PROPRIEDADE HORIZONTAL
ADMINISTRADOR DO CONDOMÍNIO
CONDOMÍNIO
TRANSAÇÃO JUDICIAL
FALTA DE PODERES DE REPRESENTAÇÃO
Sumário

I - No domínio da propriedade horizontal, o condomínio e o seu administrador correspondem a realidades jurídicas diversas. O condomínio é um centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos, cuja natureza é controvertida, mas a quem a lei reconhece o direito de ser parte nas ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador. Já o administrador, por sua vez, é apenas um dos seus órgãos. Órgão que, para além de outras, tem funções de representação, mas que não o confundem com o seu representado.
II - Estando o objeto da transação exequenda fora dos poderes do administrador do condomínio que a celebrou e não tendo a mesma sido ratificada, é ela insuscetível de ser executada contra o condomínio.

Texto Integral

Processo n.º 3622/23.8T8MAI-A.P1


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Sumário:

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Relator: João Diogo Rodrigues;
Adjuntos: Raquel Lima;
Rui Moreira.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório

1- AA, instaurou execução contra o Condomínio Edifício ... alegando o seguinte:

“1. Com base em sentença homologatória de transação, proferida em processo de Execução, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juiz de Execução ... - Juiz 1, AA, vem pelo presente, instaurar EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO POSITIVO, contra CONDOMÍNIO do EDÍFICIO ..., NIPC ...15, sito na Praceta ..., ..., ..., ..., sendo que dessa transação, constavam para além de outras, as cláusulas que mais abaixo se referirão:

2. O Condomínio do EDÍFICIO ..., que constava na supramencionada Execução como exequente, foi anteriormente condenado - por decisão de sentença já transitada em julgado, proferida no Processo N.º ..., que correu termos no Juízo Local Cível de ... - Juiz 1 (extinto), a eliminar os defeitos existentes nas empenas do prédio, na fachada exterior, bem como a eliminar e reparar o interior da fração ... (... andar do bloco com entrada pelo n.º ...0 da Praceta ..., em ...), nomeadamente proceder ao tratamento prévio de limpeza e reparação das paredes e teto, por forma a pintar as mesmas nos mesmos moldes que se encontravam antes das infiltrações; proceder à reparação do soalho/flutuante, aros das portas em madeira e rodapés, na sala, 2 quartos e corredores, a qual deveria ocorrer até 30 dias após o trânsito em julgado da sentença; ou, em alternativa, deveria o condomínio pagar a quantia necessária para custear as aludidas obras;

3. Assim, as partes acordarem em optar por uma indemnização correspondente ao custo das obras a realizadas no interior da fração, fixando esse valor provisoriamente em 4.900,00 €.

4. Para o pagamento da mencionada quantia de 4.900,00 €, as partes acordaram em proceder à compensação com o crédito do condomínio (exequente), no valor de 2.795,22 €, de que resultava à data um saldo a favor do executado na quantia de 2.104,78€, obrigando-se o condomínio a creditar por conta das quotas-extras vincendas para obras no exterior do edifício.

5. Destarte, quanto às obras a realizar no exterior do edifício, obrigou-se o Condomínio, perante tal transação, a proceder às obras de requalificação e impermeabilização das fachadas exteriores do edifício, que deveriam estar concluídas até ao dia 30 de setembro de 2022, comprometendo-se o exequente naquela execução (condomínio) ao pagamento da quantia diária de 10,00€ a título de cláusula penal, por cada dia de atraso na conclusão das mesmas, iniciando-se a contagem para efeitos de cláusula penal, no dia 18 de dezembro de 2020, ficando estipulado que, caso a conclusão das obras aqui descritas ultrapasse o dia 30 de setembro de 2022, o valor da cláusula penal passaria para a quantia diária de 20,00 €.

6. O Condomínio não procedeu a qualquer intervenção.

7. Sendo certo, que tratando-se de ato fungivel, opta pela prestação de facto por outrem requerendo a nomeação de perito que avalie o custo provável, bem como a indemnização a que tem direito.

8. Com base na sentença homologatória de transação, constava, ademais, o seguinte: “o montante correspondente à aludida cláusula penal, contando desde a data de 18 de dezembro de 2020 até ao dia 31 de outubro de 2021, fixou-se em 3.105,00€, sendo estipulado que deveria ser pago pelo condomínio ao proprietário da fração em mensalidades de 600,00 €.”

