ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
NATUREZA E REGIME DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR PÚBLICAS
SUJEIÇÃO AOS RESPETIVOS REGULAMENTOS
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA RETROATIVIDADE DA LEI
Sumário

I - A reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º do CPC, não pode confundir-se com um novo julgamento pressupondo, por isso, que a recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, apontando com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da proferida em 1ª instância e indique a resposta alternativa que pretende obter, em cumprimento dos ónus que lhe são impostos pelo art. 640º do mesmo código, sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto.
II - A inobservância, pela recorrente, daqueles ónus a que alude o art. 640º, nº 1 e 2, importa que se rejeite o recurso, na parte, em que se impugna a decisão de facto.
III - A recorrente, para que se considerem cumpridos os ónus legais, a que alude o art. 640º, do CPC, terá de alegar e indicar, sempre, nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, conforme previsto na al. a) do nº 1 daquele artigo, sob pena de rejeição do recurso, uma vez que são aquelas que definem o objecto do recurso.
IV - As instituições de ensino superior públicas são pessoas coletivas de direito público, embora possam também revestir a forma de fundações públicas com regime de direito privado, nos termos da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro (RJIES), que regula o respetivo regime, incluindo a respetiva constituição, atribuições e organização, bem como o seu funcionamento e a competência dos seus órgãos, além da tutela e fiscalização pública do Estado.
V - Gozando de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar face ao Estado, com a diferenciação adequada à sua natureza, embora estejam sujeitas à tutela governamental, no que se refere especificamente às fundações, quanto ao respetivo regime jurídico, resulta do RJIES que as mesmas se regem pelo direito privado, nomeadamente no que respeita à sua gestão financeira, patrimonial e de pessoal, com as ressalvas aí estabelecidas.
VI) - stando em causa fundação pública, com regime de direito privado, está também sujeita aos respetivos estatutos e Regulamentos, atendendo ao que resulte, nomeadamente, de regulamento que defina e regule o regime de carreiras, retribuições e contratação de pessoal não docente e não investigador em regime de contrato de trabalho, celebrado ao abrigo do Código do Trabalho.
VII - Nas circunstâncias referidas em VI), a menção, constante de regulamento, de que a retribuição a que o trabalhador tem direito tem como referência a retribuição mensal para idêntico conteúdo funcional e responsabilidade dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas, não permite ter como aplicável o que resultava do n.º 7 do art.º 38.º, da LGTFP, quando seja de se concluir que naquele regulamento, incluindo seus anexos, se pretendeu regulamentar, de modo expresso, toda a matéria relacionada com os montantes pecuniários correspondentes a cada um dos níveis retributivos, esses a aplicar também de acordo com tabela de posições e níveis retributivos das carreiras aí inserida, e, ainda, por referência ao que aí se fez constar sobre caracterização das carreiras em regime de contrato de trabalho.
VIII - O referido em VII) não viola o princípio constitucional da igualdade, pois que só podem ser censuradas, com fundamento em lesão desse princípio, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem.
IX - Dado estar-se perante regulamentação de um direito (o direito a uma concreta remuneração em função do grau académico do trabalhador), a aplicação do art. 38º, nº7 da LTFP, (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, - art. 38.º, n.º 7, recentemente revogado pela Decreto Lei n.º 13/2024, de 10 de janeiro -), a trabalhadores cuja relação de trabalho se tenha constituído em momento anterior à entrada em vigor daquela LTFP, não configura violação do princípio da proibição da retroactividade da lei, atento o disposto no art. 9º da mesma Lei e na 2ª parte do nº 2 do art. 12º do CC.

( (Da responsabilidade da Relatora) nos termos do disposto no art. 663º, nº 7, do CPC, em parte, seguindo de perto o sumário do acórdão de 30.09.2024, Proc. nº 2189/23.1T8AVR.P1, que supra se transcreveu em parte)

Texto Integral

Proc. Nº 3050/23.5T8AVR.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca ... Juízo do Trabalho ... - Juiz 2




Recorrentes: AA e Universidade ...
Recorridas: Universidade ... e AA



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto


I – RELATÓRIO

A A., AA, contribuinte fiscal n.º ...65, residente na Rua ..., ..., ..., ... ..., instaurou acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra a Ré, Universidade ..., pessoa coletiva n.º ...08, com sede no ..., ... ..., na qual pede que, “deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e, em consequência:
a) Ser a R. condenada a fixar a retribuição base da A. em €1.543,88 sem prejuízo da progressão salarial que possa vir a ter;
b) Ser a R. condenada a pagar à A. a diferença entre a retribuição base mensal que pagou à A. entre junho de 2008 e maio de 2023 e a que lhe devia ter pago, diferencial esse que se quantifica em €30.995,34;
c) Ser a R. condenada a pagar à A. a diferença entre a retribuição base mensal que vier a pagar a A. e aquela que deveria pagar, até ao momento em que fixar a retribuição base desta em €1.543,88;
d) Ser a R. condenada a pagar à A. o montante global de € 5.295,61, a título de subsídio de férias e natal referente aos anos 2008, 2009 a 2018, 2019, 2020 a 2021 e 2022;
e) Tudo isto, acrescido dos respetivos juros legais.”.
Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que celebrou com a R. um contrato por tempo indeterminado em 2008, e que em 2009 celebraram um novo contrato, este de funções públicas, entre a 1.ª e a 2.ª posições remuneratórias, que foi sofrendo alterações, sendo que sempre desempenhou as mesmas funções para a ré, e sob o seu controlo hierárquico.
Mais, alega ser titular de uma licenciatura em Economia desde 16/01/2003, reclama pelo menos a 2.ª posição remuneratória com efeitos retroativos a junho de 2008, e afirma que a ré não valoriza o grau académico dos seus trabalhadores. Mais reclama que, a partir de janeiro de 2019, passe a receber pela 3.ª posição remuneratória, já que a sua posição foi revista para a 2.ª, e os demais créditos salariais provenientes das diferenças remuneratórias.
Alega, também, que lhe deve ser aplicada a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, pois a contratação ao abrigo do direito privado, cf. contemplado no regime jurídico das instituições do ensino superior, não o prejudica e reclama a aplicação do princípio trabalho igual, salário igual, para fundamentar a aplicação.

*
Realizada a audiência de partes, nos termos que constam da acta datada de 28.09.2023, não foi possível a sua conciliação tendo a ré, notificada para o efeito, apresentado contestação, por excepção e impugnação, invocando a incompetência material do tribunal, a inimpugnabilidade e aceitação dos actos administrativos que integraram o procedimento concursal e o abuso de direito.
Alegou, em síntese, que a autora se submeteu a um procedimento concursal, munida de toda a informação sobre funções e remuneração, o qual não impugnou, e que esta aceitou as condições pelas quais se vinculou. Que nesse contexto celebrou um contrato individual de trabalho, sujeito ao regulamento então em vigor.
Mais, alega que, a partir de 2009, a autora transitou para uma relação jurídica de emprego público, transição de que foi informada e que não impugnou, tendo ingressado na posição de assistente técnico, com a correspondente posição remuneratória e que a partir desse momento, passou estar abrangida pelas normas jurídicas aplicáveis aos trabalhadores em funções públicas.
Prossegue, acrescentando que, os atos administrativos pelos quais a autora se vinculou à ré já não podem ser impugnados, pelo que a situação da autora se encontra estabilizada, invocando, assim, a caducidade do direito de ação e a inimpugnabilidade dos atos.
Invocou, ainda, a incompetência material deste Tribunal, a existência de questões prejudiciais relacionadas com os atos administrativos que se mencionou, e o abuso de direito da autora, ao peticionar o reconhecimento de direitos contra o que expressamente aceitou naqueles procedimentos concursais. Acrescenta a inaplicabilidade do regime previsto para a administração pública à relação sub iudice, estabelecida entre as partes em 2008, altura em que a ré se regia já pelo regime jurídico das instituições do ensino superior. E que, a partir de 2009, com a transição da ré para o regime de fundação pública com regime de direito privado, passou a ser disciplinada por normas e princípios de direito privado, temperados por normas de direito público, e que, nessa medida, se encontra excluído o pessoal não docente. Adita que o contrato da autora, não tendo nascido como vínculo de emprego público, não pode beneficiar do disposto no artigo 134.º, n.º 4 do RJIES.
E alega, ainda, que o regulamento da ré instituiu, ao abrigo da norma do regime jurídico das instituições do ensino superior que permite a livre definição das carreiras e do regime remuneratório, normas que impõem o ingresso na 1.ª posição remuneratória.
Conclui que, “devem ser julgadas procedentes as exceções invocadas (de incompetência do tribunal, de prejudicialidade das questões, de inimpugnabilidade e aceitação dos atos administrativos e de abuso de direito);
Ou, quando assim se não entenda,
Deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada.”.
*
A A. respondeu, alegando que o Tribunal é competente e pugnando que devem ser julgadas improcedentes as excepções invocadas pela R..
Defende, ainda, que a R. deve ser condenada como litigante de má-fé, em quantia não inferior a €5.000,00, porque com dolo ou negligência grave, suscita questões, sem fundamento sério, com vista a conseguir, em termos flagrantes e ostensivos, um objetivo ilegal, entorpecer a ação da justiça ou protelar/impedir a prolação da decisão, assim fazendo dos meios processuais uso manifestamente reprovável.
*
Nos termos do despacho datado de 13.11.2023, dispensada a realização de audiência prévia, foi fixado o valor da acção em €36.290,95, julgada improcedente a suscitada excepção da incompetência material. (Decisão que foi objecto de recurso e apreciada, foi confirmada nesta Relação).
Por outro lado, decidiu-se improcederem as supramencionadas exceções e nulidade por erro na forma de processo.
E, por fim, no que se refere à prescrição e ao abuso de direito, na consideração de que, carecem de prova relegou-se para sentença a decisão quanto às duas referidas excepções.
Mais, dispensou-se a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas de prova.
*
Os autos prosseguiram para julgamento e realizada a audiência de discussão, nos termos documentados na acta junta, em 07.02.2024, foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, julga-se a ação parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência, condena-se a ré:
a) a reconhecer à autora a retribuição base no valor de € 1.201,48 (mil duzentos e um euros e quarenta e oito cêntimos), desde 01 de julho de 2014, sem prejuízo da sua progressão salarial;
b) a pagar à autora a quantia correspondente à diferença entre a retribuição mensal e os subsídios de férias e de natal que lhe pagou desde 01 de julho de 2014 e os que deveria ter pago, em função da retribuição mensal agora reconhecida à autora, cuja quantificação se relega para incidente de liquidação de sentença, e sem prejuízo da sua progressão na carreira;
c) a pagar à autora os juros de mora, vencidos desde a data de vencimento de cada um dos créditos, até efetivo e integral pagamento, atualmente fixada em 4% ao ano (nos termos da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril), absolvendo-se a ré do demais peticionado.
Mais se decide não conceder provimento ao pedido de condenação da ré por litigância de má fé.
Custas processuais a cargo de autora e ré, na proporção do respetivo decaimento, que se cifra em 90,8% e 9,2%, respetivamente.
Registe e notifique.”.
*

