CONDENAÇÃO NO PAGAMENTO DE DANOS FUTUROS
CONDENAÇÃO CONDICIONAL
Sumário

I - A condenação da R. no pagamento de danos futuros decorrentes do eventual cumprimento de obrigações fiscais pelo A., a determinar em incidente de liquidação, consubstancia uma condenação condicional, a exigir ulterior produção de prova.
II - Trata-se de decisão contrária ao princípio da determinabilidade do conteúdo das decisões judiciais, pelo que se impõe a absolvição da R. do pedido correspondente.

Texto Integral

Proc. 11316/23.0T8PRT-P1

Sumário
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Relatora: Teresa Maria Fonseca
1.º adjunto: Miguel Baldaia de Morais
2.ª adjunta: Ana Paula Amorim

I - Relatório
AA, na qualidade de cabeça de casal da herança de BB, em representação de seu irmão CC e por si, veio intentar ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra a Agência de Valongo da Banco 1....
Pede:
i. que lhe seja permitido o acesso e movimentação do depósito bancário identificado na relação de bens referida na habilitação de herdeiros, que consta no processo interno da Banco 1... de habilitação de herdeiros n.º ..., em nome de BB;
ii. que a R. seja condenada a pagar juros à taxa legal, contados da interpelação;
iii. que a R. seja condenada a pagar os honorários da mandatária no montante de € 5000,00, acrescidos de IVA;
iv. que a R. seja condenada a pagar-lhe a título de danos não patrimoniais montante não inferior a € 3000,00 pelo sofrimento e angústia que tem causado ao A. cabeça de casal;
v. que a R. seja condenada a pagar-lhe danos futuros decorrentes do eventual cumprimento das obrigações fiscais, a determinar em incidente de liquidação.
Alega que o pai tinha conta junto da R. e que, na sequência da morte daquele, pese embora todos os elementos probatórios juntos, não lhe foi permitido o acesso à conta, o que lhe ocasionou prejuízos.
A R. contestou, pugnando pela improcedência da ação.
Por requerimento de 5-12-2022, o A. deu conhecimento de que a R. acolheu a sua pretensão de movimentação do depósito bancário.
Foram julgados verificados os pressupostos processuais, e, após julgamento, foi proferida sentença em que se condenou a R. Banco 1..., S. A.:
- a permitir o acesso e respetiva movimentação do depósito bancário identificado na relação de bens referida na habilitação de herdeiros, que consta no processo interno da Banco 1... de habilitação de herdeiros n.º ... em nome de BB;
- a pagar ao A. a título de danos não patrimoniais € 2000,00, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até pagamento;
- a pagar ao A. danos futuros decorrentes do eventual cumprimento das obrigações fiscais pelo A., a determinar em incidente de liquidação.
Mais foi julgado improcedente o remanescente do pedido, absolvendo-se a R. do mesmo.

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Inconformada, a R. interpôs o presente recurso, que rematou com as conclusões que em seguida se transcrevem.
1) Quanto à condenação da Banco 1... em permitir o acesso e respetiva movimentação do depósito bancário identificado na relação de bens referida na habilitação de herdeiros, que consta no processo interno da Banco 1... de habilitação de herdeiros n.º ... em nome de BB, em face do facto provado 22, e, como se refere na fundamentação da decisão, o sentido da decisão a proferir nunca seria essa condenação, mas sim a declaração de extinção de instância por inutilidade superveniente da lide quanto a esse pedido. Já que na pendência da ação a Banco 1... retirou qualquer restrição à livre movimentação da causa.
2) E quanto à decisão condenatória
c) Condena-se a R. no pagamento de danos futuros decorrentes do eventual cumprimento das obrigações fiscais pelo A., a determinar em incidente de liquidação”, a mesma carece de fundamento porque não se provou a existência desse dano na esfera jurídica dos AA, dano esse que só ocorreria se na liquidação da mais valias subsequentes a uma venda os AA não tivessem meios para pagar esse valor
3) Ora, nem sequer se conhece o valor do imposto a pagar - só determinável em função da liquidação fiscal, nem, em função desse valor, se o A tinha ou não meios para os pagar sem recurso a essa conta e sobretudo porque, nesta data e desde novembro de 2023, a movimentação da conta bancária em causa não sofre qualquer restrição
4) Aliás, a expressão “eventual” referida na decisão (“eventual pagamento a efetuar”) é a demonstração inequívoca de que se desconhece, sequer, se os AA teriam algo a liquidar! Muito menos que, em função desse valor, necessitassem de recorrer à conta bancária em questão, que ficou livre de ser movimentada a partir de novembro do ano transato
Decidindo de modo diverso o tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 277 e) do C.P.C. e 483, 563 e 569 do C.C..
Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso revogando-se a douta decisão na parte em que condenou a R. Banco 1..., S. A. a permitir o acesso e respetiva movimentação do depósito bancário identificado na relação de bens referida na habilitação de herdeiros, que consta no processo interno da Banco 1... de habilitação de herdeiros n.º ... em nome de BB, julgando-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto a tal pedido.
E absolvendo-se a Ré do pedido de pagamento de danos futuros decorrentes do eventual cumprimento das obrigações fiscais pelo A.
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II - Questões a dirimir:
- se é de alterar a condenação da R. a permitir o acesso e a movimentação do depósito bancário, por tal já se verificar desde novembro de 2023;
- se há fundamento para condenar a R. a pagar prejuízos futuros decorrentes do eventual cumprimento de obrigações fiscais.
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III - Fundamentação de facto (constante da sentença)
1) Em 17 de novembro de 2022 faleceu BB, no Hospital ..., após atropelamento de que foi vítima, por veículo automóvel, na passadeira para peões junta à sua habitação - doc. 1
2) O falecido não dispôs em vida, no todo ou em parte, dos seus bens e deixou como únicos sucessores legítimos os seus filhos AA e CC.
3) No proc. 324/16.5T8VLG, que correu os seus termos no Juízo Local Cível de Valongo, Juiz 2, o aqui Autor foi designado tutor/acompanhante do seu irmão CC por este ser portador de uma incapacidade permanente global de 95%, dependendo, por isso, totalmente de terceiros que lhe asseguram os cuidados básicos necessários ao seu bem-estar - cf. doc. 2 e doc. 3.
4) Assim, inesperadamente, o Autor teve de passar a administrar a casa de família, bem como a cuidar do bem-estar do seu irmão totalmente dependente, com os inerentes custos.
5) Por conseguinte, iniciou o ritual burocrático necessário à sucessão legal, como seja apresentar relação de bens nas Finanças, a fim da liquidação do imposto de selo e promoveu a respetiva habilitação de herdeiros.
6) Do acervo hereditário consta a conta bancária n.º ..., da Banco 1..., cujos titulares são o aqui ora Autor, seu irmão CC e o de cujus BB - cf. doc. 4.
7) Daí, na qualidade de cabeça de casal (leia-se Administrador) da herança ilíquida e indivisa e em sua representação, bem como na qualidade de titular da conta, peticionou autorização para aceder e movimentar a conta, apresentando no balcão da agência de Valongo assento de óbito, habilitação de herdeiros, cumprimento das obrigações fiscais e certidão da nomeação de tutor do seu irmão (outro único herdeiro), para instrução do respetivo processo.
8) Em 26 de dezembro de 2022, a Banco 1..., mediante referência ..., comunicou ao aqui Autor que o processo de habilitação de herdeiros n.º ... em nome de BB que da “análise realizada ao processo de habilitação de herdeiros referido em assunto, …” deveria entregar: «certidão, com alusão ao trânsito em julgado, da sentença autorizando o legal representante, em representação do maior acompanhado CC, (a) A aceitar a herança de BB; (b) A convencionar partilha extrajudicial, nos termos do previsto no art.º 1938.º/1 do Código Civil; (c) A levantar as verbas que sejam adjudicadas ao(à) maior acompanhado(a), conforme resulta do art.º 1889.º, n.º 1, al. I), conjugado com o art.º 1938.º, n.º 1, al. a) do Código Civil».
9) Alertando “… para o facto de poderem vir a ser solicitados outros documentos e/ou diligências no contexto do presente do presente processo”
10) Face ao exposto, a fim de lograr uma solução célere e legal, o Autor constituiu como mandatária a advogada aqui signatária.
11) Para o efeito, nas vestes de mandatária remeteu à Banco 1... o requerimento que se junta como doc. 5.
