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REIVINDICAÇÃO
HERANÇA
REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
RESTITUIÇÃO DE IMÓVEL
Sumário
I - O registo definitivo de aquisição de imóvel constitui presunção ilidível de que o direito existe, pertence ao titular inscrito e que a sua inscrição tem determina substância – objecto e conteúdo de direitos ou ónus e encargos nele definidos. II - Estando a propriedade registada em nome do falecido autor da herança ilíquida e indivisa, do qual as AA. são as únicas e universais herdeiras, competia ao R. alegar e provar factos susceptíveis de inquinar a referida presunção. III - Não se mostra ilidida a referida presunção, quando se provou que – apesar da aquisição do imóvel reivindicado se mostra registada em nome do titular inscrito, em parte, com base em escritura pública de compra e venda celebrada, em 11/06/1990, na constância do matrimónio do titular inscrito com a mãe do réu – o imóvel não integra o património comum do casal, por estar demonstrado que com a dita escritura se pretendeu formalizar a compra do imóvel por direito próprio anterior daquele titular, efectuada por acordo verbal celebrado em 05/03/1977, com pagamento do preço e tradição da coisa ocorridos na mesma data, sendo o conhecimento de sisa também de data anterior à vigência daquele matrimónio. IV - Provando-se que o imóvel reivindicado é pertença da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do titular inscrito, da qual as autoras são as únicas e universais herdeiras, e não provando o réu ter título que legitime a detenção do imóvel, está o mesmo obrigado a proceder à sua restituição. (Sumário elaborado pelo relator)
Texto Integral
Recurso de Apelação n.º 2007/21.5T8EVR.E1
Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1.AA, BB, CC, DD, e EE, na qualidade de únicas e universais herdeiras da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de FF, intentaram acção declarativa comum contraGG, pedindo que o R. seja condenado a:
a) Reconhecer o direito de propriedade da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de FF, de que as autoras são únicas e universais herdeiras, sobre o prédio urbano sito na Rua 1, Bairro 1, freguesia Local 1, concelho Local 2;
b) Entregar às autoras, em representação da referida herança, o citado prédio livre e devoluto de pessoas e bens;
c) Abster-se de praticar quaisquer actos que ofendam o direito de propriedade da referida herança sobre aquele prédio; e
d) Pagar à referida herança quantia não inferior a €100,00, a título de indemnização moratória, por cada dia de atraso na entrega do referido imóvel, a contar da data do trânsito em julgado da decisão que o ordene.
2. Para tanto, alegaram, em síntese, que são as únicas e universais herdeiras de FF, a cujo acervo hereditário pertence o prédio supra-referido, e que o prédio foi ocupado pelo R., em Setembro de 2020, que ali passou a residir, sem qualquer título.
3. Regularmente citado, o R. apresentou contestação, onde se defendeu por excepção – invocando que o imóvel em questão pertence igualmente ao acervo hereditário deixado pela sua progenitora, de quem não é o único herdeiro, pelo que a acção não poderia ter sido intentada somente contra si, por se estar perante uma situação de litisconsórcio necessário –, e, por impugnação, alegando, em suma, que metade do requerido imóvel pertencia à herança de HH, casada que foi com FF, uma vez que foi adquirido e registado na constância do casamento daqueles, tratando-se de bem comum do casal.
4. Após perícia, foi proferida decisão na qual se declarou a incompetência do Juízo Local Cível Local 2 para a tramitação dos presentes autos, em razão do valor da causa, então fixado em € 132 000.00.
Distribuído o processo, foi o R. notificado para juntar certidão da escritura de aquisição a que faz alusão na contestação, o que este fez.
A Autora respondeu à matéria da excepção e juntou documentos.
5. Realizou-se a audiência prévia, no âmbito da qual foi julgada improcedente a aludida excepção de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário.
