdade, a junção de uma procuração aos autos pressupõe o conhecimento da existência do processo, por parte de alguém que (pelo menos, na sua perspectiva) sabe que não foi citado, tratando-se, pois, de uma intervenção capaz de desencadear o ónus de arguir (“logo”), a falta de citação, sob pena de sanação do vício.
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre referem que «[a]o intervir, o réu ou o Ministério Público tem, ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que, optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir juris et de jure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se» (Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2021, p. 390).
Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa anotam que se o réu (ou o Ministério Público) «tiver intervenção no processo sem invocar imediatamente o vício, a nulidade considera-se suprida. Para este efeito, “arguir logo a falta” significa fazê-lo na primeira intervenção processual» (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 228).
Tem vindo a desenvolver-se uma interpretação actualista, que foi adoptada no Ac. do STJ de 24-11-2020 (Rel. Raimundo Queirós), Proc. 2087/17.8T8OAZ-A.P1.S1, no sentido de que, face à tramitação electrónica, resultando da Portaria 280/2013, de 26-08, que a junção da procuração é condição de acesso ao processo electrónico, não pode a expressão “logo”, prevista no art. 189.º do CPC, significar simultaneidade com essa junção.
Nesta interpretação se inscreve o Ac. da Rel. de Guimarães de 23/01/2020, invocado pela Recorrente.
No Ac. da Relação de Coimbra de 16-03-2021, Rel. Moreira do Carmo, Proc. 163/20.9T8CBR.C1, publicado em www.dgsi.pt, concluiu-se, em sentido diverso dessa interpretação, que:
«i) Considera-se sanada a falta de citação, nos termos do artigo 189º do NCPC, quando o réu intervier no processo sem arguir logo aquela falta, entendendo-se por intervenção no processo a prática de acto judicial útil, suscetível de pôr termo à revelia do réu;
ii) - A junção ao processo de procuração a advogado, sem logo arguir aquela omissão, constitui uma intervenção relevante que faz pressupor o conhecimento do mesmo, permitindo presumir-se que o réu abdicou conscientemente de arguir a falta de citação;
iii) A tramitação eletrónica do processo não interfere com as 2 anteriores conclusões».
Chama-se, neste aresto, a atenção para a existência de um processo físico (art. 28º da Portaria nº 280/2013, de 26-08) e para o que se dispõe, relativamente à consulta de processos por advogados e solicitadores, no art. 27º da mesma Portaria:
«1 - A consulta de processos por parte de advogados e solicitadores é efetuada:
a) Relativamente à informação processual, incluindo as peças e os documentos, existentes em suporte eletrónico, através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com base no número identificador do processo; ou
b) Junto da secretaria.
2 - O acesso ao sistema informático de suporte à atividade dos tribunais para efeitos de consulta de processos requer o prévio registo dos advogados e solicitadores, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º
3 - À consulta eletrónica de processos aplicam-se as restrições de acesso e consulta legalmente previstas.
4 - A consulta por advogados e solicitadores de processos nos quais não exerçam o mandato judicial é solicitada à secretaria, que disponibiliza o processo por um período de 10 dias para consulta na área reservada do mandatário no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.»
E preceitua o art. 5º da mesma Portaria que:
«1 - A apresentação de peças processuais e documentos por transmissão eletrónica de dados por mandatários judiciais é efetuada através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, no endereço eletrónico https://citius.tribunaisnet.mj.pt, de acordo com os procedimentos e instruções aí constantes.
2 - O registo e a gestão de acessos ao sistema informático referido no número anterior por advogados, advogados estagiários e solicitadores são efetuados pela entidade responsável pela gestão de acessos ao sistema informático, com base na informação transmitida, respetivamente, pela Ordem dos Advogados e pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, respeitante à validade e às vicissitudes da inscrição junto dessas associações públicas profissionais.
Por outro lado, prescreve o art. 163º, nº2, do CPC:
«2 - A publicidade do processo implica o direito de exame e consulta do processo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, e na secretaria, bem como o de obtenção de cópias ou certidões de quaisquer peças nele incorporadas, pelas partes, por qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial ou por quem nisso revele interesse atendível.»
Observa-se, no último acórdão citado, que:
«Ora, conjugando este último preceito, com os concretizadores arts. 27º, nº 1, a), 2 e 4 e 5º, nº 2, acima indicados, pode concluir-se que: qualquer advogado pode consultar electronicamente um processo, através do acesso ao sistema informático de suporte à atividade dos tribunais; desde que previamente registado pela entidade responsável pela gestão de acessos ao sistema informático, com base na informação transmitida, pela Ordem dos Advogados, a quem são entregues os elementos secretos que permitem o acesso à área reservada do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais; o mesmo acesso é permitido a advogados ainda não mandatados mas que possam exercer o mandato judicial.
