NULIDADE DA CITAÇÃO
ERRO DE JULGAMENTO
PROCURAÇÃO
SANAÇÃO DA NULIDADE
Sumário


I-Se a nulidade da citação estiver coberta por decisão, expressa ou implícita, proferida, a questão deixa de ter o tratamento das nulidades para seguir o regime do erro de julgamento e deve ser conhecida se invocada em sede de recurso.
II-Com a junção da procuração fica sanada a eventual falta de citação, porque essa junção demonstra inequivocamente o conhecimento da existência dos autos, que é a finalidade da citação.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral


Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório.
No Balcão Nacional do Arrendamento AA apresentou contra EMP01... - UNIPESSOAL, LDA PEDIDO DE DESPEJO e PEDIDO DE PAGAMENTO DE RENDAS EM ATRASO, ENCARGOS OU DESPESAS, nos seguintes termos:
«1º.- O Requerente é dono e legitimo proprietário do prédio urbano sito na Rua 1, em Local 1, actualmente inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...88º. da freguesia da freguesia de local 1, concelho de Local 2, anteriormente prédio misto inscrito na matriz predial rustica sob o artigo ...7º.C e outro e descrito na Conservatória do Registo Predial Local 2, sob o nº ...12 da freguesia de local 1.
2º.- Por contrato datado de 1 de Julho de 2006 o ora Requerente deu de arrendamento à Requerida EMP01... – Unipessoal, Ldª., Sociedade com sede na Avenida 1 – R/C Dtº. – Código Postal 1 Local 2 – NIPC ...04 (anteriormente denominada EMP02... – Sociedade Unipessoal, Ldª.), o prédio identificado no numero anterior pelo prazo de 30 anos.
3º. A renda fixada no início do contrato era de € 10.800,00 ( Dez mil e oitocentos euros) anuais, actualizáveis, nos termos que viessem a ser fixados legalmente a partir do 10º. ano de vigência, sendo paga em duodécimos de € 900,00 ( Novecentos euros)
4º. A renda anual foi:
- a partir de 1 de Julho de 2021 até 30 de Junho de 2022 - € 11.163,00 ( Onze mil cento e sessenta e três euros);
- a partir de 1 de Julho de 2022 até 30 de Junho de 2023 - € 11.211,12 ( Onze mil duzentos e onze euros e doze cêntimos);
- a partir de 1 de Julho de 2023 - € 11.436,00 ( Onze mil quatrocentos e trinta e seis euros) correspondendo às rendas mensais de:
- a partir de 1 de Julho de 2021 até 30 de Junho de 2022 - € 930,25 ( Novecentos e trinta euros e vinte e cinco cêntimos);
- a partir de 1 de Julho de 2022 até 30 de Junho de 2023 - € 934,26 ( Novecentos e trinta e quatro euros e vinte e seis cêntimos);
- a partir de 1 de Julho de 2023 - € 953,00 ( Novecentos e cinquenta e três euros)
5º. A Requerida não paga rendas desde Maio de 2021 relativo à renda de Junho de 2021, o que perfaz um total de 30 rendas , correspondendo a capital em dívida de € 28 039,12 (vinte e oito mil e trinta e nove euros e doze cêntimos) em 23 /10/2023 data em que deu entrada em Juízo a Notificação Judicial Avulsa a resolver o Contrato de Arrendamento nos termos do nº.3 do artigo 1084º. do Código Civil, com o fundamento previsto no nº.3 do artigo 1083º. deste Código.
6º. Por lapso de cálculo, o valor das rendas vencidas e não pagas em 23/10/2023 deve ser corrigido para o valor acima indicado, rectificação a que se procede nos termos do art. 249 º do Código Civil.
7º. A Notificação Judicial Avulsa foi realizada com sucesso em 4 de Novembro de 2023.
8º. A Notificação Judicial Avulsa foi feita na sede da Executada – na Avenida 1 – R/C Dtº. – Código Postal 1 Local 2 na pessoa de BB, portadora do Cartão de Cidadão ...2 válido até 03.08.2031 que declarou estar em condições de receber a Notificação.