Após, considerando-se que as partes já tinham manifestado em sede de audiência prévia as suas posições e entendendo-se que os autos já continham todos os elementos necessários para o imediato conhecimento do mérito da causa, foi proferido despacho saneador-sentença, no qual se decidiu julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência:
a. Declarar a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de FF, de que as autoras são únicas e universais herdeiras, proprietária do prédio urbano, composto de casa de habitação de rés-do-chão e logradouro, sito na Rua 1, Bairro 1, freguesia Local 1, concelho Local 2, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...33, da freguesia União das Freguesias de Local 3 e Local 1, descrito na Conservatória do Registo Predial Local 2 com o n.º ...13 - freguesia Local 1;
b. Condenar o Réu a entregar às Autoras, em representação da referida herança, o identificado prédio, livre e devoluto de pessoas e bens;
c. Condenar o Réu a abster-se de praticar quaisquer actos que ofendam o direito de propriedade da referida herança sobre aquele prédio;
d. Absolver o Réu do pagamento de sanção pecuniária compulsória à taxa de € 100,00 (cem euros) por cada dia de atraso da restituição do imóvel.
6. Inconformado recorreu o R., pugnando pela sua absolvição, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]:
1.ª O prédio em causa constitui um bem comum do casal (artigo 1724º, alínea b), do CC) porque a segunda escritura (11/6/1990) foi realizada em data posterior ao casamento de FF com II (14/12/1988).
2.ª Ou seja, o tribunal “a quo” violou o art.º 1724º alínea b) do C.C. na medida em que não reconheceu o contrato de aquisição realizado durante a vigência do casamento sob o regime de comunhão de adquiridos
3.ª Por isso, a primeira escritura (28/6/1988) referente a 210 m2 não pode açambarcar a aquisição da totalidade do prédio em discussão nos autos com fundamento na anterioridade ao referido casamento da inscrição matricial (1986).
4.ª Em suma deve o R. ser absolvido do pedido formulado pelas A.A. porque o bem foi adquirido por contrato e reconstruído na constância do matrimónio.
Nestes termos e demais de direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deve a decisão do Tribunal de Primeira Instância ser alterada conduzindo à absolvição total do aqui recorrente.
* II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, a única questão a decidir consiste em apurar se o prédio reivindicado pertence exclusivamente à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de FF, de que as AA. são únicas e universais herdeiras, ou se também faz parte da herança deixada por óbito de HH, casada que foi com FF (em 2ªs núpcias de ambos), da qual o R. é filho, com as legais consequências.
* III – Fundamentação
A) - Os Factos
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. Em ../../2020 faleceu FF, no estado de viúvo de HH, tendo deixado como suas únicas e universais herdeiras as irmãs germanas AA e BB e as sobrinhas AA e CC, em representação de JJ, irmão germano pré-falecido daquele;
2. Em ../../2021 faleceu a referida AA, no estado de viúva, tendo deixado como suas únicas herdeiras as suas filhas DD e EE;
3. A aquisição do prédio urbano, composto de casa de habitação de rés-do-chão e logradouro, sito na Rua 1, Bairro 1, freguesia Local 1, concelho Local 2, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...33, da freguesia União das Freguesias de Local 3 e Local 1, descrito na Conservatória do Registo Predial Local 2 com o n.º ...13 - freguesia Local 1, mostra-se ali inscrita a favor de FF através da Ap. ...6 de 1990/07/13 e da AP. ...7 de 1990/07/10;
4. O imóvel mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial Local 2, ainda na freguesia Local 4, sob o n.º ...13, resultante da anexação dos prédios anteriormente descritos sob os n.ºs ...87 e ...88;
5. O imóvel em discussão nos autos mostra-se inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...33 da União das Freguesias Local 3 e Local 1, que anteriormente correspondia ao artigo 1960, da extinta freguesia Local 1 e, antes ainda, sob o artigo 8778, da extinta freguesia Local 4, concelho Local 2.
