ADIAMENTO DA AUDIÊNCIA
JUSTO IMPEDIMENTO
CADUCIDADE DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário


I. Não há fundamento legal para adiar a continuação da audiência de julgamento oportunamente designada ainda que haja acordo nesse sentido por parte dos mandatários de ambas as partes;
II. Tendo em consideração que a continuação da audiência foi designada por acordo, a falta do advogado do réu só poderia ter constituído fundamento de adiamento da mesma se tiver ocorrido uma verdadeira e própria situação de justo impedimento ( cfr. nº1 do art.º 603º conjugado com o art.º 140º do CPC);
III. Para tanto era mister que o advogado do réu tivesse apresentado um atestado médico com o requerimento em que pediu o adiamento da audiência com fundamento em doença ou, pelo menos, se tivesse comprometido a apresentá-lo.
IV. Tendo o contrato de arrendamento que ligava os Autores/senhorios ao Réu/inquilino caducado (art.º1051ºa) do Código Civil) em consequência da oposição daqueles à renovação do prazo estipulado, e não tendo este último, por causa que lhe é imputável, entregado o imóvel locado como estava adstrito ( art.º 1038º, i) do mesmo Código), é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição o dobro do valor da renda estipulada ( art.º 1045º, nº2 do Cód. Civil).
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral


3464/22.8T8STR.E2
ACÓRDÃO
I.RELATÓRIO
1. AA, BB e CC demandaram DD peticionando a sua condenação no pagamento de € 47.400,00 relativo às rendas vencidas e não pagas desde Abril de 2019 até Julho de 2022 bem como do acréscimo de 50% de acordo com a clausula 12 do contrato celebrado.
Para tanto, alegaram, em síntese, que são legítimos proprietários da fracção autónoma, correspondente ao 4.º Andar Dt.º, do prédio urbano sito na Avenida 1, da freguesia Local 1, Concelho Local 2, e que, por contrato datado de 1 de Março de 2018 se obrigaram a proporcionar o gozo daquele prédio ao réu, mediante o pagamento de uma renda mensal, no valor de € 550,00. No entanto, os autores alegam que o réu deixou de liquidar pontualmente as rendas a partir de Abril de 2019 e até à data em que entregou o imóvel, em Julho de 2022.
O réu contestou, alegando que os autores peticionam quantia monetária superior à efectivamente devida a título de rendas, pois em alguns meses peticionam valor de renda de € 700 e não de € 550, e pretendem uma indemnização de 50% quando apenas poderá ser de 20% atento o facto de a Lei 13/2019 de 12 de Fevereiro ter alterado o nº 1 do artigo 1041º do Código Civil, passando a compensação a ser de 20% e não 50%, como peticionam os autores.
2. Realizada audiência final veio, subsequentemente, a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência condenou o réu DD a pagar aos autores AA, BB e CC a indemnização pelo atraso na entrega do locado, na quantia global de € 42.550,00 (quarenta e dois mil quinhentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento”.

