MÚTUO BANCÁRIO
VENCIMENTO ANTECIPADO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
CAPITAL
JUROS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Sumário

I – Como é jurisprudência uniformizada do STJ – AUJ n.º 6/2022 - ocorrendo o vencimento antecipado de um crédito pagável em prestações compostas por capital e juros, designadamente em razão da cessão de qualquer pagamento ulterior à primeira prestação não paga, nem por isso se altera a natureza da obrigação original, caracterizada pela convenção de pagamento fracionado do capital e juros.
II - O prazo de prescrição de um tal crédito é de cinco anos, nos termos do art.º 310.º, al. e), do C.Civil.

Texto Integral

Apelação
Processo n.º 3173/24.3 T8PRT-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo ...

Recorrente – A... Stc, SA
Recorrida – AA


Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Alexandra Pelayo
Desemb. Lina Castro Baptista




I – Por apenso à execução que A... Stc, SA lhe moveu, veio a executada AA apresentar os presentes embargos de executado, pedindo a procedência dos mesmos e consequentemente a extinção da execução.
Alegou, para tanto e em síntese, que ocorre a prescrição dado já ter passado o prazo prescricional dos cinco anos a contar da celebração do contrato que constitui o título executivo.
Recebidos os embargos e notificada para contestar, a exequente veio pugnar pela improcedência dos mesmos.
Para tanto, em síntese, defende que não se verifica a prescrição uma vez que o prazo aplicável é o de 20 anos.
Tendo-se considerado e informado as partes de que os autos reuniam condições para se proferir decisão segura e conscienciosa, foi proferido despacho saneador sentença onde se veio a decidir “Pelo exposto, julgo os presentes embargos de executado totalmente procedentes, determinando, em consequência, a extinção da execução de que estes autos constituem um apenso.
Custas a cargo da exequente/embargada (vide art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.Civil).
Registe e notifique, incluindo a Sr.ª Agente de Execução”.