9º. A Requerida foi notificada para fazer entrega imediata do arrendado livre e devoluto de Pessoas e Bens, o que não sucedeu até ao presente encontrando-se em mora nos termos do nº.2 do artigo 1045º. do Código Civil.
10º.Em consequência deve a Requerida pagar a titulo de indemnização o dobro da renda em vigor aquando do arrendamento - € 953,00 x 3 = € 1.906,00 ( Mil novecentos e seis euros) por cada mês que decorrer desde a notificação – 4 de Novembro de 2023 até à efectiva entrega do locado que se liquida, reportado a 1 de Março de 2024 em € 5.718,00 ( Cinco mil setecentos e dezoito euros)
Em consequência deve a Requerida pagar a titulo de indemnização o dobro da renda em vigor aquando do arrendamento - € 953,00 x 3 = € 1.906,00 ( Mil novecentos e seis euros) por cada mês que decorrer desde a notificação – 4 de Novembro de 2023 até à efectiva entrega do locado que se liquida, reportado a 1 de Março de 2024 em € 5.718,00 ( Cinco mil setecentos e dezoito euros)
Nestes termos a Executada encontra-se em divida, reportada a 1 de Março de 2024 da quantia total de 36.574,03€ , sendo que € 34.710,12 (trinta e quatro mil euros e setecentos e dez euros e doze cêntimos) a titulo de rendas e indemnização legal e € 1 863,91 (mil oitocentos e sessenta e três euros e noventa e um cêntimos) a título de juros de mora.
Alem das quantias acima referidas deverá a Executada pagar a indemnização nos termos do nº.2 do artigo 1045º. do Código Civil e juros, até à entrega efectiva do locado livre de pessoas e bens.»
Em 29.07.24 foi proferida decisão com o seguinte teor:
«A requerida foi notificada na morada correspondente ao imóvel arrendado, tendo a citação sido recusada por terceiro, presumindo-se que seja seu funcionário, pelo que, nos termos do artigo 246º, nº 3 do CPC ex vi artigo 15º-D nº 3 da lei nº 6/2006 de 27.02 se considera validamente notificada.
Não tendo a requerida deduzido oposição considero confessados os factos cuja demonstração não exige documento escrito- cf. Art.567º nº 1 CPC.»
Em 6.09.24 foi proferida sentença que:
a) Decidiu autorizar a entrada imediata no prédio urbano sito na Rua 1, na freguesia de local 1, descrito na Conservatória do Registo Predial Local 2 sob o nº ...12, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...88, anteriormente prédio misto inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...7... e outro;
b) Decidiu condenar a requerida EMP01... – UNIPESSOAL, LDA. pagar ao requerente AA a quantia de €28.039,12 (vinte e oito mil e trinta e nove euros e doze cêntimos) a título de rendas vencidas e não pagas entre maio de 2021 e novembro de 2023, acrescida de uma indemnização no valor mensal de €953,00 (novecentos e cinquenta e três euros), por cada mês ou fração, a partir do mês de dezembro de 2023 (inclusive) até efetiva entrega do imóvel identificado em a), livre de pessoas e bens;
c) Absolveu a requerida do demais peticionado.”
Em 19.09.24 foi junta aos autos procuração da requerida.
Em 24.09.24 veio a requerida interpor o presente recurso contra a sentença, extraindo as seguintes conclusões (transcrição):
«A) Por notificação da Senhora Agente de Execução, na data de 6 de novembro de 2023, foi a requerida notificada nos termos do artigo 256º do Código de Processo Civil do requerimento, com a advertência de que as notificações avulsas não admitem oposição alguma, e que os direitos respetivos só podem fazer-se valer nas ações competentes.
B) Tal notificação é operada para a sede da requerida, na Avenida 1, r/c Dtº., em Código Postal 1 Local 2, e não para o local arrendado.
C) A notificação, por carta registada com AR, operada pelo Balcão do Arrendatário e Senhorio, datada de 14/03/2024, a qual é acompanhada do Requerimento de Despejo, é enviada à requerida para a morada do local arrendado, ou seja, para a Rua 1, em Código Postal 2 Local 1.