12) A Ré foi avisada de que mantendo a recusa ilegal de aceder à conta bancária, quer na qualidade de cabeça (administrador da herança), quer na qualidade de titular da conta, seria lançada mão da respetiva ação judicial para afastar essa recusa ilegal, seria “… peticionado o valor correspondente aos honorários de mandatária (em primeira instância) no montante de €5.000,00 (acrescido de IVA), a liquidar a final, bem como o juro legal do montante depositado desde a presente comunicação”.
13) Nunca a advogada signatária desse requerimento foi notificada de qualquer decisão.
14) Outrossim, o Autor rececionou, a informação, como cabeça de casal “…que a procuração remetida não foi aceite” - cf. doc. 6.
15) Sequer permite o acesso às movimentações da conta, mesmo sendo também titular da mesma conta bancária e tutor/acompanhante do seu irmão CC, também ele titular da conta. 16) Impedindo o cabeça de casal de cumprir a obrigação de administrar o património da herança, mormente obras de conservação, quer na morada de família, quer no imóvel arrendado como estabelecimento comercial e, sobretudo, de pagar a mensalidade atinente à instituição onde agora está internado o maior CC, com dinheiros da herança.
17) Outrossim, com muita dificuldade, para proceder a essas obras, teve de dispor de dinheiros próprios.
18) Acresce que, mercê da venda celebrada por escritura pública de outubro de 2022 de prédio urbano em propriedade comum, os valores de venda foram depositados nesta identificada conta, cujos mais valias terão de ser declaradas em sede de IRS, quer do de cujus, quer do Autor e do seu irmão maior acompanhado - cf. doc. 7
19) Desconhecendo o Autor quais os montantes que resultarão da liquidação do imposto.
20) No entanto, sabe que não dispõe de dinheiro para suprir qualquer eventual pagamento a efetuar sem acesso à identificada conta bancária.
21) Tudo isto traz grande angústia e sofrimento ao Autor.
22) No dia 2 de Novembro de 2023 o A. recebeu por correio carta datada de 4 de Setembro de 2023 com o seguinte teor “Informamos que se encontra concluída a análise do processo interno de Habilitação de Herdeiros em assunto, estando agora reunidas as condições para procedermos à entrega do valor que foi objeto de habilitação junto da nossa instituição”, vide doc. 2 (R.E. 47331904 de 05.12.23).
23) A movimentação da conta em causa tinha uma especificidade que constituiu um alerta para os colaboradores da Banco 1... que trataram do incidente de habilitação de herdeiros, cuja conclusão é necessária para que o processo possa ser movimentado pelos herdeiros do titular.
24) A especificidade acima referida deste caso concreto decorre do facto de a conta poder ser movimentada em alternativa ou pelo falecido ou cumulativamente pelo falecido e pelos outros dois contitulares, seus filhos.
25) A Banco 1... tem um departamento exclusivamente vocacionado para a apreciação de pedidos de habilitação de herdeiros de titulares de contas, com pessoas conhecedoras da matéria (a que se dedicam em exclusivo) e que analisam toda a documentação que lhes é entregue e em conformidade ou solicitam a apresentação de documentação complementar ou autorizam as agências a entregar os valores reclamados aos herdeiros que se apresentam como tal.
26) Na mesma ocasião, o funcionário da Banco 1... que tinha a seu cargo analisar os documentos necessários à habilitação de herdeiros tomou conhecimento que um dos herdeiros seria incapaz.
27) A decisão judicial que reconheceu a incapacidade do CC e instituiu a tutela foi proferida no domínio da legislação anterior à Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto que instituiu o regime do maior acompanhado; em face disso, a questão que se colocou e teve de ser apreciada e decidida internamente prendia-se com a transposição para o regime do maior acompanhado da sentença em causa por forma a determinar se para a movimentação da conta pelo incapaz era necessária a intervenção do acompanhante; ou dito de outro modo, se os poderes deste quanto à administração dos bens do incapaz abrangiam também a normal movimentação de uma conta bancária ou esta poderia ser levada a cabo pelo incapaz.
28) Foi para permitir a cabal apreciação dessas questões que a R enviou ao A., em final de janeiro de 2023, a carta junta sob o doc. 2.
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Factos não provados
Não se provou que a R. apenas tenha mantido cativo durante alguns/poucos meses o valor de cerca de 17.000 euros correspondente a um terço do mesmo saldo.