Inconformada com tal decisão, dela veio a exequente recorrer de apelação pedindo a sua revogação.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal ad quo, de 26 de junho de 2024, a qual em suma, decidiu julgar procedente e exceção dilatória de prescrição e absolver a executada da instância.
2. A aqui apelante permite-se em discordar da decisão tomada.
3. Porquanto, e numa primeira análise, a sentença proferida carece de fundamentação de facto e de direito.
4. Porquanto, a mesma somente transcreve o entendimento de diversos acórdãos sobre a matéria em análise.
5. E, em momento algum o Tribunal ad quo colocou o seu crivo na decisão judicial que tomara.
6. Visto que, a mera menção de “A nossa posição vai no sentido da jurisprudência supra citada”.
7. Não pode, de forma alguma ser suficiente para fundamentar uma decisão que coloca termo à causa.
8. Ainda mais, quando todas as decisões judicias deverão ser fundamentadas, ex vi 154.º e 607.º CPC.
9. E, a inexistência de fundamentação deverá levar, inevitavelmente à nulidade da sentença.
10. Caso assim não se entenda, mas por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que, as decisões dos Tribunais portugueses quanto à matéria processual aqui em discussão – prescrição do crédito hipotecário – encontram-se a seguir o entendimento perfilhado pelo Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 1736/19.8T8AGD -B.P1.S1 de 22 de setembro de 2022.
11. Os acórdãos uniformizadores pretendem garantir a certeza do Direito e o princípio da igualdade, na medida em que pretende evitar decisões diferentes quanto à mesma questão.
12. Contudo, deverá ser feita a ressalva de que, para que a decisão supra referida se encontre aplicável é exigível que todos os processos judiciais posteriores provenham da mesma questão jurídica.
13. O que na realidade não acontece, porque o Direito não é estanque.
14. Pelo que, não poderá ser feita tábua rasa em todos os processos judiciais que detenham a mesma questão jurídica, aplicando-se-lhe a mesma decisão judicial sem qualquer verificação sequer da existência ou não de questões idênticas no caso analisado para a aplicação ipsis verbis da decisão perfilhada pelo Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça.
15. O que tão-só causa uma grande insegurança jurídica, uma vez que, indiscriminadamente, sempre que houver um contrato em que existir uma parte de capital e outra de juros, aplicar-se-á, novamente, indiscriminadamente, o acórdão uniformizador.
16. Tal como sabemos, ou pelo menos deveríamos saber, a lei e o Direito não são ciências exatas, pelo que, a orientação seguida, em cada caso existente, implica, sempre, a análise do caso em concreto.
17. Pelo que, além da decisão de sentença se considerar infundada, também é de consideração que os Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência tão só são orientações jurisprudenciais que poderão ser seguidas – mas não obrigatoriamente -, aplicando-se-lhes em casos concretos, após a interpretação da lei e do caso.
18. E, salvo melhor entendimento, caso assim não se entenda, como ainda a referir que o prazo de prescrição atendível é de 20 anos.
19. Visto que, no que o capital respeita, estamos perante uma prestação civil, decorrente de um contrato de crédito mútuo, cujo prazo de aplicação será o previsto no artigo 309.º do CC.
20. Ou seja, a aplicabilidade do prazo de prescrição de cinco anos, aplica-se a cada uma das prestações que venha a ser incumprida pelo devedor e não for cobrada pelo credor.
21. O mesmo não se poderá aplicar quando existe incumprimento definitivo de um contrato cujo plano de reembolso do valor mutuado se efetue em prestações de capital e juros.
22. Portanto, com o incumprimento, o plano contratualmente estipulado considera-se sem efeito, deixando de ser exigíveis as quotas de amortização de capital e juros, passando a ser exigível a totalidade do capital ainda em dívida.
23. Assim, dado ao incumprimento definitivo da prestação, a obrigação convalida-se em única que resulta da celebração do contrato de crédito.
24. Pelo que, o prazo a aplicar, será sempre o ordinário de 20 anos.
25. E, o prazo de prescrição quinquenal somente se poderá aplicar quando estejamos perante pagamento fracionados no tempo e não quando é exigida a globalidade do valor em dívida.
26. Desta feita, resolvido o contrato com base no incumprimento definitivo em que as partes haviam acordado um plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros e reclamando a credora o montante da dívida, não tem aplicação o disposto da alínea e) artigo 310.º do Código Civil.
27. A aplicar a alínea e) do artigo 310.º do CC, somente corresponderia a parte dos juros aplicáveis, e não à totalidade do montante em dívida, que, como já fora escrutinado anteriormente, não poderá, de forma alguma ser aplicável.

A executada/apelada juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida.


