EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
LAUDO PERICIAL
JUSTA INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I - Nos processos de expropriação, o laudo pericial maioritário, onde se contam os peritos nomeados pelo tribunal, merece a melhor credibilidade, pela equidistância das suas posições, podendo, no entanto, ser afastado se se revelar legalmente inadmissível ou faticamente incorreto ou incompleto, e se prova semelhante ou raciocínio lógico ou da experiência impuserem conclusões distintas.
II - O argumento segundo o qual, existindo vaprm, não ficam impedidos os peritos, em fase de julgamento, de dela divergir, obtendo dali os elementos de facto de que necessitam para decidir, sendo verdadeiro, não impede se considere que quem observou de perto os bens expropriados, os discriminou e avaliou, antes da concretização dos trabalhos de expropriação, não esteja em melhor posição para exatamente os avaliar de acordo com um critério mais ajustado à realidade então existente.
III - O princípio constitucional da justa indemnização não prescinde da avaliação de todas as circunstâncias contextuais do bem expropriado, pelo que o facto de um terreno não ser destinado à construção (v.g encontra-se inserido em zona de RAN) não impede se considerem indemnizáveis as edificações aí erigidas e se valorizem as mesmas, de forma adequada à situação envolvente, mormente se verificarem os requisitos do nº 2 do art. 25.º CE. Isto é, o expropriante não pode obter uma vantagem sobre o expropriado pelo facto de este, eventualmente, ter procedido contra normas administrativas que proíbem a construção no terreno, como se lhe coubesse a ela sancionar tal procedimento putativamente ilícito.

Texto Integral

Processo n.º 4295/22.0T8MAI.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública, em que é expropriante Infraestruturas de Portugal, S.A. e expropriado AA, foi expropriada uma parcela de terreno, designada pelo n.º ..., com a área de 1.103 m2, a desanexar de um prédio de maiores dimensões, sito no Lugar ..., freguesia ..., denominado Campo ..., com a área de 4.070 m2, inscrito na matriz predial rústica, da mesma freguesia, sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º ..., da freguesia ... (...), a confrontar do norte com BB, do sul com herdeiros de CC, do nascente com DD e do poente com EE.

A entidade expropriante tomou posse administrativa da referida parcela de terreno em 20.7.2021.

Foi realizada arbitragem que, avaliando a parcela expropriada, considerou, por unanimidade, fixar a indemnização a atribuir aos expropriados em € 77.369,00.

Por despacho de 20.8.2022 foi a referida parcela adjudicada, livre de ónus e encargos, ao Estado Português.

Inconformado com a decisão arbitral, o expropriado interpôs recurso da mesma, visando ver-lhe atribuída indemnização de € 190.280,70.

Disse o seguinte:

- aceita que a parcela expropriada seja considerada “solo apto para “outros fins” e lhe caiba um valor de € 9,90/m2;

- todavia, os árbitros apenas contabilizaram uma área de 860 m2, quando a verdade é que a parcela expropriada tem a área de 1.103 m2;

- está, por isso, em falta a indemnização correspondente a 243 m2, que devem ser contabilizados, pelo menos, em 30% do valor das construções aí existentes, i.é, € 4.522,50, o que equivale ao valor de € 18,61 m2, superior ao terreno agrícola, mas justificado por naquele espaço existirem construções e zona de lazer;

- aceita o valor atribuído pelos árbitros às benfeitorias (€ 42.605,00);

- a parte sobrante da parcela ficou depreciada, no que respeita a vedações, não concordando com o que se diz na decisão arbitral a este respeito, pretendendo seja atribuído o valor indemnizatório de € 17.216,06, para a vedação a poente; € 8.798,20, para a vedação a nascente;

- as construções existentes na parte sobrante nascente foram consideradas em montante inferior à diminuição do seu valor, pelo que o armazém, a casa de habitação, o coberto e o anexo sofreram uma redução de 50% do seu valor, perda que ascende a € 100.125,00;

- os árbitros não consideraram a acessibilidade à parte sobrante por haverem sido informados pela expropriante que com a execução da variante será assegurado o acesso à parte sobrante, a nascente, através de caminho público, porém, até à execução dessas obras, está o expropriado impedido de utilizar tal parte sobrante, nomeadamente para ali guardar os seus veículos e instrumentos necessários ao amanho da terra, o que sucederá por mais de um ano, pelo que pretende ser indemnizado a este respeito com a quantia de € 6.000,00, valor correspondente à renda mensal necessária para locação de um armazém com idênticas caraterísticas;

- a propriedade é abastecida de água por duas minas sitas na parte sobrante nascente que vai ficar separada do restante, não tendo sido contemplada porque a expropriada terá garantido aos árbitros que reporá as condutas de obras, mas terá isso que ficar assegurado à partida, sendo certo que, desde 1.7.2022, está o expropriado privado das minas com cuja água efetuava as lides domésticas e regava a sua propriedade, pelo que pretende indemnização a tal respeito no valor de € 2.500,00.

A expropriante recorreu igualmente, a 19.9.2022, relembrando que a justa indemnização é calculada de acordo com a legislação vigente ao tempo da declaração da utilidade pública (DUP) que foi, no caso, decretada a 3.5.2021.

Ao tempo da DUP o prédio total e a parte expropriada não dispunham de acesso direto à via pública, sendo este efetuado através de terreno de terceiro. Após a expropriação, o terreno ficou dividido em duas partes, uma do lado poente que mantém aquele acesso e outra, do lado poente, que irá ter acesso no âmbito da obra rodoviária.

Considerando que a natureza da parcela expropriada foi bem classificada na decisão arbitral, não concorda, porém, a expropriante com o valor por m2 obtido, valor calculado com base na ideia de rotação bianual de culturas, tendo os árbitros sobrevalorizado a produção e preço dos produtos hortícolas, para os dois tempos anuais bem como os encargos nas duas épocas. De modo que, consideradas corretamente estas premissas, teríamos um valor do solo para os 860 m2, de € 5,60/m2.

Mais discorda do facto de ter sido atribuído o valor de € 14.175,00, ao muro, na estrema sul, em pedra e blocos, encimado por malha metálica e com fundação, sendo certo que na vistoria ad perpetuam rei memoriam se não refere o tipo de muro que se trata, sendo ainda que o muro não pertence à parcela ..., mas à parcela ..., tendo tal muro sido descrito na vaprm na expropriação referente a esta última parcela.

Também discorda do valor atribuído a algumas benfeitorias, como o poço, o muro no limite norte, o caminho de cimento, devendo ser atribuídas às benfeitorias um valor de € 18.435,00.

