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CADUCIDADE DO DIREITO À RESOLUÇÃO
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
MATÉRIA DE FACTO
FACTO INSTANTÂNEO
FACTO CONTINUADO
Sumário
I – A obrigação de especificação dos concretos meios probatórios que impõem decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um desses pontos e com indicação dos respetivos meios de prova. II – Não se mostra verificado tal requisito, sendo de rejeitar a impugnação da matéria de facto, no circunstancialismo em que se apura que o recorrente se limita a contrapor aos depoimentos com base nos quais a 1.ª instância deu determinados factos como provados, outros depoimentos, mas sem concreta indicação da(s) passagem(ns) da gravação em que se funda. III – Tratando-se de um facto instantâneo e uno, em que há apenas uma conduta executada em determinado momento/data, o prazo de 30 dias de caducidade do direito de resolução do contrato pelo trabalhador inicia-se no momento do conhecimento da materialidade desses factos. IV – Mas se o comportamento do empregador for continuado no tempo, por exemplo através de infrações instantâneas continuadas, o prazo de caducidade não se inicia no momento do conhecimento da materialidade dos factos, mas quando os mesmos assumem tal gravidade que, no contexto da relação laboral, tornam impossível a subsistência dessa relação. V – Verifica-se justa causa de resolução no circunstancialismo fáctico em que o empregador, na presença de outro trabalhador, imputou à autora/trabalhadora – cujas funções consistiam, no essencial, em efetuar pagamentos a fornecedores, transferências bancárias para pagamento aos trabalhadores, o pagamento de impostos da empregadora, comunicando e dando regularmente conhecimento desses atos ao sócio-gerente da empregadora –, de modo exaltado, agressivo e rude, ter “estoirado”, “rebentado”, com € 30.000,00 da empresa, o que levou a trabalhadora a sentir-se triste, humilhada e injustiçada, com descontrolo emocional no seio familiar e ansiedade, tendo que apresentar baixa médica, e no final desse mês não lhe pagou a respetiva retribuição, apenas o vindo a fazer, de forma faseada, 10/13 dias depois. VI – Nem toda e qualquer violação dos deveres da entidade empregadora em relação ao trabalhador, mesmo que consubstancie um exercício arbitrário de poder de direção, pode ser considerada assédio moral: para que este se tenha por verificado exige-se um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável. VII – Em conformidade com as proposições constantes dos dois anteriores números, não é possível qualificar a conduta da empregadora como assédio moral, nos termos previstos no artigo 29.º do Código do Trabalho. VIII – A indemnização ou compensação devida ao trabalhador por justa causa de resolução deve observar os critérios previstos no artigo 396.º do Código do Trabalho. IX – Não se verifica nexo de causalidade entre a falta de entrega pela empregadora ao trabalhador da declaração RP 5044-DGSS e a não apresentação tempestiva por este do pedido de subsídio de desemprego, uma vez que essa falta é suprida legalmente através da atribuição de competência à ACT para a emissão da referida declaração. (Sumário elaborado pelo relator)
Texto Integral
Proc. n.º 1669/23.3T8STR.E1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]: I. Relatório AA (autora/recorrida) intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra EMP01..., Lda., (ré/recorrente), pedindo, a final, que seja reconhecido que em 13-04-2023 resolveu com justa causa o contrato de trabalho que mantinha com esta e, consequentemente, que a mesma seja condenada a pagar-lhe: «i. O valor de 2'506,39 € que corresponde aos créditos laborais fim de contrato (férias não gozadas, subsidio de férias, subsidio de natal, proporcionais de férias e subsidio de férias do ano da cessação e de subsidio de natal ) correspondente ao valor ilegalmente retido pela Autora a acrescido dos juros de mora à taxa legal contados desde 23 de março de 2021; ii. O valor de 1324,80€ a titulo de horas de formação obrigatórias não prestadas pela Ré. iii. O valor de 7'500,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais causados pela conduta da Ré , acrescido dos juros de mora à taxa legal contados desde 13 de abril de 2023; iv. O valor de 3'600,00 € a título de indemnização por danos patrimoniais causados pelas condutas da Ré , acrescido dos juros de mora à taxa legal contados desde 13 de abril de 2023; v. Totalizando assim o valor de 14'931,19€, acrescido dos juros de mora à taxa legal contados desde 13 de abril de 2023».
Alegou, para o efeito e muito em síntese, que celebrou um contrato de trabalho com a ré em 02-05-2017, no âmbito do qual passou a exercer as funções correspondentes à categoria de “Técnica Administrativa”, que em 06-03-3023, no âmbito de uma reunião de trabalho e na presença de um outro trabalhador, o gerente da ré, dirigindo-se-lhe, disse-lhe que “estoirou com 30.000,00€ do empréstimo da empresa”, e ainda “tu queres é falir a empresa”, que no dia 9 seguinte disse-lhe “vê lá se arranjas e me devolves os 50.000,00€ para me pagares”, e que a retribuição referente a março de 2023 só lhe foi paga parcialmente no dia 10 de abril de 2023 e o remanescente em falta em 13 do mesmo mês e ano.
Mais alegou que tais factos tornaram impossível a subsistência da relação de trabalho, e daí que por comunicação remetida à ré em 13 de abril de 2023, por esta rececionada no dia 18 seguinte, resolveu o contrato de trabalho com justa causa.
Tendo-se procedido à audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, contestou a ré, a negar, muito em síntese e no ora releva, os factos alegados pelo autora, a excecionar a caducidade do direito de resolução do contrato e ainda, em sede de pedido reconvencional, a pedir a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de € 1.844,00, por, sendo ilícita a resolução do contrato, não ter sido observado o prazo de aviso prévio constante do artigo 400.º do Código do Trabalho.
Respondeu a autora, a negar a caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho e a pugnar pela improcedência do pedido reconvencional.
Em sede de despacho saneador, foi relegado para final o conhecimento da exceção perentória de caducidade do direito.
No prosseguimento dos autos, procedeu-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença, cuja parte decisória, após retificação, é do seguinte teor: «Pelo exposto, em conformidade com as disposições legais e fundamentos citados: 1. Julga-se parcialmente procedente a ação e, subsequentemente, declarando-se o contrato de trabalho celebrado entre as partes rescindido com justa causa por iniciativa da trabalhadora AA condena-se EMP01... LDA a pagar-lhe as seguintes quantias: a. € 1.324,80 (mil, trezentos e vinte e quatro euros e oitenta cêntimos), a título de créditos de horas de formação profissional não ministrada; b. € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados; c. Dois meses de subsídio de desemprego, a liquidar em incidente próprio. 2. Absolve-se a ré do mais contra si peticionado.
(…)».
Inconformada com a sentença, a ré dela veio interpor recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões: «1. A ora recorrente, inconformada com a douta sentença proferida nos presentes autos, que a condenou parcialmente, dos pedidos formulados pela recorrente, vem apresentar o presente recurso de apelação, que tem como objeto: Impugnação da matéria de facto dada como provada e não provada, com reapreciação da prova gravada; Impugnação da Matéria de Direito - Errónea subsunção jurídica dos factos ao direito vigente, por errada aplicação e interpretação de diversas disposições legais. 2. A impugnação da decisão em causa versa, de facto, a matéria, dada como provada, vertida nos números 8, 9 (na parte que refere: no dia 09/03/2023, porque se sentia humilhada e desorientada…), 10, 13 (na parte em que refere: A Autora, sentindo-se sem condições psicológicas para trabalhar, facto que a destabilizou profundamente e que causou ansiedade, instabilidade familiar…) 16, 17 e 30, que na opinião da recorrente deveria ser considerada como não provada. 3. Das inúmeras acusações que a recorrente imputa à recorrida, ocorridas nos dias 06/03/2023 e 09/03/2023, assim como as constantes da carta que operou a resolução do contrato de trabalho, a recorrida extraiu todas as consequências que sofreu a nível pessoal, psicológico, saúde, patrimonial. 4. Contudo não ficaram provadas todas as acusações infligidas sobre a recorrente, apenas se apurou o que consta do número 7, dos factos provados, que se passa a transcrever: No dia 06/03/2023, durante a jornada de trabalho, em reunião tida com BB, sócio/gerente da Ré, e na presença de CC, aquele, de modo exaltado, agressivo e rude, acusou a Autora de ter estoirado com € 30.000,00 da empresa. 5. Consequentemente o Tribunal a quo deveria circunscrever-se ao que ficou provado no número 7, pelo que não poderia dar como provado todo o conjunto de consequências que afetaram a recorrida. 6. O evento fáctico constante do número 7 dos factos provados, desgarrado e desligado de todas as outras acusações que formavam um bloco em conjunto, conducentes às consequências peticionadas pela recorrida, não tem a virtualidade para poder desencadear as mesmas consequências para a recorrida. 7. Com o devido respeito, o Tribunal a quo, foi muito além do que ficou provado nos presentes autos, pelo que não poderia dar como provados os números 8, 9 (na parte que refere: no dia 09/03/2023, porque se sentia humilhada e desorientada…), 10, 13 (na parte em que refere: A Autora, sentindo-se sem condições psicológicas para trabalhar, facto que a destabilizou profundamente e que causou ansiedade, instabilidade familiar…), 17 (na parte em que refere: …constituíram um desgaste emocional para a Autora) e 30, dos factos provados. 8. Por outro lado, não há um nexo de causalidade entre o facto provado que consta do número 7, e as consequências que daí advieram para o que consta dos números 8, 9 (na parte que refere: no dia 09/03/2023, porque se sentia humilhada e desorientada…), 10, 13 (na parte em que refere: A Autora, sentindo-se sem condições psicológicas para trabalhar, facto que a destabilizou profundamente e que causou ansiedade, instabilidade familiar…), 17 (na parte em que refere: …constituíram um desgaste emocional para a Autora) e 30, dos factos provados. 9. A declaração de parte da recorrida e testemunhas, em que se ancorou a douta sentença, é insuficiente e inidónea para asseverar esse nexo de causalidade, sem apoio de qualquer outro meio de prova, nomeadamente de natureza médica que efetuasse esse diagnóstico em termos de estabelecer a alegada relação de causa efeito, quando e em que contexto. 