D) Tal comunicação não é entregue pelo Distribuidor do Serviço Postal, o qual, no envelope, constante dos autos, anotou a menção “mudou-se”.
E) Frustrada a primeira tentativa, é operada uma segunda tentativa, para a morada do local arrendado, ou seja, para aquela Rua 1, 2m Código Postal 2 Local 1, tendo o Distribuidor do Serviço Postal, conforme consta dos autos, anotado as seguintes menções: “recusado”, “receber carta”, “terceiro”.
F) Apresentados à distribuição os presentes autos, na data de 30/07/2024, é enviada para a morada do local arrendado, notificação do douto despacho, nos termos e para os efeitos do 567º nº.2 do CPC, a qual, também não é entregue, tendo o Distribuidor do Serviço Postal, uma vez mais colocado a menção “mudou-se”.
G) Chegados à fase da sentença de que se recorre, esta é enviada para a morada em crise, porém, não é entregue nessa mesma morada, o Distribuidor do Serviço Postal, vai entregar a mesma na morada na Rua 2, ..., em Código Postal 2 Local 1, na pessoa de CC, funcionária de outra empresa, que não da requerida,
H) Ou seja, o Distribuidor do Serviço Postal vai entregar a notificação a cerca de 500 metros de distância.!,
I) a qual foi recebida pela pessoa em questão por ser funcionária de outra empresa das relações profissionais com a requerida.
J) Ora, quando apresentado o requerimento de despejo, o requerente deveria ter tomado as cautelas necessárias para a citação, pois, o mesmo, bem sabia, que havia consentido na cedência do local arrendado para exploração de uma outra entidade, por via do contrato celebrado em 15 de junho de 2016.
K) Como se pode verificar do contrato de cessão de exploração, a mesma ocorreu sem que fosse acompanhada de quaisquer trabalhadores da cedente (ora requerida).
L) As informações prestadas aos senhores Distribuidores do Serviço Postal, não o foram por gerente da requerida ou qualquer um seu funcionário.
M) Foram sim, por gerente ou funcionário da empresa cessionária, que, curiosamente, se encontram no local arrendado, nomeadamente a companheira e a sogra do requerido nos presentes autos.
N) É bom de ver, segundo a requerida, que houve intenção da parte da cessionária (na pessoa dos familiares do requerido), não diligenciar pela entrega da citação e notificações enviadas, apenas se preocupando em apelar ao Distribuidor do Serviço Postal, a entrega da sentença na morada supra elencada.
O) E, tanto assim é que, na data da notificação judicial avulsa, a mesma ocorreu na morada da sede da requerida.
P) Ora, salvo melhor opinião, foi sem culpa da requerida que a citação e as posteriores notificações não chegaram ao seu conhecimento, tendo assim,
Q) ficado precludida a possibilidade de deduzir oposição ao requerimento de despejo.
R) Cabia ao requerente apresentar nos autos a razão para a tentativa frustrada da citação.
S) Deste modo não se pode concluir que a requerida estava regularmente notificada, que a citação havia sido recusada por terceiro, presumindo-se que fosse seu funcionário.
T) Ora, a requerida pode arguir a falta de citação a todo o tempo, o que desde já faz, ao abrigo do que dispõe a alínea e) do número 1 do artigo 188º do Código de Processo Civil, declarando-se nulo todo o procedimento depois da petição inicial, e consequentemente,
U) remetendo-se ao Balcão do Arrendatário e do Senhorio todo o procedimento com vista à citação da requerida, em obediência ao cumprimento do disposto no artigo 15ºD da Lei 6/2006 de 27 de fevereiro.
Nestes termos e nos demais de direito, requer-se a Vª.s Exªs Venerandos Desembargadores se dignem a dar provimento ao presente recurso, declarando-se nulo o procedimento, após a entrada da petição inicial, por falta de citação da requerida, com as legais consequências, com o que se fará justiça.»
Nas contra alegações, conclui o requerente que (transcrição):
«1. O apelado não teve nem processualmente podia ter, qualquer intervenção no Procedimento Especial de Despejo para além da que teve- notificação Judicial Avulsa e requerimento de Despejo - Todo o procedimento é feito legalmente pelo balcão do Arrendatário e do senhorio e pelo Tribunal.