Não aceita, de igual modo, a fixação de uma verba para indemnização da parte sobrante, localizada a nascente. Considera exagerado o quociente de desvalorização (15%), atendendo às construções existentes e à sua localização interior, sem acesso à via pública, acesso que passará a ter em função da expropriação, não devendo existir indemnização a tal título.

Pretende, assim, que a indemnização seja reduzida para € 23.251,00.

Procedeu-se à avaliação da parcela expropriada, com a intervenção de cinco peritos, concluindo os peritos nomeados pelo Tribunal pela justa indemnização no valor de 37.115,30 €, o perito nomeado pela entidade expropriante pela justa indemnização no valor de 21.649,41 € e o perito indicado pelo expropriado pela justa indemnização no valor de 168.701,46 €.

Foram prestados esclarecimentos ao relatório pericial, presencialmente, e inquiridas as testemunhas arroladas.

As partes apresentaram alegações, nos termos do art. 64.º do C. das Expropriações.

Foi depois proferida sentença, datada de 17.4.2024, o qual julgou totalmente improcedente o recurso da expropriante e parcialmente procedente o recurso do expropriado, fixando-lhe uma indemnização de € 112.589,97, com atualização desde a DUP até ao trânsito em julgado da decisão, de acordo com a evolução do índice dos preços no consumidor, publicado pelo INE, com exclusão da habitação.

Desta sentença recorreu a expropriante, visando ver alterada a matéria de facto dada como assente na sentença, retirando-se da mesma os factos dos n.ºs 22, 28, 29, 30, 31 e 32; julgadas procedentes as nulidades invocadas nos termos das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC e revogada a sentença recorrida, fixando-se o montante indemnizatório de €30.298,90, a atualizar nos termos acima expostos.

Para tanto, terminou a peça recursiva com as seguintes conclusões:

(…)

O expropriado contra-alegou ao mesmo tempo que interpôs recurso subordinado, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

A expropriante apresentou contra-alegações ao recurso subordinado, opondo-se-lhe.

Objeto do recurso:

- das nulidades da sentença, nos termos do art. 615.º, n.º 1 als. c) e d) CPC;

- da impugnação da matéria de facto;

- da justa indemnização pela expropriação;

- da atualização do valor da indemnização.

FUNDAMENTAÇÃO

Fundamentos de facto:

Em primeira instância ficaram provados os seguintes factos:

1. Por despacho do Exmo. Senhor Secretário das Infraestruturas nº 4482/2021, de 11 de abril de 2021, publicado no Diário da República n.º 22, II Série, de 3 de maio de 2021, foi declarada de utilidade pública, com carácter de urgência, a expropriação dos bens imóveis e direitos a eles inerentes, necessários à execução da obra da “EN ... – Maia (Via Diagonal)/Interface Rodoferroviário ...”, identificadas no mapa de áreas e nas plantas parcelares em anexo, com os elementos constantes da descrição predial e da inscrição matricial dos direitos e ónus que sobre elas incidem, bem como os nomes dos respetivos titulares, nesta lista se incluindo a parcela n.º ..., com a área total de 1.103 m2.

2. A parcela expropriada, designada pelo n.º ..., tem a área de 1.103 m2, a desanexar de um prédio de maiores dimensões, sito no Lugar ..., freguesia ..., denominado Campo ..., com a área de 4.070 m2, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º ..., da freguesia ... (...), a confrontar do norte com BB, do sul com herdeiros de CC, do nascente com DD e do poente com EE.

3. O acesso à parcela é efetuado por um caminho privado, localizado no seu interior, ao longo da sua estrema norte, com menos de 3 m de largura, que liga a outro prédio da família do expropriado e que, por sua vez, liga à Rua ....

4. O prédio insere-se numa propriedade mais vasta, denominada Quinta ..., com acesso pela Rua ... e que integra uma ampla área coberta, edificada na parte da frente da propriedade junto ao arruamento, destinada a habitação e espaço de armazenamento.

5. A Rua ... está pavimentada em cubo de granito e apresenta baia e estacionamento e passeio (parcialmente) não pavimentado, do lado norte da via, e berma, do lado sul.

6. A Rua ... é dotada de rede de abastecimento de água, rede de saneamento com ligação a estação depuradora, rede de águas pluviais, rede de distribuição de energia elétrica e rede telefónica.

7. A parcela apresenta topografia plana e de aptidão agrícola sendo constituída por terreno de cultivo de regadio, de textura franca e perfil cultural profundo, de boa fertilidade, com árvores de fruto e videiras, sendo dotada de um acesso privado e pavimentado com acabamento em betonilha de cimento delimitado por lancis em betão.

8. A parcela encontra-se delimitada, nas estremas norte e sul, por muros de vedação que constituem as delimitações do prédio em que se integra.

9. O muro, a sul, incorpora no topo um canal de água que abastece gravidicamente a Quinta ..., incluindo a piscina localizada a sudoeste do prédio, com grande caudal de água proveniente da mina localizada na estrema nascente do prédio.

10. O muro tem cerca de 2 metros de altura em pedra e cerca de 0,50 m a 1 m em blocos de cimento e uma rede de malha com cerca de 60 cm.

11. Na envolvente da parcela predominam terrenos agrícolas e uma ocupação dispersa constituída por habitações unifamiliares implantadas ao longo das vias rodoviárias.

12. A parcela dista cerca de 7 Km, a norte, do centro da cidade da Maia.

13. A parcela situa-se, em linha reta, a cerca de 4,8 Km a nordeste do centro da cidade da Maia.

14. De acordo com a planta de ordenamento e de condicionantes do Plano Diretor Municipal da Maia, aprovado pela Assembleia Municipal ... e publicado pelo Aviso nº 9751/2013, no Diário da República n.º 149, 2.ª série, de 30 de julho de 2013, a parcela de terreno está classificada como solo rural – áreas agrícolas fundamentais, integradas pela Reserva Agrícola Nacional e é atravessada pelo traçado da variante Estrada Nacional ....

15. De acordo com a planta de ordenamento do Plano Diretor Municipal da Maia a parcela de terreno está e é atravessada pela rede viária prevista.

16. A entidade expropriante tomou posse administrativa da referida parcela de terreno com a área de 1.103 m2, em 20 de julho de 2021.