10. Por conseguinte, estes factos, também por esta via – inexistência de nexo de causalidade -, não podem ter-se como provados e, logo, devem ser eliminados dos factos provados. 11. Também errou o Tribunal a quo, ao dar como provado o que consta do número 17 dos factos provados, que se passa a transcrever: As acusações que a Ré dirigiu à Autora de ter “desaparecido com € 30.000,00“, a circunstância de tais acusações terem sido feitas na presença de colega. 12. Como já foi referido, nos presentes autos apenas se apurou o que consta do número 7, dos factos provados, pelo que não pode dar-se como provado que a recorrente tenha dirigido acusações à recorrida de ter desaparecido com 30.000,00€, conforme consta do apontado número 17 dos fatos provados. 13. Mostra-se assim evidente uma contradição na decisão sobre a matéria de facto, discordando a recorrente do juízo gizado pelo Tribunal a quo, nomeadamente entre o constante no ponto 7 dos factos provados e o vertido no ponto 17 dos factos provados, que entre si, são inconciliáveis. 14. Assim sendo, não deverá ser considerado como provado o que consta do número 17 dos factos provados, na parte em que refere: As acusações que a Ré dirigiu à Autora de ter “desaparecido com € 30.000,00“, a circunstância de tais acusações terem sido feitas na presença de colega … 15. Andou mal o Tribunal a quo ao dar como provado os factos descritos nos números 16 e 17 (na parte em que refere: … e o pagamento da retribuição em data posterior aos restantes trabalhadores e de forma faseada, constituíram um desgaste emocional para a Autora), da sentença recorrida, que está, incorretamente, julgado, impondo-se decisão diversa. 16. Esta decisão de facto – a recorrida sentir como represália e tratamento desigual ter recebido a retribuição mensal, em 10/04/2023 parcialmente, e, em 13/04/2023, pagando o remanescente da referida retribuição mensal - é absolutamente negada pelo depoimento das testemunhas CC e DD, o que se extraí expressamente da sentença, na fundamentação da formação da convicção do Tribunal a quo. 17. Como resulta expressamente da sentença, a testemunha CC fez alusão, no que concerne aos pagamentos dos vencimentos, o seguinte, que se passa transcrever: … os vencimentos começaram a não ser pagos atempadamente (apenas foram pagos no dia 09/02/2023)… 18. Conforme também promana da sentença, a testemunha DD, refere, no que concerne aos pagamentos dos vencimentos, e conforme consta da sentença, o seguinte, que se passa transcrever: …sendo que à data dessa reunião, o vencimento de janeiro ainda não tinha sido pago… 19. Concretamente a testemunha CC, na qualidade de testemunha arrolada pela recorrida, na sessão de audiência de discussão e julgamento, realizada no dia 04/12/2023, cujo depoimento ficou registado em sistema digital, gravado, com duração de 00:56:08 minuto, é relevante para apreciação do facto provado no número 16 (a recorrida sentir como represália e tratamento desigual ter recebido a retribuição mensal, em 10/04/2023 parcialmente, e, em 13/04/2023), que, com este depoimento, deveria ser considerado não provado, há que relevar, para este efeito, o que consta do depoimento do minuto 08.24 a minuto 08.08.35, quando diz o seguinte: …a partir de certa altura não pagava os vencimentos atempadamente e quando digo atempadamente era até dia 1 ou 2…, do minuto 00.14.05 a minuto 00.14.10, quando diz o seguinte: …a culpa não era minha, era da AA que não me dizia as coisas para se fazer o pagamento aos fornecedores…, do minuto 00:14:34 a 14.40, quando diz o seguinte: …não havia dinheiro …havia muitos dias assim; do minuto 00:21:47 a 00:22.22, quando a Ilustre Mandatária da recorrida pergunta à testemunha o seguinte: Pagava fora, mas pagava fora até quando e até onde … e dos meses que lá esteve qual foi a data máxima que o Senhor recebeu a sua retribuição? Testemunha: dia 09 de fevereiro. De novo a Ilustre Mandatária da recorrida questiona: mas relativo ao acordo… resposta da testemunha: …Não, Não, relativo ao vencimento de janeiro 20. Da reapreciação da matéria de facto gravada e das apontadas considerações que promanam da douta sentença recorrida, no que concerne ao depoimento das testemunhas CC e DD, a matéria de facto provada constante do numero 16, conjugada com o numero 15, (considerou a douta sentença que a autora sentiu como represália e tratamento desigual, receando regressar ao trabalho, o que a deixou ainda mais nervosa e ansiosa, o facto da Ré lhe ter pago a respetiva retribuição, em 10/04/2023 parcialmente, e, em 13/04/2023, pagando o remanescente da referida retribuição mensal), leva-nos a concluir que o facto provado constante do número 16 deve migrar para os fatos não provados. 21. A versão dos factos apresentada pela recorrida foi contrariado pelas referidas testemunhas, pelo que existem elementos probatórios que apontam em sentido diverso. 22. Independentemente daquilo que venha a ser decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, no que concerne à impugnação da matéria de facto, nas vertentes assinaladas, a recorrente, ainda assim, discorda da apreciação jurídica espelhada na sentença recorrida, por errónea subsunção jurídica dos factos ao direito vigente, verificando-se errada aplicação e interpretação de diversas disposições legais. 23. A douta sentença recorrida julgou improcedente a exceção invocada pela recorrente consubstanciada na caducidade da resolução do contrato de trabalho, cujo prazo é de 30 dias. 24. Entende a recorrente que os factos integradores da justa causa invocada pela recorrida, ocorreram apenas no dia 06 de março de 2023. 25. O facto alegado pela recorrida consubstanciado no pagamento do vencimento do mês de março de 2023, nos dias 10 e 13 de abril de 2023, não tem qualquer relevância para efeitos de apreciação da justa causa, porque o nº 5 do artigo 394º do Código do Trabalho, preceitua o seguinte: Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo. 26. O pagamento do vencimento do mês de março de 2023, nos dias 10 e 13 de abril de 2023, não integra comportamento por parte da recorrida que constitua justa causa de resolução do contrato pela recorrida. 27. Este momento não pode ser considerado uma continuidade do ocorrido no dia 06 de março de 2023, sob pena do referido prazo de 30 dias para comunicar a resolução do contrato de trabalho, ser completamente desvirtuado. 28. A recorrente entende ter ocorrido a caducidade, estribando-se no que determina o artigo 395º nº 1 do Código do Trabalho, ou seja, que o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento dos factos. 29. A decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação do teor do artigo 395.º do Código do Trabalho, designadamente, da conjugação dos ns. º 1 e 2 desta disposição, que estabelece um prazo concreto para o exercício do direito de resolução. 30. posto isto, não há que apreciar a justa causa por a resolução não ter sido tempestiva, pelo que deverá ser declarada a sua caducidade e, em consequência, ser absolvida a recorrente dos pedidos formulados pela recorrida. 31. Consequentemente, deve o pedido reconvencional deduzido pela recorrente, ser julgado procedente e a recorrida ser condenada a pagar à recorrida a quantia de € 1.844,00 a título de indemnização por falta de pré-aviso. 32. No que concerne à verificação da justa causa para a resolução contratual do contrato de trabalho operada pela recorrida, a recorrente discorda da tese e argumentação trilhada na douta sentença, que foi muito além do que foi considerado provado nos presentes autos. 33. Para a análise da verificação da justa causa o Tribunal a quo deveria circunscrever-se ao que ficou provado, o que efetivamente não sucedeu. 34. O único evento fáctico que justifica a resolução do contrato de trabalho é o constante do número 7 dos factos provados. 35. Também discorda a recorrente da douta sentença quando enquadra e qualifica a situação em apreço no conceito de assédio laboral, o que na perspetiva da recorrente não passa de um simples conflito laboral. 36. O assédio moral traduz-se numa prática reiterada de atos violadores dos direitos do trabalhador, dos quais resultam lesões e que tem em vista o afastamento do mesmo. 37. Consubstancia assédio, e justa causa de resolução do contrato de trabalho, todo o conjunto de factos que denotam um comportamento persistente durante um largo período hostil e desestabilizador e diferenciado, o que não se verificou nos presentes autos. 38. Estamos perante um trato desadequado a uma relação laboral, de natureza profissional, que não justifica, em nosso entendimento, uma irremediável quebra da relação de confiança entre a trabalhadora e a empregadora. 39. Defende a recorrente, no essencial, que os factos provados não têm gravidade suficiente para constituir justa causa. 40. Deve assim, também por esta via, o pedido reconvencional deduzido pela recorrente, ser julgado procedente e a recorrida ser condenada a pagar à recorrida a quantia de € 1.844,00 a título de indemnização por falta de pré-aviso, correspondente à alegação de que a recorrida cessou o contrato sem qualquer fundamento de justa causa, incumprindo o prazo de 60 dias de pré-aviso, consagrado no artigo 400.º do Código do Trabalho. 41. No segmento da sentença atinente à verificação dos danos patrimoniais decidiu o Tribunal a quo que a recorrente deverá ser condenada a compensar a recorrida no valor correspondente ao subsídio de desemprego que tinha direito e que deixou de auferir por causa da omissão da recorrente, desde a data da cessação do contrato de trabalho e até à data em que a ré entregou a declaração necessária para o efeito, através da ACT, ou seja até 16/06/2023, correspondente, por conseguinte, a dois meses de subsídio de desemprego, a liquidar em incidente próprio. 42. Conforme alegado e provado, a recorrente, entendeu que não poderia estar a emitir uma declaração para efeitos de atribuição de subsídio de desemprego com o motivo resolução com justa causa, considerando que a resolução contratual por justa causa operada pela recorrida, foi considerada, pela recorrente, ilegal e não aceite pela mesma, pelo que a recorrente não praticou qualquer ato ilícito e culposo, conducente à atribuição de responsabilidades no pagamento do valor da prestação social de subsídios de desemprego a que a recorrida eventualmente tivesse direito. 43. Recorde-se também que a ACT esclareceu a recorrente e informou a recorrida que tendo o fundamento de justa causa invocado na comunicação de denúncia do contrato sido contraditado pela entidade empregadora, para efeitos de requerimento das prestações de desemprego a efetuar junto da Segurança Social, a trabalhadora deverá instruir aquele requerimento com a Declaração Modelo RP 5044-DGSS preenchida e com prova de interposição de Ação Judicial contra a empresa. 