2- Nenhum familiar do apelado é cessionário do local despejando.
3-O apelante teve conhecimento da existência do Procedimento Especial de despejo, tendo tido acesso à citação.
4- O Apelante conformou-se com as consequências da resolução do Contrato de Arrendamento não tendo deduzido qualquer Oposição.
5- Mas ao juntar a procuração certeiramente no processo manifesta já o conhecimento da existência do processo e do respectivo estado.
6-Ainda que fosse decidido que o Apelante não foi citado, o mesmo ao juntar a procuração sem arguir a nulidade, vindo a arguir a mesma só em sede de Apelação determina que a pretensa nulidade está sanada.
7- A douta sentença recorrida não violou qualquer disposição legal, devendo ser mantida nos seus termos.»
Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

2 – Objecto do recurso.
Face ao disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que as questões a decidir são as seguintes:
1º questão – Saber se a nulidade da citação pode ser arguida em sede de recurso;
2º questão – Saber se a nulidade da citação é tempestiva ou se encontra sanada.
3º questão – Em caso de tempestividade saber se a citação obedece aos requisitos legais.

3 - Análise do recurso.
1º questão - Saber se a nulidade da citação pode ser arguida em sede de recurso.
É posta em causa, neste recurso, a falta de citação da requerida e -ao abrigo do que dispõe a alínea e) do número 1 do artigo 188º do Código de Processo Civil- pede a mesma que se declare nulo todo o procedimento depois da petição inicial, e consequentemente, o requerimento de despejo (A recorrente defende que não teve qualquer culpa que a citação e as posteriores notificações não chegassem ao seu conhecimento, tendo assim, ficado precludida a possibilidade de deduzir oposição ao requerimento de despejo e cabia ao requerente apresentar nos autos a razão para a tentativa frustrada da citação).
Trata-se, portanto, de uma nulidade processual e não da sentença.
Assim, em primeiro lugar, quanto ao meio escolhido (o recurso), para invocar a nulidade, importa referir o seguinte:
As nulidades processuais derivam de actos ou omissões que foram praticados antes de ser proferida sentença, traduzindo-se em desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar acto proibido, quer por se omitir um acto prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
No caso concreto, a nulidade tem manifesta influência na decisão da causa, o que constitui nulidade processual sujeita ao regime do artigo 195º nº 1 do Código de Processo Civil.
Tais nulidades, constituindo anomalia do processo, devem ser suscitadas e conhecidas no Tribunal onde ocorreram e, discordando-se do despacho que as conhecer, poderá ele ser impugnado através de recurso.
Conforme resulta do preceituado no n.º 3 do citado artigo 200º, é a própria lei que designa por reclamação a arguição de nulidades, abrindo-se, assim, um incidente autónomo, ao qual a parte contrária pode ter direito a responder, nos termos do artigo 201.º citado.
Já assim não será se, a nulidade em causa estiver coberta por decisão, expressa ou implícita, proferida, ficando esgotado, quanto a ela, o poder jurisdicional (art. 613º nº1 do CPC). Neste caso a questão deixa de ter o tratamento das nulidades para seguir o regime do erro de julgamento, por a infração praticada passar a ser coberta pela decisão, expressa ou implícita, proferida, ficando esgotado, quanto a ela, o poder jurisdicional (art. 613º nº1 do CPC).
É o caso dos autos, pois a mesma acabou por ser implicitamente objecto de decisão judicial (por duas vezes, a primeira, aquando do despacho que considerou confessados os factos alegados na p.i. por falta de citação e, a segunda, quando os mesmos foram inseridos na sentença proferida).
Concluímos assim que, cumpre a este tribunal apreciar tal questão, de acordo com os elementos constantes dos autos.

2º questão – Saber se a nulidade da citação é tempestiva ou se encontra sanada.
Alega a recorrida que a eventual nulidade sempre estaria sanada, dado que a recorrente juntou procuração sem arguir a nulidade.