17. Na parcela expropriada existiam 2 maceiras com DAP de 25 cm; 2 laranjeiras; 1 nogueira; 2 macieiras; 1 clementina com DAP 20 cm; 1 laranjeira com DAP 20 cm; 2 pessegueiros com DAP 15 cm; 2 laranjeiras DAP 15 cm; 1 tília com DAP de 30 cm; 1 poço; 1 anexo; 1 anexo sem cobertura; 1 muro em blocos de cimento, no limite norte com a parcela n.º ..., com cerca de 1 m de altura a partir da cota e 1 m de rede em malha; 180 m2 de pavimento em cimento; 1 videira e 4 esteios espaçados com cerca de 1,5 m em 90 m2 de vinha em latada.

18. Na parcela existiam duas fossas de esgoto sumidouros com dimensão aproximada de 2 m x 2m e profundidade de cerca de 1,5 m, que recebem os esgotos das instalações sanitárias das duas construções sitas a nascente (anexo junto à estrema norte e casa do Feitor).

19. O prédio será atravessado pela via, sensivelmente na direção norte-sul, ocasionando duas parcelas sobrantes sem acesso uma à outra.

20. A parcela sobrante a nascente, com a área de cerca de 1.180 m2, integra um conjunto de construções, de apoio à propriedade, designadamente um anexo junto à estrema norte, dotado de instalação sanitária com cerca de 30 m2; uma construção que constituía a casa do Feitor, com 55 m2, a mina que rega a totalidade do prédio e o armazém de arrumos com uma área aproximada de 45 m2 e pé direito máximo de 5 metros.

21. O canal de água no topo do muro foi reposto pela entidade expropriante numa extensão de 20 metros.

22. O anexo junto à estrema norte, a construção que constituía a casa do Feitor, e o armazém de arrumos perdem parte do seu interesse económico pela dificuldade de acesso às mesmas[1].

23. A entidade expropriante executou uma conduta subterrânea para garantir o abastecimento de água na parcela sobrante a poente.

24. Para aceder à parte sobrante nascente o expropriado terá de percorrer uma distância superior e pela via pública.

25. Os pais do expropriado, com mais de 80 anos, vivem no prédio.

26. O expropriado guardava os veículos automóveis e as alfaias agrícolas na parte sobrante nascente.

27. A piscina fica na parcela sobrante a poente.

28. Em consequência da obra, torna-se necessário proceder à vedação das partes sobrantes a nascente e poente com a construção de novos muros.

29. Para tanto, na parte sobrante poente é necessário proceder à escavação de vala para fundação do muro, betonar a fundação e construir um muro em alvenaria de pedra de granito com junta de argamassa, cujo custo ascenderá a 13.996,80 €, acrescido de IVA.

30. Para tanto, na parte sobrante nascente, é necessário proceder à escavação de vala para fundação do muro, betonar a fundação e construir um muro em alvenaria de blocos de betão, cujo custo ascenderá a 6.340,00 €, acrescido de IVA.

31. Para colocação de um portão de acesso à parte sobrante a nascente é necessário despender o montante de 6.027,00 €.

32. Para proceder ao entubamento da rede de águas pluviais é necessário despender o montante de 3.255,00 €.

33. A casa do Feitor não tinha utilização efetiva.

Foram considerados não provados os seguintes factos:

1. O armazém situado na parte sobrante nascente tem 450 m2 e o valor de mercado é de, pelo menos, 350 €/m2.

2. A casa do Feitor situada na parte sobrante nascente tem 55 m2 e o valor de mercado é de, pelo menos, 450 €/m2.

3. O coberto situado na parte sobrante nascente tem 75 m2 e o valor de mercado é de, pelo menos, 100 €/m2.

4. O expropriado ficou privado do acesso à parte sobrante nascente pelo menos 1 ano.

5. O valor médio do arrendamento de um armazém com as mesmas caraterísticas é de 500,00 € por mês.

6. Desde 1 de julho de 2022, que o expropriado se encontra privado da água da mina.

7. Desde então, não consegue proceder à rega do prédio e está privado da utilização da água nas lides domésticas.

8. A produção do primeiro ano dos produtos hortícolas de primavera/verão não ultrapassa os 8.000 Kg/0,50 €.

9. A produção do primeiro ano dos produtos hortícolas de outono/inverno não ultrapassa os 16.000 Kg.

10. Os encargos com a produção agrícola são semelhantes em ambos os casos e são de, pelo menos, 65%.

11. No segundo ano de rotação de culturas a cultura de batata não ultrapassa 20.000 Kg e os encargos são de, pelo menos, 65%.

12. No segundo ano de rotação de culturas as culturas de outono/inverno não ultrapassam 16.000 Kg e os encargos são de, pelo menos, 65%.

13. O muro situado na estrema Sul do prédio é um muro de suporte de terras parte do prédio confinante do qual foi destacada a parcela n.º ....

14. O valor normal e corrente para poços com profundidade entre os 10 e os 15 m e diâmetro entre 1 e 2m é de 3.000,00 €.

15. O valor unitário do muro situado no limite norte do prédio não é superior a 40,00 €/m2.

16. O valor unitário do caminho em cimento, incluindo os lancis, não é superior a 20,00 €/m2.

Do recurso da expropriante:

Questões prévias

Da nulidade da sentença

Aponta a expropriante a nulidade ou vício externo da sentença resultante do facto de existir uma pretensa contrariedade entre os fundamentos e a decisão na parte relativa à fixação da indemnização do solo expropriado e à indemnização das benfeitorias (art. 615.º, n.º 1, al. c do CPC).

Neste normativo estão elencadas situações das quais deflui a imprestabilidade da sentença para constituir um ato decisório, seja porque, desde logo, dela não resulte provir de agente decisor (falta de assinatura do juiz), seja porque se acha errada do ponto de vista da estrutura ou atenta contra o que devem ser os seus limites.

No caso da al. c), invocada em recurso, seria a estrutura a ter sido feita perigar mediante um raciocínio que, na ótica da recorrente, cairia numa inultrapassável contradição entre os fundamentos e a decisão.

Todavia, mesmo a recorrente, ao invocar o vício aqui em causa, teve de ir mais adiante, entrando na discussão sobre os argumentos invocados pelo tribunal para fixar a indemnização pela ablação do solo e pela destruição das benfeitorias.

Ora, a este respeito referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[2]: «Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade».

Trata, pois, esta alínea da violação do silogismo judiciário[3].

Todavia, o que aponta a recorrente são razões de discordância com a posição exprimida em primeira instancia relativamente à concatenação dos factos relativos a ambas as indemnizações.

Sendo assim, não está em causa um vício formal, estrutural ou intrínseco do ato decisório, mas a discussão sobre a forma como foi efetuado o julgamento dos factos apurados, à luz do direito aplicável.

A nulidade é, pois, de improceder.