3. É da decisão de realizar a audiência final e da própria sentença proferida que recorre o réu, formulando na sua apelação as seguintes conclusões:
A- O Mandatário do ora Recorrente requereu o adiamento da audiência de julgamento agendado para o dia 12.7.2023 por motivos de doença que se fizeram sentir na noite da apresentação do Requerimento, tendo inclusivamente o mandatário dos recorridos também requerido o adiamento conforme requerimento junto aos autos no dia da audiência de julgamento: " ", EE, Mandatário dos AA. mais bem identificados nos autos, notificado via Citius (Ref. 49469587) do Requerimento apresentado pelo Ilustre Mandatário do R. em 11.07.2024,às 23.38.33 e atendendo ao conteúdo do mesmo, subscreve de igual modo o ali requerido, devendo pois a diligência ser reagendada, evitando-se assim a deslocação a esse douto Tribunal".
B- Ora não obstante ambas as partes terem requerido a audiência a mesma não foi adiada/reagendada uma vez que o ora o mandatário do recorrente veio a ter conhecimento da realização da audiência de julgamento com a notificação da sentença ( proferida escassos dias após a audiência de julgamento) e na sentença constatou que na mesma refere no final da pág. 1 da douta sentença o seguinte: * Realizada audiência final de acordo com o legal formalismo, e mantendo-se os pressupostos de regularidade e validade da instância, não subsistindo nem sobrevindo quaisquer questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa”.
C- Ora entendemos que sobreveio questão prévia que obstava à apreciação do mérito da causa, pois para além do Tribunal não ter reagendado a marcação da audiência final contrariando o pedido solicitado por ambas as partes processuais por Requerimento autónomo, não só deu início à audiência final sem a presença do mandatário do R. ora recorrente como procedeu à produção das alegações orais do mandatário dos AA. e concluiu a audiência final.
D- Assim sendo, o ora Recorrente vem arguir a nulidade da audiência final e da sentença pois na realidade formalidade essencial foi preterida, pois tendo o Tribunal realizado a audiência final em 12.7.2024 sem a presença do Mandatário do R., o mandatário do R. ficou impedido de produzir as alegações orais a que tinha direito, o que consubstancia preterição de formalidade essencial (omissão de acto processual), com valor de nulidade nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, uma vez que as alegações visam, precisamente, conferir à parte uma oportunidade para influenciar o juiz no exame e decisão da causa.
E- A ocorrência da referida nulidade processual implica a anulação do processado a fim de a tramitação processual regressar ao momento anterior ao encerramento da audiência, de forma a ser dada à parte recorrente a possibilidade de, em sede de audiência final, proferir alegações orais, após o que deverá ser proferida nova sentença (cfr., neste sentido, acórdãos do STJ de 29/9/2020, Processo 731/16.3T8STR.E1.S1, e entre outros vários Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 10/2/2022, no Processo 587/16.6T8SSB.)
F- E assim sendo, requer-se ao Tribunal ad quem que seja anulada a audiência de julgamento final e dos actos posteriormente à mesma devendo ser anulada a sentença proferida, e que seja marcada nova audiência de julgamento para que seja admitida a possibilidade de o mandatário do R. poder apresentar alegações orais ou ser repetida a audiência de julgamento.
G- Mas em termos de matéria de facto, o recorrente manifesta total desacordo com a sentença ora proferida uma vez que a matéria de facto dada como provada não corresponde à realidade, uma vez que, o depoimento prestado pelas testemunhas foi de completa ausência de prova pois não conhecem as partes e mais a testemunha procuradora do AA. é o pai dos mesmos e na realidade directo interessado no lítigio pois é na prática o verdadeiro titular da fração dos autos.