44. Sucede que a ação judicial interposta pela recorrente só ocorreu no dia 25 de maio de 2023, pelo que acresce mais uma razão para não se compreender e por isso, se discordar, da condenação da recorrente a compensar a recorrida no valor correspondente a dois meses de subsídio de desemprego. 45. Funcionando a interposição de ação judicial contra a recorrente como requisito indispensável e obrigatório para a candidatura à atribuição da prestação social de subsídio de desemprego, verificando-se que aquela apenas ocorreu em 25/05/2023, não poderia o Douto Tribunal a quo, levar em linha de consideração na apontada condenação a data da cessação do contrato de trabalho, mas sim a data da interposição da ação judicial. Ainda assim, entende a recorrente que também não deveria ser condenada a compensar a recorrida no valor correspondente ao subsídio de desemprego ao período correspondente desde a data da interposição da ação judicial – 25/05/2023 – até à data da entrega da declaração, ou seja, até 16/06/2023. 46. Por outro lado, a atribuição de subsídio de desemprego está dependente de condições que são de verificação incerta, não sendo assim automática, sendo que todos os diplomas legais que o regulavam e o regulam, fazem depender tal atribuição de diversos pressupostos, nomeadamente, da situação de desemprego, da apresentação de requerimento/pedido pelo trabalhador, da situação de desempregado, da inscrição prévia do trabalhador como candidato a emprego no centro de emprego na área da sua residência, dos descontos, enquanto foi trabalhador, para a segurança social. 47. Pelo que, a recorrida, ao candidatar-se à atribuição de subsídio de desemprego não se forma automaticamente qualquer direito à mesma. 48. A isso acresce o facto de inexistir nexo de causalidade adequada entre a alegada omissão de entrega da declaração e os danos invocados. 49. A não ocorrência de uma conduta ilícita por parte da recorrente acrescida da inexistência de nexo de causalidade entre essa eventual ilicitude e os danos invocados, leva-nos a concluir que o Tribunal a quo, com todo o respeito, andou mal, ao condenar a recorrida, no segmento dos danos patrimoniais, a compensar a recorrida no valor correspondente a dois meses de subsídio de desemprego, a liquidar em incidente próprio, pelo que deve ser revogada a douta sentença no sentido de não decretar a mencionada condenação da recorrente. 50. Admitindo que o Douto Tribunal da Relação de Évora, venha a considerar que se verifica a justa causa de resolução do contrato pela trabalhadora, aqui recorrida, ainda assim considera a recorrente que o valor de indemnização, pelos danos não patrimoniais, fixado pelo Tribunal a quo, no valor total de 5.000,00€, é manifestamente excessivo e desproporcional. 51. Considerando o número de anos que a recorrida esteve ao serviço da recorrente, não chegando a 6 anos, a remuneração que recebia, as inúmeras acusações que a recorrida imputava à recorrente para justificar a justa causa de resolução do contrato de trabalho, a esmagadora maioria ficaram por provar, ou seja, não foram provadas, tudo ponderado, entende a recorrente ser adequado fixar uma indemnização de valor não superior a 2.000,00€, sob pena de violação dos artigos 29º nº 4 e 28º do Código de Trabalho, e artigos 494º e 496º, nº 1 e 4 do Código Civil. 52. Ao decidir, como julgou a douta sentença, fixando a quantia indemnizatória aqui impugnada, fez o Venerando Tribunal recorrido uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, com violação do disposto nos artigos 29º nº 4 e 28º do Código de Trabalho, e artigos 494º e 496º, nº 1 e 4 do Código Civil. 53. Em conclusão: violou, a douta sentença em análise, o plasmado nos artigos 28º, 29º, nº 1 e 4, 394º, nº 1, 394.º, n.º 2 als. b) e f), 395º nº 1, 399º, 400º, nº 1, 401º, nº 1, todos do Código do Trabalho e artigos 494º e 496º, nº 1 e 4 do Código Civil, pelo que a douta sentença recorrida não poderá manter-se na ordem jurídica. Deverá assim ser revogada a sentença proferida».
Contra-alegou a recorrida, a pugnar pela improcedência do recurso.
Seguidamente, o recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo.
Subidos os autos a esta Relação, neles a exma. procuradora-geral ajunta emitiu douto parecer, que não foi objeto de resposta, no qual concluiu pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar a decidir.
II. Objeto do recurso
Como é sabido, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4 e artigo 639.º, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), salvo as questões de conhecimento oficioso, que aqui não se detetam, tendo em conta que tendo cessado o contrato de trabalho estão em causa direitos disponíveis (cfr. artigo 74.º, a contrario, do Código de Processo do Trabalho).
Assim, tendo em conta as conclusões das alegações de recurso, são as seguintes as questões essenciais a decidir:
1. da impugnação da matéria de facto, quanto aos factos que foram dados como provados sob os n.ºs 8, 9, 10, 13, 16, 17 e 30;
2. da caducidade ou não do direito de resolução do contrato de trabalho;
3. da existência ou não de justa causa de resolução do contrato de trabalho;
4. caso a resposta dada à questão anterior seja positiva, fixar o quantum da indemnização e, em caso negativo, se a recorrida deve ser condenada a pagar à recorrente a quantia de € 1.844,00, por falta de aviso prévio.
5. do pagamento do subsídio de desemprego.
Refira-se que a recorrida terminou assim as contra-alegações: «(…) deverá a presente apelação ser julgada parcialmente procedente, e assim ser revogado na parte do valor da indemnização por danos não patrimoniais, que deve ser substituído por outro que declare o valor de indemnização por danos não patrimoniais em 7'500,00€; e no demais, deverá a presente apelação ser julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, ser confirmada a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, com todos os efeitos legais».
Da leitura desta passagem conclusiva parece extrair-se que a recorrida pretende que este tribunal condene a aqui recorrente, a título de danos não patrimoniais, em montante superior ao fixado na 1.ª instância.
Todavia, não se localiza que a autora/recorrida tenha interposto recurso da sentença da 1.ª instância, seja independente seja subordinado (cfr. artigo 633.º do Código de Processo Civil).
Aliás, esclarecedor quanto a isso apresenta-se o facto de a recorrida afirmar apresentar as contra-alegações “ao abrigo do disposto nos artigos 684.º-B e 685.º, n.º 5 do CPC”, julga-se que com referência ao anterior Código de Processo Civil, que correspondem no atual Código de Processo Civil, aquele, com ligeira alteração, ao artigo 637.º, e este ao artigo 638.º, n.º 5.
Por isso, tendo em conta, como se referiu, que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, neste conhecer-se-á apenas das questões suscitadas pela recorrente, supra identificadas.
III. Factos A) Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
1. A Autora e Ré vincularam-se por contrato de trabalho a termo celebrado em 02/05/2017, com início na mesma data, para o exercício de funções e categoria de Técnica Administrativa.
2. O horário de trabalho da Autora e contratualizado com a Ré era das 09h00 às 13h00 e das 14h00 às 18h de 2.ª a 6.ª feira, a prestar nas instalações da Ré.
3. Por tais funções a Ré pagava à Autora a remuneração mensal ilíquida de € 600,00 (2017), atualizada, no ano de 2023, a € 922,00, acrescida do subsídio de alimentação no valor diário de € 4,77.
4. A Autora, no âmbito das funções que lhe foram atribuídas, efetuava o pagamento a fornecedores mediante faturas, efetuava as transferências bancárias dos ordenados dos trabalhadores mediante processamento de salários, efetuava o pagamento dos impostos da Ré e tudo sempre com ordens do seu sócio/gerente.
5. A Autora tinha a obrigação de comunicar ao gerente (sócio) BB, mesmo nas suas ausências, ainda que prolongadas, os pagamentos a efetuar aos fornecedores de modo a que fossem cumpridos os prazos de pagamento, ou seja, os prazos de vencimento das faturas.
6. A Autora, durante a execução de tal contrato de trabalho, desempenhou tais funções sob a autoridade, direção e fiscalização da Ré, e utilizando materiais e equipamentos de trabalho fornecidos pela Ré.
7. No dia 06/03/2023, durante a jornada de trabalho, em reunião tida com BB, sócio/gerente da Ré, e na presença de CC, aquele, de modo exaltado, agressivo e rude, acusou a Autora de ter estoirado com € 30.000,00 da empresa.
8. A Autora ficou estupefacta e gélida com tais acusações, sentindo-se triste, humilhada e injustiçada.
9. No dia 09/03/2023, porque se sentia humilhada e desorientada, solicitou ao sócio-gerente da Ré o gozo de 3 dias de férias: 10 (6.ª-feira); 13 (2.ª-feira) e 14 (3.ª-feira).
10. A Autora, após a imputação referida em 7., deixou de dormir e descansar, começou a revelar descontrolo emocional no seio familiar e ansiedade.
11. Em virtude de tal situação, foi ao seu médico de família, que de imediato a colocou de baixa a partir do dia 15/03/2023 e até ao dia 26/03/2023.
12. A Autora enviou à Ré a baixa médica.
13. A Autora, sentindo-se sem condições psicológicas para trabalhar, facto que a destabilizou profundamente e que causou ansiedade, instabilidade familiar, no dia 27/03/2023 o médico assistente prolongou a baixa por incapacidade até 25/04/2023.
14. A Autora enviou à Ré a baixa médica.
15. Durante a vigência da 2.ª baixa médica, no final do mês de março, a Autora constatou que a Ré não lhe tinha pago a respetiva retribuição, o que só veio a fazer em 10/04/2023 parcialmente, e, em 13/04/2023, pagando o remanescente da referida retribuição mensal.
16. A Autora sentiu tal facto como represália e tratamento desigual, receando regressar ao trabalho, o que a deixou ainda mais nervosa e ansiosa.
17. As acusações que a Ré dirigiu à Autora de ter “desaparecido com € 30.000,00“, a circunstância de tais acusações terem sido feitas na presença de colega, e o pagamento da retribuição em data posterior aos restantes trabalhadores e de forma faseada, constituíram um desgaste emocional para a Autora (este facto é alterado infra).
18. A Autora, nunca foi objeto de qualquer processo disciplinar enquanto trabalhou para a Ré e nem nunca foi objeto de qualquer advertência durante os 5 anos que trabalhou para a Ré.
19. A Autora exerceu sempre as suas funções com zelo, empenho superior ao que lhe era exigido e com zelo.
20. Daí que a Autora comunicou à Ré a resolução do contrato de trabalho, invocando justa causa, o que fez, por carta registada com aviso de receção, enviada à Ré, através da sua mandatária, no dia 13/04/2023.