Inconformada a A. interpôs recurso, nos termos das alegações juntas que, terminou com as seguintes: “CONCLUSÕES
1. Na sentença recorrida fez o Tribunal a quo uma errada apreciação da prova, dando como não provados factos que deveriam ter sido considerados provados, e é feita uma errada aplicação do Direito, devendo a sentença ser revogada e substituída por outra que condene a Recorrida de todos pedidos contra ela formulados.
2. Tendo em consideração o grau de habilitações académicas da Recorrente, as funções por ela exercidas, o horário praticado, a sua experiência de trabalho e o desgaste físico e psicólogo que sobre ela recaía, desde o início da relação laboral estabelecida com a Recorrida, a Apelante, enquanto trabalhadora, foi e é alvo de discriminação de índole salarial, porquanto, demais recursos da Universidade ..., com exatamente o mesmo grau de habilitações académicas, as mesmas funções, a mesma experiência e desgaste físico e psicológico, auferem remunerações consideravelmente mais elevadas sem, contudo, haver fundamentação justificada e plausível para o efeito.
3. Pese embora a premissa “trabalho igual, salário igual”, a Universidade ... nunca logrou justificar o patente factor de discriminação e diferenciação entre o tratamento salarial da Recorrente e de demais trabalhadores que, muito embora, exerçam as mesmas funções que a Recorrente, tenham grau de habilitações académicas igual ou inferior, o mesmo horário, a mesma experiência e o mesmo desgaste físico e psicológico que a Recorrente, auferem remunerações consideravelmente mais elevadas.
4. Os contratos de trabalho aqui em causa, materialmente, não comportam qualquer diferenciação entre si, quer quanto ao objeto material, quer quanto ao objeto funcional, pois a Recorrente sempre exerceu, de forma contínua e ininterrupta, as suas funções, não tendo havido, no plano material, qualquer suspensão ou pausa na relação jus-laboral com a Recorrida, ou seja, substancialmente não se verificou qualquer alteração na relação jurídica existente entre a Apelante e a Universidade ....
5. A estratégia da Recorrida, de se socorrer de diferentes formas de contratação, quando, materialmente, a relação laboral estabelecida com os seus trabalhadores se mantem ao longo dos anos, não passa de uma verdadeira manobra de “dissimulação” de vínculos laborais contínuos, com os seus trabalhadores, em violação do artigo 129.º, n.º 1, alínea j) do Código do Trabalho.
6. Os pedidos formulados pela Autora Recorrente, bem como a factualidade que constitui a sua causa de pedir, assenta no posicionamento remuneratório que lhe foi atribuído, enquanto Técnica Superior, devendo este posicionamento, na verdade, ter sido equiparado ao dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas, com base no princípio da igualdade de tratamento a nível retributivo previsto em disposições do Código do Trabalho e em disposições dos Regulamentos Internos da Recorrida que, por sua vez, definem e regulam o regime de carreiras, de retribuições e de contratação de pessoal não docente e não investigador da Universidade ..., em regime de contrato de trabalho, celebrado ao abrigo do Código do Trabalho.
7. O posicionamento retributivo em que a Recorrente foi contratada afronta o princípio da igualdade, na sua vertente “para trabalho igual, salário igual”, e a diferenciação de posicionamento remuneratório é ILEGAL.
8. Apesar da Recorrente exercer exatamente as mesmas funções e tarefas, ter as mesmas habilitações académicas e o mesmo desgaste físico e psicológico que outros trabalhadores da Universidade ..., a verdade é que estes foram colocados em posição remuneratória mais favorável, a 2.ª posição e a Recorrente entre a 1.ª e a 2.ª posição.
9. A Recorrente, enquanto trabalhadora da Recorrida Universidade ..., foi alvo de discriminação de índole salarial, porquanto é patente que a sua prestação de trabalho é objetivamente semelhante em natureza, qualidade e quantidade relativamente da de outros trabalhadores que foram colocados, desde logo, em posição remuneratória mais vantajosa, o que configura uma notória violação ao princípio da igualdade.
10. Andou mal o Tribunal a quo ao ter absolvido a Recorrida dos pedidos que contra ela foram deduzidos pela Recorrente, pois, dúvidas não existem que, ao ser colocada entre a 1.ª e a 2.ª posição remuneratória, a Recorrente foi incontestavelmente alvo de discriminação e desigualdade, porquanto, desde os primórdios da relação laboral estabelecida com a Universidade ..., a respetiva trabalhadora, exerce as mesmas funções, tem a mesma experiência, as mesmas habilitações académicas e o mesmo desgaste físico e psicológico que outros trabalhadores da Recorrida contratados em regime de contrato de trabalho em funções públicas, tendo estes sido colocados na 2.ª posição remuneratória, muito embora, à luz do Código de Trabalho, o trabalho exercido pela Recorrente e por estes demais trabalhadores seja objetivamente e materialmente igual.
11. Houve, de forma bastante evidente, violação do princípio para trabalho igual salário igual, porquanto, a prestação de trabalho da Recorrente ao serviço da Universidade ... é, desde o início, de igual natureza, qualidade e quantidade que a dos seus colegas de trabalho posicionados na 2.º posição remuneratória.
12. Tendo como premissa que a aqui Recorrente é licenciada em Economia desde 16 de janeiro de 2003, não se entende como lhe foi atribuída entre a 1.ª e 2.ª posição remuneratória, concluindo-se, assim, que a aqui Recorrente não valorizou a sua trabalhadora, nem tão pouco o seu grau académico
13. Deveria a Recorrente ser integrada, pelo menos, na 2.ª posição remuneratória correspondente ao segundo nível retributivo, ou seja, no nível retributivo 15, com efeitos retroativos a junho de 2008 e, a partir de 2019, devido à alteração da posição remuneratória obrigatória, ser integrada na 3.ª posição remuneratória.
14. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 129.º, número 1, alínea j), 24.º, números 1 e 2, alínea c), 31.º e 26.º do Código do Trabalho, no artigo 134.º, número 2, da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro, no artigo 47.º, número 2 da Constituição da Républica Portuguesa, no artigo 38.º, número 7 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e no artigo 42.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro.
NESTES TERMOS,
e nos demais de direito que V. Exas. douta e superiormente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser a ação julgada totalmente procedente, por provada, condenando-se a Recorrida nos pedidos formulados, como, aliás, é de DIREITO E DE JUSTIÇA!”.
*
Notificada do recurso da A. a R. veio apresentar “- CONTRA-ALEGAÇÕES COM RECURSO SUBORDINADO - que, terminou com as seguintes: “CONCLUSÕES
(…)
***

Nestes termos e nos mais de Direito:
I. Deve o recurso interposto pela Autora ser julgado improcedente ou, quando assim se não entenda, ser julgadas procedentes as exceções invocadas pela aqui Recorrida (de prescrição, de inimpugnabilidade e aceitação dos atos administrativos e de abuso de direito) concluindo-se, a final, pela absolvição da Ré, ora Recorrida.
II. Deve igualmente julgar-se procedente o recurso subordinado, revogando-se a douta sentença na parte do dispositivo constantes das respetivas alíneas a), b) e c).
*
Notificada a A. veio responder ao recurso da R., nos termos que constam das contra-alegações juntas, terminando com as seguintes CONCLUSÕES:
(…)
TERMOS EM QUE,
e nos demais que V. Exas. se dignarão suprir, deve o recurso da matéria de direito ser julgado totalmente improcedente e, consequentemente, ser confirmada a douta sentença recorrida. Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.
*
O Tribunal “a quo” admitiu o recurso interposto pela A., como de apelação, com efeito meramente devolutivo e, bem assim, o recurso subordinado interposto pela ré e respetivas contra-alegações e ordenou a sua subida a esta Relação.
*
O Ex.mo Procurador Geral Adjunto teve vista nos autos, nos termos do art. 87º nº3, do CPT, tendo emitido parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso da Autora e declarado improcedente o recurso subordinado, no essencial, por se lhe afigurar, “Quanto ao recurso da Autora e quanto à matéria de facto, salvo melhor opinião, não cumpre a recorrente com todo o disposto no art.º 640º do CPC, indicando os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo ou dos registos ou gravação nele realizada que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos de facto impugnados e decisão que no seu entender deveria ser proferida sobre esses factos.
Quando os meios de prova tenham sido gravados incumbe ao recorrente indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
A recorrente transcreve os depoimentos de testemunhas para prova de factos que entende deveriam ter sido dados como provados, sem que indique com precisão o facto ou factos a provar.
4. Pretende a recorrente neste caso equiparar a sua retribuição à retribuição de idêntica categoria de trabalhadores da recorrida sujeitos ao regime de contrato de trabalho em funções publicas.
4.1. Pretendendo a trabalhadora invocar a violação do princípio da igualdade quanto à retribuição por inobservância do princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual, deverá (i)indicar o factor ou factores de discriminação, presumindo-se verdadeira a alegada diferenciação e cabendo ao empregador prova de que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação, ou (ii)alegar e fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, nos termos do art.º 342.º, nº 1 do Código Civil, não beneficiando daquela presunção.
Na verdade o empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções politicas ou ideológicas e filiação sindical (art.ºs 25º e 2º do CT).
Nestas hipóteses, como referido deverá o trabalhador invocar os factores capazes de causar discriminação, o que não aconteceu neste caso.
(…)
Pretendendo o trabalhador que seja reconhecida a violação deste princípio, cabe-lhe alegar e provar que a diferenciação existente é injustificada em virtude de o trabalho por si prestado ser igual aos dos demais trabalhadores quanto à natureza, abrangendo esta a perigosidade, penosidade ou dificuldade; quanto à quantidade, aqui cabendo o volume, a intensidade e a duração; e, quanto à qualidade, compreendendo-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também, o zelo, a eficiência e produtividade do trabalhador.
Esses factos são constitutivos do direito subjectivo do trabalhador “discriminado” (à igualdade de tratamento), pelo que ao trabalhador cumprirá prová-los quando pretender fazer valer esse direito (art.º 342.º 1, do CC).
Sendo que a presunção de discriminação não resulta da mera prova dos factos que revelam uma diferença de remuneração entre trabalhadores da mesma categoria profissional, ou seja, da mera diferença de tratamento.”
(…)
Neste caso, não se alegou e provou que as tarefas de uns e outros são as mesmas que o trabalho prestado pela recorrente é igual ao dos demais trabalhadores quanto à natureza (abrangendo esta a perigosidade, penosidade ou dificuldade), quanto à quantidade (aqui cabendo o volume, a intensidade e a duração), e, quanto à qualidade (compreendendo-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também, o zelo, a eficiência e produtividade do trabalhador), não podendo estabelecer-se a comparação.
(…)
Sendo a Recorrente licenciada em Economia, desde 16 de janeiro de 2003, (facto provado 3), e, tendo, no dia 12 de junho de 2008, no âmbito de um procedimento concursal de selecção e recrutamento com a referência ...07, a que a A. se candidatou, sido celebrado entre as partes um contrato de trabalho por tempo indeterminado, acontece que foi atribuída à A. a categoria de Técnica Superior, Grau 1, mediante a remuneração mensal de € 1.013,88 (facto provado 9).
(…)
Ora, consta do art.º 38º, n.º 7, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, que “O empregador público não pode propor a primeira posição remuneratória ao candidato que seja titular de licenciatura ou de grau académico superior quando esteja em causa o recrutamento de trabalhador para posto de trabalho com conteúdo funcional correspondente ao da carreira geral de técnico superior”, o que está em consonância com o disposto no art.º 12º, al. b), da Lei nº 112/2017, de 29 de Dezembro.
Ou seja, embora não se aplique directamente ao caso o disposto no aludido regime jurídico do trabalho em funções públicas, a solução é a mesma, por remissão para o mesmo efectuada pelo Regulamento da própria recorrida.”
Nestes termos, deveria ser a Ré condenada no pedido feito pela Autora.
5. Pelo que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se entende que deveria ser concedido provimento ao recurso da Autora e declarar-se improcedente o recurso subordinado.”.
Notificado este, as partes não responderam.
*
Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim as questões a apreciar e decidir consistem em saber:
Recurso da Autora:
- se o Tribunal “a quo” fez uma errada apreciação da prova;
- se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que condene a R. em todos os pedidos contra ela formulados, por se verificar discriminação salarial e violação do princípio trabalho igual, salário igual.
Na procedência do que antecede, apreciar, no âmbito da ampliação do objecto do recurso o seguinte:
_ a questão da inimputabilidade e aceitação dos actos administrativos decidida no despacho saneador;
_ a questão do abuso de direito.
Recurso Subordinado da Ré:
- se o Tribunal “a quo” errou quanto à redacção do facto 12, devendo a mesma ser alterada para a proposta pela recorrente na conclusão QQ da sua alegação;
- se deve ser revogada a sentença e a recorrente absolvida por erro do Tribunal “a quo” de aplicação, ao caso, do disposto no nº7 do art. 38º da LTFP.
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II - FUNDAMENTAÇÃO