H- Ora o Tribunal a quo deu como provado no ponto 5º da matéria de facto dado como provada inúmeros valores monetárias que não correspondem sequer ao confessado pelos AA. na Petição Inicial Aperfeiçoada que os AA. juntaram ao Processo e que intitularam de Articulado, onde se constata que os AA. passaram a cobrar 700 euros de renda mensal e não 550 euros de renda mensal ,dado como renda provada pelo Tribunal a quo.
I- Só que o Tribunal a quo não se apercebeu de tal facto. como se constata por exemplo na pág. da sentença: " Conclui-se, assim, que, conforme resulta desta cláusula contratual, que também se encontra prevista na lei, o réu se encontrava obrigado a pagar aos autores uma indemnização pelo atraso na entrega do locado, no valor de € 1.100,00 por mês, correspondente ao dobro do valor da renda estipulada, que foi no valor de € 550,00 (...), pelo que o valor a atender para encontrar o valor da indemnização era o da renda vigente à data da cessação do contrato, que era, conforme resultou provado, no valor de € 550,00".
J- Com efeito, a douta sentença não teve em conta a própria confissão dos AA. que confessam que receberam valores de renda e que inclusivamente aumentaram a renda mensal de 550 para 700 euros mensais e passaram a cobrar assim a renda mensal de 700 euros mensais, basta constar o que foi peticionado pelos AA. nos artigos 9º a 12º na sua Petição Inicial Aperfeiçoada (que os ora recorridos intitularam de Articulado):
9. Assim, ficaram por pagar os seguintes valores no que ao ano de 2019 diz respeito: a) Abril - € 500,00;
b) Maio - € 500,00;
c) Junho - € 700,00;
d) Julho - € 400,00;
e) Agosto - €300,00;
f) Setembro - €700,00;
g) Outubro - 350,00;
h) Dezembro - €700,00.
10. Respeitante ao ano civil de 2020, estão em divida os seguintes valores:
a) Janeiro - €700,00;
b) Fevereiro - €700,00;
c) Março - €700,00;
d) Abril - €500,00;
e) Maio - €500,00;
f) Junho - €700,00;
g) Julho - € 400,00;
h) Agosto - € 300,00;
i) Setembro - €700,00;
j) Outubro - €350,00;
k) Dezembro - € 700,00.
11. Respeitante ao ano civil de 2021, estão em falta os seguintes valores: a) Janeiro a Dezembro, no total de €8.400,00.
12. Respeitante ao ano civil de 2022, estão em falta os seguintes valores: a) Janeiro a Julho, no total de € 4.900,00.
K- O Tribunal a quo deu como provado o pagamento de 50 euros em Março de 2019, o que é um lapso do Tribunal a quo, pois nada consta dos autos tal valor, e consequentemente tal valor monetário não pode ser considerado como facto provado, quer porque o R. ora recorrente pagou o montante mensal de 700 euros quer porque, os AA. ora recorridos não solicitaram o pagamento de tal més na sua Petição Inicial e na sua Petição Aperfeiçoada, e consequentemente o Tribunal a quo não pode em violação do princípio do dispositivo, dar como factos provados: factos não alegados pelas partes processuais nos seus articulados.
L- Os ora recorridos não solicitaram o pagamento do mês de Março de 2019 pois a renda de Março foi paga pelo R. na sua totalidade e daí os AA. na sua Petição Inicial corrigida os ora recorridos não terem solicitado o pagamento de tal mês, o que é mais um elemento revelador, de que há um erro notório na matéria de facto dado como provada ( isto para além do R. ter pago a quantia de €700,00 e não apenas €50,00) , mas além deste erro constata-se outros erros na matéria de facto dado como provada e não provada que a seguir se descriminam:
- O Tribunal a quo não se apercebeu que os AA. peticionaram indevidamente na presente Acção €700,00 euros de renda mensal como se pode constatar em todos os meses descriminados e a título de exemplo:
- nos meses de Junho, Setembro, e Dezembro do ano de 2019 e nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Junho, Setembro, e Dezembro do ano de 2020;
- no ano de 2021 os AA. peticionam o montante total de €8.400,00. (ou seja 700 euros x 12) também revelador de que a renda caso fosse 550 euros mensais seria apenas o valor de €6.6000,00 (logo há uma diferença de €1.800,00);
- no ano de 2022 os AA. peticionam os meses de Janeiro a Julho € 4.900,00. (ou seja 700 euros x 7) também revelador de que a renda caso fosse de 550 euros mensais seria apenas o valor de €3.850,00 (logo há uma diferença de €1.050,00);