Em tal comunicação alegou, no essencial, que desde há algum tempo “tem vindo a ser assediada com críticas e pressões por parte do Sr. BB”, gerente da ré, o que põe em causa “a sua dedicação ao trabalho e criando um ambiente intimidativo, hostil e humilhante”, que no dia 06-03-2023, durante uma reunião de trabalho e na presença do “ex-colaborador” CC, o Sr. BB, dirigindo-se-lhe, afirmou “a AA estoirou com 30.000,00€ do empréstimo da empresa” e ainda, “tu queres é falir esta empresa” e “o que é que fizeste a 30.000,00€ AA?” e que no dia 09-03-2023 voltou a dirigir-se-lhe, afirmando, “vê lá se arranjas e me devolves os 50.000,00€ para me pagares”.
Mais se refere na comunicação que o comportamento do Sr. BB foi humilhante e atingiu a sua (dela, autora) dignidade, que “para além de ilícito é eticamente reprovável”, a que acresce que o vencimento do mês de março de 2023 apenas lhe foi pago parcialmente em 10 de abril de 2023 e o valor remanescente em 13 de abril de 2023: contudo, a outros trabalhadores foram pagas as retribuições em data muito anterior, o que afirma evidenciar para consigo (autora) “represálias e tratamento desigual e o receio óbvio e evidente de regressar ao trabalho, deixando-a ainda mais nervosa e receosa”, dando-se por reproduzido todo o conteúdo da carta de resolução do contrato de trabalho que consta sob o n.º 20 dos factos provados da sentença recorrida.
21. A Ré rececionou a referida carta em 18/04/2023.
22. A Ré respondeu à carta, enviando à Autora uma carta, datada de 02/05/2023, em que, no essencial e no que releva, negou a verificação de factos justificativos de resolução do contrato de trabalho pela autora, dando-se por reproduzido o conteúdo da carta, que consta do n.º 22 dos factos provados da sentença recorrida.
23. A Ré não pagou à Autora qualquer indemnização, nem os créditos laborais devidos pela cessação do contrato de trabalho, nem emitiu o Modelo 5044 com a indicação de a rescisão com justa causa pela trabalhadora como motivo pela cessação do contrato de trabalho, bem como não entregou o certificado de trabalho e não indicou dia e hora para entrega das chaves do escritório.
24. A Autora teve, por isso, que recorrer às Autoridades para as Condições de Trabalho para obter a declaração da situação de desemprego em substituição da Ré.
25. A Ré, após ter sido contatada pela ACT, solicitou confirmação sobre o procedimento a adotar nesta situação, ao que, obtendo a sua confirmação, acederia remeter a declaração corretamente preenchida, o que efetivamente veio a suceder.
26. Conforme email enviado pela ACT à Ré, em 14/06/2023, a Ré foi informada, para além do mais, do seguinte: “Em referência à V/ resposta escrita, se o fundamento de justa causa invocado na comunicação de denúncia do contrato é contraditado pela entidade empregadora, para efeitos de requerimento das prestações de desemprego a efetuar junto da Segurança Social, a trabalhadora deverá instruir aquele requerimento com a Declaração Modelo RP 5044-DGSS preenchida e com prova de interposição de Ação Judicial contra a empresa.
27. A Ré, perante a clarificação da ACT, respondeu à mesma, no dia 15/06/2023, através de email, com o seguinte teor: “Considerando o teor do email de V. Exa. e tendo entendido que a entidade empregadora, não obstante ter considerado ilícita a resolução do contrato de trabalho com justa causa, terá que emitir a Declaração Modelo RP 5044-DGSS, com a indicação, nos motivos de cessação do contrato de trabalho (número 3), a resolução com justa causa por iniciativa do trabalhador (número 7), serve a presente para informar V. Exa. que vai ser enviado, por correio registado, a essa Unidade Local da ACT, a referida Declaração, em formato original, preenchida e certificada pela entidade empregadora”.
28. No dia 16/06/2023, a Ré remeteu a declaração à ACT, tendo sido recebida por esta no dia 19/06/2023.
29. À data da propositura da ação, em maio de 2023, a Autora ainda não tinha recebido subsídio de desemprego.
30. A Autora, em virtude da atuação da Ré, começou a ter crises de ansiedade, a sentir-se nervosa e chorosa, acabando por ter que ser medicada para acalmar, tendo estado de baixa médica até, pelo menos, à data da propositura da ação (maio de 2023).
31. No ano de 2020, a Autora frequentou remotamente/on line formação para acesso à plataforma on line Glose do Novo Banco.
32. No ano de 2021, a Autora participou, remotamente/on line, no Webinar “Preciso de um novo código? Regras para a criação de GNTIN”, dinamizado por “GS1 – CODIPOR”, que teve a duração de uma hora.
B) A 1.ª instância deu como não provada a seguinte factualidade:
a. Que, no contexto referido em 7., o sócio-gerente da Ré, dirigindo-se à Autora, tenha dito concretamente as seguintes expressões: – “tu queres é falir esta empresa.”; – “ o que é que fizeste a 30'000,00€ AA ?“.
b. Que, em resposta, a Autora tenha dito que se tinha tanta certeza disso, então que a despedisse, ao que o sócio-gerente respondeu: “não o faço porque custava muito dinheiro”.
c. Que, no dia 09/03/2023, BB voltou a acusar a Autora de forma agressiva e exaltada, ao que a Autora lhe disse que se não a quisesse a trabalhar na empresa que podia despedi-la como fez com outro trabalhador na semana anterior.
d. Que aquele respondeu em tom agressivo, rude e acusatório: – “não vou pagar nada a uma pessoa que estoirou 50.000,00€. Arranja os 50.000,00€ e paga-me com a máxima brevidade”.
e. Que a Autora ficou sem palavras, contudo, ainda respondeu, perguntando ao que se estava a referir, porquanto todos os pagamentos que efetuou foram feitos sob ordem, instrução e direção do Réu, foram efetuadas com o seu conhecimento e tudo despesas da empresa e respetivo dia a dia, como a Ré bem sabe.
f. Que a Autora tomou conhecimento, através de colegas e em data que não sabe precisar, mas após 14 de março, que a Ré, na pessoa do seu sócio gerente, afirmou perentoriamente que a Autora “era a 1.ª pessoa que queria despachar, mas que seria um caso mais complicado”.
g. Que, com ressalva do evidenciado no facto 18., a Autora nunca, em toda a sua vida profissional, foi alvo de qualquer processo disciplinar, sempre exercendo as suas funções, onde trabalhou, de forma exemplar, com empenho e com zelo e mais do que lhe era solicitado.
h. Que a Autora, trabalhou diversas vezes para além do seu horário de trabalho na Ré, mas também em todas as empresas pertencentes ao Sócio Gerente, sem que para tal fosse compensada em retribuição.
i. Que estava confiada à Autora a função de gerir todas as necessidades de formações a proporcionar a todos os trabalhadores da ré, incluindo a própria autora.
j. Que foi acordado entre a autora e a ré, por intermédio do seu gerente e sócio BB, que a autora frequentaria as ações de formação que considerasse imprescindíveis às suas funções, ficando a ré dispensada de gerir esta temática das ações de formação.
k. Que a Ré, por intermédio do seu gerente e sócio BB, proporcionou sempre à autora, colocando à sua plena vontade e disponibilidade, a frequência de todas e quaisquer formações que achasse adequadas à aquisição de novas capacidades técnicas ou teórico-práticas no âmbito das funções para que foi contratada.
l. Que, existindo uma relação de estreita confiança entre a autora e a ré - na pessoa do seu sócio e gerente BB -, a autora frequentou as ações de formação que considerou indispensáveis, prescindindo e abdicando de quaisquer outras.
m. Que no dia 9 de março de 2023, a autora, em pleno horário de trabalho informou o gerente e sócio da ré, BB, que não pretendia continuar na empresa e que apresentava a demissão, despedindo-se no imediato.
n. Que a autora ainda tentou que a ré, através do seu sécio e gerente BB, lhe pagasse um valor a rondar os € 5.000,00, tendo-lhe sido apresentados vários documentos, que a autora diz ter elaborado, que diziam respeito à cessação do contrato de trabalho, ao que lhe foi negado prontamente, tendo sido aceite o seu despedimento e respetiva cessação do contrato de trabalho.
o. Que, perante a reação do não pagamento do valor solicitado, a autora abandonou o seu posto e local de trabalho.
p. Que, em fevereiro de 2023, a ré ficou atónita com o volume de faturas vencidas que não foram pagas a fornecedores, quando existia liquidez nas contas bancárias da ré para esse efeito, o que levou a que o próprio sócio e gerente da ré, BB, injetasse na empresa € 20.000,00 do seu património pessoal.
q. Que o gerente e sócio da ré BB, recebeu inúmeros telefonemas de fornecedores, demonstrando indignação pelo facto de não terem sido pagas faturas já vencidas há largos meses.
r. Que, após a autora se desvincular da ré, deparou-se a ré com um conjunto de faturas que se encontrava por pagar a fornecedores que a autora nem sequer informou a ré, como era sua obrigação.
s. Que a autora foi informada pela ré que durante o horário de trabalho estava constantemente a tratar de assuntos pessoais, o que não se compadecia com o horário de trabalho.
t. Que a ré informou a autora que não tinha cumprido as suas obrigações como trabalhadora, tendo sido advertida da possibilidade de sobre ela impender processo disciplinar.
u. Que a autora reteve, até 11 de julho de 2023, as chaves de acesso à empresa, vasta documentação confidencial que não entregou na empresa e passwords de acesso a bancos, tendo provocado enormes constrangimentos na ré.
v. Que houve várias tentativas para a contatar por telefone para esclarecimento de assuntos diversos, de grande importância para a empresa, que lhe foram confiados e deixou pendentes de tratamento, o que se revelou impossível de concretizar.
w. Que a ré, perante o comportamento adotado pela autora, e considerando a elevada confiança que lhe foi depositada nas funções que lhe foram atribuídas, procedeu à abertura de uma auditoria interna para apuramento de responsabilidades da autora.
x. Que, para além do já conhecido elevado número de faturas vencidas, que não tinham sido pagas a fornecedores, cujo assunto tinha sido abordado na reunião de 6 de março de 2022, tomou a ré conhecimento, encontrando-se a autora já desvinculada da ré, de um elevado número de faturas, também já vencidas, que se encontravam por pagar a fornecedores, o que, agravou a situação financeira da ré, pelo facto de, repentinamente, se deparar com valores para pagar, com os quais não contava.