O que significa que um advogado ainda não mandatado judicialmente, mas capaz para tanto, pode consultar o processo e a respectiva informação processual (por ex: p.i., citação, despacho do art. 567º, nº 1, do NCPC, etc.). Não sendo, por isso, necessário, ao invés do que se afirma em tal aresto da Rel. Évora[2], juntar previamente aos autos procuração para consultar o processo. Aliás, o que é comum, é que os Srs. advogados, mesmo antes de aceitarem a procuração, ouçam a versão dos seus clientes, confiram os elementos que estes tenham à sua disposição e, após, consultem o processo para análise.»
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre destacam, em anotação ao art. 163º do CPC, esse direito de acesso ao processo «por qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial (art. 40-2), não obstante não tenha sido constituído mandatário, e por quem revele interesse atendível» (op. cit., p. 345).
Parece, assim, sustentada a afirmação constante do acórdão que se acaba de citar no sentido de que não é necessária a junção prévia de procuração ao processo para a consulta deste.»
O entendimento defendido no acórdão da Relação de Coimbra supra extratado no aresto do STJ afigura-se-nos dever ser ponderado de forma séria, porquanto o argumento que os defensores da tese oposta têm esgrimido é no sentido da intervenção do réu no processo para ser relevante para os fins do artigo 189.º do CPC pressupor o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento da pendência do processo (o que se nos afigura que nem sequer é controvertido numa ou noutra posição) e que tal conhecimento ou possibilidade de conhecimento não decorre da junção da procuração forense aos autos nos processos com tramitação eletrónica.
Refere-se no Acórdão do STJ proferido em 24-11-2020 que a interpretação atualista do artigo 189.º do CPC face à tramitação eletrónica do processo determina essa interpretação, pois como «resulta da Portaria 280/2013 de 26-08 que a junção da procuração é condição de acesso ao processo electrónico. De modo que a expressão “logo” prevista no art. 189.º do CPC não pode ser simultânea a essa junção. (…).»
Porém, e salvo o devido respeito, se tal entendimento podia ter algum suporte no artigo 27.º, n.º 2 e 3 da Portaria 280/2013, de 26-08, na redação inicial e na redação dada pela Portaria n.º 170/2017, de 25-05, que se limitava a prescrever que o acesso ao sistema informático de suporte à atividade dos tribunais para efeitos de consulta de processos requer o prévio registo dos advogados e solicitadores e que à consulta eletrónica de processos aplicam-se as restrições de acesso e consulta legalmente prevista, já o deixou de ter com o aditamento do n.º 4 ao artigo 27.º introduzida pela Portaria n.º 267/2018, de 20-09 (aplicável 10 dias após a sua publicação – cfr. artigo 20.º desta Portaria), que passou a estipular:
«4 - A consulta por advogados e solicitadores de processos nos quais não exerçam o mandato judicial é solicitada à secretaria, que disponibiliza o processo por um período de 10 dias para consulta na área reservada do mandatário no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.» (sublinhado nosso)
Assim, desde a entrada em vigor desta alteração que os advogados e solicitadores, mesmo que não exerçam mandato judicial no processo que pretendem consultar eletronicamente, podem fazê-lo, bastando que estejam registados nessa qualidade nos termos do artigo 5.º da Portaria 280/2013 e que solicitem à secretaria o respetivo acesso, que a mesma disponibiliza na área reservada no sistema informático para esse efeito.
A que acresce o que já estipulava o artigo163.º, n.º 2, do CPC:
«2 - A publicidade do processo implica o direito de exame e consulta do processo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, e na secretaria, bem como o de obtenção de cópias ou certidões de quaisquer peças nele incorporadas, pelas partes, por qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial ou por quem nisso revele interesse atendível.»
Portanto, a junção de procuração não é de todo indispensável para o advogado ter acesso ao processo, podendo-o consultar de modo a poder suscitar a falta de citação do réu logo na primeira intervenção em nome da parte, juntando aos autos a respetiva procuração forense.”
A ora Executada é Advogada e apresenta os requerimentos a que se fez referência como Advogada em causa própria.
Interveio nos autos através do requerimento de 31.12.2021, no qual, não invocou a falta ou a nulidade da citação.
E nada mais requereu até 19.02.2024.
Tendo em consideração o prazo decorrido e ainda o referido n.º 4 do artigo 27.º da Portaria n.º 280/2013, é de concluir que a não arguição da falta de citação com a primeira intervenção determina a sanação da nulidade por falta de citação, pelo que a arguida nulidade, caso tenha existido, encontra-se sanada, encontrando-se, assim, prejudicada a apreciação da sua arguição (artigo 608.º, n.º 2, do CPC).
Nestes termos, impõe-se a improcedência da apelação com a consequente confirmação do despacho recorrido.
Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da Apelante (artigo 527.º do CPC).
*
IV. DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.
Évora,
Ana Pessoa (Relatora)
Susana Cabral (1.ª Adjunta)
Ricardo Peixoto (2.º Adjunto)