A) DE FACTO
A 1ª instância considerou, com relevo para a decisão da causa o seguinte:
a) Factos provados
1. A ré é uma fundação pública com regime de direito privado, que se rege pelo direito privado, nomeadamente no que respeita à sua gestão financeira, patrimonial e pessoal.
2. Até 2009, a ré era uma pessoa coletiva de direito público.
3. A autora é licenciada em Economia, desde 16/01/2003.
4. Em 2008, a ré abriu um procedimento concursal com a referência n.º CND-CIT-76-DRH/2007 publicado para aquelas funções.
5. Nos termos do aviso, a contratação enquadrava-se no âmbito do Regulamento de Contratos Individuais de Trabalho de pessoal não docente da Universidade ... publicado no Diário da República n.º 129, 2.ª Série, de 6.7.2007.
6. O anúncio identificou a categoria em causa como correspondente à de Técnico Superior, Grau 1, Nível 2 e a correspondente remuneração aplicável como correspondendo ao nível 2 (262).
7. A autora, ciente destas condições, candidatou-se espontaneamente ao lugar levado a concurso e veio a ser classificada em primeiro lugar, classificação homologada por despacho da sr.ª reitora, de 28 de abril de 2008.
8. A autora não contestou, nem impugnou o procedimento concursal judicialmente.
9. Na sequência do procedimento concursal, no dia 12 de junho de 2008, autora e ré celebraram um contrato de trabalho por tempo indeterminado, no qual foi atribuída à autora a categoria de Técnica Superior, Grau 1, mediante a remuneração mensal de € 1.013,88.
10. Em junho de 2008, a autora auferiu € 984,15 e, a partir de julho do mesmo ano, a autora recebeu a quantia mensal de € 1.013,88, a qual se manteve inalterada até setembro de 2008.
11. Em outubro de 2008, a autora passou a auferir a quantia mensal de € 1.116,12, montante que vigorou até fevereiro de 2009.
12. Em janeiro de 2009, autora e ré celebraram um contrato de trabalho em funções públicas, no qual foi atribuída à autora a categoria de Técnica Superior, com a posição remuneratória, entre a 1ª e a 2ª, e com o nível remuneratório entre 11 e 15, mantendo-se a remuneração indicada no facto que antecede. (Alterado)
13. Em março de 2009, a autora passou a auferir a quantia de € 1.148,48, quantia que se manteve inalterada até dezembro de 2018.
14. Em janeiro de 2019, na sequência da sua avaliação, a autora passou para a 2.ª posição remuneratória, passando a auferir a remuneração mensal de € 1.201,48, a qual se manteve inalterada até março de 2020.
15. Em abril de 2020, o vencimento mensal da autora passou a ser de € 1.205,08, quantia que se manteve inalterada até dezembro de 2021.
16. Em janeiro de 2022, a autora passou a auferir uma retribuição mensal de € 1.268,04, a qual se manteve inalterada até dezembro de 2022.
17. Em janeiro de 2023, a autora passou a receber um vencimento mensal de € 1.333,35, remuneração que se mantém até à data de entrada da presente ação.
18. Desde 12 de janeiro de 2004, até junho de 2009, a autora desempenhou sempre as mesmas funções, as quais compreendem, entre outras, as seguintes tarefas:
a. Elaboração das prestações de contas referentes aos projetos financiados pelo PRODEP III, POCI 2010 e POEDS;
b. Planeamento e controlo das execuções financeiras dos vários projetos em curso, bem
como o respetivo processamento contabilístico e inventariação do património;
c. Elaboração e controlo de propostas de contratos referentes a formadores e funcionários, bem como o estabelecimento de contactos com fornecedores, formadores e formandos;
d. Monitorização do funcionamento dos Cursos de Especialização Tecnológica nas diferentes Unidades de Formação Especializada e coordenação do pessoal administrativo dessas Unidades.
19. A partir de junho de 2009, até à presente data, a autora desempenhou sempre as mesmas funções, as quais compreendem, entre outras, as seguintes tarefas:
a. Apoio no procedimento de todos os concursos locais de acesso à Universidade ...;
b. Atendimento telefónico;
c. Gestão corrente de sugestões / reclamações;
d. Gestão corrente do correio eletrónico candidaturas@....pt;
e. Gestão corrente do correio eletrónico pautas@....pt;
f. Manutenção da informação relativa à unidade disponível online;
g. Procedimentos de criação, modificação e registo de cursos;
h. Promover os processos de alterações de cursos junto da DGES;
i. Promover as necessárias publicações em DR decorrentes das criações ou modificações
de cursos;
j. Registo de informação na base de dados de alunos.
20. Desde junho de 2008 até à presente data, a autora exerceu sempre as suas funções nas instalações da ré, cumprindo o horário de trabalho fixado pelo Diretor daquela Unidade Orgânica, de 8 horas diárias e 40 horas semanais.
21. Desde a data de início do contrato, a autora esteve sempre sujeita a autorização do superior hierárquico para gozar férias, bem como, para se ausentar do local de trabalho para, por exemplo, ir a uma consulta médica tendo, nestes casos de justificar a ausência.
*

b) Factos não provados

Não foram provados os seguintes factos com relevo para a decisão da causa:
a) A ré não teve em consideração o grau académico da autora.
b) O uso de afirmações falsas e de exceções sem fundamento pela ré, com o intuito de impedir a descoberta da verdade ou com intuito dilatório.

*
Consigna-se que, na matéria de facto provada e não provada, não se incluíram factos irrelevantes para a causa, matéria conclusiva ou de Direito.”.
*
Quanto ao modo como o Tribunal “a quo” formou a sua convicção, lê-se na decisão recorrida o seguinte:
“A convicção do Tribunal assenta, desde logo, no acordo por ocasião dos articulados, que abrange praticamente a totalidade da matéria de facto trazida a juízo e, ainda, essencialmente, na prova documental junta aos autos, desde logo porque a matéria em causa se prende com contratos de trabalho, reduzidos a escrito e um deles precedido de procedimento concursal, e com uma alegada violação do princípio da igualdade teórica (e não por referência a casos concretos).
Assim, resultaram assentes dos articulados os factos provados n.º 1 a 3 e 9 a 21, sendo que a parte inicial do facto provado n.º 9 (referência à precedência do concurso), resulta, tal como os factos provados n.º 4, 6 e 7, do documento n.º 3 da contestação, e do depoimento de BB, que infra se aprecia. O facto n.º 6 também emerge das declarações de parte da autora.
Por fim, o facto provado n.º 5 emerge do documento n.º 4 da contestação e o facto provado n.º 8 do depoimento de BB (sendo que, em rigor, a autora também não o havia impugnado).
As declarações de parte da autora apenas relevou por ter reconhecido que a licenciatura foi requisito de admissão pela ré, assim ajudando a desconstruir a ideia que aduziu na sua petição inicial, de que a licenciatura não tinha sido considerada pela ré.
No que tange à prova testemunhal, a mesma acabou por não se revelar de especial importância, já que a matéria de facto resulta da prova que se vem de descrever.
Ainda assim, a testemunha mais importante foi BB, chefe de divisão dos serviços de Recursos Humanos da ré, onde trabalha há 26 anos, foi credível, tranquila, transparente e franca, tendo adotado uma postura e fácies compatíveis com a sua narração. A testemunha explicou bem a diferença dos vínculos celebrados entre autora e ré, e os diferentes posicionamentos remuneratórios, bem assim como o enquadramento da transição no universo de trabalhadores da ré.
CC, técnica superior, colega da autora há mais de 5 anos, com uma boa relação, e trabalhadora da ré, não viu por isso beliscada a sua espontaneidade, mas não revelou conhecimento de causa quanto à matéria em discussão nos autos.
DD, técnico superior, colega de trabalho da autora, com quem tem um bom relacionamento, e trabalhador da ré desde 2021, também foi espontâneo, mas igualmente carecia de conhecimento sobre a matéria em discussão.
Por fim, EE, jurista, técnico superior na ré desde 1996, também foi credível, mas não trouxe grande valor acrescentado, na medida em que não conhece os factos diretamente.
*
Quanto aos factos não provados, o a) deve-se às declarações de parte da autora e, ainda, aos documentos n.º 3 e 4 da contestação e, no mais, ao facto de não se ter demonstrado, por nenhum via, que, apesar de a licenciatura ter sido requisito de entrada na ré, não foi atendida em sede de evolução remuneratória da autora.
O facto b) deve-se a absoluta ausência de prova.”.
*