y. Que também contribuiu para agravar a má imagem, prestígio e credibilidade da ré, já provocada com as mencionadas faturas que não tinham sido pagas, o facto do número de fornecedores insatisfeito ter aumentado drasticamente, chegando ao ponto de parte deles ter informado a ré que não fazia novos fornecimentos sem que as faturas vencidas estivessem pagas.
z. Que a ré, na pessoa do seu sócio e gerente BB, sentiu uma verdadeira traição na confiança que tinha depositado na autora.
aa. Que a autora se serviu, para fins pessoais e sem a devida e obrigatória autorização, quer da ré quer do Mandatário EE, dos documentos que serviram de base para a desvinculação, enquanto trabalhador da ré, do Senhor CC.
bb. Que o pagamento faseado da retribuição da autora relativa ao mês de março de 2023 se deveu a um lapso da Contabilidade, posteriormente corrigido, a que o gerente e sócio da ré é totalmente alheio.
cc. Que, no dia 08 de março de 2023, pelas 09h35, em horário laboral, à revelia e sem qualquer autorização da ré, a autora procedeu ao envio de um email, utilizando o endereço de email ..........@....., um anexo, apelidado de “março dia 7” para o seu email pessoal, cujo documento é um extrato bancário, com o saldo e movimentos bancários, dos dias 07 e 08 de março de 2023, de uma conta bancária no BPI da titularidade da ré, com o propósito de verificar, de forma ilegal, para além do saldo da conta da ré naquela instituição bancária, os movimentos que tinham sido feitos na conta bancária.
IV. Enquadramento jurídico
Delimitadas supra, sob II., as questões essenciais decidendas, é o momento de analisar e decidir, de per se, cada uma delas.
1. Da impugnação da matéria de facto
1.1. Como se extrai das conclusões das alegações de recurso, a recorrente impugna os factos dados como provados sob os n.ºs sob os n.ºs 8 e 9 (na parte que refere: “no dia 09/03/2023, porque se sentia humilhada e desorientada”, 10 e 13 (na parte em que refere: “A Autora, sentindo-se sem condições psicológicas para trabalhar, facto que a destabilizou profundamente e que causou ansiedade, instabilidade familiar”, 16, 17 (na parte em que refere: “constituíram um desgaste emocional para a Autora”) e 30.
E entende que esses factos, ou nessa parte específica que impugna, devem ser dados como não provados.
Estipula o artigo 640.º do Código de Processo Civil: «1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. Quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição de excertos que considere relevantes».
Atente-se que o recurso em matéria de facto para a Relação não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada é reapreciada pelo Tribunal Superior que, como se não tivesse havido o julgamento em 1.ª instância, estabeleceria os factos provados e não provados; antes se deve entender que os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada.
Em tal situação, o tribunal superior procede então à reanálise dos meios de prova concretamente indicados (e quanto ao segmento indicado, se for o caso) para concluir pela verificação ou não do erro ou vício de apreciação da prova e, daí, pela alteração ou não da factualidade apurada (cfr. artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Mas, note-se, a obrigação de especificação dos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um desses pontos e com indicação dos respetivos meios de prova (neste sentido, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.09.2018, proc. n.º 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponível em www.dgsi.pt).
Assim, o recorrente para além de indicar os concretos pontos da matéria de facto que impugna, deve em relação a cada um indicar não só a resposta que deveria ser dada, mas também os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa.
Ora, em relação a este último requisito o que temos no caso presente?
A recorrente não indica em relação a cada um dos factos que impugna os concretos meios probatórios que “impõem”, no dizer da lei [n.º 1 alínea b) e n.º 2, alínea a) do referido artigo 640.º], a pretendida resposta: o que ela faz, seja nas alegações seja nas conclusões do recurso, é manifestar discordância ou, se se quiser, uma análise diferente da feita pelo tribunal a quo, para concluir que os factos em causa (ou partes) deveriam ser dados como não provados.
Atente-se, a propósito, que os factos impugnados foram dados como provados, de acordo com a motivação da sentença recorrida, com base nas declarações da autora e no depoimento de testemunhas, como FF e GG.
E o que a recorrente faz é, ao fim e ao resto, contrapor a tais depoimentos os prestados por CC e DD, para sustentar a alteração da resposta aos mesmos.
Porém, fá-lo sem a concreta indicação dos depoimentos em que se funda.
Isto apenas com exceção, no que se refere aos factos n.º 16 e 17: aqui, embora de forma não precisa, admite-se que tenham sido indicados os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa, com indicação precisa das passagens dos depoimentos em que se funda.
Por consequência, por incumprimento do ónus legal imposto quanto à impugnação da matéria de facto, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova (artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil) e porque para a factualidade em causa não se exigem documentos com força probatória plena, rejeita-se a impugnação fáctica por ela deduzida quanto aos factos 8, 9, 10, 13 e 30.
1.2. Sem embargo, importa ainda deixar uma observação sobre tais factos:
Em 1.º lugar para referir que, como decorre do disposto nos artigos 607.º, n.º 4 e 663.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, o tribunal declara como provados “factos”, e não juízos conclusivos ou questões jurídicas.
No entendimento de Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 268 a 270) afirma que «(…) são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos (…)», sendo indiferente que a esse factos se possa chegar diretamente ou através de regras gerais e abstratas (através das regras da experiência).
Antunes Varela, M. Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 407) entendem que «[d]entro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes) cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírico-sensível, directamente captável pelas percepções do homem (…), mas também eventos do foro interno, da vida psíquica ou emocional do indivíduo (v.g. a vontade real do declarante: art. 236°,2, do cód. Civil; o conhecimento dessa vontade pelo declaratário (…); as dores fisicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou por uma injúria: art. 496°, 1, do Cód. cit.)».
Acrescentam ainda os mesmos Autores (pág. 408) que, embora a área dos factos cubra, principalmente, os eventos reais, também pode abranger as "ocorrências virtuais” (os factos hipotéticos), que são, em bom rigor, não factos, mas verdadeiros “juízos de facto".
Estes juízos de facto (ou juízos de valor sobre a matéria de facto) situam-se entre os puros factos e as questões de direito; mas quando esses juízos de facto fazem parte da previsão das próprias normas, interessando, pois, diretamente à sua interpretação e aplicação, situam-se já no âmbito das questões de direito.
Ou seja, os juízos de valor sobre a matéria de facto, cuja emissão ou formulação se apoiam em simples critérios da pessoa comum, constituem matéria de facto; mas já quando esses juízos de valor, apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador, constituem matéria de direito.
Manuel de Andrade escrevia (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 194) que podem ser objeto de prova tantos os factos do mundo exterior (factos externos), como os da vida psíquica (factos internos), tanto aos factos reais, como os factos hipotéticos, tanto os factos “nus e crus”, como os juízos de facto.
O que se deixa afirmado quanto à matéria de facto/versus matéria de direito, serve para se concluir que o constante de alguns números da matéria de facto, quanto ao estado psíquico da autora – como tristeza, humilhação, sentimento de injustiça, etc. – não podem deixar de se situar na matéria de facto.
É certo que da mesma matéria de facto constam também alguns adjetivos/expressões cuja factualidade concreta poderá ser questionada, tais como a afirmação, no n.º 8, que a autora ficou “estupefacta e gélida com tais acusações”: todavia, uma vez que não se retira das mesmas uma concreta relevância na decisão da causa e para não perturbar a compreensão de toda a sequência da matéria de facto, entende-se mantê-las.
O mesmo se diga quanto à afirmação no mesmo número de “acusações”, aqui com um sentido comum: já no n.º 7, que não foi impugnado, consta que o sócio-gerente da ré “acusou” a autora, pelo que a afirmação de “acusações” no n.º 8 mais não é do que a repetição do afirmado no número anterior.
1.3 Quanto aos factos dados como provados sob os n.ºs 16 e 17
Recorde-se que estes factos são do seguinte teor: «16. A Autora sentiu tal facto como represália e tratamento desigual, receando regressar ao trabalho, o que a deixou ainda mais nervosa e ansiosa 17. As acusações que a Ré dirigiu à Autora de ter “desaparecido com € 30.000,00“, a circunstância de tais acusações terem sido feitas na presença de colega, e o pagamento da retribuição em data posterior aos restantes trabalhadores e de forma faseada, constituíram um desgaste emocional para a Autora».
E no facto anterior – n.º 15 – consta que na vigência da 2.ª baixa médica, no final do mês de março, a autora constatou que a ré não lhe tinha pago a respetiva retribuição, o que só veio a fazer em 10-04-2023, parcialmente, e o remanescente em 13-04/2023.
Retira-se da motivação da resposta àqueles factos da 1.ª instância que os mesmos foram dados comos provados com base no «(…) declarado pela própria autora, atestado que também foi pelas testemunhas FF, amiga da autora há 12 anos, e GG, cônjuge da autora, inquiridas na audiência final».
A recorrente sustenta que o facto n.º 16 deve ser dado como não provado, face aos depoimentos prestados por CC e por DD, indicando as concretas passagens da gravação em que se funda.
Ora, é certo que nos depoimentos prestados por estas testemunhas – a cuja audição procedemos – se refere que havia atrasos nos pagamentos da retribuição, tendo a testemunha HH acentuado, inclusive, que lhe foi proposto o pagamento da retribuição em prestações, o que ele recusou perentoriamente.
Todavia o que consta do facto n.º 16, atente-se, é o que a autora “sentiu” por não lhe ter sido paga a retribuição no final do mês, e não a situação de a outros trabalhadores estar ou não a ser pontualmente paga a retribuição.
São, pois, realidades distintas: por um lado, o sentimento da autora por não lhe ter sido paga a retribuição na data devida, apenas vindo a sê-lo posteriormente e em prestações, como consta do n.º 15 da matéria de facto; por outro, o que a recorrente pretende provar, que outros trabalhadores também não receberam a retribuição na data devida, vindo a sê-lo posteriormente, não se extraindo dos depoimentos se foi na mesma data da autora ou em diferente data.
Esta última situação encontra-se vertida no n.º 17 da matéria de facto e o certo é que face aos referidos depoimentos, embora a retribuição da autora tenha sido paga de forma faseada, não se pode concluir que tenha sido paga em data posterior (ou até anterior) aos restantes trabalhadores.