M- O Tribunal a quo incorreu em novo erro ao não incluir na matéria de facto dado como provada, como facto provado ( facto confessado pelos AA.) que em Novembro de 2019 o R. ora Recorrente procedeu ao pagamento €200,00 de parte da renda mensal de €700,00.
N- O Tribunal a quo incorreu em novo erro ao não incluir na matéria de facto dada como provada, como facto provado ( facto confessado pelos AA.) que em Novembro de 2019 e em Novembro de 2020, o ora Recorrente procedeu ao pagamento da renda cobrada de 700 euros e assim sendo, na matéria de facto dado como provada tem-se de incluir os valores de €700,00 de Novembro de 2019 e €700,00 de Novembro de 2020,pagos pelo R.
O- E nos FACTOS PROVADOS no ponto 5 da sentença ou tem-se de retirar a alínea a) Março de 2019: € 50,00 uma vez que os AA. não peticionam o més de Março de 2019, sendo certo que caso se mantenha essa alínea, deverá ser considerado como facto Provado que o R. pagou o montante de €700,00 pois nem se entende como o Tribunal chegou ao valor de €50,00.
P- Mais atendendo a que os AA. confessam que a renda mensal era desde pelo menos Março de 2019 em diante de €700,00 mensais os valores pagos pelo R. ora recorrente são os seguintes: devendo tais valores serem corrigidos no ponto 5 da douta sentença: (" 5. O réu entre Março de 2019 e Julho de 2022 liquidou aos autores as seguintes quantias:
a) Março de 2019: €700,00 e não € 50,00 como consta na sentença;
b) Abril de 2019: €200,00 e não € 50,00 como consta na sentença;
c) Julho de 2019: €300,00 e não € 150,00 como consta na sentença;
d) Agosto: €400,00 e não € 250,00 como consta na sentença;
e) Outubro de 2019: €350,00 e não € 250,00 como consta na sentença
f) Abril de 2020: €200,00 e não € 50,00 como consta na sentença;
g) Maio de 2020: €200,00 e não € 50,00 como consta na sentença;
h) Julho de 2020: €300,00 e não € 150,00 como consta na sentença;
i) Agosto: €400,00 e não € 250,00 como consta na sentença;
j) Outubro de 2020: €350,00 e não € 200,00 como consta na sentença;
Q- Mais tem-se de incluir aos FACTOS PROVADOS duas novas alíneas uma vez que o R. ora recorrente conforme confessados pelos AA. pagou as rendas de Novembro de 2019 e de Novembro de 2020: ( l) Novembro de 2020: €700,00 e alínea k) Novembro de 2020: €700,00) o que equivale ao valor global de rendas pagas pelo R. no dito período em € 4.800,00 e não o valor global fixado pelo Tribunal no final do ponto 5º dos Factos provados no valor global de € 1.450,00, o que significa que atendendo aos cálculos anteriores deverá ser descontado o valor de € 4.800,00 (quatro mil e oitocentos euros) e não o valor global fixado pelo Tribunal de € 1.450,00.
R- Assim sendo, impõe-se a modificabilidade da matéria de facto não podendo ser dados como provados a alínea a) do ponto 5º da matéria dado como provada, e também devem ser dados como provados vários valores monetários pagos pelo R., logo impõe-se a modificabilidade da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto ao abrigo da alínea a) e b) do nº 1 do art.º 712º do C.P.C.
S- Ora, caso os Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação entenda que no processo não conste todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 712º do C.P.C, permitam a reapreciação da matéria de facto, requer-se que a Relação de Évora anule, a decisão da 1ª instância por ser insuficiente, obscura e contraditória, devendo ser repetido o julgamento, conforme estabelece o nº 4 do artº 712º do C.P.C. - e na douta sentença ao serem violadas as normas constantes nas alínea a) e b) do nº 1 do artº 712º do C.P.C. impõe-se a modificabilidade da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto.
Termos em que, com o douto suprimento de direito de V. Exªs, deverá a presente apelação ser julgada procedente, e que seja anulada a audiência de julgamento final e dos actos posteriormente á mesma devendo ser anulada a sentença proferida, e que seja marcada nova audiência de julgamento para que seja admitida a possibilidade de o mandatário do Recorrente poder apresentar alegações orais ou ser repetida a audiência de julgamento, anulando-se, a decisão da 1ª instância por ser insuficiente, obscura e contraditória.”.