B) O DIREITO
- Da impugnação da matéria de facto
No que à matéria de facto respeita, ambas as recorrentes, A. e R., se insurgem contra a decisão recorrida, razão, porque, quanto às considerações gerais a tecer, comuns a ambos os recursos, analisaremos os mesmos em conjunto.
Vejamos, então.
A este propósito a A./recorrente, sob a consideração de que, “o Tribunal “a quo” fez uma errada apreciação da prova, pois, deu como não provados factos que deveriam ter sido considerados provados”, fundamenta a sua pretensão alegando que, “a verdade é que da prova por declarações de parte, se extrai a veracidade dos factos dados como não provados,” e prossegue dizendo que, “atenta a prova produzida, são vários os factos alegados pela Recorrente que impunham que outros factos fossem considerados provados. Efetivamente, perante a conjugação de toda a prova produzida, o Tribunal a quo, tinha a obrigação de ter dado como PROVADOS…”, os factos que descreve e enumera de 1 a 7 na sua alegação.
De seguida, transcreve excertos das declarações prestadas pela mesma e, após tece as considerações que tem por convenientes, alegando ser seu entendimento que, “na sentença recorrida foram cometidos erros graves na apreciação da matéria de facto, devendo ser eliminado o facto não provado A) e julgados provados factos que não foram incluídos na matéria demonstrada e, dessa forma, por ser relevante para o apuramento da verdade e para a boa decisão da causa, e por decorrer das declarações de parte da A., devem ser aditados à matéria de facto provada”.
Por último, procede à transcrição dos 28 pontos que, em seu entender, deveriam ter sido dados como provados e alega que, “atento o que se deixa alegado, dúvidas não existem de que a matéria de facto foi incorretamente julgada, pelo que, haverá que corrigir a factualidade provada adequando-a à prova válida que efetivamente, à data, existe nos presentes autos, com a necessária adaptação das motivações da decisão sem que haja qualquer contágio à “verdade” viciada que contaminou todo o processo, o que, consequentemente implicará a total procedência da ação.”.
Em sede de conclusões, alega que, “na sentença recorrida fez o Tribunal a quo uma errada apreciação da prova, dando como não provados factos que deveriam ter sido considerados provados,…”.
Por sua vez, a Ré apresenta o seu recurso da matéria de facto com base na alegação de que, a “sentença recorrida cometeu um erro na decisão da matéria de facto, por dar por provado um facto que não o deve ser e cuja redação se crê que deve ser alterado”.
Prossegue, a sua alegação e indica na conclusão PP. “Concretamente, o facto 12) da decisão recorrida não é rigorosamente correto pois não ocorreu a celebração de qualquer contrato entre as partes.”. Mais, alega e conclui que, “tal é pacífico face aos articulados da autora e da ré e deflui pacificamente da prova documental. Assim, na PI a Autora alega a transição do vínculo em Janeiro de 2009 mas não invoca a celebração de qualquer contrato. Também a Ré vai em idêntico sentido cf. se extrai dos artigos 36.º a 39.º da contestação e respetivo documento n.º 5.”.
E, após alegar “crer” que “a prova junta aos autos – maxime o documento n.º 2 junto à PI e o documento n.º 5 junto com a contestação –, dão plena cobertura ao que se acaba de dizer,…”, conclui, em QQ. da sua alegação, com a indicação da redacção para que aquele deverá ser alterado.
Analisando.
Dispõe o nº 1 do art. 662º do CPC (diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir citados, sem outra indicação de origem) que: “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
Aqui se enquadrando, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão de facto feita pelos recorrentes.
Nas palavas de (Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, Coimbra, 2013, págs. 221 e 222) “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1ª instância”.
No entanto, como continua o mesmo autor (págs. 235 e 236), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter.”.
Esta questão da impugnação da decisão relativa à matéria de facto e a sua apreciação por este Tribunal “ad quem” pressupõe o cumprimento de determinados ónus por parte do recorrente, conforme dispõe o art. 640º ex vi do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.Trabalho, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Resulta da análise deste dispositivo que, o legislador concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando, neste novo regime, os ónus de alegação impostos ao recorrente, impondo-se que especifique, em concreto, os pontos de facto que impugna e os meios probatórios que considera impunham decisão diversa quanto àqueles e deixe expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Ou seja, tendo em conta os normativos supra citados, haverá que concluir que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância, já que só assim, como se refere no (Ac. STJ de 24.09.2013 in www.dgsi.pt (sítio da internet onde se encontram disponíveis os demais acórdãos a seguir citados, sem outra indicação)) poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão do Tribunal “a quo”, exigindo-se à parte que pretenda usar daquela faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente, apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção - não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem, face ao princípio da livre apreciação da prova que impera no processo civil, art. 607º, nº 5 do CPC, cfr. (Ac. STJ de 28.05.2009).
Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspectiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exactidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Sendo que, como bem se refere, no (Ac. desta Secção, de 18.03.2024, Proc. nº 7583/21.0T8PRT.P1, relatado pelo Desembargador António Luís Carvalhão e subscrito pela, agora, relatora), nas situações de impugnação da decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas. É que, a reapreciação por parte do Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso).
Pois e acrescendo, como bem diz, novamente, (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Sobre este assunto, no (Ac. do STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “… Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. …”. E, do mesmo Tribunal no (Ac. de 07.07.2016) observa-se o seguinte: “… para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo art. 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).”.
Neste mesmo sentido, lê-se no (Ac. desta Relação de 15.04.2013, Proc. nº 335/10.4TTLMG.P1, relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho) que, “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos).
E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”, (sublinhado nosso).
Em suma, o legislador impõe à parte recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, um ónus de impugnação, devendo o recorrente expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal “a quo”, salientando-se que, como decorre do (Ac. do STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023, de 17.10.2023, publicado no DR, Iª série, de 14.11) quanto à «decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas», aquele Tribunal uniformizou jurisprudência no sentido de que basta que a parte recorrente o faça nas alegações, desde que essa decisão alternativa propugnada resulte de forma inequívoca das alegações.
Transpondo o regime exposto para o caso, previamente a apreciarmos se, assiste razão às recorrentes e saber se, a Mª Juíza “a quo” julgou erradamente as provas produzidas e como ambas defendem deve ser alterada a decisão de facto como, agora, vêm requerer, importa que se verifique se cumpriram, elas os ónus que lhes incumbe para que seja admissível a requerida reapreciação.
De notar que, quanto ao recurso da A./recorrente, tanto a R./recorrida como o Ex.mo Procurador, no parecer emitido nos autos, defendem que deve ser rejeitada por inobservância, desde logo, do ónus a que alude a al. a) do nº 1 do art. 640º.
E, não há dúvidas, assiste-lhes razão.
Pois, analisando o recurso verifica-se que, nas alegações a A./recorrente considera que os factos que indica naquelas, sob os números 1 a 7 e o facto A. dado como não provado, deveriam ter sido dados como provados, no entanto, nas conclusões do recurso – as quais limitam o seu objecto (art. 639º, nº1 do CPC), a recorrente, nada mais diz, a não ser que, “na sentença recorrida fez o Tribunal a quo uma errada apreciação da prova”, mas sem indicar em relação a que factualidade. Ou seja, omitiu por completo o ónus imposto pela referida al. a) do nº1 do art. 640º, posto que não indicou, como deveria, os concretos factos que impugna e que considera deveriam ter sido dados como provados.
Deste modo, atento o supra exposto, sem necessidade de outras considerações, ao abrigo do nº1, al. a) do citado artigo, rejeita-se o recurso da A./recorrente, no que se refere à impugnação da decisão de facto.
*

Passemos, então, para a impugnação da decisão de facto deduzida pela Ré/recorrente, já que atento o teor da conclusão QQ. da sua alegação, onde destaca o facto que, alega, deverá ser alterado e o modo como fundamenta a sua impugnação na consideração de a redacção do facto 12 não ser rigorosamente correcta e dizendo crer que, “tal é pacífico face aos articulados da autora e da ré e deflui da prova documental”. Mais adiante, após indicar a redacção que considera deverá ser dada àquele, novamente, indica “a prova junta – máxime o documento nº 2 junto à PI e o documento nº 5 junto com a contestação”, expressando a seguir que, “dão plena cobertura ao que se acaba de dizer,…”, cremos mostrarem-se, satisfatoriamente, cumpridos aqueles ónus que o art. 640º, descreve incumbem às partes que pretendem a reapreciação das provas nesta sede.
E, conhecendo, daquele, importa que se diga, desde já, que, o que decorre daquele documento nº 2 junto à PI e do documento nº 5 junto com a contestação, não é susceptível de convencer do modo proposto pela recorrente, dado “aqueles documentos”, que, afinal, são o mesmo documento, junto com o nº 2 pela A. e com o nº 5 pela R., datado de 29/07/2009, endereçado à A. e assinado pela Reitora da Universidade ..., ser, tão só, como consta do “Assunto” uma notificação feita à A. “da lista nominativa das transições e do número de pontos atribuídos em função das avaliações de desempenho obtidas entre 2004 e 2007, nos termos dos artigos 109º e 113 da Lei Nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (estabelece os regimes de vinculação de carreira e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas)”.
Improcede, assim, a impugnação deduzida pela Ré, quanto à decisão de facto.
No entanto, antes de prosseguimos, importa que se diga que, tal não significa que o referido ponto 12 possa manter-se com a redacção que consta da decisão recorrida.
Senão, vejamos.
Analisando o teor daquele ponto 12, verifica-se que corresponde, parcialmente, ao alegado pela A., no art. 4º da p.i., dizendo que o contrato de trabalho celebrado com a ré, no dia 12 de Junho de 2008, em Janeiro de 2009 passou a contrato de trabalho em funções públicas.
Ora, sendo desse modo e analisados os autos, cremos não poder afirmar-se que a Autora celebrou um contrato de trabalho em funções públicas, como consta daquele.
Nenhuma das partes o alegou, nem se mostra junto qualquer documento a comprovar a celebração de qualquer outro contrato, entre as partes, que não seja aquele celebrado em Junho de 2008.
Assim, oficiosamente, importa alterar a redacção daquele para a seguinte: “Em janeiro de 2009, o contrato de trabalho da Autora passou a contrato de trabalho em funções públicas, no qual foi atribuída à autora a categoria de Técnica Superior, com a posição remuneratória, entre a 1ª e a 2ª, e com o nível remuneratório entre 11 e 15, mantendo-se a remuneração indicada no facto que antecede”.
Deste modo, altera-se o facto 12 do modo acabado de indicar.
*