Ainda relacionado com o facto n.º 17, a ré sustenta haver contradição entre o facto n.º 7 e esse facto: e isto porque no n.º 7 consta que a autora foi acusada de ter “estoirado” com € 30.000,00 da empresa, enquanto no n.º 17 consta que a autora foi acusada de ter “desaparecido” com € 30.000,00.
Segundo entendemos não há qualquer contradição entre os factos, uma vez que o que resulta de relevante em ambos os factos é a imputação à autora da falta de € 30.000,00 na empresa.
Todavia, a linguagem/expressões não será a mais indicada para traduzir uma realidade factual.
Não obstante, para afastar quaisquer dúvidas sobre eventuais contradições nos factos, e porque o que consta do n.º 7 da matéria de facto não vem questionado, maxime quanto à afirmação do “estoirado”, no n.º 17 da matéria de facto substitui-se o “desaparecido” por “estoirado”.
Assim, altera-se o facto n.º 17, que passará a ter a seguinte redação: «As acusações que a Ré dirigiu à Autora, de ter “estoirado com € 30.000,00“, a circunstância de tais acusações terem sido feitas na presença de colega, e o pagamento da retribuição de forma faseada, constituíram um desgaste emocional para a Autora».
1.4. Assim, em conclusão quanto à impugnação da matéria de facto:
(i) rejeita-se a impugnação quanto aos factos dados como provados sob os n.ºs 8, 9, 10, 13 e 30;
(ii) mantém-se inalterado o facto provado sob o n.º 16;
(iii) altera-se o facto dado como provado sob o n.º 17, nos termos referidos supra.
2. Da caducidade ou não do direito de resolução do contrato de trabalho
A sentença recorrida concluiu não se verificar a caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho.
Para tanto, apoiando-se no entendimento da doutrina, que cita, e ainda na jurisprudência, afirmou que o prazo de caducidade em causa «(…) conta-se a partir do momento em que os comportamentos do empregador assumem uma gravidade tal, que tornam impossível a manutenção da relação laboral.
(…) No caso em apreço, como resulta desde logo da comunicação enviada pela autora à ré, os acontecimentos ocorridos, designadamente no dia 06 de março de 2023, foram graves e impactantes no estado emocional da autora, que se viu diante a necessidade de ficar de baixa médica a partir do dia 15 de março de 2023, depois de ter gozado três dias de férias, mas o facto que despoletou a sua decisão de rescindir o contrato de trabalho deu-se quando a ré, para além de não ter pago a retribuição do mês de março na data do seu vencimento, procedeu ao seu pagamento de forma faseada, por duas vezes, em 10 e 13 de abril de 2023, tal como de resto o comunicou na carta de rescisão do contrato de trabalho datada de 13 de abril de 2023 e recebida pela ré no dia 18 de abril de 2023, facto que a autora interpretou como retaliação. E foi nesse momento que os efeitos da violação dos deveres por parte da empregadora assumiram tal gravidade que tornaram a subsistência do contrato de trabalho intolerável para a autora. Pelo que, reportando-se o último facto integrante da justa causa invocada pela autora ao pagamento tardio e faseado da retribuição do mês de março, que apenas ocorreu a 10 e 13 de abril, somos a concluir que à data da comunicação da rescisão do contrato de trabalho (datada de 13/04/2023 e rececionada pela ré a 18/04/2023) ainda não havia decorrido o prazo de caducidade de 30 dias previsto no artigo 395.º, n.º 1 do Código do Trabalho».
A recorrente/ré rebela-se contra tal entendimento, argumentando, em suma, que os factos relevantes são apenas os verificados em 06-03-2023, sendo que face ao disposto no artigo 394.º, n.º 5, do Código do Trabalho, o facto alegado pela recorrida/autora consubstanciado no pagamento da retribuição do mês de março de 2023, nos dias 10 e 13 de abril de 2023, não tem qualquer relevância para efeitos de apreciação da justa causa.
Adiante-se desde já que se entende que a 1.ª instância decidiu com acerto.
Expliquemos porquê.
Estipula o n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho, que o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos; e nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, em conjugação com o n.º 5 do artigo 394.º, do compêndio legal em referência, considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, nessa situação se contando aquele prazo a partir do termo deste período de 60 dias.
Importa ainda ter presente que na ação em que for apreciada a justa causa de resolução apenas são atendíveis os factos constantes da referida comunicação escrita (n.º 3 do artigo 398.º).
Assim, para que possa ser lícita a resolução do contrato de trabalho é, desde logo, necessário que se observem os requisitos procedimentais: (i) comunicação escrita, (ii) com indicação sucinta dos factos que justificam a resolução, (iii) a ser feita nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.
A observância de tais requisitos constitui condição da licitude da resolução, pois dela depende a atendibilidade dos factos invocados para justificar a cessação imediata do contrato: “[s]ignifica isto que, perante a respectiva preterição, tudo se passa como se o trabalhador tivesse feito cessar o contrato invocando uma justa causa não verificada” (Joana Vasconcelos, Pedro Romano Martinez e outros, Código do Trabalho Anotado, 9.ª Edição, 2013, pág. 834).
No caso em apreço, tendo em conta a prova produzida são dois os momentos temporais da verificação de factos fundamentadores da resolução do contrato: (i) em 06-03-2023, em que o sócio-gerente da ré, de modo exaltado, agressivo e rude, acusou a autora de ter “estoirado” com € 30.000,00 da empresa (facto n.º 7); (ii) não ter sido paga à trabalhadora a retribuição que, ao que se extrai, devia ocorrer no final do mês do calendário (artigo 278.º, n.º 1, do Código do Trabalho), apenas o vindo a ser, em prestações, em 10 e 13 de abril seguintes (cfr. facto n.º 15).
Como princípio geral, a culpa do empregador presume-se, nos termos do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, de acordo com o qual «incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o incumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua».
Por isso, quando ocorra a violação de um qualquer dever contratual por parte do empregador, vale a regra ínsita no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, o que significa que, demonstrados os comportamentos que configuram, na sua materialidade, violação de deveres contratuais imputados ao empregador (cuja prova, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, compete ao trabalhador), a culpa do mesmo presume-se, havendo de ter-se por verificada, caso a presunção não seja ilidida pelo empregador.
Todavia, a lei expressamente qualifica de culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta até ao termo daquele prazo (n.º 5 do artigo 394.º).
Isto é: a falta de pagamento de retribuições que se prolongue por mais de 60 dias, presume-se culposa, não sendo ilidível essa presunção de culpa; já para a falta de pagamento de retribuições que se prolongue por período inferior a 60 dias, vale a regra ínsita no artigo 799.º do Código Civil, o que significa que a culpa do empregador se presume, havendo de ter-se por verificada, caso não seja por ele ilidida.
Assim, reafirma-se, estão em causa dois factos fundamentadores da resolução do contrato: um verificado em 6 de março de 2023, com as palavras/expressões que o legal representante da recorrente dirigiu à recorrida; outro no final do mês, com o não pagamento da retribuição.
Ora, ao fixar o prazo de caducidade o legislador parte do princípio de que decorridos 30 dias sobre a sua verificação dos factos se o trabalhador não reagiu é porque os mesmos não são de molde a tornar impossível a subsistência da relação de trabalho.
Por isso, tratando-se de um facto instantâneo e uno, em que há apenas uma conduta executada em determinado momento/data, o prazo de 30 dias inicia-se no momento do conhecimento da materialidade desses factos.
Mas se o comportamento do empregador for continuado no tempo, por exemplo através de infrações instantâneas continuadas, o prazo de caducidade não se inicia no momento do conhecimento da materialidade dos factos, mas quando os mesmos assumem tal gravidade que, no contexto da relação laboral, tornam impossível a subsistência dessa relação.
Ou seja, o que releva em tais situações é o momento em que o trabalhador fica ciente da gravidade dos factos e, consequentemente, da impossibilidade de subsistência da relação de trabalho.
No caso em apreço, entre o primeiro facto (em 06-03-2023) e o 2.º facto (final do mês) não decorreram 30 dias; e, independentemente de se poder considerar a existência de factos instantâneos com efeitosduradouros, o que se entende mais adequado – em que o prazo de 30 dias a que se refere o n.º 1 do artigo 395.º, do Código do Trabalho apenas se inicia quando os efeitos provocados pela prática desses factos atingem tamanha gravidade no âmbito da relação laboral que tornam tal manutenção praticamente impossível –, ou de se poder considerar a existência de factos continuados – em que tal prazo se inicia apenas quando o último ato violador do contrato de trabalho tiver sido praticado –, o certo é que o último dos factos ocorreu em final de março de 2023, e a autora resolveu o contrato de trabalho por comunicação de 13 de abril de 2023 (facto n.º 20), portanto em prazo inferior aos referidos 30 dias.
Assim, entende-se não se verificar a alegada caducidade do direito de resolver o contrato de trabalho.
Improcedem, por consequência e nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.
3. Da justa causa de resolução do contrato de trabalho
A 1.º instância concluiu verificar-se justa causa de resolução do contrato.
Para tanto, concluiu assim: «(…) considerando a imputação à autora do “desvio” de 30.000,00 € da conta bancária da ré; considerando que tal imputação foi feita pelo legal representante da ré de modo exaltado, agressivo, rude e humilhante para a autora, e, por conseguinte, em forma de assédio, nos termos que se mostra definido no artigo 29.º, n.º 2 do Código do Trabalho, tanto que foi feita na presença de outro trabalhador da ré, colega de trabalho da autora; considerando o pagamento faseado da retribuição do mês de março de 2023, já no mês posterior ao seu vencimento e numa altura em que a autora estava de baixa médica pelo impacto emocional que tal acusação que lhe causou, interpretando-o como retaliação pelo sucedido; e considerando ainda os quase seis anos que perdurava a relação laboral, sem que a autora alguma vez tivesse sido repreendida pela ré por falta de profissionalismo ou prática de qualquer comportamento sancionável disciplinarmente, sendo ela uma trabalhadora dedicada e profissional, temos que se verifica, à suficiência, justa causa para a cessação do contrato de trabalho por iniciativa da autora e com efeitos a 13 de abril de 2023 (…)».
Outro é o entendimento da recorrente, que sustenta, muito em síntese, que o único facto provado relevante – que consta do n.º 7 da matéria de facto – não é suficiente para tornar praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho, além de que que considera não ter existido comportamento assediante da sua parte em relação à trabalhadora/autora.