6. O referido prédio urbano foi inscrito na matriz predial respectiva no ano de 1986;
7. FF casou em ../../1976 com KK;
8. O mencionado casamento foi dissolvido por óbito do cônjuge KK em ../../1987;
9. Em ../../1988 FF casou com HH;
10. O aludido casamento foi dissolvido por morte de HH em 26.01.2019;
11. O Réu é filho de HH;
12. Por escritura de compra e venda lavrada em 11/06/1990, no Cartório Notarial Local 2, de fls. 95 verso a fls. 98 verso do livro de Escrituras Diversas n.º ...5-C os ali primeiros outorgantes LL e seu marido MM, NN e OO, os dois últimos com o consentimento dos respectivos cônjuges, declaram, entre o mais, que: “Que em cinco de Março de mil novecentos e setenta e sete, seu pai e sogro, com imediata tradição, vendeu, pelo preço de cinquenta mil escudos, que então recebeu, ao terceiro outorgante [FF], o lote de terreno para construção urbana, com a área de quinhentos metros quadrados e o número treze da respectiva planta, sito nesta cidade, no Bairro 1, freguesia Local 4, descrito na Conservatória do Registo Predial Local 2 sob o número ..., daquela freguesia, nela registado, em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor dos vendedores pela inscrição X..., no qual já se encontra construído um prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o artigo oito mil setecentos e setenta e oito.”
13. Na mesma escritura, o FF (ali terceiro outorgante) declarou que “aceita o presente contrato e que a tradição se verificou na data referida.”
14. Mais ficou exarado pelo Sr. Notário que: “Arquivo no maço respectivo: […] c) - Os conhecimentos de sisa números 621/605, 627/611 e 614/598, todos emitidos Repartição de Finanças deste concelho, respectivamente em 7 de Julho de 1988 e 6 os mesmos mês e ano.”
15. Por escritura de compra e venda lavrada em 28/06/1988, no Cartório Notarial Local 2, de fls. 88 verso a fls. 89 verso do Livro de Escrituras Diversas n.º ...8-E, os ali primeiros outorgantes PP e mulher QQ declararam que: “por esta escritura, confirmam a venda verbal que em nove de Maio de mil novecentos setenta e sete, fizeram ao segundo [FF], com imediata tradição da coisa, pelo preço de vinte e dois mil duzentos e sessenta escudos, então recebido, do lote de terreno para construção urbana, com a área de duzentos e dez metros quadrados, correspondente ao lote número ... da planta, sito no Bairro 1, freguesia Local 4, deste concelho, descrito na Conservatória do Registo Predial Local 2 com o número ... daquela freguesia, lá registado a seu favor pela inscrição Y... e com autorização de loteamento registado pela inscrição número onze mil e cinquenta e nove-Pm. O referido lote está omisso na matriz, dada a sua natureza e fins.”
16. Na mesma escritura, o FF declarou que aceita a venda “e que o seu objecto transmitiu-se para a sua posse na data atrás indicada.”
17. Através do procedimento simplificado de habilitação de herdeiros n.º ...22, datada de 17.03.2022, declarou o Réu que os herdeiros de HH, que também usava HH são o próprio Réu, RR e FF.
18. O Réu ocupa o imóvel supra identificado;
*
B) – O Direito 1. Com a presente acção pretendem as AA. obter o reconhecimento de que o prédio que identificam pertence à herança ilíquida e indivisa deixada por óbito de FF, de quem são as únicas e universais herdeiras, e a condenação do R. a restituir à herança o dito prédio, o qual o R. passou a ocupar após a morte do de cujus.
Em face do pedido e causa de pedir invocados, estamos, pois, em presença de uma acção de reivindicação, prevista no artigo 1311º do Código Civil, nos termos do qual o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence (n.º 1).
Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei, como decorre do n.º 2 do referido artigo.
Atendendo às regras do ónus da prova, compete ao autor o ónus de provar que é proprietário da coisa e que esta se encontra na posse ou na detenção do demandado, mas é sobre o réu que recai, se for o caso, o ónus de provar que é titular de um direito que legitima a recusa da restituição (artigo 342º do Código Civil).
No caso em apareço, entendeu-se na sentença que as AA. tinha a seu favor a presunção resultante do registo do imóvel em nome do falecido FF (cf. artigo 7º do CRP), e que, não só o R. não ilidiu esta presunção, como as AA. lograram demonstrar que o direito existia na “titularidade dos titulares anteriores” e que as AA. o adquiriram mediante sucessão, condenando o R. na respectiva restituição.
O R. discorda, invocando que o prédio constitui bem comum do casal formado pelo falecido FF e pela sua então mulher II, da qual o R. é filho, porque a 2ª escritura, celebrada em 11/06/1990, é posterior ao casamento com II e ocorreu durante a vigência deste matrimónio, celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos.