Vejamos:
Como sabemos, nos termos do disposto no n.º 2 do actual art.º 191.º do CPC (e anterior 198.º, n.º 2), a nulidade da citação deve ser arguida no prazo indicado para a contestação, ou logo aquando da primeira intervenção do citado no processo.
Nos termos do art. 189.º do actual CPC (anterior art.º 196ºdo CPC 1961): Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.
A este propósito encontramos três posições diferentes:
Uma que defende que, a simples junção autos de uma procuração forense pela parte demandada não se integra, só por si, nesse conceito de intervenção no processo, pois o artº. 189º do CPC deve ser interpretado no sentido que a sanação de nulidade decorrente da falta de citação, pressupõe uma atuação ativa no processo da parte demandada através da prática ou intervenção em acto judicial, que lhe permitam tomar pleno conhecimento de todo o processado ou, pelo menos, que façam presumir esse efetivo conhecimento- neste sentido entre outros, Ac. RC de 2018-04-24, Processo n.º 608 /10.6TBSRT-B.C1 (Relator: Isaías Pádua).
Outra posição que considera sanada a falta de citação, nos termos do artigo 196º, do CPC, quando o réu/executado intervier no processo, sem arguir logo aquela omissão, entendendo-se por intervenção no processo a prática de acto susceptível de pôr termo a revelia do réu, o que se verifica com a constituição de advogado – neste sentido entre outros, Ac. da RG de 10.7.2018 nº 353/13.0TBVPA.G1 (Jorge Teixeira); e Acs. RE de 16-04-2015, proc. nº 401/10.6TBETZ.E1 (Relator: Francisco Xavier), de 20-12-2018, proc. nº 4901/16.6T8STB-A.E1 (Relatora: Florbela lança), de 24.10.2019 Proc. nº 1332/11.8T8LLE-E.E1 (Relator: Mário Coelho).
E finalmente, uma terceira posição, que defende a necessidade de efectuar uma leitura actualista, pelo menos do prazo de arguição, pois actualmente a junção da procuração é necessária para acesso electrónico aos autos por isso, esse prazo de invocação deve ser interpretado como, pelo menos, 10 dias após a junção da procuração- neste sentido, entre outros, Ac da RL de 29-09-2020, Proc. nº 7365/16.0T8LRS-A.L1-7 (Relatora: Cristina Maximiano); Ac. RE de 22-10-2020, proc. nº 926/19.8T8ST(Relator: Manuel Bargado) e Ac. RP de 09-01-2020, Proc. nº 2087/17.8T8OAZ-A.P1 (Relator: Paulo Teixeira).
Sobre o que se deve entender por "intervenção no processo", Alberto dos Reis, (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 313), explicava que, enquanto o réu ou o Ministério Público se mantiver em situação de revelia, ou melhor, enquanto se conservar alheio ao processo, está sempre a tempo de arguir a falta da sua citação acrescentando que “[d]esde que o réu, por sua vontade, intervém no processo, não deve poder arguir a falta da sua citação. Por outras palavras: se a quiser arguir, não deve intervir no processo, pois não é a isso obrigado. O réu, tendo conhecimento de que contra ele corre um processo em que não foi citado, ou intervém nele na altura em que se encontra ou argui a falta da sua citação” (Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º, pág. 447, reproduzindo intervenção do Prof. Barbosa de Magalhães no âmbito da Comissão Revisora, que propôs a eliminação do prazo de cinco dias para arguir a falta de citação, que constava do artigo 224º do Projecto, e que foi aceite).
Em consequência destas observações, conclui o mesmo autor, “…, declarou-se que que a falta fica sanada se o réu a não arguir logo, isto é, no preciso momento em que, pela 1ª vez, intervém no processo” (cf. ob. e loc. cit.).
E Rodrigues Bastos, (in Notas ao Código de Processo Civil, página 259) refere que” a mesma se reporta à prática de acto susceptível de por termo à revelia do réu, esclarecendo que a intervenção do réu (leia-se executado) preenche as finalidades da citação. desde que ele não se mostre, desde logo. interessado em arguir essa omissão.”