O mesmo raciocínio vale para a questão da atualização da indemnização. A tratar-se de um vício, não será da estrutura externa da decisão, mas de um erro de julgamento que importa ponderar em sede de fundamentação da decisão de direito.

A outra nulidade repontada pela expropriante ancora-se na al. d) e respeita ao facto de, no recurso da decisão arbitral, o expropriado nada ter dito quanto ao portão e entubamento das águas pluviais por que acabou por ser também indemnizado.

A omissão de pronúncia, prevista no art. 615.º, n.º 1 d) do CPC - norma a que a recorrente faz referência – é sancionada com nulidade da sentença que não resolva todas as questões submetidas à apreciação do tribunal e não ir para além daquelas que podia tomar conhecimento.

O art. 608.º, n.º 2 CPC, impõe se resolvam na sentença todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas já Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol., V, p. 143) explicitava que “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” não significa considerar todos os argumentos jurídicos ou soluções plausíveis de direito, pela simples razão de que o julgador não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5.º, n.º 3).

Embora Anselmo de Castro (Direito Processual Civil, Vol. II, p. 142) estenda a noção de questões a todas as vias de fundamentação jurídica que as partes tenham exposto, a jurisprudência tem seguido o caminho indicado pelo primeiro jurista. Veja-se, por ex., o ac. STJ, de 3.10.2017, Revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1 - 1.ª Secção: A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.

Quer isto dizer que, quanto a pedidos e factos a eles relativos, a questão do portão se insere numa questão mais vasta que é a vedação das partes sobrantes e, por apenas ali se aludir a muros (arts. 34.º e 35.º daquele recurso da decisão arbitral pelo expropriado), não quer dizer que não se inclua aí um portão que permita o acesso através dos muros.

Quanto ao entubamento das águas pluviais, trata-se, na verdade, de pedido que não foi efetuado pelo expropriado mas que, como veremos no tratamento da matéria de facto, também não ficou demonstrado.

De modo que, estando nós em condições de conhecer do mérito do recurso, não se impõe anular a sentença por temas que podem ser desde já conhecidos.


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Da impugnação da matéria de facto

Considera a expropriante não ter sido cumprido o disposto no art. 607.º/4 CPC, o que fundamenta na circunstância da motivação da decisão de facto se ter referido genericamente aos documentos dos autos e às explicações dos senhores peritos, sem se ter procedido ao exame crítico exigido pela norma.

A norma em causa constitui um afloramento do disposto no art. 205.º/1 da Constituição, que impõe a fundamentação das decisões dos tribunais na forma prevista na lei ou seja, no caso, na forma prevista no art. 607.º/4 CPC.

Ora, a motivação de facto da sentença recorrida pode não ter sido exaustiva porquanto não efetuou a conexão entre cada facto dado como provado ou não provado e os respetivos e concretos fundamentos probatórios relevantes. Todavia, ainda assim, remetendo desde logo para os documentos dos autos, esclarecimentos periciais e, depois, na própria motivação de direito, adensando as razões de facto, é possível recrutar daí os fundamentos pelos quais o tribunal se convenceu da demonstração de alguns factos e não demonstração de outros.

Vejamos, por isso, cada facto colocado em causa pela recorrente:

O ponto 22 refere-se à perda de valor do anexo, construção correspondente à casa do feitor e armazém de arrumos, existentes na parte nascente/norte.

A sentença não lhe fixou um quantitativo autónomo de desvalorização, integrando-o na depreciação das partes sobrantes, atendendo a que se trata de uma expropriação parcial que divide o terreno ao meio, no sentido norte-sul, mas explicitando que estas estas construções ficaram depreciadas com aquela divisão e aderindo, neste caso, ao acórdão arbitral, decisão que descreve a situação na p. 8 do relatório (com fotografias na p. 9), onde diz:

«A parte sobrante a nascente possui a área de 1.180 m2 conforme medição fornecida pela entidade expropriante e integra um conjunto de construções, de apoio à propriedade e que se afigura possuírem já bastantes anos, designadamente, um anexo junto à estrema norte, dotado de instalação sanitária, um armazém amplo e uma construção junto à estrema sul, dotada de instalação sanitária e que constituía a antiga casa do Feitor. A mina de água, que abastece a Quinta ..., encontra-se localizada entre o armazém e a casa do Feitor, em local dotado de um coberto.»

Acrescentando na p. 15:

E, na p. 18, escreveu-se ali ainda - o que ficou escrito na sentença -, que a depreciação (a perda de interesse económico a que alude o ponto 22) corresponde a uma desvalorização de 15% das construções “defendida quer pelos senhores peritos maioritários, quer pelos senhores árbitros” (neste último caso, veja-se p. 11 do relatório pericial junto a 6.9.2023).

O facto em causa está, assim, justificado, mantendo-se o ponto 22, por corresponder à decisão arbitral e à maioria dos peritos, em fase de julgamento, que não consideraram pertinentes as alegações da expropriante segundo as quais, com a expropriação, a parcela sobrante, a nascente, até ficaria beneficiada.

A expropriante insurge-se contra os pontos 28 a 30 porque neles se diz que, em consequência da expropriação, isto é, passando a via diagonal do interface rodoferroviário sensivelmente a meio (mais para nascente) da propriedade do recorrido, é conclusivo dizer-se que é necessário proceder à vedação com novos muros, na parte poente e na parte nascente. Ora, desde quando a necessidade de construção de uma infraestrutura que resulta do atravessamento do terreno por um interface rodoferroviário constitui um elemento conclusivo?

É evidente que, em retas contas e objetivamente, sendo agora o expropriado proprietário de duas frações de terreno divididas entre si por um interface rodoferroviário (como pode ver-se, por ex., na imagem 3 e na de fls. 17 do relatório pericial junto a 6.9.2023), aumenta a insegurança de cada uma das frações na parte em que confrontam com aquela estrutura rodoferroviária.

E o certo é que os Srs. Peritos não consideram inexistir necessidade destas vedações, o que dizem é que as mesmas estarão asseguradas pela expropriante (?) facto que não resultou provado e nem tal vedação se referirá propriamente às partes nascente e poente do terreno do expropriado atravessadas pela parte expropriada, mas apenas, - segundo se crê ser o normal acontecer nas vedações públicas das vias rodo e ferroviárias (vejam-se os tapumes das imagens 4 e 5 daquele relatório) – na parte tão-só concernente à criação de uma zona de proteção da via e não à criação de uma estrutura de vedação apta a proteger a privacidade dos terrenos de privados.