Porém, desde já se adianta que não lhe assiste razão.
Senão, vejamos:
2. Como se sabe, “[o] direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei” (cf. artigo 1316º do Código Civil).
No caso, o prédio reivindicado pelas AA., como integrando a herança de FF, é o prédio urbano, composto de casa de habitação de rés-do-chão e logradouro, sito na Rua 1, Bairro 1, freguesia Local 1, concelho Local 2, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...33, da freguesia União das Freguesias de Local 3 e Local 1, descrito na Conservatória do Registo Predial Local 2 com o n.º ...13 - freguesia Local 1, cuja aquisição se mostra inscrita a favor de FF através da Ap. ...6 de 1990/07/13 e da AP. ...7 de 1990/07/10.
Ora, como resulta do disposto no artigo 7.º do Código do Registo Predial, “[o] registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”
Porém, trata-se de uma presunção iuris tantum, ou seja, ilidível mediante prova em contrário, e actua no sentido de que o direito registado existe e pertence às pessoas em cujo nome se encontra inscrito, emerge do facto inscrito e que a sua inscrição tem determinada substância - objecto e conteúdo de direitos ou ónus e encargos nele definidos.
Estando a propriedade registada em nome do falecido FF, do qual as AA. são as únicas herdeiras, competia ao R. alegar e provar factos susceptíveis de inquinar a referida presunção.
3. Na contestação, o R. alegou que o dito prédio não pertencia na totalidade à herança ilíquida e indivisa deixada pelo falecido FF, invocando que ½ indiviso do dito prédio pertence à herança indivisa deixada por morte de sua mãe, HH, falecida mulher de FF, pré-falecida, pois, diz que “o referido prédio foi adquirido e registado pelas Ap. ...6 de 1990/07/13 e AP. ...7 de 1990/07/90, na constância do casamento entre FF e HH, ocorrido em 14 de Dezembro de 1988, sem convenção antenupcial”, sendo bem comum do casal (cf. artigos 5º a 8º).
Da matéria de facto apurada resulta que a aquisição do prédio urbano reivindicado nos autos, composto de casa de habitação de rés-do-chão e logradouro, sito na Rua 1, Bairro 1, freguesia Local 1, concelho Local 2, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...33, da freguesia União das Freguesias de Local 3 e Local 1, descrito na Conservatória do Registo Predial Local 2 com o n.º ...13 - freguesia Local 1, mostra-se ali inscrita a favor de FF através da Ap. ...6 de 1990/07/13 e da AP. ...7 de 1990/07/10 (cf. ponto 3 dos factos provados).
Mais se apurou que este prédio (descrito com o n.º ...13), resultou da anexação dos prédios anteriormente descritos sob os n.ºs ...87 e ...88, a que se reportam as escrituras de compra e venda de 28/06/1988 e de 11/06/1990 (cf. pontos 15 e 12 dos factos provados).
Atentas as datas das referidas escrituras, apenas a celebrada em 11/06/1990, ocorreu na constância do casamento de FF com HH, contraído em 14/12/1988, e dissolvido por morte desta em 26/01/2019, pelo que, em face do disposto no artigo 1724º, alínea b) do Código Civil, só em relação a esta aquisição se pode equacionar a questão da sua integração no património comum deste casal, com o consequente direito do R., por via da sucessão hereditária, que é a questão que o R./Recorrente invoca no recurso, ao referir que não se teve em conta a data desta escritura.
Porém, consta da dita escritura de compra e venda lavrada em 11/06/1990, que os ali primeiros outorgantes LL e seu marido MM, NN e OO, os dois últimos com o consentimento dos respectivos cônjuges, declaram, entre o mais, que: “Que em cinco de Março de mil novecentos e setenta e sete, seu pai e sogro, com imediata tradição, vendeu, pelo preço de cinquenta mil escudos, que então recebeu, ao terceiro outorgante [FF], o lote de terreno para construção urbana, com a área de quinhentos metros quadrados e o número treze da respectiva planta, sito nesta cidade, no Bairro 1, freguesia Local 4, descrito na Conservatória do Registo Predial Local 2 sob o número ..., daquela freguesia, nela registado, em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor dos vendedores pela inscrição X..., no qual já se encontra construído um prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o artigo oito mil setecentos e setenta e oito.” (sublinhado nosso), tendo ficado exarado na mesma escritura que FF declarou que “aceita o presente contrato e que a tradição se verificou na data referida”, e que os conhecimentos de sisa ali mencionados datam de 1988 (cf. pontos 12 a 14 dos factos provados).