Aqui chegados, fixada que está, definitivamente, a matéria de facto provada, excepto quanto àquele ponto 12, precisamente nos termos considerados na decisão recorrida e supra transcritos, analisemos os recursos no que respeita à matéria de direito.
*
- Recurso da Autora
Comecemos pela questão de saber se deve ser revogada a sentença e a Ré, condenada nos termos peticionados pela A., agora, recorrente, com fundamento em discriminação salarial e violação do princípio trabalho igual salário igual.
Consta da decisão recorrida, em síntese, o seguinte: «(…).
Nos presentes autos, estamos perante uma relação laboral, iniciada em junho de 2008, que sofreu uma mutação de regime em outubro desse mesmo ano. Iniciou-se como um contrato individual de trabalho – sujeito ao regime de direito privado, não obstante a ré fosse uma pessoa coletiva de direito público – e prosseguiu, de outubro de 2008 em diante, como uma relação de direito público, sujeito às normas próprias do setor.
Em 2009, a ré transmutou-se em fundação de direito privado, mas manteve os vínculos de direito público que à data existiam, bifurcando, assim, as carreiras ali existentes, que, como infra se explicará, mantiveram características distintas e autonomia.
Estas nuances são determinantes para a apreciação da matéria sub iudice, mas não sem perder de vista a nossa causa de pedir. Com efeito, a mesma repousa na desigualdade que a autora identifica, entre o caso concreto da autora e o regime dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas. Ora, tal desigualdade apenas releva no período de junho de 2008 até outubro de 2008, pois só aí haverá bipolarização entre o regime aplicável ao contrato da autora e o regime aplicável ao funcionalismo público.
Já no que tange ao período subsequente, não se tratará propriamente de uma desigualdade de regimes, mas sim de uma eventual má aplicação das leis (aplicáveis às relações de direito público) ao caso concreto da autora.
Além disso, o que poderá existir é uma situação de redução da retribuição da autora – com violação do princípio da irredutibilidade da remuneração –, caso lhe assista razão quanto à obrigatoriedade de reposicionamento remuneratório naquele período de vigência do primeiro contrato que celebraram, o qual não foi invocado, mas que, por se tratar de matéria de Direito, sempre poderá ser apreciado pelo Tribunal, já que iura nouit cura (artigo 5.º do Código de Processo Civil, ex ui o artigo 1.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo do Trabalho) – apreciação essa que se fará infra, caso se justifique, ou seja, caso proceda o pedido de reposicionamento remuneratório da autora por referência a junho de 2008.
Apreciemos, então, as duas questões de forma autónoma, ainda que sob o tronco comum do princípio da igualdade.
a) Da alegada violação do princípio da igualdade
(...)
Conforme se pode ler no acórdão do venerando Tribunal da Relação do Porto de 13 de fevereiro de 2017, proc.º 10879/15.6T8VNG.P1, «I- A aplicação do princípio para trabalho igual salário igual, consagrado nos artigos 59.ºn.º 1, al. a), da CRP, e 270.º do CT/09, pressupõe que sejam tidas em conta “a quantidade, natureza e qualidade do trabalho”, significando tal que é admitida a atribuição de salários diferentes a trabalhadores da mesma categoria, desde que exista diferençada prestação em razão de um ou mais daqueles factores.
II - Pretendendo o trabalhador que seja reconhecida a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, cabe-lhe alegar e provar que a diferenciação existente é injustificada em virtude de o trabalho por si prestado ser igual aos dos demais trabalhadores quanto à natureza, abrangendo esta a perigosidade, penosidade ou dificuldade; quanto à quantidade, aqui cabendo o volume, a intensidade e a duração; e, quanto à qualidade, compreendendo-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também, o zelo, a eficiência e produtividade do trabalhador.
III - Esses factos são constitutivos do direito subjectivo do trabalhador “discriminado” (à igualdade de tratamento), pelo que ao trabalhador cumprirá prová-los quando pretender fazer valer esse direito (art.º 342.º 1, do CC).».
Não estamos, pois, perante uma proibição absoluta da discriminação, ou do tratamento diferenciado dos trabalhadores, sequer ao nível da retribuição, mas sim a sua verificação por referência a outro trabalhador em situação idêntica, e sem justificação razoável e objetiva.
Isso mesmo decorre da dupla dimensão do princípio da igualdade, que demanda um tratamento igual do que é igual, mas diferente do que é diferente. Nesse sentido, vide o acórdão do venerando Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de maio de 2020 (relatora Desembargadora Celina Nóbrega), onde se explica que «Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (cfr. por todos acórdão n.º 232/2003, publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de Junho de 2003 e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 56.º Vol., págs. 7 e segs.).».
Transpondo para o caso dos autos: a autora não invoca qualquer fator discriminatório legalmente plasmado ou censurável, a não ser a diferente natureza do contrato de trabalho – e isto apenas se poderá considerar por referência ao período compreendido entre junho e outubro de 2008.
Também não alega a situação de concretos trabalhadores que estejam em igualdade de circunstâncias consigo, mas com diferentes condições salariais. Não alega que determinado(s) trabalhador(es) estejam, em concreto, em situações mais favoráveis do que a sua, embora estando em igualdade de circunstâncias (onde se incluiria, naturalmente, a antiguidade, experiência, habilitações e funções).
Como supra se mencionou, a desigualdade invocada circunscreve-se apenas ao plano ideológico e legal, não tanto a concretas relações laborais. (sublinhado que antecede da nossa autoria).
E note-se que no nosso ordenamento jurídico vinga a teoria da substanciação, subjacente ao Código de Processo Civil, que veio impor às partes o ónus, não só da prova, mas acima de tudo de alegação, o qual vem concretizado no princípio do dispositivo.
E se é certo que a teoria da substanciação é mitigada no âmbito do processo de Trabalho – por força da natureza dos direitos em causa, por um lado, e da exceção extra vel, ultra petita, artigo 72.º, do Código do Trabalho –, não é menos certo que o processo laboral sempre se encontra delimitado e circunscrito ao objeto traçado pelo autor, sem prejuízo da consideração de alguns factos essenciais não alegados, conquanto não extravasem aquele objeto.
(...).
Ora, tratando-se de uma alegação teórica e por referência ao enquadramento jurídico, apreciemos, então, os regimes para indagar do mérito da ação. *
b) Do regime jurídico inerente ao vínculo da autora de maio a outubro de 2008
(...)
Assim, em junho de 2008, a relação entre as partes encontrava-se sujeita ao Regulamento de contratos individuais de trabalho de pessoal não docente da Universidade ..., aprovado pela Deliberação n.º 1335-I/2007, publicado no Diário da República n.º 129, 2.ª série, de 06 de julho de 2007.
No artigo 1.º fixa o diploma que: «1—O presente regulamento estabelece o conjunto de regras gerais a aplicar à contratação de pessoal não docente contratado em regime de contrato individual de trabalho regulado pelo Código do Trabalho, bem como os princípios a que deve obedecer o respectivo recrutamento e selecção. 2—Em tudo o que não estiver expressamente regulado no presente regulamento é aplicável o Código do Trabalho e legislação complementar.»
Aí se contempla o estatuto remuneratório de cada categoria profissional, sendo que ao técnico superior se atribuíram 4 graus remuneratórios, cada qual com vários níveis remuneratórios (anexo II da Tabela de níveis remuneratórios por categoria/grau profissional).
E, no respetivo preâmbulo, ficou consagrado que «A construção da tabela de níveis remuneratórios constante do anexo II teve como pressuposto o equilíbrio possível das situações do pessoal contratado em regime de contrato individual de trabalho e do pessoal em regime de função pública, entrando em linha de conta com as especificidades de cada regime.».
Quer-se com isto dizer que o legislador estipulou uma carreira remuneratória para o pessoal não docente da Universidade ..., sujeito ao vínculo de direito privado, em equiparação com a vigente para a função pública, de modo a respeitar o princípio da igualdade, ainda que, se necessário, tratando de forma diferente o que se verificasse ser diferente entre as duas carreiras.
Mais se estipula, naquele diploma, no respetivo Anexo I, que para o lugar de técnico superior, é requisito mínimo que o candidato disponha de 1.º ciclo da licenciatura de Bolonha ou a licenciatura pré-Bolonha.
Por seu turno, as relações de direito público regiam-se pelo Decreto Regulamentar n.º 14/2008, de 31 de julho (posteriormente revogado pelo DL n.º 84-F/2022, de 16/12), que estabelece os níveis da tabela remuneratória única correspondentes às posições remuneratórias das categorias das carreiras gerais de técnico superior, de assistente técnico e de assistente operacional.
No Anexo I do mesmo Decreto Regulamentar, estipula-se uma tabela única de posições remuneratórias, com vários níveis, sendo que à 1.ª posição corresponde o nível 11, e à 2.ª, o nível 15.
Em nenhum momento tal diploma limita a aplicação dos mencionados níveis remuneratórios ao candidato licenciado.
Por seu turno, a Portaria n.º 1553-C/2008, de 31 de dezembro, contempla a tabela remuneratória única dos trabalhadores que exercem funções públicas, quantificando os diferentes patamares.
Dali se retira (para o que ora interessa) que o 11.º nível remuneratório ascende a € 995,51, seguindo-se o 12.º, no valor de € 1.047,13, o 13.º, no valor de € 1.098,50, o 14.º, no valor de € 1.149,99, e, por fim, o 15.º, na quantia de € 1.201,48.
No caso dos autos, a autora, licenciada, ingressou numa posição remuneratória, entre a 1.ª e a 2.ª, com o nível remuneratório entre 11 e 15, tendo iniciado por auferir € 1.013,88 (sendo que a quantia que recebeu em junho se deve ao período de trabalho inferior a um mês).
A sua remuneração encontra-se, pois, entre o 12.º, e o 13.º, níveis remuneratórios da função pública.
Donde, o regulamento aplicado à autora em 2008, e a sua concreta retribuição, se encontram equiparados aos da função pública (nível remuneratório entre o 11 e o 15), inexistindo qualquer desigualdade, por isso claudicando a pretensão da autora, por referência ao período de junho a outubro de 2008.
E no que tange à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na qual se implementou a proibição de atribuição da 1.ª posição remuneratória a licenciado (artigo 38.º, n.º 7, recentemente revogado pela Decreto Lei n.º 13/2024, de 10 de janeiro), a mesma jamais poderá ser chamada à colação para este vínculo, já que data de 2014, dispondo para o futuro quanto a efeitos de factos e situações totalmente anteriores a essa data, pelo que não poderia ser aplicada a uma relação entre junho e outubro de 2008. Com efeito, o artigo 9.º, n.º 1 da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, dita expressamente que «1 - Ficam sujeitos ao regime previsto na LTFP aprovada pela presente lei os vínculos de emprego público e os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho constituídos ou celebrados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente anteriores àquele momento.».