9. O Condomínio efetuou o pagamento de 5 prestação de 600,00€, o qual totalizou o valor de 3.000,00€, ficando em falta o pagamento de 105,00 €, o qual desde já se solicita.

10. A acrescer, remetendo ao valor estipulado na aludida cláusula penal acordado na subjacente transação, o montante correspondente à mesma desde 01 de outubro de 2021 até ao dia 30 de setembro de 2022, foi pago até 30 de junho de 2022, encontrando-se por liquidar o valor de 920,00 €, o qual, o exequente aqui peticiona.

11. E a partir de 30 de setembro de 2022, até ao dia de hoje, o valor correspondente à aludida cláusula penal é de 5.280,00 €.

12.Pelo que, o exequente peticiona a quantia global de 6.200,00 €, ao qual acresce juros no valor de 291,68 €.

13. São devidos ainda a título de juros compulsórios, calculados à taxa de 5 %, nos termos do n.º 4 do artigo 829-º-A do Código Civil, desde a data de transito em julgado da sentença (15-12-2021), até efetivo pagamento, sem prejuízo dos demais a calcular oportunamente.

14. Não cumpriu o condomínio as suas obrigações, mesmo após várias interpelações para a resolução extrajudicial.

15. O Exequente reclama ainda, o crédito do valor de 2.104,78€, por conta das quotas-extras vincendas para obras no exterior do edifício.

16. Visto estas quotas ao dia de hoje não terem sido deliberadas.

17. O título existe e é exequível, nos termos dos artº 703º-nº1-al,a) e 704º-nº1, e, sendo o processo aplicável o processo especial da “Execução para Prestação de facto”, previsto e regulamentado nos artº 868º e sgs. do Código de Processo Civil”.

2- Contra tal pretensão deduziu o Executado (Condomínio Edifício ...) oposição, sustentando, para além do mais, que a transação homologada pela sentença exequenda é nula por falta de poderes da administração para a celebrar, não tendo essa transação sido também objeto de subsequente ratificação por parte dos condóminos.

Pede, assim, com este fundamento, a extinção a execução.

3- O Exequente respondeu sustentando a posição oposta, já que, desde o ano de 2012, existem diversas assembleias de condóminos nas quais foi discutida a necessidade de realização de obras de reabilitação do prédio e foi dado a conhecer aos condóminos a sentença proferida a esse propósito, bem como as suas implicações no que concerne à indemnização devida ao Exequente e ao acordo que estava previsto ser realizado com ele, o que nunca foi impugnado.

4- Seguidamente, foi proferida sentença na qual se fixou o valor da causa em 8.596,46€, se dispensou a audiência prévia [“Considerando o objecto da presente acção, o seu reduzido valor(inferior à alçada do tribunal de 1ª instância) e a complexidade da causa, bem como o facto de não ocorrer qualquer circunstância que determine a necessidade de fazer cumprir o princípio do contraditório, sendo certo que as partes já se pronunciaram sobre todas as questões e exerceram o respectivo contraditório e, ainda, considerando o disposto nos artigos 593.º n.ºs 1 e 2, 595.º e 596.º do Código de Processo Civil…”] e se julgaram os presentes embargos procedentes, por provados, declarando, em conformidade a extinção da execução.

Isto, no essencial, porque “sendo a transação outorgada pelo administrador e por advogado que o representa, a ausência de deliberação da assembleia de condóminos autorizando previamente o administrador a outorgar transação, ou ratificando a posteriori a transação alcançada conduz à invalidade da transação.

Com efeito, na medida em que na transação o condomínio assume obrigações perante o então executado, designadamente o pagamento de quantias monetárias, tal deveria ter sido objecto de deliberação prévia ou ratificação posterior da assembleia de condóminos, o que não sucedeu”.

Daí que se tenha entendido que “tal omissão acarreta a nulidade da transação e consequentemente do título executivo, com a consequente extinção da execução”.