Além disso, estas vedações são distintas das demais existentes e resultam da própria expropriação.

Por outra parte, quanto ao valor destas vedações, consideramos aceitável, como o fez a primeira instância, a prova pericial resultante do trabalho do perito indicado pelo expropriado, uma vez que os demais, questionados sobre isso, nem subsidiariamente propuseram valores alternativos.

Sendo assim, mantêm-se os pontos de facto em causa.

O mesmo vale para a colocação do portão (que faz parte das vedações a que se referem os arts. 25.º e ss. do recurso da decisão arbitral) referenciado em 31 dos factos provados, resultando a sua necessidade das mesmas circunstâncias expostas pelo expropriado no seu requerimento de 13.12.2023 e o respetivo valor do orçamento junto com esse requerimento.

Mantém-se, assim, este facto.

Quanto ao entubamento da rede de águas pluviais, não vemos, na verdade, fundamentos periciais, documentais ou testemunhais que respeitem a esta necessidade. O orçamento para estes trabalhos encontra-se, de facto, junto ao requerimento de 13.12.2023. Porém, nem o expropriado se refere ao entubamento da rede de águas pluviais (o que se diz em 49.º e ss. do recurso da decisão arbitral respeita à reposição do abastecimento de água da mina à parte sobrante e não ao entubamento da rede de águas pluviais), nem o requerimento de 13.12.2023 diz mais sobre isso do que “Para além disso, considerando a situação atual do edifício é, ainda, necessário proceder ao entubamento da rede de águas pluviais”. Ademais, quanto ao pedido em 49.º e ss. do recurso da decisão arbitral foi dado como não provado o que consta em 6 e 7 dos factos não provados.

Por essa razão, decide-se eliminar dos factos provados o ponto 32.

Fundamentos de direito

Prescindimos do enquadramento jurídico atinente à expropriação e à justa indemnização devida, remetendo para a sentença proferida, exaustiva e suficiente neste tocante.

Passemos, por isso, à análise da argumentação da expropriante sobre a aplicação dos critérios indemnizatórios atinentes a cada prejuízo causado pela expropriação.

Da indemnização do solo expropriado

A sentença fixou a tal respeito € 14.019,13, correspondentes a € 12,71/m2, aplicados aos 1.103 m2 expropriados.

A sentença fez exata referência ao art. 23.º/CE e ao objetivo da indemnização: a indemnização visa “ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública”. Aludiu ao valor de mercado do bem expropriado e à reposição que se impõe do património daquele.

Depois, tomou em conta o disposto no art. 25.º quanto à classificação daquele solo em concreto, qualificando-o como “solo apto para outros fins” (n.º 3 daquele normativo).

O que a expropriante não aceita é que o valor por m2 deste terreno corresponda a € 12, 71/m2 e propõe, ao invés, 10, 33/m2, considerando o uso normal do solo, nos termos do art. 27.º/3 CE.

Neste ponto aderimos completamente ao que refere a sentença a este respeito.

Diz-se ali o seguinte:

«No caso, face à ausência dos elementos previstos no n.º 1, do citado preceito [27.º], os Exmos. Srs. Peritos, com exceção do perito nomeado pela entidade expropriante, ponderadas todas as características do terreno, designadamente a sua fertilidade, abundância de água, morfologia, altimetria, condições de acesso, constituição geológica e a distância aos centros de consumo, consideraram uma rotação bianual com produção de milho e azevém no primeiro ano e de batata e couve penca no segundo, o rendimento potencial da mesmo para o fim utilizado, a capitalização do rendimento a que aplicaram uma taxa de 4% e atribuíram, um valor ao solo de 12,71 por m2. Ademais, consideraram o valor total da parcela expropriada atendendo ao seu potencial agrícola independentemente de parte da parcela de encontrar ocupada com construções de apoio a tal atividade. O critério dado parece-nos adequado já que a parcela há-de ser avaliada na sua totalidade e as benfeitorias em separado descontando nestas o valor do solo.»

Ora, conforme se explica no ac. RG, de 1.6.2017, Proc. 1446/09.4TBBCL.G1: “as conclusões apresentadas pelos peritos – unanimemente ou por maioria, preferindo-se as que provêm dos peritos nomeados pelo tribunal, pela maior equidistância relativamente às partes – só devem ser afastadas se o julgador, nos seus poderes de livre apreciação da prova, decorrentes dos art.º 607, n.º 5 e 489 do Código de Processo Civil, constatar que foram elaboradas com base em critérios legalmente inadmissíveis ou desadequados, ou quando se lhe deparam erros ou lapsos evidentes, que importem correção. E se é certo que o tribunal não deve aceitar acriticamente os elementos fornecidos pelos Srs. Peritos, é também certo que os Srs. Juízes não devem substituir-se aos peritos, cedendo à tentação de emitir juízos valorativos de carácter eminentemente técnico, para o qual não estão – nem têm de estar – vocacionados”.

Apesar de o art. 389.º CC estabelecer ser a força probatória das respostas dos peritos livremente fixada pelo tribunal, a verdade é que “a liberdade de apreciação das respostas dos peritos não se traduz na substituição daqueles pelo juiz, mas antes na valoração que este deve fazer dessas respostas considerando a respetiva fundamentação, a sua coerência lógica, a diligência adotada pelos peritos na realização da perícia e as demais provas produzidas”[4].

Por este motivo, para que o tribunal a quo se afastasse do laudo dos quatro peritos – nomeadamente em benefício das conclusões díspares a que chegou o perito indicado pela expropriante – seria necessária outra prova de idêntico valor ou conclusão que se impusesse de forma objetiva e lógica sobrepor-se-lhe em termos evidentes, o que não se verifica.

Para além disso, não se vê que na fundamentação deste valor, os peritos maioritários tenham considerado as benfeitorias de uma forma dupla.

Falece, pois, este argumento da expropriante no tocante ao valor do solo expropriado.

Valor das benfeitorias

Neste particular, o tribunal divergiu do relatório pericial (que as fixava em € 20.847, 50), fixando-as em € 42.605,00.

Também aqui aceitamos as razões coerentemente expostas pelo tribunal recorrido.

As benfeitorias são as seguintes:

Existiam 2 maceiras com DAP de 25 cm; 2 laranjeiras; 1 nogueira; 2 macieiras; 1 clementina com DAP 20 cm; 1 laranjeira com DAP 20 cm; 2 pessegueiros com DAP 15 cm; 2 laranjeiras DAP 15 cm; 1 tília com DAP de 30 cm; 1 poço; 1 anexo; 1 anexo sem cobertura; 1 muro em blocos de cimento, no limite norte com a parcela n.º ..., com cerca de 1 m de altura a partir da cota e 1 m de rede em malha; 180 m2 de pavimento em cimento; 1 videira e 4 esteios espaçados com cerca de 1,5 m em 90 m2 de vinha em latada.