4. Contra-alegaram os Autores defendendo a manutenção do decidido.

5. O objecto do recurso- delimitado pelas conclusões da recorrente (cfr. art.ºs 608ºnº2,609º,635ºnº4,639º e 663º nº2, todos do CPC) – circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:
5.1. Da alegada nulidade decorrente da realização da audiência final sem a presença do mandatário do apelante;
5.2. Impugnação da matéria de facto;
5.3. Reapreciação jurídica da causa: se o apelante é devedor da quantia em que foi condenado.

II. FUNDAMENTAÇÃO

6. É o seguinte o teor da decisão de facto inserta na sentença recorrida:

Factos Provados:
1. Por contrato datado de 1 de Março de 2018, FF, na qualidade de procurador dos autores, declarou ceder ao réu o gozo, para habitação, do prédio urbano, sito no 4º Dto. do prédio sito na Avenida 1, Concelho Local 2, pelo prazo de 1 ano, renovável por igual período, com início em 1 de Março de 2018, mediante o pagamento da quantia mensal de € 550,00, ficando sujeita a actualizações automáticas e anuais, mediante a aplicação da taxa de 3%, sem necessidade de quaisquer comunicações entre as partes.
2. Da cláusula 12. do contrato referido em 1. consta que: “Quando o(a) Senhorio(a) se opuser à renovação do presente Contrato nos termos do disposto no artigo 1097º do Código Civil e o Inquilino não restituir o locado no prazo legal, este fica obrigado, a título de indemnização, a pagar por cada mês ou fracção que decorrer até à restituição, o dobro da renda estipulada (…)”.
3. Por carta datada de 14 de Novembro de 2018, FF, na qualidade de procurador dos autores, comunicou ao réu que se opunha à renovação do contrato referido em 1., e que no dia 28 de Fevereiro de 2019 lhe deveria entregar o locado livre e devoluto.
4. O réu não entregou o locado no dia 28 de Fevereiro de 2019 e a partir de Abril de 2019 deixou de pagar pontualmente a contrapartida pela utilização do imóvel.
5. O réu entre Março de 2019 e Julho de 2022 liquidou aos autores as seguintes quantias:
a) Março de 2019: € 50,00
b) Abril de 2019: € 50,00
c) Julho de 2019: € 150,00
d) Agosto: € 250,00
e) Outubro de 2019: € 250,00
f) Abril de 2020: € 50,00
g) Maio de 2020: € 50,00
h) Julho de 2020: € 150,00
i) Agosto: € 250,00
j) Outubro de 2020: € 200,00,
no valor global de € 1.450,00.
6. Os autores voltaram a ter acesso ao imóvel em Julho de 2022.”.

7. Do mérito do recurso

7.1. Da alegada nulidade decorrente da realização da audiência final sem a presença do mandatário do apelante.

Refere o apelante que o seu mandatário requereu o adiamento da audiência de julgamento agendada para o dia 12.7.2023 ( “por motivos de doença que se fizeram sentir na noite da apresentação do Requerimento”) no que foi sufragado pelo mandatário dos apelados através de requerimento pelo mesmo expedido, mas que o Tribunal não atendeu a esses requerimentos procedendo à sua realização.
Vejamos.
Compulsando os autos constata-se que:
i) A audiência final foi agendada para o dia 15 de Maio de 2024, pelas 14.00 horas com a anuência (tácita) de ambos os mandatários.

ii) Consta da respectiva acta o seguinte : “Quando eram 14 horas e 26 minutos, pela Mmª Juiz de Direito foi declarada aberta a presente audiência, e não antes uma vez que o Tribunal aguardou pela chegada do ilustre mandatário do réu, tendo ainda tentado o seu contacto, através do telemóvel com o nº ...42, que estava desligado.

De seguida, pela Mmª Juiz de Direito, foi proferido despacho, determinando que se dê início à presente audiência de julgamento, por a data de audiência de discussão e julgamento ter sido designada com cumprimento prévio do disposto no artigo 151º do CPC e não ocorrer nenhuma das demais situações previstas no artigo 603º, nº 1 do CPC.

iii) Da mesma acta consta também o seguinte: “Terminado o depoimento das testemunhas pela Mmª Juiz de Direito foi proferido despacho, determinando a continuação da presente audiência de julgamento para o próximo dia 12 de Julho, pelas 14:00 horas, deferindo o requerido pelo ilustre mandatário do réu no seu requerimento de 13.05.2024, com a referência 10656445 (…)”.

iv) Em tal requerimento o mandatário do réu dava conta que a testemunha do Réu apenas poderia estar presente a partir de 1.7.2024 por até então estar ausente do país.

v) No dia 11.7.2024, pelas 23h38m, o mandatário do Réu informou o Tribunal que está com “com febre e dores de garganta e por isso por razões de saúde pública e atendendo a sintomas de Covid, não vou poder deslocar-me à audiência de julgamento marcada para o presente dia” requerendo o seu adiamento.

vi) No dia 12.7.2024 o mandatário dos Autores responde a tal requerimento referindo: “(…) atendendo ao conteúdo do mesmo, subscreve de igual modo o ali requerido, devendo, pois, a diligência ser reagendada, evitando-se assim a deslocação a esse douto Tribunal.”.

vii) Sobre esses requerimentos recaiu o seguinte despacho proferido no próprio dia 12.7.2024 :” Uma vez que já não existem regras de isolamento profilático impostas pela DGS quanto ao COVID 19, nem o ilustre mandatário apresenta atestado médico que ateste que o mesmo se encontra impossibilitado, por motivos de saúde de se deslocar a este Tribunal, não é possível ao Tribunal enquadrar o invocado pelo ilustre advogado numa situação de justo impedimento, prevista no artigo 603º, nº 1 do Código de Processo Civil, razão pela qual se mantém a diligência agendada.”.

viii) A segunda sessão de audiência realizou-se nesse mesmo dia contando apenas com a presença do mandatário dos réus.