5- Inconformado com esta sentença, dela interpôs recurso o Exequente, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões:

“a- A douta Sentença de fls. que, ao considerar procedente os embargos intentados pelo recorrido, fez incorrecta interpretação da lei, no modesto entender do recorrente.

b- Desde logo, dá como assente que o valor da presente causa é de €: 8.596,46.

c- Para de seguida escrever que o valor da causa é reduzido, sendo inferior á alçada do Tribunal de 1ª instância, quando efectivamente não o é.

d- Não estando transitada em Julgado a douta Sentença ora colocada em crise, não deveria, nem podia, o Mmº. Juiz da causa determinar a extinção da execução, como o fez.

e- Já que, não existia douta Sentença transitada em julgado, que decidisse definitivamente a procedência, ou improcedência dos embargos.

f- Assim, tendo legitimidade para recorrer,

g- Não podia o recorrente conformar-se com a douta Sentença ora posta em crise, por dois factores:

- Poderia o recorrido socorrer-se, em sede de embargos, da alegação de que a transacção efectivada nos autos que correram trâmites sob o nº ..., no Tribunal Judicial do Porto, no seu Juízo de Execução ..., Juiz 1, era nula ou anulável;

- Poderia a douta Sentença ora posta em crise decidir que a transacção outorgada pelo administrador do condomínio e por advogado que o representa, sem deliberação da Assembleia autorizando previamente o administrador a outorgar transacção ou ratificando, posteriormente, a transacção alcançada, conduzir á sua invalidade.

h -Cremos bem que não, porque não existe suporte legal, quer para a primeira, quer, essencialmente, para a segunda, porque é quem cabe decidir.

Com efeito,

i- A douta Sentença de que se recorre, decide pela invalidade de transação, homologada por douta Sentença.

Sentença que transitada em julgado, fez com que a transação entrasse na esfera dos seus intervenientes, recorrente e recorrido.

Com os direitos e obrigações inerentes.

Bem como, porque transitada em julgado, serviu de título executivo nos presentes autos.

j- Título executivo, que a douta Sentença ora posta em crise, não coloca em causa.,

Quer quanto á sua veracidade, quer á sua autenticidade, quer á verificação dos intervenientes, na referida transação homologada.

Só que,

l- Determina a nulidade da transacção no seu todo.

Logo, por inerência, a douta Sentença homologatória de um outro Juiz.

Justificando, a douta Sentença ora posta em crise, apenas no facto de que foram assumidas obrigações em nome do recorrido, quando quem o fez não tinha competência para tal.

Pois, tal transacção homologada só seria válida se previamente o administrador, e já agora o Mandatário do recorrido, tivesse poderes que lhe permitissem transacionar.

Ou anteriormente a tal transação, ou á posteriori, se a tivesse levado a uma assembleia de condóminos que ratificasse.

Com o máximo respeito, não é fundamentação, nem de facto, nem de direito, para determinar a invalidade da transacção outorgada.

Aliás, para se verifcar da pouca cuidada interpretação e aplicação da lei aos autos que, com todo o respeito, carecateriza a douta Sentença, ora posta em crise, verifique-se que não cuida de se pronunciar sobre as obras de requalificação e impermeabilização das fachadas exteriores do edifício.

Também não estava dentro dos poderes previstos na lei do admnistrador ?

O que determina a nulidade da douta Sentença ora colocada em crise.

m- Nos termos do artº 615 nº 1 b) do CPC, a Sentença diz-se nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

A douta Sentença ora posta em crise, apenas faz referência ao artº 729 do CPC, não invocando especificadamente qual a causa legal para determinar a nulidade da transacção.

E, essa, só poderia ser a alínea i) do citado preceito do CPC.

Que nos estatui que tratando-se de Sentença homologatória de confissão ou transacção qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses actos, e não as que o Mmo. Juiz da causa alega.

Pois, o Mmo. Juiz da causa nada refere sobre qualquer causa de per si capaz de determinar a nulidade ou anulabilidade da transacção.

Pelo contrário, refere-se á i(legitimidade), por falta de poderes, que existem, do administrador, e Mandatário, do recorrido em a outorgar.

n- Aliás, o Mmo. Juiz dos autos que correram trâmites nos autos sob nº ..., no Tribunal Judicial do Porto, no Juízo de Execução ..., Juiz 1, expressa o seguinte:

“Vistos os autos, pela qualidade das pessoas intervenientes e pela natureza disponível do objecto do processo, julgo objectivamente e subjectivamente válida e juridicamente relevante a transacção constante do requerimento apresentado, pelo que a homologo…”

E, sendo esta douta Sentença, que homologou a transacção, datada de 12 de Novembro de 2021, á muito transitou em Julgado, nos termos do artº 628 do CPC.

o- Dando apenas, como causa para decidir da invalidade da transacção, logo da Sentença que homologou, o facto de a transacção, quer previa, quer psoteriormente, não ter sido ratificada pela assembleia de condóminos.