II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
1. Consta do requerimento executivo o seguinte:
TRIBUNAL COMPETENTE, TÍTULO EXECUTIVO E FACTOS
Finalidade: Iniciar Novo Processo
Tribunal Competente: Porto - Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Especie: Execução Ordinária (Ag.Execução)
Valor da Execução: 46 175,75 € (Quarenta e Seis Mil Cento e Setenta e Cinco Euros e Setenta e Cinco Cêntimos)
Finalidade da Execução: Pagamento de Quantia Certa - Dívida civil [Execuções]
Título Executivo: Escritura
Factos:
A. Questão prévia:
1. Por Contrato de Cessão de Carteira de Créditos, o Banco 1..., S.A. e o Banco 2...., S.A. cederam à B...., S.A.R.L. uma carteira de créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes, conforme contrato de cessão de créditos que se junta como Doc. 1 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
2. Por sua vez, por Contrato de Cessão de Carteira de Créditos, outorgado em 30 de Agosto de 2017, B..., S.A.R.L. cedeu a C..., S.A.R.L., uma carteira de créditos, composta por mais de 50 créditos distintos, por valor superior a €50.000,00 (cinquenta mil euros), bem como todas as garantias a eles inerentes, conforme contrato de cessão de créditos que se junta como Doc. 2 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
3. Por sua vez, por Contrato de Cessão de Carteira de Créditos, outorgado em 3 de Abril de 2020, C..., S.A.R.L. cedeu a A... STC, S.A., uma carteira de créditos, composta por mais de 50 créditos distintos, por valor superior a €50.000,00 (cinquenta mil euros), bem como todas as garantias a eles inerentes, conforme contrato de cessão de créditos que se junta como Doc. 3 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
4. Em conformidade, é a Exequente – A... - STC, S.A. - a actual titular do crédito ora reclamado.
B. Dos Factos
5. O cedente, no âmbito da sua atividade bancária, celebrou com o Executado, em 26 de Dezembro de 2005, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Matosinhos, um contrato de Mútuo com Hipoteca, no valor de 10 950 000,00 $ (dez mil novecentos e cinquenta mil escudos), ao qual foi atribuído internamente o n.º ..., conforme contrato que se junta como Doc. 4 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
6. Em garantia do capital mutuado, juros e despesas da operação acima referida o mutuário constituiu a favor do banco cedente hipoteca voluntária sobre a fração autónoma BI, habitação sita no 4.º andar esquerdo da Rua ..., ..., com arrecadação no rés-do-chão. Inscrito na matriz urbana da União de Freguesias ... pelo artigo urbano ...61, anterior artigo ...81 da Freguesia ..., com o valor patrimonial de €59.355,38, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos pelo n.º...0/19860325-B.
7. Sucede que a Executada deixou de cumprir as suas obrigações de natureza pecuniária emergentes do contrato, não pagando a prestação que se venceu em 25/11/2007, nem as que posteriormente se venceram.
8. Ora, o imóvel acima identificado foi adjudicado em sede de processo de execução fiscal nº ...92, tendo o Banco Cedente recebido o valor de €53 570,66 (cinquenta e três mil, quinhentos e setenta euros e sessenta e seis cêntimos).
9. Com a venda do imóvel a hipoteca que incidia sobre o mesmo foi cancelada, não tendo o presente título qualquer garantia associada.
10. Com o aludido montante apenas foi possível liquidar parcialmente o crédito, tendo permanecido em dívida o valor de €27 865,21 (vinte e sete mil oitocentos e sessenta e cinco euros e vinte e um cêntimos), a título de capital.
11. A este valor acresce o montante de €18 310,54 (dezoito mil, trezentos e dez euros e cinquenta e quatro cêntimos) referente a juros de mora vencidos, calculados à taxa de legal de 4%, desde a data de incumprimento (25/11/2007) até à data de entrada do presente requerimento (03/02/2024).
12. Face ao incumprimento, a Exequente enviou em 12/01/2024 cartas de interpelação, cfr. Doc. 5 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
13. No entanto, a Executada nada liquidou até à presente data.
14. Pelo que, o montante total cujo pagamento ora se requer ascende a € 46 175,75 (quarenta e seis mil, cento e setenta e um euros e setenta e cinco cêntimos), a que acrescem os juros vincendos, contabilizados à taxa de 4%, até efetivo e integral pagamento.
15. A quantia exequenda é líquida, exigível e encontra-se vencida.
2. O negócio jurídico intitulado “contrato de mútuo com hipoteca” referido no requerimento executivo foi celebrado entre as partes no dia 29 de setembro de 1998.
3. A venda judicial do prédio, no âmbito do processo de execução fiscal no qual tinha sido penhorado, ocorreu em data anterior a 21.06.2016.
4. A execução do nosso processo deu entrada no dia 12.02.2024.



III – Como é sabido o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.

*
Ora, visto o teor das alegações da apelante são questões a apreciar no presente recurso:
1.ª – Da alegada nulidade por falta de fundamentação
2.ª - Da alegada inexistência de prescrição do direito de crédito exequendo em relação à executada/embargante.