Atento o teor da dita escritura, verifica-se que, com a mesma se visou formalizar a compra e venda verbal de negócio efectuada em 05/03/1977, portanto anteriormente à vigência do casamento do comprador com a mãe do R., com vista ao suprimento da nulidade, por vício de forma, de que o negócio verbal padecia, em face do disposto nos artigos 875º e 220º do Código Civil.
Deste modo, e resultando da dita escritura que o negócio em causa foi efectuado em 05/03/1977, tendo o preço sido pago nessa data pelo adquirente FF, e também tendo ocorrido naquela data a tradição do imóvel, portanto, muito antes do casamento celebrado com a mãe do R. (em 14/12/1988), e que até os conhecimentos de sisa são anteriores a este facto, o que não foi sequer impugnado pelo R., entende-se que, embora a escritura de aquisição tenha sido formalizada na constância do matrimónio do titular registado com a mãe do R., aquele adquiriu o bem por virtude de direito próprio, não integrando o mesmo os bens comuns deste casal, em face do disposto no artigo 1721º, n.º 1, alínea c), do Código Civil.
4. Invoca ainda o Recorrente que o bem foi reconstruído na constância do matrimónio.
Porém, não consta da matéria de facto qualquer referência a esta situação, não houve impugnação da matéria de facto, a questão da reconstrução da casa na constância do matrimónio de FF com a mãe do R. não foi invocada na contestação, e, por conseguinte, não foi objecto de apreciação na decisão recorrida, sendo questão nova que não pode ser atendida em sede de recurso, como constitui jurisprudência pacífica.
5. Em síntese, não só não se mostra ilidida a presunção de titularidade resultante do registo, como se demonstrou que o direito registado foi adquirido por direito próprio do titular inscrito anterior ao casamento vigente à data da formalização do negócio por escritura pública de compra e venda.
Assim, e estando demonstrado que o prédio em causa pertence exclusivamente à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de FF, da qual as AA. são as únicas e universais herdeira, e não detendo o R. qualquer título que legitime a ocupação do imóvel, tinha o mesmo que ser condenado a proceder à restituição do mesmo, como se decidiu.
Em consequência, improcede a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
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C) – Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I - O registo definitivo de aquisição de imóvel constitui presunção ilidível de que o direito existe, pertence ao titular inscrito e que a sua inscrição tem determina substância – objecto e conteúdo de direitos ou ónus e encargos nele definidos.
II - Estando a propriedade registada em nome do falecido autor da herança ilíquida e indivisa, do qual as AA. são as únicas e universais herdeiras, competia ao R. alegar e provar factos susceptíveis de inquinar a referida presunção.
III - Não se mostra ilidida a referida presunção, quando se provou que – apesar da aquisição do imóvel reivindicado se mostra registada em nome do titular inscrito, em parte, com base em escritura pública de compra e venda celebrada, em 11/06/1990, na constância do matrimónio do titular inscrito com a mãe do réu – o imóvel não integra o património comum do casal, por estar demonstrado que com a dita escritura se pretendeu formalizar a compra do imóvel por direito próprio anterior daquele titular, efectuada por acordo verbal celebrado em 05/03/1977, com pagamento do preço e tradição da coisa ocorridos na mesma data, sendo o conhecimento de sisa também de data anterior à vigência daquele matrimónio.
IV - Provando-se que o imóvel reivindicado é pertença da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do titular inscrito, da qual as autoras são as únicas e universais herdeiras, e não provando o réu ter título que legitime a detenção do imóvel, está o mesmo obrigado a proceder à sua restituição.
* IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo do Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.
*
Évora, 16 de Dezembro de 2024
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
Ana Pessoa
(documento com assinatura electrónica)