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IV - Fundamentação jurídica
a - Da condenação da R. a permitir o acesso e a movimentação do depósito bancário, por tal ter sido permitido na pendência da ação
A recorrente pugna pela revogação da decisão na parte em que esta condenou a R. “Banco 1..., S.A.” a permitir o acesso ao depósito bancário identificado, bem como à respetiva movimentação, julgando-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto a tal pedido.
A este respeito importa dar conta de que, por requerimento de 5-12-2022, o A. deu conhecimento, para além do mais, de que a R. acolheu a sua pretensão de movimentação do depósito bancário e de que o tribunal de 1.ª instância fez eco desta realidade, mas terminou condenando a R. no pedido.
A inutilidade superveniente da lide vem prevista no art.º 277.º/e) do Código de Processo Civil, enquanto causa objetiva de extinção da instância, e ocorre sempre que, por facto ocorrido na pendência da instância, a continuação da lide deixe de ter qualquer utilidade. Pode ocorrer relativamente à totalidade das pretensões das partes ou a parte delas - conforme ocorre no caso concreto.
A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide pode ocorrer quando sobrevém uma circunstância na pendência da lide que impede a manutenção da pretensão formulada, quer por via do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou por encontrar satisfação fora do próprio processo, deixando de ter interesse a solução propugnada, dando lugar à extinção da instância, sem apreciação do mérito da causa (in ac. do S.T.J. de 22-6-2021, proc. 17731/18.1T8PRT.P1.S1, Ana Paula Boularot).
Impõe-se, pois, a revogação da sentença proferida na parte em que condenou a R. a permitir o acesso ao depósito bancário identificado, bem como à respetiva movimentação, substituindo-se esta condenação pela decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto a tal pedido.
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b - Pedido para pagamento de danos futuros decorrentes do eventual cumprimento das obrigações fiscais, a determinar em incidente de liquidação.
O pedido formulado pelo A. cujo conhecimento remanesce controvertido por força da interposição do presente recurso pela R. reside na condenação da R. a pagar danos futuros decorrentes do eventual cumprimento das obrigações fiscais, a determinar em incidente de liquidação. A sentença recorrida condenou precisamente a R. a pagar danos futuros decorrentes do eventual cumprimento das obrigações fiscais pelo A., a determinar em incidente de liquidação
A factualidade dada como assente na sentença a este propósito foi a seguinte:
- (…) mercê da venda celebrada por escritura pública outubro de 2022 de prédio urbano em propriedade comum, os valores de venda foram depositados nesta identificada conta, cujas mais valias terão de ser declaradas em sede de IRS, quer do de cujus, quer do A. e do seu irmão maior acompanhado;
- Desconhecendo o A. quais os montantes que resultarão da liquidação do imposto;
- No entanto, sabe que não dispõe de dinheiro para suprir qualquer eventual pagamento a efetuar sem acesso à identificada conta bancária.
Atente-se em que, uma vez disponibilizado o acesso e movimentação da conta em que estariam depositadas as verbas necessárias a acudir ao pagamento de imposto por mais valias decorrentes de venda de imóvel, a falta de liquidez do A., identificada como causa do não pagamento, estaria solucionada. Neste sentido, mesmo a ter este segundo pedido fundamento, ficaria prejudicado pela procedência do primeiro.
Mas tampouco é verdade que a R. deva ser responsável pelo pagamento de mais valias cuja obrigatoriedade de pagamento impendesse sobre o A.. Quando muito, ao inviabilizar indevidamente o acesso aos fundos que permitiriam fazer face à despesa, poderia incorrer em responsabilidade pelo pagamento de sanções que daí porventura adviessem para o A.. Não foi, todavia, formulado pedido nesse sentido.
Mas também de um ponto de vista formal nunca seria de acolher a pretensão do A..
Preceitua o art.º 609.º/1 do C.P.C. que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir. E o n.º 2 que se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
A sentença proferida, porém, faz depender a condenação da verificação de uma condição, já que condena a R. a pagar danos futuros decorrentes do eventual cumprimento das obrigações fiscais pelo A., isto é, se o A. vier a cumprir as suas obrigações fiscais.
O art.º 610.º do C.P.C. restringe a admissibilidade da condenação in futurum aos casos de inexigibilidade da obrigação no momento em que a ação é proposta. Ficam excluídas situações em que está em causa a própria constituição da obrigação.