Como se extrai da antecedente narrativa, o mandatário do réu não compareceu a nenhuma das sessões da audiência final deste processo.

Contudo, insurge-se tão-só contra o facto de a segunda sessão não ter sido adiada apesar de haver acordo do mandatário dos autores nesse sentido.

Por conseguinte, a questão que se coloca é se a continuação da audiência deveria ter sido adiada em razão de tal acordo.

A resposta é negativa, já que não há fundamento legal para o determinar, como se colhe do disposto no art.º 603º do CPC.

Aliás, e tendo em conta que a data designada para a continuação da audiência teve em consideração o requerimento do réu a que se alude supra em iv) , sendo de considerar que foi designada por acordo, a falta do advogado do réu só poderia ter constituído fundamento de adiamento da mesma se tiver ocorrido uma verdadeira e própria situação de justo impedimento ( cfr. nº1 do art.º 603º conjugado com o art.º 140º do CPC)

Para tanto era mister que o advogado do réu tivesse apresentado um atestado médico com o requerimento em que pediu o adiamento da audiência com fundamento em doença ou, pelo menos, se tivesse comprometido a apresentá-lo.
Nada disso foi feito.
Por isso, como bem decidiu o Tribunal “a quo” não havia fundamento sério para adiar a continuação da audiência e, por consequência, nenhuma nulidade foi cometida ao se ter realizado a mesma sem a comparência do mandatário do réu (art.º 195º, nº1 “a contrario”, do CPC).

7.2. Impugnação da matéria de facto.

O apelante insurge-se essencialmente contra o facto de o Tribunal “a quo” ter tido como pressuposto ser a renda devida € 550.00 ao invés dos € 700.00 que os Autores alegaram e, nessa medida, terem reconhecido que ele liquidou valores superiores aos referidos no ponto 5 que, por consequência, pretende ver alterado.
Vejamos.
Na petição inicial aperfeiçoada (mas que se manteve muito deficiente) os apelados autores dizem que a renda ajustada foi de € 550, 00 não referindo, em momento algum do seu articulado, que tivesse passado, em determinado momento temporal, a ser de €700,00.
Não obstante, alegaram que em determinados meses de 2019 ficou por liquidar a quantia de € 700,00 e que o mesmo sucedeu em 2020.
O Réu apesar de se insurgir contra os valores peticionados não especifica qual ou quais liquidou, ou seja, não excepciona o seu pagamento, como era seu ónus ( art.º 342º, nº2 do Cód. Civil).
O Tribunal “a quo” enveredou por consignar no elenco dos factos provados os valores que foram entregues pelo Réu nesses meses, deixando para momento posterior a apreciação do valor em dívida.
Fê-lo, segundo consta da motivação, de acordo com “o depoimento da testemunha FF, pai dos autores e que actuou como procurador destes na celebração do contrato de arrendamento em causa, e efectuou um depoimento espontâneo e coerente com os documentos juntos aos autos (…) tendo referido que o réu ainda foi efectuando alguns pagamentos, o que os autores também referiram na sua petição inicial, razão pela qual, face aos valores indicados na petição inicial como estando em falta, o Tribunal conseguiu apurar os valores liquidados pelo réu”.

Porém, o certo é que nesse apuramento considerou pagamentos referentes a meses que não haviam sido alegados pelos Autores como estando em dívida, como é o caso de de um pagamento em Março de 2019 e não considerou que os mesmos alegaram no seu articulado de aperfeiçoamento que ficaram por pagar determinadas quantias a partir de Abril de 2019 com referência a uma renda de 700 euros que não se provou.
Por exemplo, os Autores alegaram que da renda de Julho de 2019 ficaram por pagar 400 euros. Uma vez que consideram que nesse mês a renda devida era de 700 euros isto só pode significar que o Réu lhes entregou 300 euros.
Por conseguinte, esse reconhecimento que é feito pelos Autores no seu articulado de que o Réu pagou determinadas quantias não pode deixar de ser tido em consideração pelo Tribunal aquando da fixação da matéria de facto já que é um facto que lhes é desfavorável e favorece o Réu ( art.º 352º do Cód. Civil e art.º 607º, nº5 do CPC).
Assim, e face ao exposto, tendo em consideração esse reconhecimento, o facto vertido em 5 passa a ter a seguinte redacção:
5. O réu entre Abril de 2019 e Julho de 2022 liquidou aos autores as seguintes quantias:
a) eliminado
b) Abril de 2019: € 200,00;
c) Julho de 2019: € 300,00;
d) Agosto: € 400,00;
e) Outubro de 2019: € 200,00
f) Abril de 2020: € 200,00
g) Maio de 2020: € 200,00
h) Julho de 2020: €300,00
i) Agosto: € 400,00
j) Outubro de 2020: € 350,00,
no valor global de € 2.550,00.