Vejamos.
Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato artigo 394.º, n.º 1, do Código do Trabalho)
Constituem justa causa de resolução do contrato de trabalho, nomeadamente, a falta culposa de pagamento pontual da retribuição e a ofensa à integridade moral, honra ou dignidade do trabalho (n.º 2, alínea a) e f), respetivamente, do mesmo artigo).
E a justa causa é apreciada nos termos previstos no n.º 3 do artigo 351.º, do Código do Trabalho, com as necessárias adaptações, ou seja, tendo em conta o quadro de gestão da empresa, o grau de lesão dos interesses do trabalhador, o carácter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
Porém, como adverte Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Edição, Almedina, pág. 1011) não poderão apreciar-se tais elementos em moldes tão estritos e exigentes como no caso da justa causa disciplinar: a dissemelhança entre as figuras do despedimento disciplinar e da resolução do contrato por iniciativa do trabalhador assim o impõem.
Isto é, e dito de outro modo: na apreciação de justa causa de resolução pelo trabalhador o grau de exigência tem de ser menor que o utilizado na apreciação de justa causa de despedimento – uma vez que o trabalhador perante o incumprimento contratual do empregador não tem formas de reação alternativas à resolução, enquanto este perante o incumprimento contratual do trabalhador pode optar pela aplicação de uma sanção conservatória do vínculo laboral, em detrimento da sanção mais gravosa de despedimento.
De acordo com o que se encontra estatuído no referido artigo 394.º, exigem-se três requisitos para que se verifique uma situação de justa causa subjetiva para a resolução do contrato com justa causa:
(i) um requisito objetivo, traduzido num comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador;
(ii) um requisito subjetivo, consistente na atribuição desse comportamento ao empregador;
(iii) um requisito causal, no sentido de que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Deste modo, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjetiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências; ou seja, é necessária a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral.
Mas, como já se afirmou e importa realçar, a justa causa de resolução é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações (n.º 4 do artigo em referência): isto é, da existência de culpa no não cumprimento pontual de uma obrigação não decorre, forçosamente, justa causa para a resolução do contrato pelo trabalhador; esta terá de aferir-se nos termos do n.º 3 do artigo 351.º do Código do Trabalho, por remissão feita pelo n.º 4 do artigo 394.º, pelo que deve atender-se ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre este e a sua entidade empregadora, aos demais envolvimentos e circunstâncias precedentes e posteriores ao comportamento invocado como constituindo justa causa.
Tudo isto com o fim de apurar se a violação culposa por parte do empregador tornou praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
No caso, tem-se por incontroverso que se verificou o requisito objetivo e subjetivo da resolução do contrato, ou seja, comportamento da empregadora, ainda que através do seu sócio gerente, consubstanciado nas palavras que em 06-03-3023 dirigiu à trabalhadora e na falta de pagamento da retribuição no final do mês, e imputação das mesmas à empregadora.
A questão coloca-se quanto ao requisito causal, o mesmo é dizer em apurar se o comportamento, pela sua gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Mas também aqui a resposta só pode ser afirmativa, no sentido da sua verificação.
Como se disse, importa desde logo ter presente que a apreciação de justa causa de resolução não pode ser apreciada em moldes tão estritos e exigentes como no caso da justa causa disciplinar.
E a recorrente no dia 6 de março de 2023, na presença de outro trabalhador, imputou à autora, de modo exaltado, agressivo e rude, ter “estoirado”, “rebentado” com € 30.000,00 da empresa (facto n.º 7).
Em termos práticos, o que a ré fez foi imputar à autora ter feito aquela ver reduzido o seu património em € 30.000,00, seja por a autora o ter gasto indevidamente, seja por, através de qualquer meio o ter feito desaparecer da empresa.
Trata-se de uma imputação grave à trabalhadora, com um sentido lato e até equívoco, que pode configurar a violação por esta de diversos deveres laborais, como a falta de realização do trabalho com zelo e diligência, não conservação dos bens que lhe estão confiados e, porventura, violação do dever de lealdade.
Tanto assim é que a trabalhadora sentiu-se triste, humilhada e injustiçada, começou a sentir descontrolo emocional no seio familiar e ansiedade, factos que conduziram a que tivesse que apresentar baixa médica (n.ºs 8, 10, 11, 12, 13, 14).
E no fim desse mês não lhe foi paga pontualmente a retribuição, o que ainda a deixou mais nervosa e ansiosa (n.ºs 15 e 16).
Isto quando, note-se, a trabalhadora efetuava pagamentos a fornecedores, transferências bancárias para pagamento aos trabalhadores, o pagamento de impostos da empregadora, comunicando e dando regularmente conhecimento desses atos ao sócio-gerente da empregadora (n.ºs 3 e 4): isto é, desempenhava funções em estreita ligação com aquele e dando-lhe regularmente conhecimento dos atos que praticava, sendo que nunca foi objeto de procedimento disciplinar ou qualquer reparo por parte da empregadora, sempre tendo exercido as funções com zelo e empenho superior ao que lhe era exigido (n.ºs 18 e 19).
Acresce que dos autos, bem como da audição dos depoimentos, parece legitimo extrair-se que a empregadora tinha um reduzido quadro de pessoal, o que reforça a existência de um contacto e diálogo próximo entre a empregadora e os seus trabalhadores
Ora, perante este circunstancialismo fáctico, não se vislumbra como poderia continuar a manter-se a relação laboral em apreço: afinal, tendo em conta as funções exercidas pela trabalhadora, aqueles comportamentos da empregadora colocavam irremediavelmente em causa a relação de confiança entre as partes.
Por isso, quebrando-se essa confiança entre as partes, tornou-se impossível a subsistência da relação laboral, pelo que não restava à trabalhadora outra alternativa que não resolver o contrato de trabalho, com justa causa face ao referido.
É certo que não se afigura que o comportamento da empregadora se possa qualificar de assediante, entendido nos termos do n.º 2 do artigo 29.º do Código do Trabalho como «(…) comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador».
Deste preceito legal decorre que integram o conceito de assédio moral todos os comportamentos humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador que se prolonguem no tempo e que tenham como intenção exercer pressão moral sobre o mesmo, com vista a um objetivo final ilícito ou eticamente reprovável.
E no quadro em apreço, está sobretudo em causa um comportamento/facto praticado pela ré (em 06-03-2023) atentatório da dignidade da trabalhadora, admitindo-se que visando criar instabilidade e menor resistência psicológica da autora; e face à factualidade provada, maxime sob os n.ºs 8, 9, 10, 13, 16, 17 e 30, tal comportamento da ré criou, efetivamente, humilhação, desorientação, ansiedade, instabilidade familiar, etc., na autora.
Todavia, importa enfatizar, está em causa, sobretudo, um facto isolado mais grave, consistente nas palavras e expressões dirigidas à autora, conjugado depois com outro, menos grave, de falta de pagamento pontual da retribuição: tratam-se de factos isolados, que mais parecem enquadrar-se no contexto de um conflito laboral.
Importa não olvidar que nem toda e qualquer violação dos deveres da entidade empregadora em relação ao trabalhador, mesmo que consubstancie um exercício arbitrário de poder de direção, pode ser considerada assédio moral: para que este se tenha por verificado exige-se um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável.
Da leitura da matéria de facto não se retira que com tais atos a ré/recorrente pretendesse um fim específico ilícito: e, note-se, foram alegados vários factos que poderiam qualificar tais comportamentos como assediantes, mas que a trabalhadora não logrou provar [vide, designadamente, os factos não provados sob as alíneas a), b) e f)].
Por consequência, em jeito de conclusão, embora não se demonstre a existência de assédio moral, verifica-se justa causa de resolução do contrato de trabalho.
Improcedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.
4. Do quantum indemnizatório
Recorde-se que na petição inicial a autora peticionou a condenação da ré a pagar-lhe entre o mais, (i) € 3.600,00 a título de indemnização por danos patrimoniais (ii) e € 7.500,00 a título de danos não patrimoniais, com fundamento no disposto nos artigos 28.º e 29.º do Código do Trabalho.
Enquadrando-os no âmbito de danos patrimoniais, a sentença recorrida condenou a ré no pagamento de € 1.324,80, a título de créditos de horas de formação profissional não ministrada e dois meses de subsídio de desempego, a liquidar em incidente próprio; e em relação aos danos não patrimoniais condenou a ré no pagamento de € 5.000,00.
Quanto a estes últimos danos fundamentou assim a decisão: «O fundamento legal do direito indemnizatório por danos não patrimoniais resultantes de assédio laboral resulta das normas conjugadas dos artigos 29.º n.º 4 e 28.º do Código do Trabalho: a prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito. Mas mesmo que assim não entendesse, isto é, que os factos evidenciados não integram o conceito de assédio, sempre a autora teria direito a ser indemnizada pelos danos causados pela atuação da ré, sustentada nos mesmos factos. Com efeito, os factos geradores da justa causa para a resolução do contrato de trabalho causou na autora um quadro depressivo, a necessidade de recurso a tratamento médico e medicamentoso e, ainda, que a aurora se sentiu desestabilizada emocionalmente, vendo-se ofendida na sua honra e consideração, tendo experienciado, nos últimos tempos do vínculo laboral, sentimentos de angústia, instabilidade emocional, frustração e humilhação, o que veio a afetar, de forma grave, a sua saúde psíquica, a ponto de ter ficado incapacitada para o trabalho por doença do foro mental, com necessidade de toma de medicação para a depressão, que se prolongou até pelos menos a data da entrada da presente ação. Estão, pois, demonstrados os danos não patrimoniais provocados pelo comportamento da Ré, e quanto à medida da indemnização, consideramos que o valor de € 5.000,00 se mostra ajustado ao ressarcimento de tais danos, procedendo, assim, parcialmente o pedido formulado a respeito pela autora».
Também no que diz respeito a estes danos, no recurso a recorrente/ré sustenta, em suma, que não se verifica justa causa de resolução do contrato de trabalho, e que ainda que se verifique – como se analisou e decidiu supra – o valor indemnizatório não deve ultrapassar € 2.000,00.
Analisemos.