Como se viu, a 1.ª instância julgou procedentes os presentes embargos do executado e, em consequência, determinou a extinção da execução quanto à executada/embargante. Para tanto consta, além do mais, da decisão recorrida que: “A presente questão encontra-se largamente tratada na nossa jurisprudência pelo que iremos citar apenas alguns acórdãos que trataram do tema, com especial incidência na questão da data relevante para o início da contagem do prazo de prescrição.
Em primeiro lugar, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.11.2022, processo 12754/19.6T8SNT-A.L1.S1
(…)
Em segundo lugar o acórdão de 16.12.2021 do Tribunal da Relação de Évora, processo 2077/20.3T8SLV-A.E1, com abundante citação de jurisprudência:
(…)
Finalmente, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.11.2021, processo 8625/19.4T8LRS.L1-7,
(…)
A nossa posição vai no sentido da jurisprudência supra citada. Quer isto dizer que no caso concreto o direito de crédito da exequente prescreveu uma vez que o vencimento da obrigação ocorreu em 25.11.2007, data a partir da qual mais nenhuma quantia foi paga pela embargante, sendo certo que a execução apenas foi intentada em 2024, ou seja, mais de cinco anos depois do vencimento.
A venda no processo de execução fiscal nenhuma relevância tem porquanto ocorreu antes de 21.06.2016 assim como os prazos de suspensão devido à pandemia (suspensão que ocorreu entre 09.03.2020 e 03.06.2020 – 86 dias – e entre 22.01.2021 e 05.04.2021 – 74 dias).
Destarte, procede a arguida exceção perentória do direito de crédito exigido pela exequente através da execução em apreço e, em consequência, extinguiu-se tal direito com a consequente procedência dos presentes embargos de executado e consequente extinção da execução (vide art.º 732.º, n.º 4, do C. P. Civil)”.

1.ªquestão – Da alegada nulidade por falta de fundamentação
Começa a apelante por defender que: “(…) a sentença proferida carece de fundamentação para basear a sua decisão. A sentença proferida pelo Tribunal ad quo, enferme de falta de fundamentação de facto e de direito. A decisão foi tomada somente com base em diversos acórdãos – de matéria idêntica. E, em momento algum o Tribunal ad quo colocou o seu crivo jurisdicional na decisão que tomara. Somente se dignou a dizer que “A nossa posição vai no sentido da jurisprudência supra citada”. Tal, não poderá ser considerada fundamento suficiente para a decisão tomada”.
*
Como é sabido, segundo a al. b) do n.º1 do art.º 615.º do C.P.Civil, que “é nula a sentença: quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão”. Sendo que o dever de fundamentação da decisão decorre, primordialmente, dos princípios consagrados nos art.ºs 205.º n.º 1 da C.R.Portuguesa, segundo o qual “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei” e 154.º n.º 1 do atual C.P.Civil que preceitua que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”, compreendendo-se essa exigência, uma vez que as partes, destinatárias da decisão, com vista a aquilatarem da bondade ou não da mesma e a decidirem da sua eventual impugnação, precisam, antes de mais, de conhecer a sua base fáctico-jurídica.
Porém, conforme referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, pág. 669, “para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa reportar só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.
Por seu turno, ensina Alberto dos Reis, in “Código do Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 140, que: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”