Pelo que a argumentação de que não pode ser atribuída a 1.ª posição remuneratória ao candidato titular de licenciatura, por força do plasmado no artigo 38.º, n.º 7 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, não colhe.
c) Da relação de trabalho entre autora e ré desde outubro de 2008
A partir de outubro de 2008, o vínculo entre autora e ré passou a assumir a natureza de contrato de trabalho em funções públicas, sujeito, portanto, ao Decreto Regulamentar n.º 14/2008, de 31 de julho, cujas estipulações em termos de remuneração convergem, como se viu, com as condições da autora.
A remuneração que passou a auferir nessa altura, concretamente € 1.116,12, converge com o estipulado no anexo I do Decreto Regulamentar, estando, aliás, entre o 13.º, e o 14.º, níveis remuneratórios.
A autora teve aumentos salariais paulatinos, dentro da categoria em que se insere, não tendo os mesmos sido postos em causa.
Em face do que não se nos afigura que à autora tenha sido mal aplicada a tabela remuneratória, ou que tenha sido prejudicada por relação aos seus pares num período inicial.
Porém, assim não será a partir de 2014. Com efeito, em 01 de julho de 2014, entrou em vigor a já mencionada Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (publicada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho) – por força do artigo 44.º desta – que determinou, no seu artigo 38.º, n.º 7, que «O empregador público não pode propor a primeira posição remuneratória ao candidato que seja titular de licenciatura ou de grau académico superior quando esteja em causa o recrutamento de trabalhador para posto de trabalho com conteúdo funcional correspondente ao da carreira geral de técnico superior.».
Significa isto que qualquer licenciado então admitido para exercer funções equivalentes às da autora ingressou diretamente na 2.ª posição remuneratória, pelo menos, auferindo ab initio a quantia de € 1.201,48 (cf. a Portaria n.º 1553-C/2008 de 31 de dezembro), quantia essa que a autora começou a receber apenas a partir de janeiro de 2019.
Por conseguinte, entre 01 de julho de 2014, e 31 de dezembro de 2018, a autora auferiu menos € 53,00 do que um qualquer colega licenciado que haja sido admitido na função pública nesse período para posto com um conteúdo funcional de técnico superior, como é o seu caso. Repare-se, ainda, que o artigo 9.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho demanda a aplicação imediata da LGTFP aos contratos vigentes à data (com as exceções já identificadas supra, em que não se inserem as remunerações auferidas daí por diante).
Verifica-se, pois, que, em circunstancialismo de vínculo igual, categoria igual, o salário não é igual. E note-se que nem sequer se coloca a questão das exatas funções, não sendo necessária a comparação concreta das funções a desempenhar entre cada um dos técnicos superiores, pois a norma que proíbe a contratação abaixo da 2.ª posição remuneratória é de tal forma abrangente que contempla quer os técnicos superiores em funções idênticas às da autora, quer os técnicos superiores com outras quaisquer funções. Ponto é que sejam licenciados e assumam um conteúdo funcional de técnico superior.
Não colhe o pedido da autora de reconhecimento da quantia de € 1.543,58, por não ser esse o montante base da 2.ª posição remuneratória, mas sim, a de € 1.201,48, e apenas a partir da entrada em vigor da LGTFP (e independentemente da recente revogação da norma em apreço).
E contra tanto não militam, sequer, as leis do orçamento do Estado que impuseram o congelamento das carreiras da função pública, em especial a lei do orçamento do Estado de 2014 – Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro – e as subsequentes, já que, por um lado, o congelamento ser referirá à progressão na carreira, o que não corresponde à situação dos autos. Com efeito, o reconhecimento da posição remuneratória à autora resulta de uma reposição do equilíbrio e da igualdade quebrados com a entrada em vigor da LGTFP e não de uma progressão da mesma.
Conforme ensina o acórdão do venerando Tribunal da Relação de Guimarães de 17 de março de 2022, processo n.º 1812/20.4T8VRL.G1, «A lei orçamental limita-se a consagrar genérica e progressivamente a eliminação dos congelamentos e a repor alterações obrigatórias de posicionamento remuneratório, progressões e mudanças de nível ou de escalão (além de promoções, nomeações ou graduações, que ao caso não interessam) - 18º, 1, al. a), LOE/2018. Mas é preciso que elas antes existissem. Repor significa “tornar a pôr, devolver, restituir”. Como refere a ré, a LOE não cria carreiras ou direitos, apenas os repõe.».
Por outro lado, as carreiras foram já descongeladas, designadamente através da lei do orçamento do Estado para 2018, Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, pelo que tal óbice, a existir, estaria já, se não total, pelo menos parcialmente, ultrapassado.
Conclui-se, assim, pela violação do princípio da igualdade, no período compreendido entre 01 de julho de 2014 e 31 de dezembro de 2018, devendo a ré reconhecer à autora a remuneração mínima de € 1.201,48, desde 01 de julho de 2014, e pagar à autora a diferença salarial e a título de subsídios de férias e de natal, tudo sem prejuízo da progressão na carreira da autora.» (Fim de citação).
A Autora, discordando, defende, em síntese, o seguinte: “Os pedidos formulados pela Autora Recorrente, bem como a factualidade que constitui a sua causa de pedir, assenta no posicionamento remuneratório que lhe foi atribuído, enquanto Técnica Superior, devendo este posicionamento, na verdade, ter sido equiparado ao dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas, com base no princípio da igualdade de tratamento a nível retributivo previsto em disposições do Código do Trabalho e em disposições dos Regulamentos Internos da Recorrida que, por sua vez, definem e regulam o regime de carreiras, de retribuições e de contratação de pessoal não docente e não investigador da Universidade ..., em regime de contrato de trabalho, celebrado ao abrigo do Código do Trabalho. O posicionamento retributivo em que a Recorrente foi contratada afronta o princípio da igualdade, na sua vertente “para trabalho igual, salário igual”, e a diferenciação de posicionamento remuneratório é ILEGAL. Apesar da Recorrente exercer exatamente as mesmas funções e tarefas, ter as mesmas habilitações académicas e o mesmo desgaste físico e psicológico que outros trabalhadores da Universidade ..., a verdade é que estes foram colocados em posição remuneratória mais favorável, a 2.ª posição e a Recorrente entre a 1.ª e a 2.ª posição. A Recorrente, enquanto trabalhadora da Recorrida Universidade ..., foi alvo de discriminação de índole salarial, porquanto é patente que a sua prestação de trabalho é objetivamente semelhante em natureza, qualidade e quantidade relativamente da de outros trabalhadores que foram colocados, desde logo, em posição remuneratória mais vantajosa, o que configura uma notória violação ao princípio da igualdade.
Andou mal o Tribunal a quo ao ter absolvido a Recorrida dos pedidos que contra ela foram deduzidos pela Recorrente, pois, dúvidas não existem que, ao ser colocada entre a 1.ª e a 2.ª posição remuneratória, a Recorrente foi incontestavelmente alvo de discriminação e desigualdade, porquanto, desde os primórdios da relação laboral estabelecida com a Universidade ..., a respetiva trabalhadora, exerce as mesmas funções, tem a mesma experiência, as mesmas habilitações académicas e o mesmo desgaste físico e psicológico que outros trabalhadores da Recorrida contratados em regime de contrato de trabalho em funções públicas, tendo estes sido colocados na 2.ª posição remuneratória, muito embora, à luz do Código de Trabalho, o trabalho exercido pela Recorrente e por estes demais trabalhadores seja objetivamente e materialmente igual. Houve, de forma bastante evidente, violação do princípio para trabalho igual salário igual, porquanto, a prestação de trabalho da Recorrente ao serviço da Universidade ... é, desde o início, de igual natureza, qualidade e quantidade que a dos seus colegas de trabalho posicionados na 2.º posição remuneratória. Tendo como premissa que a aqui Recorrente é licenciada em Economia desde 16 de janeiro de 2003, não se entende como lhe foi atribuída entre a 1.ª e 2.ª posição remuneratória, concluindo-se, assim, que a aqui Recorrente não valorizou a sua trabalhadora, nem tão pouco o seu grau académico Deveria a Recorrente ser integrada, pelo menos, na 2.ª posição remuneratória correspondente ao segundo nível retributivo, ou seja, no nível retributivo 15, com efeitos retroativos a junho de 2008 e, a partir de 2019, devido à alteração da posição remuneratória obrigatória, ser integrada na 3.ª posição remuneratória.”. (sublinhados da nossa autoria)
Decorre do acabado de referir, e igualmente dos pedidos formulados na petição inicial, que a Autora reclama, a título de integração salarial, a 2ª posição desde Junho de 2008, data em que celebrou com a Ré um contrato de trabalho por tempo indeterminado, com fundamento de que foi objecto de discriminação salarial em comparação com outros colegas que detêm contrato de trabalho em funções públicas.
Posto isto, analisemos, então.
Determina o art. 59º, nº1, al. a) da CRP o seguinte: “Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideologias, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza, e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna”.
Segundo, (Monteiro Fernandes in Direito do Trabalho, 13ª edição, pág. 453), “o princípio «a trabalho igual salário igual» implica, em primeiro lugar, a inadmissibilidade de regras de tratamento salarial diferenciado pelo sexo ou por outros factores discriminatórios; mas comporta, em segundo lugar, a individualização dos salários com base no mérito ou no rendimento, apurado mediante critérios e métodos objectivos e explícitos.”.
Também, (Maria do Rosário Palma Ramalho in Direito do Trabalho Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ª edição, pág. 643) refere que, “este princípio não impede diferenças remuneratórias entre os trabalhadores mas apenas um tratamento remuneratório discriminatório. Por outras palavras, apenas estão aqui contempladas as situações em que, perante um trabalho igual ou de valor igual, a retribuição seja diferente sem uma causa de justificação objectiva.”.
O referido princípio mostra-se igualmente consagrado nos art.s 263º do CT/2003 e 270º do actual CT/2009. «Na determinação do valor da retribuição deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual».
O STJ tem entendido que, “O princípio do «trabalho igual, salário igual» enquanto corolário do princípio constitucional da igualdade pressupõe a mesma retribuição para trabalho prestado em condições de igual natureza, qualidade e quantidade, cujo ónus de prova cabe ao trabalhador”, veja-se (Acórdão de 12.10.2011, Proc. nº 343/04.4TTBCL.P1.S1 in www.dgsi.pt), em cujo sumário se lê: “I – O princípio da igualdade (art. 13.º da C.R.P.), desenvolvido no art. 59.º/1 da mesma C.R.P., reporta-se a uma igualdade material, que não meramente formal, e concretiza-se na proscrição do arbítrio e da discriminação, devendo tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.
II – O princípio do ‘trabalho igual, salário igual’, corolário daquele, pressupõe a mesma retribuição para trabalho prestado em condições de igual natureza, qualidade e quantidade, com proibição da diferenciação arbitrária, materialmente infundada, só existindo violação do princípio quando a diferenciação salarial assente em critérios apenas subjectivos.