Não há que considerar outros pagamentos que não foram reconhecidos pelos Autores nem excepcionados pelo Réu.

7.3. Reapreciação jurídica da causa: se o apelante é devedor da quantia em que foi condenado.

Tendo o contrato de arrendamento que ligava os Autores ao Réu caducado (art.º1051ºa) do Código Civil) em consequência da oposição daqueles à renovação do prazo estipulado, o certo é que o inquilino não lhes entregou o imóvel locado em 28 de Fevereiro de 2019, como estava adstrito ( art.º 1038º, i) do mesmo Código) , só o vindo a fazer em Julho de 2022.

Estatui o art. 1045º, nº 1, do Código Civil que: “1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.”.

Como proficientemente se explica no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6.2.2007 (Rui Vouga): “De harmonia com esta disposição legal, «há [portanto] 3 hipóteses a considerar, conforme a causa da não restituição pontual».
«Se se trata de causa imputável ao inquilino, este constitui-se em mora (art. 804º, nº 2) e a lei obriga-o a pagar o dobro da renda até ao momento da restituição». «É a hipótese referida no nº 2 do art. 1045º».
«Se se trata de causa relativa à pessoa do senhorio, há fundamento para a consignação em depósito do prédio arrendado (art. 841º, nº 1)». «É o caso previsto na parte final do nº 1 do art. 1045º». «O inquilino não deve ao senhorio, neste caso, qualquer indemnização pelo atraso na restituição do prédio».
«Finalmente, se a não restituição do prédio no termo do contrato se deve a qualquer outra causa, aplica-se a solução da 1ª parte do nº 1 do art. 1045º». «O locatário é obrigado a continuar a pagar a renda convencionada, “a título de indemnização”, até ao momento da restituição do prédio».
No nº 1 deste artigo 1045º «não se estabelece, em rigor, uma sanção para a hipótese de incumprimento, mas sim uma específica medida de compensação pecuniária, que afasta a necessidade de recurso às regras do enriquecimento sem causa». «Por confronto com a hipótese prevista no nº 2 [do mesmo preceito], trata-se aqui de uma situação em que o arrendatário não está em mora, mas por alguma outra razão, como por exemplo, acordo dos ex-contraentes na dilação da entrega ou dilação legal ou judicial, o arrendatário permanece transitoriamente no gozo desse bem, sendo assim justo que a este aproveitamento do imóvel corresponda o pagamento de uma específica remuneração, impropriamente designada por “indemnização”» . «Sendo o protelamento da restituição da coisa locada um acto lícito, quer por ser directamente autorizado por lei, quer por resultar de decisão judicial, tal qualificação da contrapartida financeira devida pelo locatário só pode compreender-se como uma hipótese de indemnização por actos lícitos».
«A lei estabeleceu [neste artigo 1045º-1] uma indemnização a forfait numa linha de algum modo proteccionista do arrendatário, mas também com o propósito de evitar a litigiosidade acrescida que sempre resultaria da determinação do apuramento do valor locativo do imóvel ocupado». «O locador terá sempre direito a indemnização independentemente da prova de perda de valor locativo».
«A não ser assim, podia dar-se o caso de o locador, não obstante a ocupação, não receber qualquer indemnização por se provar, por exemplo, que o imóvel não seria arrendado, dadas as difíceis condições de mercado existentes no local, ou então receber indemnização inferior à renda que o locatário suportava por se provar que o valor locativo era afinal menor do que a renda suportada pelo arrendatário».
«Dir-se-á, portanto, que o artigo 1045º do Código Civil tem em vista a indemnização correspondente ao valor de uso do prédio, que fixa a forfait, impedindo o locupletamento à custa alheia por parte do arrendatário e, por isso, é-lhe indiferente a questão de saber se o locador, com o prosseguimento da ocupação causada pela não restituição do locatário, acaba por beneficiar ou sofre prejuízo».