É também é entendimento pacífico na nossa Jurisprudência, não pode, porém, confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a falta absoluta de motivação constitui a causa de nulidade em apreço. Ou seja, a falta de fundamentos implica a total omissão de factos ou de direito. Este mesmo entendimento, segundo o qual a falta de fundamentação capaz de conduzir à anulação de uma decisão é apenas a absoluta falta de fundamentação e não quando esta seja diminuta ou deficiente, mostra-se unânime tanto na nossa doutrina como na jurisprudência.
Por outro lado, também é entendimento assente que na apreciação das questões que são postas para decisão não tem de se esgotar todos os argumentos em sustentação do decidido ou apreciar toda a argumentação das partes, pois que naquela decidem-se questões e não razões. Ou seja, não é o laconismo da decisão que se censura mas a completa a ausência de fundamentação.
A este propósito escreve Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, pág. 256 que “Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados que quanto aos factos não provados, deve o tribunal justificar os motivo da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade à, julgamento, garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (…), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certa conclusões dos peritos, achou satisfatória ou não a prova resultam de documentos particulares, etc”.
Também Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, a pág. 386 escreve que “o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente”.
Assim entende-se que a motivação da decisão da matéria de facto passa por dois estádios próprios a que se refere o art.º 607.º n.º 4 do C.P.Civil: - exige-se que o julgador faça “o exame crítico das provas”, ou seja, que se debruce serena e prudentemente sobre as provas constantes do processo e sobre as produzidas em audiência de julgamento, as filtre no seu confronto intrínseco, que avalie a razão de ciência das testemunhas inquiridas, que as pondere à luz dos seus próprios conhecimentos e da experiência da vida, etc. e, - exige-se ainda que o julgador faça a “especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção” a que chegou, o que deve envolver também as razões ou motivos porque revelaram ou obtiveram credibilidade no seu espírito de julgador.
In casu” vendo o teor da decisão recorrida dela resulta bem expresso no que toca à fundamentação de facto da decisão que a 1.ª instância teve em consideração o teor do requerimento executivo e dos demais documentos juntos autos, logo não corresponde à verdade que a 1.ª instância não tenha interpretado e valorado o complexo fático que assim resultou provado nos autos. Todavia, sempre se dirá que os termos de fixação da matéria de facto adotados na sentença recorrida, segundo os quais reproduziu, como matéria provada, o teor do requerimento executivo, mas mais considerou provados outros factos decorrentes do teor dos documentos juntos com tal requerimento, e com manifesta utilidade para a boa decisão da causa.
Também basta ler a decisão recorrida para se concluir que no que respeita à fundamentação de direito, aí se teve em consideração situações similares decididas na jurisprudência citada e que aí estão reproduzidas. Ou seja, o julgador de 1.ª instância indica, em termos, até exaustivos, e apoiando-se expressamente em Doutrina e em vária Jurisprudência a sua posição sobre a questão de direito em apreço nos autos, e embora de forma escassa fundamenta, porque aplica a referida Doutrina e Jurisprudência ao caso em apreço, expressando qual a interpretação das normas jurídicas em causa que entende por correta e, consequentemente faz a sua aplicação ao caso em apreço.
Pelo que sem necessidade de outros considerandos e atento o que acima se deixou consignado quanto ao entendimento da nulidade invocada, temos de concluir que não se julga verificada a apontada nulidade de falta de fundamentação (de facto e de Direito) da decisão recorrida.
Improcedem as respetivas conclusões da apelante.