Existiam duas fossas de esgoto sumidouros com dimensão aproximada de 2 m x 2m e profundidade de cerca de 1,5 m, que recebem os esgotos das instalações sanitárias das duas construções sitas a nascente (anexo junto à estrema norte e casa do Feitor) não mencionadas no auto de Vistoria “Ad Perpetuam Rei Memoriam”, mas mencionadas no acórdão arbitral, resultado da perceção direta dos Srs. Árbitros quanto à sua existência.

Acrescenta a sentença:

«As benfeitorias não foram percecionadas pelos Senhores Peritos pois que à data da visita ao prédio já as mesmas haviam sido destruídas.

Acresce que a disparidade de valores relativamente ao acórdão arbitral não encontra justificação face à atual conjuntura em que o valor das construções é cada vez mais elevado.

Note-se que o facto de as benfeitorias ocuparem o solo agricultável não lhes retira qualquer valor e o facto de, eventualmente, não estarem legalizadas não significa que não devam ser indemnizadas. Com efeito, conforme se defende no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24.05.2021, ainda que não legalizadas as construções podem ser objeto de reposição da legalidade administrativa mediante o procedimento previsto no artigo 106.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Edificação e Urbanização, aprovado pelo Decreto-lei nº 555/99, de 16 de dezembro, que confere ao proprietário a possibilidade de evitar a demolição de uma obra se esta for suscetível de ser licenciada ou objeto de comunicação prévia ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correção ou alteração.

Ora, analisado o relatório pericial não resulta justificado nem os Senhores Peritos o justificaram em esclarecimentos prestados que, por exemplo, o muro em blocos de cimento tenha o mesmo valor que um muro em blocos de cimento encimado por rede de malha. Por outro lado, o referido muro em blocos de cimento com 31,5 m na realidade é um muro em pedra e blocos de cimento, encimado por rede metálica em malha plastificada.

Note-se que relativamente a este muro não resultou provado que o mesmo faça parte da parcela n.º ... e como tal não seja propriedade do expropriado.

Ora, na ausência de qualquer critério que justifique os valores atingidos pelos Senhores Peritos no relatório pericial maioritário e atendendo às mencionadas discrepâncias afigura-se-nos que os valores constantes do relatório arbitral, baseado na perceção direta da realidade, se revelam mais proporcionais e ajustados à realidade das benfeitorias do que os valores do relatório pericial.

Assim, atento o exposto deverão as benfeitorias ser indemnizadas pelo valor de 42.605,00 €.»

Quer isto dizer que o argumento da expropriante segundo o qual, existindo vaprm, não ficam impedidos os peritos, em fase de julgamento, de dela divergir, obtendo daí os elementos de facto de que necessitam para decidir, sendo verdade, não impede se considere que quem observou de perto as benfeitorias, as discriminou e avaliou, antes da concretização dos trabalhos de expropriação, não está em melhor posição para exatamente as avaliar de acordo com um critério mais ajustado à realidade existente.

O que vale para os muros, para o pavimento em cimento e para as árvores, que foram avaliadas em época mais próxima à DUP.

Mantém-se, por isso, tal valor.

Quanto à avaliação do solo na totalidade e das benfeitorias, não se nos afigura que o acórdão arbitral tenha avaliado o solo apenas em 860 m2, para reservar o restante (243 m2) para as benfeitorias. É que uma coisa é o solo em si, que foi expropriado e deixou de existir na titularidade do expropriado, exatamente, em 1.103 m2 e outra, muito diferente, as benfeitorias aí implantadas e agora mencionadas (fora que as que veremos infra). Um (solo) e outras (benfeitorias), têm valores autónomos e indemnizáveis de modo independente. Um solo que, num momento, está impermeabilizado, continua a ter potencialidade de utilização agrícola, não sendo de desconsiderar o preço da parte que, na altura, não está sendo utilizada para exploração agrícola.

É também improcedente, neste tocante, o recurso da expropriante.

Da desvalorização da parte sobrante nascente

No tocante à desvalorização da parte nascente, o tribunal aplicou a metodologia do art. 29.º CE e concluiu por uma indemnização de € 21.825,00.

A expropriante pretende se não fixe qualquer indemnização a tal título.

Sendo o n.º 3 deste normativo, Não haverá lugar à avaliação da parte não expropriada, nos termos do n.º 1, quando os árbitros ou os peritos, justificadamente, concluírem que, nesta, pela sua extensão, não ocorrem as circunstâncias a que se referem as alíneas a) e b) do n.º 2 e o n.º 3 do artigo 3.º, normativos estes que dispõem:

2 - Quando seja necessário expropriar apenas parte de um prédio, pode o proprietário requerer a expropriação total: a) Se a parte restante não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio; b) Se os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriado, determinado objectivamente.3 - O disposto no presente Código sobre expropriação total é igualmente aplicável a parte da área não abrangida pela declaração de utilidade pública relativamente à qual se verifique qualquer dos requisitos fixados no número anterior.

O disposto nestes últimos normativos não se verifica pelo que é de aplicação o n.º 1 do art. 29.º CE: Nas expropriações parciais, os árbitros ou os peritos calculam sempre, separadamente, o valor e o rendimento totais do prédio e das partes abrangidas e não abrangidas pela declaração de utilidade pública.

Afirma a recorrente que não pode conferir-se desvalorização às edificações ali existentes porquanto se trata de área non aedificandi (RAN) e não está demonstrado que as construções tenham sido autorizadas.

É sabido que a construção em RAN pode ser admitida excecionalmente, segundo resulta da legislação aplicável.

Estes terrenos nunca podem, porém, ser considerados solos aptos para construção (ac. fixação de jurisprudência de n.º 6/2011, em DR, 1.ª série, de 17.5.2001).