III – A inversão do ónus da prova a que alude o n.º3 do art. 23.º do Código do Trabalho, complementado pelos arts. 32.º e 35.º do RCT (Regulamento aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho), com a presunção que nela se contém, pressupõe a alegação e prova, por banda do trabalhador, de factos que constituam factores característicos de discriminação.
IV – Não tendo sido invocado/provado tal fundamento, a existência de factos bastantes que permitam concluir pela verificação da prestação de trabalho, objectivamente semelhante em natureza, qualidade e quantidade relativamente ao trabalhador face ao qual se diz discriminado, constitui ónus do A., não bastando, para o efeito do juízo comparativo a estabelecer, a prova da mesma categoria profissional e da diferença retributiva.”.
No mesmo sentido, e no que concerne ao ónus da prova em termos de discriminação salarial, é, igualmente, do mesmo Tribunal, o (Acórdão de 18.12.2013, Proc. nº 248/10.0TTBRG.P1.S1, também, in www.dgsi.pt), onde se defende: “Atento o disposto no n.º 5 do artigo 25.º do CT/09, por forma a fazer funcionar a regra de inversão do ónus da prova, com o consequente afastamento do princípio geral estabelecido no artigo 342.º, n.º 1 do CC, compete ao trabalhador que invoca a discriminação alegar e provar os factos que possam inserir-se na categoria de factores característicos de discriminação referidos nos artigos 24.º e 25.º do mesmo diploma legal, concretamente, alegar e provar factos que, referindo-se à natureza, qualidade e quantidade de trabalho prestado por trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria, permitam concluir que a diferente progressão na carreira e o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio da igualdade, uma vez que tais factos se apresentam como constitutivos do direito que pretende fazer valer”.
O referido entendimento é seguido no, (Acórdão desta Secção Social de 13.02.2017, Proc. nº 10879/15.6T8VNG.P1, no mesmo sítio da internet), cujo sumário é o seguinte: “I - A aplicação do princípio para trabalho igual salário igual, consagrado nos artigos 59.º n.º 1, al. a), da CRP, e 270.º do CT/09, pressupõe que sejam tidas em conta “a quantidade, natureza e qualidade do trabalho”, significando tal que é admitida a atribuição de salários diferentes a trabalhadores da mesma categoria, desde que exista diferença da prestação em razão de um ou mais daqueles factores.
II - Pretendendo o trabalhador que seja reconhecida a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, cabe-lhe alegar e provar que a diferenciação existente é injustificada em virtude de o trabalho por si prestado ser igual aos dos demais trabalhadores quanto à natureza, abrangendo esta a perigosidade, penosidade ou dificuldade; quanto à quantidade, aqui cabendo o volume, a intensidade e a duração; e, quanto à qualidade, compreendendo-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também, o zelo, a eficiência e produtividade do trabalhador.
III - Esses factos são constitutivos do direito subjectivo do trabalhador “discriminado” (à igualdade de tratamento), pelo que ao trabalhador cumprirá prová-los quando pretender fazer valer esse direito (art.º 342.º 1, do C. Civil)”.
No mesmo sentido é, também, o (Acórdão desta Secção Social, de 08.06.2017, Proc. nº 531/12.0TTPRT.P1) onde se refere “Nos casos de discriminação ao autor compete alegar e provar não só quais os trabalhadores relativamente aos quais foi discriminado como os factos que possam inserir-se na categoria de factores característicos de discriminação previstos na lei. Não o fazendo e invocando a violação do princípio de trabalho igual, salário igual, terá de alegar e provar os factos integradores de que presta tal trabalho, quanto à natureza, qualidade e quantidade”.
Pois bem, face ao que se deixa exposto e em face da matéria de facto dada como provada podemos concluir, como se concluiu na decisão recorrida, (a autora não invoca qualquer fator discriminatório legalmente plasmado ou censurável, a não ser a diferente natureza do contrato de trabalho – e isto apenas se poderá considerar por referência ao período compreendido entre junho e outubro de 2008. Também não alega a situação de concretos trabalhadores que estejam em igualdade de circunstâncias consigo, mas com diferentes condições salariais. Não alega que determinado(s) trabalhador(es) estejam, em concreto, em situações mais favoráveis do que a sua, embora estando em igualdade de circunstâncias (onde se incluiria, naturalmente, a antiguidade, experiência, habilitações e funções). Como supra se mencionou, a desigualdade invocada circunscreve-se apenas ao plano ideológico e legal, não tanto a concretas relações laborais ), que a Autora não logrou provar que as funções por si exercidas eram iguais, em natureza, quantidade e qualidade, às que eram desempenhadas pelos colegas que desempenham funções mediante a celebração de contrato de trabalho em funções públicas – art. 342º, nº1 do C. Civil – a determinar, assim, a improcedência da sua pretensão.
Aliás, cumpre dizer que, aqui, acompanhamos inteiramente a fundamentação da decisão recorrida, acrescentando-se, apenas, no seguimento do que tem sido o entendimento unânime desta secção, o que se referiu no (Acórdão de 30.09.2024, Proc. nº 2189/23.1T8AVR.P1, relatado pelo, Desembargador António Luís Carvalhão e onde foi Adjunta a, agora, Relatora) do qual citamos (sem notas de rodapé), o seguinte: “De todo o modo, sempre se diz que, como é sabido o regime do Contrato Individual de Trabalho e o regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas apresentam diferenças (existem regras neste regime sem paralelo no outro), de modo que, como refere Miguel Lucas Pires, em face do atual panorama normativo, parecem-nos de excluir comparações sectoriais entre determinadas vicissitudes do regime de emprego público e privado, precisamente porque a uma diferença mais favorável a um deles poderá, em contrapartida, corresponder um tratamento menos favorável noutro domínio, ou seja, num certo domínio (por exemplo ao nível da retribuição) pode haver alguma diferença entre ambos os regimes que não implica diretamente um conflito com o princípio da igualdade.
Importa também ter presente que, como se referiu no acórdão desta Secção Social do TRP de 08/11/2018, o princípio «a trabalho igual salário igual» impõe a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), quantidade (intensidade e duração) e qualidade (dos conhecimentos, da prática e da capacidade).
Quer isto dizer que poderá haver um tratamento diferenciado no campo salarial conforme à especial situação de um trabalhador, mas, como refere Rui Medeiros, para evitar que exista espaço para o arbítrio patronal deve exigir-se que, mesmo neste plano da atribuição de uma vantagem retributiva a um determinado trabalhador, o empregador apresente os elementos que evidenciam a racionalidade objetiva da decisão de tratamento privilegiado, sendo necessário que a justificação fornecida não deixe nenhuma dúvida sobre o carácter objetivo-racional do fundamento para a diferenciação.
Tem sido entendimento pacífico do Supremo Tribunal de Justiça, ao qual se adere, o de que as exigências do princípio da igualdade se reconduzem, no fundo, à proibição do arbítrio, não impedindo, pois, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objetiva e racional.”. (Fim de citação).
Assim, em forma de conclusão diremos: não procede a pretensão da apelante na medida em que ela não alegou, nem provou, os factos que poderiam conduzir à afirmação de que foi violado o princípio “trabalho igual, salário igual” e que a Ré a tratou discriminadamente em termos de posição remuneratória relativamente aos colegas com contrato de trabalho em funções públicas.
Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação da Autora.
*
- Da ampliação do âmbito do recurso a requerimento da Ré.
_ a questão da inimputabilidade e aceitação dos actos administrativos decidida no despacho saneador;
_ a questão do abuso de direito.
A Ré apresentou as seguintes conclusões relativamente às questões que incluiu na requerida ampliação do âmbito do recurso:
“Na instância de recurso e caso viesse a proceder o recurso – no que não se concede – devem ser conhecidas: (i) as questões prejudicadas na apreciação da 1.ª instância, por força do previsto no abrigo do artigo 665.º/2 do CPC e, (ii) por via da ampliação do objeto do recurso ora requerida (cf. artigo 636.º do CPC), devem ser apreciados os fundamentos de defesa em que a Recorrida decaiu e que incluem aqueles que haviam sido precedentemente analisados em sede de despacho saneador.
No que respeita à inimpugnabilidade e à aceitação dos atos administrativos, crê-se que o despacho saneador errou na apreciação que fez de tais questões. Com efeito, os atos administrativos praticados no procedimento de recrutamento não foram e também já não podem ser judicialmente impugnados conquanto o prazo para a impugnação dos atos administrativos é de 3 meses – cf. artigo 58.º, n.º 1, alínea a) do CPTA. Ao ignorar este aspeto, o douto despacho saneador acaba por violar o aludido preceito legal, na medida em que se está a admitir que por via de uma ação judicial possa ser colocado em causa um aspeto constante de tais atos administrativos, qual seja o posicionamento remuneratório do lugar levado a concurso. Viola-se igualmente o artigo 38.º/2 do CPTA e que tem precisamente como escopo impedir que outros meios processuais permitam obter o efeito que resultaria da impugnação do ato, o que será o caso de uma pronuncia de uma ação judicial que disponha que o posicionamento remuneratório deveria ser outro que não o levado a concurso. Em segundo lugar, deve destacar-se que o facto de a autora também não poderá impugnar estes atos administrativos por os ter aceitado na aceção do artigo 56.º do CPTA.
No que respeita ao abuso de direito, deve salientar-se que a ação inscreve em qualquer caso um propósito não consentido pelo artigo 334.º do Código Civil. Assim e independentemente de poder ser reconhecido o estatuto que a autora pretende ver reconhecido na presente ação – no que em qualquer caso se não concede –, a verdade é que com tal pretensão a autora vem assumir uma pretensão manifestamente contraditória e inconciliável com todas as atuações precedentes e que acima se foram evidenciando. Com efeito, os presentes autos elegem um vasto conjunto de atos praticados pela autora e que à luz da boa fé não serão compatíveis com a presente ação. Referimo-nos, pois, ao contrato pelo qual a aqui Autora se vinculou, bem conhecendo e aceitando as condições contratuais aí vertidas. Ou, ainda, a candidatura que a Autora apresentou no procedimento concursal e pela qual se vinculou e aceitou as condições que viriam a ficar materializadas no contrato que, na sequência de tal concurso, foi celebrado com a Autora. Já para não falar da execução material de tais vínculos, durante largos anos, sem que até à propositura desta ação a Autora questionasse os termos elementares dos mesmos.”.
Vejamos.
Como decorre do disposto no art. 636º, nº1 do CPC e como igualmente refere António Santos Abrantes Geraldes (em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 94) esta Relação, “apenas terá de se pronunciar sobre a ampliação se, acolhendo os argumentos suscitados pelo recorrente ou de que oficiosamente puder conhecer, aquela se repercutir na modificação do resultado declarado na decisão impugnada em termos de prejudicar o recorrido”.
Ora, sendo deste modo, não tendo sido acolhidos os argumentos da Autora/apelante não há que conhecer da requerida ampliação.
*