2.ª questão - Da alegada inexistência de prescrição do direito de crédito exequendo em relação à executada/embargante.
Vendo o complexo fáctico provado nos autos e o que correctamente está vertido na fundamentação da decisão recorrida, é manifesto que não assiste razão à exequente/ apelante.
Senão vejamos.
Resulta dos autos, ou seja, do expressamente invocado pela exequente/ /apelante que:
- o Banco 1..., SA, no âmbito da sua atividade bancária, celebrou com a executada/apelada, em 29.09.1998, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Matosinhos, um contrato de Mútuo com Hipoteca, no valor de 10.950.000$00, ao qual foi atribuído internamente o n.º ...;
- em garantia do capital mutuado, juros e despesas da operação acima referida o mutuário constituiu a favor do banco mutuante hipoteca voluntária sobre a fração autónoma BI, habitação sita no 4.º andar esquerdo da Rua ..., ..., com arrecadação no rés-do-chão. Inscrito na matriz urbana da União de Freguesias ... pelo artigo urbano ...61, anterior artigo ...81 da Freguesia ..., com o valor patrimonial de €59.355,38, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos pelo n.º...0/19860325-B;
- a executada deixou de cumprir as suas obrigações de natureza pecuniária emergentes do contrato, não pagando a prestação que se venceu em 25.11.2007, nem as que posteriormente se venceram;
- o imóvel acima identificado foi adjudicado em sede de processo de execução fiscal n.º ...92, em data anterior a 21.06.2016, tendo o Banco mutuante recebido o valor de €53.570,66;
- com a venda do imóvel a hipoteca que incidia sobre o mesmo foi cancelada, não tendo o presente título qualquer garantia associada;
- com o referido montante apenas foi possível liquidar parcialmente o crédito, tendo permanecido em dívida o valor de €27.865,21, a título de capital a que acresce o montante de €18.310,54m referente a juros de mora vencidos, calculados à taxa de legal de 4%, desde a data de incumprimento (25.11.2007) até à data de entrada do presente requerimento (03.02.2024);
- a executada nada mais liquidou até à presente data, estando em dívida o montante total de €46.175,75, a que acrescem os juros vincendos, contabilizados à taxa de 4%, até efetivo e integral pagamento;
- por Contratos de Cessão de Carteira de Créditos, sucessivos, melhor referenciados no requerimento executivo, o Banco mutuante cedeu à B...., SARL uma carteira de créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes: por sua vez, a B..., SARL cedeu a C..., SARL, essa mesma uma carteira de créditos; por seu turno, a C..., SARL cedeu a A... STC, S.A., a mesma carteira de créditos, composta por mais de 50 créditos distintos, por valor superior a €50.000,00 bem como todas as garantias a eles inerentes, pelo que a exequente/apelante é a atual titular do crédito reclamado nos autos, sendo que o requerimento executivo em apreço deu entrada em Tribunal em 12.02.2024.
Está ainda provado nos autos que a exequente/apelante enviou à executada em 12.01.2024 cartas de interpelação, cfr. doc. 5 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, sendo que a executada nada liquidou até à presente data.
Quanto a estas missivas dir-se-á de forma sintética que se trata de meros anúncios de intenção da exequente/apelante de enveredar por procedimentos de cobrança coerciva, no caso de não ser regularizada a dívida existente, e nessa medida, não são aptas a operar qualquer efeito interruptivo de prazo prescricional, atento o disposto no art.º 323.º, n.º 1 do C. Civil.
Está provado nos autos, pois que até é expressamente invocado pela apelante que a executada entrou em incumprimento contratual, quando não pagou a prestação que se venceu em 25.11.2007 e as restantes. E assim, logo após a entrada em incumprimento poderia o mutuante considerar vencidas todas as prestações, nos termos do art.º 781.º do C.Civil, pelo que por aplicação do preceituado no n.º1 do art.º 306.º do C.Civil, o prazo de prescrição do crédito iniciou-se em tal data, tal como consta da decisão recorrida, facto aliás que não é posto em causa pela exequente/apelante.
Na realidade a exequente/apelante apenas se insurge quanto ao entendimento alcançado em 1.ª instância de o prazo de prescrição aplicável à situação em apreço nos autos é o de 5 anos, defendendo que tal prazo é de 20 anos.
Logo, o que aqui importa decidir é apenas qual o prazo de prescrição aplicável ao caso: a aplicar-se o prazo prescricional geral, de 20 anos – art.º 309.º do C. Civil -, o crédito exequendo não deve ter-se por prescrito; mas a considerar-se aplicável o prazo prescricional de cinco anos – do art.º 310.º, al. e) do C.Civil – o crédito exequendo está prescrito, como decidiu a sentença destes embargos, devendo extinguir-se a execução quanto à executada/embargante. Pois como é sabido, o prazo ordinário da prescrição é de vinte anos, cfr. art.º 309.º do C.Civil, existindo ainda um prazo comum de cinco anos, aplicável nomeadamente às prestações periódicas, pois que prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, cfr. al. e) do art.º 310.º do C.Civil. E na contagem do prazo, a regra é começar a correr a partir do momento em que o direito pode ser exercido, cfr. art.º 306.º n.º 1 do C.Civil.