Previamente importa referir que, do que se extrai da sentença recorrida, para a resolução da questão em apreço convocou o disposto nos artigos 28.º e 29.º do Código do Trabalho, e guardou absoluto silêncio quanto às regras, específicas, de indemnização ou compensação devidas ao trabalhador em caso de justa causa de resolução do contrato, previstas no artigo 396.º do Código do Trabalho.
Ora, considerando, por um lado, que este tribunal não se encontra sujeito às alegações das partes, ou do tribunal recorrido, quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), e, por outro, que se encontra especificamente regulada no Código do Trabalho, rectius, no seu artigo 396.º, a matéria de indemnização ou compensação devida ao trabalhador em caso de justa causa de resolução do contrato de trabalho, entende-se que terá que ser a partir deste normativo legal que a questão em apreço terá que ser decidida.
Deixada esta nota, avancemos.
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 396.º do Código do Trabalho, em caso de resolução do contrato com justa causa, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades base por cada ano de antiguidade ou fração, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades; no caso de fração de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente (n.º 2 do mesmo artigo).
Como assertivamente se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-02-2016 (proc. n.º 428/13.6TTPRT.P1.S2, disponível em www.dgsi.pt), o valor da indemnização deve ser mais elevado quanto menor for a retribuição e quanto maior for a ilicitude do comportamento do empregador.
Mas de acordo com o n.º 3 do mesmo preceito legal, o valor da indemnização pode ser superior ao que resultaria da aplicação do n.º 1 sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado.
Ou seja, a indemnização prevista no n.º 1 do artigo 396.º do Código do Trabalho, abrange todos os danos – patrimoniais e não patrimoniais – fixados, como aí se prevê, tendo em conta o valor da retribuição e o grau de ilicitude do empregador; está, pois, em causa uma indemnização unitária.
E só no caso do valor da indemnização assim fixado ser inferior ao montante dos danos sofridos – patrimoniais e não patrimoniais –, é que há lugar à aplicação do n.º 3 do mesmo preceito, fixando-se então em valor superior.
Ora, por aplicação da regra do n.º 1, e considerando que a trabalhadora foi admitida ao serviço da ré em 02-05-2017 (facto n.º 1), que o contrato de trabalho cessou em 18-04-2023 (facto n.º 21) e que aquela auferia ultimamente a retribuição mensal de € 922,00 (facto n.º 3), facilmente se constata que o valor máximo que daí decorre, no montante de € 8.244,95 [€ 6.915,00 (€ 922,00 x 1,5 x 5 anos) + € 1.329,95 (€ 922,00 x 1,5 x 351 dias : 365dias)], é largamente superior ao fixado pela 1.ª instância a título de danos não patrimoniais ao trabalhador.
Mas ainda que no âmbito dos danos patrimoniais referidos no n.º 1 do artigo 396.º se considere o pagamento de dois meses de subsídio desemprego – únicos que face à sentença recorrida será possível de considerar, mas que, como se analisará infra, é de afastar – sempre os danos patrimoniais e não patrimoniais se situariam ainda aquém do limite fixado no referido n.º 1 do artigo 396.º.
Entende-se, pois, que os danos patrimoniais e não patrimoniais fixados se situam dentro do limite do n.º 1 do artigo 396.º.
A indemnização por danos não patrimoniais tem como pressuposto (artigo 483.º do Código Civil):
(i) um comportamento ilícito e culposo da empregadora;
(ii) a existência de danos por parte do trabalhador;
(iii) que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito;
(iv) que se verifique um nexo causal entre o comportamento da empregadora (ainda que através de um dos seus representantes).
Na fixação da indemnização haverá que atender-se àqueles danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil).
Como já se deixou assinalado, e resulta da matéria de facto, na presença de outro trabalhador, o sócio-gerente da ré imputou à autora, de modo exaltado, agressivo e rude, ter “estoirado”, “rebentado” com € 30.000,00 da empresa, o mesmo é dizer ter feito “desparecer” da empresa ré € 30.00,00.
Com o se disse, e se reitera, em termos práticos o que a ré fez foi imputar à autora ter feito aquela ver reduzido o seu património em € 30.000,00, seja por a autora o ter gasto indevidamente, seja por, através de qualquer meio o ter feito desaparecer da empresa.
Trata-se de uma imputação grave, diremos até muito grave, à trabalhadora, tendo em conta as funções por esta exercidas, maxime com movimentações financeiras da ré,e a especial relação de confiança que mantinha com o sócio-gerente, o que levou a que a trabalhadora se sentisse triste, humilhada, injustiçada, tendo começado a sentir descontrolo emocional no seio familiar e ansiedade, o que conduziu a que tivesse que apresentar baixa médica.
E no fim desse mês não lhe foi paga pontualmente a retribuição, o que ainda a deixou mais nervosa e ansiosa.
Ora, perante este quadro, e considerando a elevada ilicitude da empregadora e a retribuição da trabalhadora, entende-se por equilibrada e justa, face ao referido n.º 1 do artigo 396.º, a fixação da indemnização de € 5.000,00, fixada na sentença recorrida.
Improcedem, pois, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.
5. Do subsídio de desemprego
Como se deixou referido, o tribunal a quo condenou a recorrente a pagar à recorrida dois meses desubsídio de desemprego, a liquidar em incidente próprio.
Ancorou-se, para tanto, no entendimento de que a ré não entregou à autora, logo que solicitada por esta e para efeitos de obtenção de subsídio de desemprego, a declaração RP 5044-DGSS, apenas vindo a fazê-lo por intervenção dos serviços das ACT e por intermédio destes no dia 16/06/2023, pelo que é responsável pelo não recebimento pela mesma autora do subsídio de desemprego referente a dois mesmos.
No recurso, a recorrente contrapõe que «(…) não praticou qualquer ato ilícito e culposo, conducente à atribuição de responsabilidades no pagamento do valor da prestação social de subsídios de desemprego a que a recorrida eventualmente tivesse direito», sendo que ainda que tivesse entregue de imediato, ou seja, logo que solicitada, a referida declaração à autora, daí não decorria que esta tivesse automaticamente direito ao subsídio de desemprego, uma vez que este depende (também) de outros requisitos.
Anui-se, nesta parte, à interpretação da recorrente.
Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 341.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho, cessando o contrato de trabalho, o empregador deve entregar ao trabalhador, mediante solicitação deste, documentos previstos na legislação de segurança social.
O Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, estabelece o quadro legal de reparação da eventualidade do desemprego dos trabalhadores por conta de outrem.
No seu artigo 9.º, n.º 1, alínea c), estabelece que o desemprego considera-se involuntário sempre que a cessação do contrato de trabalho decorra de resolução com justa causa por iniciativa do trabalhador; e o n.º 5 do mesmo artigo estatui que para efeitos da referida alínea c), «(…) presume-se haver desemprego involuntário quando o fundamento de justa causa invocado pelo trabalhador não seja contraditado pelo empregador ou, sendo-o, o trabalhador faça prova de interposição de acção judicial contra o empregador».
E o artigo 43.º, n.º 1, estabelece que «[e]m caso de cessação do contrato de trabalho, o empregador é obrigado a entregar ao trabalhador as declarações previstas nos artigos 73.º e 74.º para instrução do requerimento das prestações no prazo de cinco dias úteis a contar da data em que o trabalhador as solicite, sem prejuízo da possibilidade de as declarações serem apresentadas online no sítio da Internet da segurança social, nos termos previstos no presente decreto-lei».
Por sua vez, o artigo 74.º determina que «[e]m caso de impossibilidade ou de recusa por parte do empregador de entregar ao trabalhador as declarações referidas no .º 1 do artigo 43.º, a sua emissão compete à Inspecção-Geral do Trabalho [hoje, numa interpretação atualista, à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT)], que, a requerimento do interessado e na sequência de averiguações efectuadas junto do empregador, a deve elaborar no prazo máximo de 30 dias a partir do pedido».
Finalmente, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 77.º, o prazo para requerer as prestações é suspenso pelo tempo que medeia entre o pedido do beneficiário e a emissão da declaração pela ACT.
Assim, sendo certo que a apresentação do subsídio de desemprego depende da apresentação do referido modelo 5044, a emitir pelo empregador no prazo de cindo dias após lhe ter sido requerido, não o é menos que caso o empregador se recuse ou esteja impossibilitado de emitir essa declaração/documento, o trabalhador pode suprir essa omissão requerendo à ACT a emissão de tal declaração/documento, que deverá emiti-la no prazo de 30 dias.
Da matéria de facto decorre que a aqui recorrente não entregou à aqui recorrida a declaração em causa, pelo que esta teve que requerer à ACT a emissão da declaração em substituição da recorrente, que à data em intentou a presente ação ainda não tinha recebido subsídio de desemprego e que em virtude da atuação da ré (julga-se que por esta situação especifica) começou a ter crises de ansiedade, a sentir-se nervosa e chorosa, tendo sido medicada (n.ºs 23, 24, 29,30).
Ora, em função dos normativos legais anteriormente convocados, não se pode considerar a verificação de nexo de causalidade entre a falta de entrega da declaração/documento pelo empregador e o não requerimento tempestivo do trabalhador de concessão do subsídio de desemprego, um a vez que aquela falta é suprida, ou , se se quiser, perante essa falta, a lei atribui competência à ACT para a emissão dessa declaração.
Acresce que não se demonstra nos autos que ainda que a recorrente tivesse emitido a declaração no prazo de cinco de dias sobre a solicitação pela recorrida, esta teria recebido o subsídio referente aos dois meses em causa.
Procedem, pois, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso, sendo de revogar a condenar da ré a pagar à autora dois meses de subsídio de desemprego, a liquidar em incidente próprio.
6. De acordo com o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil, as custas do recurso deverão ser pagas por ambas as partes, na proporção do restivo decaimento.
V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso interposto porEMP01..., Lda., e, em consequência:
1. altera-se a matéria de facto, nos termos referidos supra;
2. revoga-se a sentença recorrida, na parte em que condenou a recorrente a pagar à recorrida dois meses de subsídio de desemprego, a liquidar em incidente próprio, dele se absolvendo a recorrente;
3. em tudo o mais, mantém a sentença recorrida, embora com fundamentação jurídica não coincidente.
Custas pela ré/recorrente e pela autora/recorrida, na proporção do decaimento.
Évora, 16 de dezembro de 2024 João Luís Nunes (relator) Emília Ramos Costa Paula do Paço
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[1] Relator: João Nunes; Adjuntas: (1) Emília Ramos Costa, (2) Paula do Paço.