Também a este propósito, diz Lebre de Freitas (in Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2ª ed. página 357) que “ao intervir no processo o réu (leia-se executado) tem ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir iuris et de jure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se”.
Estamos com quem defende que, com a junção da procuração, sem arguição da nulidade fica sanada a eventual falta de citação, porque essa junção demonstra inequivocamente o conhecimento da existência dos autos, que é a finalidade da citação.
A finalidade da citação – o conhecimento da existência dos autos- resulta demonstrado com a intervenção nos autos.
Como se pode ler no Acórdão da Relação do Porto de 17.12.2008, proferido no processo 0835621A, a intervenção faz pressupor “o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento da pendência do processo, como decorreria da citação; se, com esse conhecimento, o réu intervém sem arguir a falta de citação é porque não está interessado em prevalecer-se dessa omissão, devendo a mesma considerar-se sanada”.
Será, assim, suficiente qualquer intervenção do réu no processo, ainda que não qualificada como defesa ou mesmo formalmente inválida, para por termo à revelia absoluta”.
Os posteriores actos de citação seriam inúteis, pois, a diligência já estava materialmente realizada (art. 130º, do CPC). Por isso esses actos posteriores de citação são em si mesmos nulos e proibidos nos termos do art. 202º, do CPC.
Quanto ao prazo de arguição refere Miguel Teixeira do Sousa, Blog IPPC em 17.06.2020:
«… é discutível que se imponha uma interpretação actualista do disposto no art. 189.º CPC em função da actual tramitação electrónica.
Este preceito pressupõe duas coisas:
-- Que tenha havido falta de citação do réu;
-- Que, ainda assim, o réu pratique um acto no processo.
A circunstância de, hoje em dia, a tramitação ser electrónica e pressupor a junção da procuração em nada altera o regime: tal como dantes, a junção da procuração demonstra que o réu teve conhecimento da pendência do processo, porque, de outra forma, não se compreenderia aquela junção.
b) Outra questão é saber se, conjuntamente com a intervenção no processo, o réu tem o ónus de alegar "logo" a falta de citação. De novo salvo o devido respeito, a circunstância de a tramitação ser electrónica em nada altera o regime. Na verdade, o que acontece em qualquer caso, isto é, qualquer que seja a forma da tramitação, é o seguinte:
-- O réu não foi citado;
-- Apesar disso, o réu intervém no processo, nomeadamente juntando uma procuração forense.
Isto demonstra que o réu tem conhecimento da pendência do processo. Se o que é relevante é que o réu tenha conhecimento do processo, então circunstância de o processo correr de forma electrónica não tem nenhuma relevância. Por isso, faz sentido que, se o réu quiser alegar a falta de citação, tenha de a invocar "logo" que intervém.
Repare-se que, se houve falta de citação, o réu não tem o ónus de praticar nenhum acto em juízo. Sendo assim, se escolher praticar um acto (e pode escolher praticá-lo quando entender), não é desrazoável impor que, se for do seu interesse, tenha de invocar "logo" a falta de citação.
Estranho seria que o réu sabe que houve falta de citação, ainda assim escolhe praticar um acto no processo e não tivesse o ónus de invocar "logo" a falta de citação. Tudo isto, como se referiu, sem que tenha qualquer relevância a tramitação eletrónica do processo.»
De qualquer forma, mesmo considerando a posição que defende a leitura actualista do prazo de arguição, ainda assim, verificamos que a requerida não respeitou tal prazo: Em 07-05-2019 o seu mandatário juntou aos autos procuração e só em 05-06-2019 invocou a nulidade por falta de citação.
Mesmo que se considere como certo que, na altura da junção da procuração não foi possível aceder ao processo, - como alega a recorrente – fica por explicar porque só o fez um mês mais tarde.
Em suma:
Considera-se sanada a eventual falta de citação, pelo que fica prejudicada a análise da 3ª questão e improcede o recurso.

4 – Dispositivo.
Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto e, em consequência manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente- cf. art. 527ª do CPC.
Évora, 16.12.2024
Elisabete Valente
António Fernando Marques da Silva
Maria Adelaide Domingos