No entanto, e como também é bem sabido, uma tal questão está claramente ultrapassada pela uniformização de jurisprudência operada pelo AUJ 6/2022 (aliás referido na sentença recorrida), de 30.06.2022, proferido no proc. nº 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1, que estabeleceu jurisprudência nos seguintes termos: I - No caso de quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º, al. e), do CC, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incindindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.
Este acórdão dispôs diretamente sobre a aplicabilidade da regra prevista na al. e) do art.º 310.º do C. Civil, que dispõe “Prescrevem no prazo de cinco anos: e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”.
É verdade, que tal questão vinha sendo alvo de tratamento doutrinal e jurisprudencial com um sentido quase unânime, na afirmação de que o vencimento de toda a dívida não alterava a natureza da obrigação original, caracterizada pela convenção de pagamento fracionado do capital e juros contratualmente previstos. E assim, constatando-se a utilidade da superação da divergência, por vezes, ainda verificada, o STJ interveio, providenciando pela uniformização da resposta judicial.
Com efeito, perante a factualidade provada nos autos, dúvidas não restam de que a natureza da obrigação exequenda, as circunstâncias que determinaram o vencimento imediato de toda a obrigação: cessado qualquer pagamento em novembro de 2007, de mútuo bancário que haveria de ser pago em prestações mensais, a incluírem capital e juros, foi tido por vencido na sua totalidade. E assim, deve contar-se o prazo de cinco anos, por ser esse o aplicável, a partir do momento em que o direito à exigência da totalidade da dívida se afirmou, cfr. art.º 306.º, n.º 1 do C.Civil.
E como bem se refere na decisão recorrida “a venda no processo de execução fiscal nenhuma relevância tem porquanto ocorreu antes de 21.06.2016 assim como os prazos de suspensão devido à pandemia (suspensão que ocorreu entre 09.03.2020 e 03.06.2020 – 86 dias – e entre 22.01.2021 e 05.04.2021 – 74 dias).
Dúvidas não restam de que quando a exequente intentou a execução já haviam decorrido mais de cinco anos sobre a data do início do incumprimento contratual e tendo decorrido o prazo de cinco anos, o direito de crédito exequendo encontra-se prescrito em relação à executada/embargante, pelo que esta pode recusar o cumprimento da prestação e opor-se à exigência coerciva do direito do direito de crédito.
Dir-se-á ainda que como é sabido e resulta do lexionário do STJ, “O Acórdão de uniformização de jurisprudência é uma decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que tem por objetivo, em nome da segurança jurídica, pôr termo a uma divergência ou contradição entre acórdãos proferidos por este Tribunal ou pelos Tribunais da Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito. 1. De acordo com o n.º 3 do artigo 152.º do Código de Processo Civil (CPC), os acórdãos são decisões dos tribunais colegiais. Os acórdãos de uniformização jurisprudencial são tirados pelo STJ e visam garantir a certeza do direito e o princípio da igualdade, evitando que decisões judiciais que envolvam a mesma lei e a mesma questão de direito obtenham dos tribunais colegiais respostas diferentes. O acórdão de uniformização de jurisprudência vale inter partes, mas não tem efeito vinculativo extra-processual, sem prejuízo do seu caráter orientador e persuasivo”.
In casu”, dúvidas não temos de que da uniformização de jurisprudência alcançada com o supra aludido AUJ n.º 6/2022 resulta, como decorre da respetiva fundamentação, a mais justa e correta interpretação e aplicação da lei nas situações como a que está em apreço nestes autos.
Sendo que, sempre se dirá ainda que, tal como resulta do texto do AUJ supra citado, tem de rejeitar-se a tese segundo a qual a obrigação exequenda não pode classificar-se ela própria como uma quota de amortização de capital, para efeitos do disposto no art.º 310.º al. e) do C.Civil, designadamente em atenção ao facto de que as quotas tinham prazos de vencimento pré-determinados no contrato, em termos diferentes dos do vencimento único da totalidade da obrigação. Com efeito, foi precisamente esta a tese que foi recusada pelo AUJ n.º 6/2022. Assim, nos termos do citado acórdão uniformizador, a circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, em consequência de patologias ocorridas no plano do cumprimento de cada um dos contratos, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.
Dúvidas não restam de que quando a exequente intentou a execução já haviam decorrido mais de cinco anos sobre a data do início do incumprimento contratual (Julho e Novembro de 2011) e tendo decorrido o prazo de cinco anos, sem qualquer interrupção, o direito de crédito exequendo encontra-se prescrito em relação aos fiadores ora executados/embargantes, pelo que estes podem recusar o cumprimento da prestação e opor-se à exigência coerciva do direito do direito de crédito.

Pelo que sem necessidade de outros considerandos, a situação sub judice é subsumível ao disposto na al. e) do art.º 310.º do C. Civil, cabendo aplicar à obrigação exequenda o prazo prescricional de 5 anos. Pelo que, e em conclusão, bem decidiu o tribunal a quo.
Assim, improcedem as conclusões da exequente/apelante, havendo de se confirmar a decisão recorrida.


Sumário
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar as presentes apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela exequente/apelante.





Porto, 2024.12.11
Anabela Dias da Silva
Alexandra Pelayo
Lina Baptista