Factos que não estavam na esfera jurídica do recorrente, pois não os podia praticar.

Pelo contrário,

p- Se o recorrido não estivesse de acordo com tal transacção, efectivado pelo seu Administrador, então deveria, o que não fez, nos termos do artº 291 do CPC intentar a competente acção de declaração de nulidade ou anulação da transacção. (Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/03/2023, in www.dgsi.pt)

Não o fez, porquanto teria de demonstrar, e provar, que o objecto de litigio não estava na disponibilidade das partes, não havia idoineidade negocial ou as pessoas que intervieram na transacção não se apresentavam com capacidade e legitimidade para se ocuparem desse objecto, nos termos do artº 290 nº 3 do CPC

No entanto, bem sabia o recorrido, que na transacção efectivada estava representado pelo administrador com poderes legais para o fazer, não intentou aquela acção de declaração de nulidade ou anulabilidade de transacção, até porque existiria o problema da caducidade para o fazer.

Preferiu embargar, só que sem qualquer fundamento para o fazer, logo para a procedência de tais embargos.

Com efeito,

q- Nas acções referidas no artº 12 e) do CPC, como é o caso donde ocorre a transacção, e nos presentes autos como titulo executivo, devem inserir-se nos poderes funcionais do administrador previstos no artº 1436 do CC.

Desde que, o demandado ou demandante seja o próprio condomínio.

Porque tem personalidade judiciária, desde que representado pelo seu administrador

É ao administrador a quem compete estar em juízo em nome do recorrido.

(Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 22/05/2023, in www.dgsi.pt)

O condomínio, nos autos donde resulta o titulo executivo, ocupava a posição processual de exequente.

Assim, não carecia o administrador de qualquer mandato expresso de qualquer assembleia de condóminos para litigar em defesa dos interesses do recorrido.

Como não cabia ao Juiz, dos autos com o nº nº ..., perante quem a transação é manifestada aferir casuisticamente se o administrador do condomínio obteve a concordância da assembleia de condóminos quanto aos exatos termos da transacção. (Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/03/2023, in www.dgsi.pt)

Pois, o administrador do condomínio representa o condomínio e o coletivo dos condóminos em juízo (art.º 1437º do CC)

Razão pela qual, quando demandante ou demandado, dispõe de poderes para transigir. (Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/03/2023, in www.dgsi.pt)

A eventual violação dos deveres do administrador, nomeadamente os de informação da assembleia de condóminos previstos nas als. p) do nº 1 do art.º 1436º do CC poderá constituir, quando muito, motivo para a sua destituição.

Ou fundamento para eventual pedido de indemnização fundada na responsabilidade civil. (Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/03/2023, in www.dgsi.pt)

Mas não constitui, nem pode constituir, fundamento para colocar em crise a sentença homologatória da transação, ou mesmo a transacção, como o faz a douta Sentença ora posta em crise. (Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/03/2023, in www.dgsi.pt)

r- Tendo o recorrido baseado a sua defesa nos presentes autos executivos na nulidade da transacção, tal defesa não podia colher, porquanto não tem fundamento legal, nos termos do artº 729 do CPC.

Muito menos, sempre com o mais elevado respeito, ser apreciada, como o foi, em sede de embargos.

Pelo que,

s- A douta Sentença ora posta em crise, para além de padecer de vício de ordem formal, que eventualmente inquina a decisão, violando o tribunal o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais, uma vez que não justifica o enquadramento do fundamento nos termos da lei, referindo apenas que os mesmos se encontram mencionados no artigo 729.º do CPC.

Também deveria ter verificado, e não o fez, que a defesa efectuado pelo recorrido não podia, nem devia, ser apreciada em sede de embargos, pelo que conhece, e decide, com base em factos que para além de serem contrários á lei, não são fundamento válido para ser dado provimento aos embargos.

t- Não existindo motivação para que a transacção, e a Sentença que a homologou, ser considerada inválidas, deve a douta Sentença ora posta em crise ser revogada”.