Na verdade, O facto de um terreno, integrado na zona RAN, não apresentar aptidão agrícola não significa, sem mais, que tem ou possa ter aptidão edificativa, porquanto um solo para outros fins não se esgota num aproveitamento agrícola ou florestal, podendo ter outros aproveitamentos como estaleiro, parque de máquinas, depósito de materiais a céu aberto, colocação de cartazes publicitários, etc. A circunstância de a Entidade Regional da Reserva Agrícola, em data anterior à da publicação da DUP, ter dado parecer prévio positivo à construção de uma estação de tratamento de resíduos sólidos, ao abrigo das exceções consignadas no art. 22º, nº 1, do regime da RAN (DL 73/2009, de 31.3), não implica, de per si, que a parcela em causa deixou de estar afeta à RAN; nem aquele parecer importa que se tenha alterado a natureza da área em causa, ou seja, que a parcela expropriada tenha deixado de ser automaticamente um prédio rústico/agrícola, como era antes de tal parecer, passando agora a ser necessariamente um solo urbano/apto para construção (ac. RC, de 7.5.2013, Proc. 2138/11.0TBFIG.C1).

Quer isto dizer que o solo em causa não foi considerado, nem poderia ser, solo apto para construção e mesmo que estivesse demonstrada a autorização prévia para as edificações, nem por isso o solo em causa passaria a ter natureza diferente da que lhe foi fixada.

Porém, independentemente disso, o que os peritos designados pelo tribunal consideraram foi que o terreno sobrante, a parcela a nascente, fica sem acesso à parcela sobrante a poente (concluindo por um valor de indemnização de € 2.249,67, correspondente à depreciação em 15% do solo nessa parte mercê das distâncias acrescidas).

Já na vaprm, os árbitros tinham considerado uma indemnização de € 26.250,00, correspondente a uma depreciação de 15% do valor das construções.

O tribunal optou por uma indemnização de € 21.825,00, com fundamento em desvalorização de 15% do valor de algumas construções.

Afigura-se-nos não ser de aderir aqui à posição defendida pelo tribunal.

Há aqui duas situações distintas a considerar:

O solo da parcela nascente fica depreciado em 15% face ao aumento das distâncias (vejam-se pontos de facto 24 a 27) e a indemnização justifica-se ao abrigo do disposto no art. 29.º/1 CE.

Foi isso que consideraram os peritos designados pelo tribunal: uma depreciação da parcela sobrante na ordem dos 15%.

A parcela sobrante, a nascente, tem 1180 m2 de área. Se ao solo corresponde um valor de € 12, 71, então essa parcela valeria, em termos de solo, € 14.997, 80. Logo, com 15% de desvalorização, obter-se-iam os € 2.249, 67, alcançados pelos peritos designados pelo tribunal.

É este o valor da depreciação do solo da parcela nascente em função do aumento das distâncias, sendo este o valor a reparar (29.º/1 do CE).

Mas esta parcela não perdeu só por força do aumento das distâncias quanto ao solo.

Ali também existem benfeitorias que ficaram desvalorizadas, que são as construções que foram dados como provadas em 22 (anexo, casa do feitor e armazém de arrumos) e que perderam parte do seu interesse económico (que é diferente do interesse económico do solo agrícola) pela dificuldade de acesso às mesmas e pelo seu distanciamento quanto ao restante da Quinta ..., mormente à parte onde se acha a piscina e a zona onde vivem os pais do expropriado (pontos 24 a 27). Esta desvalorização merece indemnização ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 29.º CE.

Neste caso, o valor a considerar, em termos de depreciação, é o das edificações existentes num solo que se situa em zona de RAN, zona non aedificandi e que assim continua a ser, mesmo que se tivesse demonstrado – e não demonstrou – ter sido concedida autorização excecional prévia para as construções.

Quid iuris quanto ao valor destas três construções (são três as mencionadas em 22 que se viram depreciadas)?

Veja-se o ac. TC 469/2007, de 25.06.2007 que decidiu deste modo:

Julgar inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, acolhida no acórdão recorrido, segundo a qual o valor da indemnização devida pela expropriação, para construção de um terminal ferroviário, de um terreno, que objetivamente preenche os requisitos elencados no n.º 2 do artigo 25.º para a qualificação como “solo apto para a construção”, mas que foi integrado na Reserva Agrícola Nacional por instrumento de gestão territorial em data posterior à sua aquisição pelos expropriados, deve ser calculado de acordo com os critérios definidos no artigo 27.º para os “solos para outros fins”, e não de acordo com o critério definido no n.º 12 do artigo 26.º, todos do referido Código.

Tome-se em conta, ainda, o ac. TC 37/2011, de 25.1.2011:

Tem decidido esta 2.ª Secção que está ainda dentro de um equilíbrio razoável a solução estatuída, no n.º 12 do artigo 26.º, para situações, como a dos autos, em que se conjuga a aptidão construtiva, pelos padrões do artigo 25.º, n.º 2, com a afetação, por via legal ou regulamentar, a fim diverso da construção. Tem sido entendido que a previsão de uma indemnização mais favorável, para o expropriado, do que a resultante da classificação como “solo apto para outros fins”, mas menos favorável do que a atribuível pelas regras gerais decorrentes do reconhecimento da edificabilidade contempla adequadamente ambos os fatores, não negando a relevância que cabe a cada um deles. Nos termos do Acórdão n.º 469/2007, pronunciando-se sobre a expropriação de um prédio incluído em RAN, estamos perante «uma solução que se reputa adequada à salvaguarda do direito à justa indemnização dos expropriados, com respeito pelo princípio da igualdade».

Mas a interpretação que presidiu ao acórdão recorrido desconsiderou totalmente a circunstância de o terreno se encontrar classificado em PDM como “área florestal estruturante”, limitando-se a aferir da existência dos elementos do artigo 25.º, n.º 2, alínea a). Ao apelar unicamente para a verificação desses elementos, efetuou uma classificação do solo como apto para construção, nos mesmos termos que seriam aplicáveis a um solo que, detendo idêntica potencialidade edificativa, não estivesse sujeito a semelhante vinculação normativa (em PDM), limitativa dessa mesma potencialidade.

Ora, ao tratar de forma idêntica duas situações diferentemente valoráveis, o tribunal recorrido está simultaneamente a conceder uma vantagem excessiva ao expropriado, facultando-lhe a perceção, por força da expropriação, de uma indemnização de valor manifestamente superior à contrapartida ao seu alcance, fora da relação expropriativa, à data em que esta se constituiu.

Resulta, pois, violado o critério da justa indemnização, com desrespeito pelo princípio da igualdade”.

Quer isto dizer que o princípio constitucional da justa indemnização não pode desvalorizar as duas circunstâncias: o facto de o terreno não ser destinado à construção, como não é neste caso, mas também o de aí se encontrarem edificações, ficando um e outras desvalorizadas pela expropriação e sendo que se deram como provados factos (4 a 6, 11, 12 e 13) dos quais resulta que, não obstante administrativamente se tratar de zona non aedificandi, se verificam as als. a) e b) do art. 25.º CE.