Não é, assim, admissível a condenação do réu numa prestação que pode nunca vir a constituir-se ou em que o facto condicionante da sua constituição sempre exigiria ulterior verificação judicial.
Por força do princípio da determinabilidade do conteúdo das decisões judiciais, a lei processual não admite, por via de regra, a condenação condicional, isto é, aquela em que o reconhecimento do direito fica dependente da hipotética verificação de um facto futuro e incerto, ainda não ocorrido à data do encerramento da discussão, particularmente nos casos em que o facto condicionante requer ulterior verificação judicial. Essa condicionalidade afeta a definitividade e certeza da composição de interesses realizada na ação e a efetividade da tutela alcançada pelo demandante (cf. ac. do S.T.J de 27-09-2012, proc. 663/09.1TVLSB.L1.S1, Lopes do Rego).
O juiz há de dizer o direito de uma forma real e manifesta, isto é, com exatidão e firmeza, de forma a trazer a quietude social preconizada por um Estado de Direito; e a permissividade de uma sentença condicional, tal e qual a entendemos, porque eivada de um estímulo a congeminar um buscado estado de incerteza, não pode obter refúgio numa legislação que se concebe deveras afastada desta desaconselhada peculiaridade (ac. da Relação de Coimbra de 22-1-2015, proc. 1331/12.2TVLSB.L1-8, Catarina Manso).
Segundo Antunes Varela e Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 1984, Coimbra Editora, p. 665, nota 1), importa, porém, não confundir a sentença de condenação condicional, em que condicionado é o direito reconhecido na sentença, com as sentenças condicionais, em que a incerteza recai sobre o sentido da própria decisão e que, em princípio não são admitidas no nosso sistema.
Estes autores (ibidem, pp. 664/665) consideram admissível a sentença de condenação condicional nos casos em que a obrigação seja incerta nessa data ou em que sendo certa a obrigação, seja ainda incerta ou ilíquida a prestação.
No ac. do S.T.J. de 10-9-2009 (proc. 374/09.8YFLSB, Lopes do Rego), sustenta-se a admissibilidade de uma sentença de condenação condicional num caso em que a condição suspensiva se resumia à obtenção de licença de utilização de certo prédio, por o facto condicionante da plena disponibilidade substantiva da fração em causa, ligado à estrita verificação pela administração das condições regulamentares de emissão da licença de utilização, não exigir qualquer ulterior verificação judicial, suscetível de prejudicar a certeza do direito e das situações jurídicas reconhecidas, não devendo, nessa medida, constituir obstáculo relevante à prolação de condenação in futurum.
Não é o que se verifica no caso concreto, já que a condenação depende do apuramento de factos não determinados, o eventual cumprimento das obrigações fiscais pelo A., o que sempre importaria novo apuramento de factos.
Resulta do art.º 621.º do C.P.C. que dependendo a constituição do direito de uma condição, a circunstância de esta ainda não estar verificada determina a absolvição do réu do correspondente pedido, ainda que a sentença absolutória não obste a que o pedido se renove quando a condição se verifique.
No caso vertente, por inexistência de fundamento jurídico para que a R. se substitua ao A. no cumprimento de obrigações fiscais do A. e porque a condenação operada é condicional, a exigir ulterior produção de prova, o que contraria o princípio da determinabilidade do conteúdo das decisões judiciais, impõe-se a absolvição da R. do pedido correspondente.
Revoga-se, assim, a sentença na parte em que condenou a R. a permitir o acesso ao depósito bancário identificado na relação de bens e a movimentá-lo, procedendo igualmente a apelação nesta parte.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar o recurso interposto totalmente procedente, em consequência do que:
a - se revoga a decisão de condenação da R. a permitir o acesso e respetiva movimentação do depósito bancário identificado na relação de bens referida na habilitação de herdeiros, que consta no processo interno da Banco 1... de habilitação de herdeiros n.º ... em nome de BB;
b - se declara extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto a tal pedido;
c - se absolve a R. do pedido de condenação a pagar danos futuros decorrentes do eventual cumprimento de obrigações fiscais, a determinar em incidente de liquidação.
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Custas pelo A., por a R. ter obtido vencimento na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 11-12-2024
Teresa Fonseca
Miguel Baldaia de Morais
Ana Paula Amorim