Termina pedindo que se julgue procedente o presente recurso e declarada nula a sentença recorrida ou, subsidiariamente, que a mesma seja revogada, reconhecendo-se a validade da transação exequenda.

6- O Executado respondeu considerando, em suma, que não se verifica a nulidade imputada pelo Exequente à sentença recorrida e quanto à aludida transação, a mesma é nula, por falta de poderes do seu Administrador para a celebrar.

7- Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa tomá-la:


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II- Mérito do recurso

A- Definição do seu objeto

O objeto dos recursos é, em regra e ressalvadas designadamente as questões de conhecimento oficioso, delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente [artigos 608º, nº 2, “in fine”, 635º, nº 4, e 639º, nº1, do Código de Processo Civil (CPC)].

Assim, levando em consideração este critério, cinge-se este recurso a saber se:

a) A sentença recorrida é nula, pela razão invocada pelo Apelante;

b) Não podia ser nestes autos apreciada a invalidade da transação exequenda;

c) Essa mesma transação vincula o Apelado.


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B- Fundamentação de facto

Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

1- O exequente AA intentou execução para prestação de facto contra o executado Administração do Condomínio ..., dando à execução como título executivo uma sentença homologatória de transação proferida no âmbito do processo ... do Juízo de Execução ..., Juiz 1, transação essa subscrita pelas partes e os respetivos mandatários.

2- Nas assembleias de condóminos realizadas previamente à outorga da transação não foi deliberado mandatar a administração para transigir nos termos acordados.

3- A transação alcançada não foi ratificada posteriormente em nenhuma das assembleias de condóminos ocorridas posteriormente à homologação da transação.


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C- Fundamentação jurídica

Na origem deste recurso está, fundamentalmente, a discordância da Apelante quanto à conclusão a que se chegou na sentença recorrida, no sentido de que a transação exequenda não vincula o Apelado.

Apesar disso, a Apelante aproveita para imputar a essa sentença um vício procedimental, decorrente da sua alegada falta de fundamentação, e considera, por outro lado, que o Apelado, se não estava de acordo com aquela transação, deveria ter questionado a sua validade em ação autónoma.

Ora, desde já se diga que nenhum destes dois fundamentos pode proceder.

A sentença recorrida está fundamentada, quer de facto, quer de direito (nela sendo explicadas, em qualquer uma dessas vertentes, as razões que levaram à decisão tomada) e, assim, sendo certo que, a este respeito, não se pode levar em linha de conta a bondade dessas razões, nem sequer a suficiência ou insuficiência das mesmas[1], é patente que não se verifica o aludido vício, tal como elencado no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC.

Por outro lado, quanto à segunda problemática, ou seja, saber se o Apelado estava obrigado a intentar uma ação autónoma tendente ao conhecimento da invalidade da dita transação, o prescrito no artigo 729.º, al. i), do CPC é absolutamente claro: Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, constitui fundamento de oposição à execução, “qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos”.

Claro que esses vícios podem, em alternativa, ser invocados em ação autónoma (artigo 291.º, n.º 2 do CPC) ou mesmo em processo de revisão (artigo 696.º, al. d), do CPC), quando se verifiquem os respetivos pressupostos[2]. Mas, não é obrigatório que assim seja. Podem discutir-se em sede de oposição à execução, como é o caso.

Assim, pois, nenhum destes fundamentos constitui obstáculo à apreciação da principal questão que se debate neste recurso e que se reconduz, como vimos, a saber se a já aludida transação vincula ou não o Apelado.

Para solucionar esta questão, a primeira ideia a ter presente é que o condomínio e o seu administrador não são a mesma realidade jurídica.

O condomínio é um centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos[3], cuja natureza é controvertida, mas a quem a lei reconhece o direito de ser parte nas “ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador” – artigo 12.º, al. e), do CPC.

Já o administrador, por sua vez, é apenas um dos seus órgãos – artigo 1430.º, n.º 1, do Código Civil. Órgão que, para além de outras, tem funções de representação (artigos 1436.º, al. i), e 1437.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil), mas que não a confundem com o seu representado. Mesmo quando a lei lhe atribui essas funções, “a entidade que está em juízo como parte é a associação de condóminos”[4] e não o administrador[5]. Nessa medida, não pode ser na sua esfera jurídica que se repercutem os efeitos da atuação do próprio condomínio ou do conjunto dos condóminos. Quando muito, o administrador pode ser responsabilizado pela sua gestão. Nunca em vez do próprio condomínio.