Por outro lado, «a indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada prevista no art. 1045 do Cód. Civil, abrange todos os danos resultantes desse atraso e, em princípio, está limitado pelo critério consignado nesse preceito, com exclusão das regras gerais dos art. 562º e seguintes do mesmo Código». «Trata-se de verdadeira obrigação de indemnização ("a título de indemnização") pelo incumprimento do dever de restituição da coisa locada e a circunstância de a lei prever um critério especial para a fixação do seu montante, baseado na renda, é incompatível com a aplicação das regras gerais previstas nos art. 562º e seguintes do Código Civil».
«O princípio da igualdade das partes exclui que o senhorio possa fazer a prova de dano superior, uma vez que o locatário também não é admitido a provar um dano inferior».
Na verdade, «do confronto com a lei anterior, onde se previa a responsabilidade do locatário "por perdas e danos" (art.ºs 1616º do Cód. Civil de 1876 e 25º do Dec. nº 5411, de 17-4-1919), ou seja, em conformidade com os princípios gerais sobre indemnização, resulta que o legislador, com o cit. artº 1045, quis consagrar solução diversa e mais restritiva (no mesmo sentido, Acórdão da relação do Porto de 4-10-88, na Col. XIII, 4º, p. 183)».
«A solução pode não ser porventura a mais rigorosa mas tem alguma razoabilidade: a indemnização baseia-se em montante que estava estipulado pelas partes; qualquer delas fica desonerada da prova dos danos efectivos; e está de harmonia com certa protecção tradicionalmente concedida ao arrendatário».
De facto, «a razão de ser da norma do art.º 1045º C. Civ. é a de que o extinto contrato continua, apesar de tudo, a ser o referencial de equilíbrio entre as prestações da relação de liquidação». «E isso com base na ideia de que a renda, tendo resultado da auto-regulação das partes, representa, em regra, o justo valor do lucro cessante derivado da indisponibilidade da coisa locada».
Temos, pois, que o artigo 1045º do Código Civil, ao prever a indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada, limitou o cálculo da indemnização pelo critério consignado nesse preceito, com exclusão das regras gerais dos artigos 562º e seguintes do Código Civil.
O valor dos prejuízos está imperativamente fixado por lei, “a forfait”. Os prejuízos efectivos podem – é certo - ser maiores ou menores do que o valor indemnizatório fixado a forfait pela lei, naquele art. 1045º. Todavia, não pode o locador, com base apenas na violação do dever de restituição que a lei impõe ao locatário, findo o contrato, ressarcir-se de danos superiores, tal como também não pode o locatário alegar que o locador não auferiria o valor da renda ou aluguer estipulados.”.

Dito isto, e considerando que estamos em presença de uma situação em que o imóvel não foi restituído pelo locatário por causa que lhe é imputável, tal situação reconduz-se à previsão do citado art.º 1045º, nº 2, como bem se decidiu na sentença.

E, também, como aí se referiu, “tendo o réu mantido a ocupação do locado durante 40 meses, verifica-se que o mesmo deveria ter liquidado aos autores a quantia de € 44.000,00.” que corresponde ao seguinte cálculo: 40x550€ = 22.000€ 22.000€ x 2= 44.000€.

Como resultou provado que o réu pagou aos Autores, durante esse período, um total de € 2.550,00, permanece em dívida a quantia de € 41.450,00.

III. DECISÃO

Por todo o exposto se acorda em julgar a apelação parcialmente procedente e em consequência se altera o dispositivo da sentença recorrida nos seguintes moldes: “Condena-se o réu DD a pagar aos autores AA, BB e CC a indemnização pelo atraso na entrega do locado, na quantia global de € 41.450,00 (quarenta e um mil quatrocentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.”.

Custas por apelante e apelados na proporção do decaimento.

Évora, 16 de Dezembro de 2024
Maria João Sousa e Faro ( relatora)
Francisco Xavier
Manuel Bargado