Passemos, então, à questão:
- Recurso subordinado da Ré.
- Da não aplicação ao caso do nº7 do artigo 38º da LTFP
Relembremos aqui o que se decidiu na sentença recorrida: «(…).
c) Da relação de trabalho entre autora e ré desde outubro de 2008
A partir de outubro de 2008, o vínculo entre autora e ré passou a assumir a natureza de contrato de trabalho em funções públicas, sujeito, portanto, ao Decreto Regulamentar n.º 14/2008, de 31 de julho, cujas estipulações em termos de remuneração convergem, como se viu, com as condições da autora. A remuneração que passou a auferir nessa altura, concretamente € 1.116,12, converge com o estipulado no anexo I do Decreto Regulamentar, estando, aliás, entre o 13.º, e o 14.º, níveis remuneratórios.
A autora teve aumentos salariais paulatinos, dentro da categoria em que se insere, não tendo os mesmos sido postos em causa.
Em face do que não se nos afigura que à autora tenha sido mal aplicada a tabela remuneratória, ou que tenha sido prejudicada por relação aos seus pares num período inicial.
Porém, assim não será a partir de 2014. Com efeito, em 01 de julho de 2014, entrou em vigor a já mencionada Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (publicada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho) – por força do artigo 44.º desta – que determinou, no seu artigo 38.º, n.º 7, que «O empregador público não pode propor a primeira posição remuneratória ao candidato que seja titular de licenciatura ou de grau académico superior quando esteja em causa o recrutamento de trabalhador para posto de trabalho com conteúdo funcional correspondente ao da carreira geral de técnico superior.».
Significa isto que qualquer licenciado então admitido para exercer funções equivalentes às da autora ingressou diretamente na 2.ª posição remuneratória, pelo menos, auferindo ab initio a quantia de € 1.201,48 (cf. a Portaria n.º 1553-C/2008 de 31 de dezembro), quantia essa que a autora começou a receber apenas a partir de janeiro de 2019.
Por conseguinte, entre 01 de julho de 2014, e 31 de dezembro de 2018, a autora auferiu menos € 53,00 do que um qualquer colega licenciado que haja sido admitido na função pública nesse período para posto com um conteúdo funcional de técnico superior, como é o seu caso. Repare-se, ainda, que o artigo 9.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho demanda a aplicação imediata da LGTFP aos contratos vigentes à data (com as exceções já identificadas supra, em que não se inserem as remunerações auferidas daí por diante).
Verifica-se, pois, que, em circunstancialismo de vínculo igual, categoria igual, o salário não é igual. E note-se que nem sequer se coloca a questão das exatas funções, não sendo necessária a comparação concreta das funções a desempenhar entre cada um dos técnicos superiores, pois a norma que proíbe a contratação abaixo da 2.ª posição remuneratória é de tal forma abrangente que contempla quer os técnicos superiores em funções idênticas às da autora, quer os técnicos superiores com outras quaisquer funções. Ponto é que sejam licenciados e assumam um conteúdo funcional de técnico superior.
Não colhe o pedido da autora de reconhecimento da quantia de € 1.543,58, por não ser esse o montante base da 2.ª posição remuneratória, mas sim, a de € 1.201,48, e apenas a partir da entrada em vigor da LGTFP (e independentemente da recente revogação da norma em apreço).
E contra tanto não militam, sequer, as leis do orçamento do Estado que impuseram o congelamento das carreiras da função pública, em especial a lei do orçamento do Estado de 2014 – Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro – e as subsequentes, já que, por um lado, o congelamento ser referirá à progressão na carreira, o que não corresponde à situação dos autos.
Com efeito, o reconhecimento da posição remuneratória à autora resulta de uma reposição do equilíbrio e da igualdade quebrados com a entrada em vigor da LGTFP e não de uma progressão da mesma.
Conforme ensina o acórdão do venerando Tribunal da Relação de Guimarães de 17 de março de 2022, processo n.º 1812/20.4T8VRL.G1, «A lei orçamental limita-se a consagrar genérica e progressivamente a eliminação dos congelamentos e a repor alterações obrigatórias de posicionamento remuneratório, progressões e mudanças de nível ou de escalão (além de promoções, nomeações ou graduações, que ao caso não interessam) - 18º, 1, al. a), LOE/2018. Mas é preciso que elas antes existissem. Repor significa “tornar a pôr, devolver, restituir”. Como refere a ré, a LOE não cria carreiras ou direitos, apenas os repõe.».
Por outro lado, as carreiras foram já descongeladas, designadamente através da lei do orçamento do Estado para 2018, Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, pelo que tal óbice, a existir, estaria já, se não total, pelo menos parcialmente, ultrapassado.
Conclui-se, assim, pela violação do princípio da igualdade, no período compreendido entre 01 de julho de 2014 e 31 de dezembro de 2018, devendo a ré reconhecer à autora a remuneração mínima de € 1.201,48, desde 01 de julho de 2014, e pagar à autora a diferença salarial e a título de subsídios de férias e de natal, tudo sem prejuízo da progressão na carreira da autora.». (Fim de citação).
A Ré discorda argumentando o seguinte: “a Recorrida interpõe o presente recurso subordinado, tendo por objeto unicamente a parte em que foi condenada, ou seja: (cf. alínea a) do dispositivo da sentença) a reconhecer à autora a retribuição base no valor de € 1.201,48 desde 1 de julho de 2014 e, em consequência; (cf. Alínea b) do dispositivo) foi também condenada a pagar à Autora a diferença entre a retribuição mensal e os subsídios de férias e de natal que lhe pagou desde 1 de julho de 2014 e os diferenciais que deveria ter pago em função da retribuição reconhecida à autora; a tudo acrescendo (cf. alínea c) do dispositivo) os juros vencidos desde a data de vencimento de cada um dos créditos. Para condenar a Ré a reconhecer à autora a 2.ª posição retributiva a partir de 2014, socorreu-se o Tribunal a quo do artigo 38.º/7 da LTFP, disposição que, na perspetiva do Tribunal, seria aplicável ao contrato celebrado entre as partes por (i.) o vínculo ser um vínculo de emprego público e (ii.) por esta disposição ter entrado em vigor em 2014. O raciocínio expendido pelo Tribunal não pode contudo aceitar-se. Na verdade, o Tribunal a quo procede a uma aplicação retroativa de uma disposição legal (o artigo 38.º/7 da LTFP), em termos que se julgam logo contrários ao princípio da não retroatividade da lei consagrado, inter alia, no artigo 12.º do Código Civil. Não se olvide para este efeito que, em 2014, já a autora tinha há muito e desde 2008 o seu vínculo laboral plenamente constituído, pelo que se nos afigura errado o juízo do tribunal a quo ao querer aplicar uma disposição a uma relação constituída no passado. E isto, desde logo, porque o artigo em causa se insere no capítulo destinado à “Formação do vínculo”. Ou seja, o artigo 38.º da LTFP destina-se a abranger situações em que está em causa a formação do vínculo; vale por dizer, situações novas em que se venha a formar um vínculo de emprego público. Ora, o Tribunal a quo, pelo contrário, vem dar à aludida disposição normativa uma abrangência que esta não tem, pois pretende aplicá-la aos vínculos já constituídos antes da entrada em vigor da LTFP (o mesmo é dizer, vínculos já formados e anteriores a 2014). Ocorre que tal sentido interpretativo não se pode aceitar, pois contraria, tanto a integração sistemática do preceito, como as regras de aplicação da lei no tempo. Desde logo, se a norma em causa (artigo 38.º/7 da LTFP entrada em vigor em 2014) pretendesse regular de tal modo as situações de pretérito, tê-lo-ia certamente feito através de uma disposição que estatuísse que todos os vínculos já constituídos deveriam adaptar-se à regra prevista na lei. Mas não é nada disso que se retira minimamente do artigo 9.º da LTFP e da regra de aplicação da lei no tempo aí consagrada, a qual, smo, o Tribunal a quo não interpretou adequadamente. Assim, crê-se que, na esteira da ressalva contida nesse normativo (artigo 9.º/1 da LTFP), um dos “efeitos de factos ou situações totalmente anteriores” à entrada em vigor da LTFP será justamente os que resultem da formação do vínculo – desde logo porque o procedimento de formação se esgota num concurso e na constituição do vínculo – pelo que não se vê qualquer razão para, como conclui o tribunal a quo, querer aplicar uma norma relativa à formação do vínculo aos vínculos já formados. Aliás, num caso muitíssimo semelhante ao que ora se analisa – no qual se examinou justamente a eventual legalidade da não atribuição da 2.ª posição a um Técnico Superior cujo vínculo se havia formado antes da entrada em vigor de tal regra –, o Acórdão do TCA Norte de 12.1.2024 (Processo n.º 00515/19.7BECBR) rejeitou tal entendimento, numa jurisprudência que nos parece perfeitamente replicável ao caso sub judice. Acórdão que considerou que tal nova regra jamais se poderia aplicar a vínculos já formados no passado, justamente porque a nova regra quanto a um posicionamento remuneratório só se poderia aplicar aos vínculos que viessem a constituir-se após a entrada em vigor da lei. A não ser assim, como se conclui no citado Acórdão, estaria a violar-se o princípio da proibição da retroatividade da lei – erro que, smo, na ótica da aqui Recorrida, a douta sentença recorrida parece cometer. Ao que se deve ainda acrescentar que as considerações feitas pela douta sentença quanto a uma potencial violação do princípio da igualdade quanto a potenciais colegas que venham a ser contratados no regime de emprego público (Mormente no excerto da douta sentença em que se diz: «Por conseguinte, entre 01 de julho de 2014, e 31 de dezembro de 2018, a autora auferiu menos € 53,00 do que um qualquer colega licenciado que haja sido admitido na função pública nesse período para posto com um conteúdo funcional de técnico superior, como é o seu caso.») se revelam totalmente improcedentes no caso concreto. Desde logo, porque nenhuma prova existe nestes autos quanto a quaisquer contratações com um posicionamento em tais circunstâncias – prova essa que, naturalmente, sempre deveria existir para se concluir por uma violação do princípio da igualdade… … mas, mais ainda, porque a questão – tal qual o Tribunal a quo a perspetiva – nem se colocaria no caso vertente porquanto, como se tem dito ad nauseam referido nestes autos, a Recorrente simplesmente não contrata técnicos superiores da função pública. E não o faz, certamente, desde 2009, momento em que transitou para o regime fundacional e passou a recrutar exclusivamente ao abrigo do regime do direito privado. Daí que, segundo cremos, a alusão feita pela douta sentença quanto a uma teórica (e meramente potencial) violação do princípio da igualdade seja, de facto e de direito, injustificada no caso vertente. Enfim e para concluir, crê-se, salvo melhor entendimento, que o Tribunal a quo errou ao aplicar o artigo 38.º/7 da LTFP à situação dos presentes autos, pois procedeu à aplicação desta norma a uma relação contratual formada em data anterior à entrada em vigor desta disposição, com o que violou, em consequência, a regra de aplicação da lei no tempo constante do artigo 9.º/1 da LTFP, assim como aquela outra defluente o artigo 12.º do Código Civil.”.
Vejamos então.
O referido art. 38º da LTFP, sob a epígrafe “Determinação do posicionamento remuneratório” determinava, no seu nº7 (entretanto revogado) o seguinte: “O empregador público não pode propor a primeira posição remuneratória ao candidato que seja titular de licenciatura ou de grau académico superior quando esteja em causa o recrutamento de trabalhador para posto de trabalho com conteúdo funcional correspondente ao da carreira geral de técnico superior”.
E o art. 9º da mesma Lei, sob a epígrafe “Aplicação no tempo” prescreve:
“1 - Ficam sujeitos ao regime previsto na LTFP aprovada pela presente lei os vínculos de emprego público e os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho constituídos ou celebrados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente anteriores àquele momento.
2 - As disposições de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho contrárias a norma imperativa da LTFP consideram-se automaticamente substituídas pelo conteúdo da norma legal, à data de entrada em vigor da presente lei.
3 - Independentemente do prazo de vigência do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, as partes podem proceder à revisão parcial deste instrumento para adequar as suas cláusulas à lei, no prazo de seis meses após a entrada em vigor da presente lei.
4 - Os acordos coletivos de trabalho em vigor podem ser denunciados no prazo de um ano, a contar da entrada em vigor da presente lei.”.
Ora, analisando, tendo em conta a matéria de facto dada como provada, em especial o art. 9º da LTFP, conjugado com o disposto no art. 12º do CC, onde se lê: “1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que, lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. 2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”, a apelante Ré não tem razão.
A decisão recorrida não merece censura, no que respeita à aplicação daquele dispositivo.
Expliquemos.
A situação em análise prende-se com o estatuto remuneratório da Autora, que segundo o art. 38º, nº7 da referida LTFP, atrás transcrito, imporia que a sua remuneração fosse estabelecida logo a seguir à primeira posição.
Ou seja, a LTFP – Lei nova – veio regulamentar um direito, o direito a uma concreta remuneração em função do grau académico do trabalhador. E se assim é – se estamos perante regulamentação de um direito – temos de concluir que o citado artigo se aplica à Autora, não obstante a sua relação de trabalho se ter constituído em momento anterior à entrada em vigor da Lei LTFP.
É a conclusão a que chegamos em face do disposto no art. 9º da LTFP e da 2ª parte do nº 2 do art. 12º do CC.
Acresce dizer que, no Direito do Trabalho a imediata aplicação da Lei aos contratos vigentes tem por finalidade promover a igualdade dos trabalhadores quanto às condições de trabalho relativamente a todos aqueles que estão abrangidos pelo mesmo regime contratual.
Por isso, sem necessidade de outras considerações, como dissemos, a decisão recorrida não merece qualquer reparo, improcedendo o recurso da Ré/apelante.
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III - DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta secção em julgar improcedentes as apelações da Autora e da Ré e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.

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Custas da apelação da Autora a cargo desta.

Custas da apelação da Ré a cargo desta.
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Porto, 11 de Dezembro de 2024
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,

Relatora: (Rita Romeira)
1º Adjunto: (Nelson Fernandes)
2º Adjunto: (Rui Penha)