Ora, partindo destas noções e tendo presente, por um lado, o objeto da transação dada à execução e, por outro lado, as funções atribuídas por lei ao administrador do condomínio, designadamente no artigo 1436.º, do Código Civil, facilmente se conclui que, sem a deliberação dos condóminos que constituem o Apelado, ou sem a sua subsequente ratificação (o que não sucedeu, no caso presente, como se provou), não pode aquela transação produzir qualquer efeito em relação a ele. Dito por outras palavras, é ineficaz em relação ao Apelado (artigo 268.º, n.º 1, do Código Civil), o que se reconduz a uma forma de invalidade passível de ser invocada em sede de oposição à execução.

Expliquemo-nos melhor:

Na dita transação, estipulou-se (como vimos na descrição que é feita pelo próprio Exequente no requerimento inicial que apresentou na ação executiva), entre o mais, que, em vez da reparação que o ora Executado (Condomínio) foi condenado, em sentença anterior, a fazer no interior da fração autónoma do ora Exequente, haveria lugar a uma indemnização provisória de 4.900,00€.

Para pagamento deste valor, porém, “as partes acordaram em proceder à compensação com o crédito do condomínio (exequente), no valor de 2.795,22€, de que resultava à data um saldo a favor do executado na quantia de 2.104,78 €, obrigando-se o condomínio a creditar por conta das quotas-extras vincendas para obras no exterior do edifício”.

E quanto às obras a realizar no exterior do edifício, como refere o Apelante, “obrigou-se o Condomínio, perante tal transação, a proceder às obras de requalificação e impermeabilização das fachadas exteriores do edifício, que deveriam estar concluídas até ao dia 30 de setembro de 2022, comprometendo-se o exequente naquela execução (condomínio) ao pagamento da quantia diária de 10,00€ a título de cláusula penal, por cada dia de atraso na conclusão das mesmas, iniciando-se a contagem para efeitos de cláusula penal, no dia 18 de dezembro de 2020, ficando estipulado que, caso a conclusão das obras aqui descritas ultrapasse o dia 30 de setembro de 2022, o valor da cláusula penal passaria para a quantia diária de 20,00€”.

Ora, sem necessidade de maiores explicações, facilmente se percebe, face ao que se dispõe no artigo 1436.º do Código Civil, que o administrador do Apelado (Condomínio) não tinha poderes para vincular este último em tais termos.

O administrador de qualquer condomínio, com efeito, tem funções de natureza executiva, financeira, de conservação, administração ou mesmo de convocação da assembleia de condóminos. Mas, em nenhuma delas se enquadra transação sobre direitos e deveres do condomínio nos termos previstos no acordo exequendo e já citado.

Assim, é manifesto que esse acordo é ineficaz em relação ao Apelado, razão pela qual não o pode vincular. É, por outras palavras, inválido em relação a ele, pelo que o presente recurso não pode deixar de ser julgado improcedente.


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III- Dispositivo

Pelas razões expostas, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso e, consequentemente, confirma-se o decidido na sentença recorrida.


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- Em função deste resultado, as custas deste recurso serão suportadas pelo Apelante- artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

Porto, 11/12/2024
João Diogo Rodrigues;
Adjuntos: Raquel Lima;
Rui Moreira.

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[1] Neste sentido, Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Processo Civil, pág. 221, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 140, e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, pág. 194.
[2] Neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol.II, Almedina, pág. 86 e Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, AAFDL, pág. 383.
[3] Neste sentido, Gonçalo Oliveira Magalhães, A Personalidade Judiciária do Condomínio e a sua Representação em Juízo, Revista Julgar, n.º 23, pág. 61.
[4]  João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, IIº Vol. (revisto e atualizado), 1987, AAFDL, pág. 30
[5] Ou dito por outras palavras, “é o condomínio que deve ser demandado; é ao administrador que incumbe a sua representação (n.º 1 do art.º 1437.º do CC)” – Ac. RP de 27/11/2017, Processo n.º 822/17.3T8VFR.P1, consultável em www.dgsi.pt.