Isto é, a expropriante não pode obter uma vantagem sobre o expropriado pelo facto de este, eventualmente, ter procedido contra normas administrativas que proíbem a construção no terreno, como se lhe coubesse a ela sancionar e como se de coima se tratasse aquele procedimento putativamente ilícito.

A justa indemnização pressupõe que a indemnização pela desvalorização se situe entre o que é a depreciação do solo e a depreciação das construções em função da envolvência (habitações unifamiliares dispersas) destas e das infraestruturas existentes.

E, neste tocante, quer os árbitros, quer os peritos maioritários entenderam que solo e construções ficaram desvalorizados em 15%, quer porque se aumenta e dificulta o acesso a esta parte nascente, quer porque as edificações deixam de ter o valor que tinham de apoio à propriedade que ficou a poente.

Deste modo, a justa ponderação dos interesses sacrificados ao expropriado ficará situada entre o que os árbitros consideraram depreciação das construções - € 26.250,00 - daqui se excluindo o coberto referido pelos árbitros e não demonstrado em 20 e 22, coberto este avaliado pelos árbitros em € 7.500 e com desvalorização de 15% (= € 6.375,00), o que determinaria uma indemnização de € 19.875,00[5] – e o que ficou fixado para a desvalorização do solo nesta área ocupada por estas três construções, área esta que totaliza 535 m2 x € 12,71 – 15% = € 1120,00, o que finaliza numa indemnização de € 18.755,00.

Da indemnização para a construção de novas vedações e portão

Trata-se, neste caso, de vedações e portão que se tornam necessários para separar as duas parcelas sobrantes da parte expropriada onde será implantado o interface rodoferroviário, pelo que não se verifica duplicação de indemnizações, tratando-se de um prejuízo ou encargo enquadrável no art. 29.º, n.º 2 do CE.

Estes factos e valores ficaram demonstrados como já se disse em sede de impugnação da decisão de facto (a indemnização corresponde a € 30.885,84).

É improcedente o recurso nesta parte.

Já é procedente o recurso no tocante ao entubamento das águas pluviais (€ 3.255,00), pelas razões já expostas na decisão sobre a impugnação de facto e sendo de excluir indemnização a este título.

Da atualização da indemnização

O tribunal recorrido aplicou a posição exposta no ac. uniformizador de jurisprudência 7/2001, segundo o qual Em processo de expropriação por utilidade pública, havendo recurso da arbitragem e não tendo esta procedido à atualização do valor inicial, o valor fixado na decisão final é atualizado até à notificação do despacho que autorize o levantamento de uma parcela do depósito. Daí em diante a atualização incidirá sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado; tendo havido atualização na arbitragem, só há lugar à atualização, desde a data da publicação da declaração de utilidade pública até à decisão final, sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado.

O tribunal a quo decidiu, a final, atualizar o valor total da indemnização desde a DUP até ao trânsito em julgado da decisão final.

A recorrente entende que essa atualização ocorre desde a DUP até 18.10.2022, altura em que foi atribuído ao expropriado a quantia € 23.251,00 e, a partir daí, sobre o valor final da indemnização diminuída daquela quantia.

Sobre este aspeto regula o art. 24.º, n.º 1 CE: O montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo atualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.

Quer dizer que a atualização se inicia desde a data da DUP até à notificação do despacho que autorize o levantamento de uma parcela do depósito, contabilizando-se sobre tal depósito.

A 18.10.2022, foi proferido o seguinte despacho:

Ao abrigo do disposto no artigo 52.º, n.º 3, do Código das Expropriações, atribuo ao expropriado o montante sobre o qual se verifica acordo, ou seja, a quantia de 23.251,00 €, procedendo-se à retenção da quantia provável das custas do processo.

Este despacho foi notificado ao expropriado por carta remetida a 24.10.2022, considerada recebida a 27.10.2022, razão pela qual, sobre aquela quantia, a atualização ocorrerá desde a DUP (3.5.2021) até 27.10.2022, e desde 28.10.2022 até ao trânsito em julgado, sobre o demais que vier a ser fixado.

Do recurso subordinado

Da desvalorização da parte sobrante nascente

Quanto a este tema já nos pronunciámos antes, a respeito do recurso da expropriante, sendo certo que nada nos autos existe que imponha a consideração de valores para as construções diferentes das propostas pelos árbitros e, menos ainda, a desvalorização de 40% defendida pelo perito indicado pelo expropriado.

Pelo que o valor de € 85.733,07, que o expropriado pretende a este propósito surge manifestamente exagerado face aos factos apurados e ao critério que se aplica tendo em vista tratar-se de zona non aedeficandi.

Por outro lado, no calcula acima exposto, considerámos a casa do feitor, tal como os árbitros, apenas se não considerando o coberto porque não constante do ponto 22 como tendo ficado desvalorizado.

Por este motivo, é de improceder o recurso subordinado.

Dispositivo

Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar parcialmente procedente o recurso da expropriante e, assim, revogar parcialmente a sentença, condenando a expropriante a pagar ao expropriado a indemnização de € 108.514,64, acrescida de atualização de acordo com a evolução do índice dos preços no consumidor, publicado pelo INE, com exclusão da habitação, desde 3.5.2021 até 27.10.2022, sobre a quantia de € 23.251,00, e desde 28.10.2022 até ao trânsito em julgado da decisão final, sobre a quantia restante agora fixada.

Julga-se improcedente o recurso subordinado.

Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento.


Porto, 11.12.2024
Fernanda Almeida
Teresa Pinto da Silva
José Nuno Duarte
_______________
[1] Acrescentamos o seguinte à matéria de facto porque resulta da decisão arbitral e não foi posto em causa, as seguintes áreas: - Anexo, junto à estrema norte — 30 m2
- Armazém amplo — 450 m2
- Casa do Feitor — 55 m2
- Coberto — 75 m2
[2] Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 4.ª Ed., p. 736-737.
[3] Ac. RL, de 9.7.2014, Proc. 1021/09.3T2AMD.L1.1: A nulidade referida no artº 615º nº 1, al. c) do Código de Processo Civil (é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível) está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos artºs. 154º e 607º nºs. 3 e 4, de o Juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a Sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor), não ocorrendo essa nulidade se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável, ou se errou na indagação de tal norma ou da sua interpretação.
[4] Rita Gouveia, anot. ao art. 389.º CC, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, p. 883.
[5] A casa do feitor, mesmo não tendo utilização, continua a existir e a ser propriedade do expropriado que lhe dá a utilização que entender dentro dos poderes de gozo e fruição que lhe cabem.