PROCEDIMENTO CAUTELAR
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ORDEM DE TRANSFERÊNCIA DE LOCAL DE TRABALHO
ASSÉDIO MORAL
Sumário

I - Não cumpre o disposto pelo art.º 640.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a) do CPC, o recorrente que não indica quaisquer meios de prova constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, limitando-se a produzir asserções como “dos autos extrai-se precisamente o contrário”, “resulta de forma ostensiva dos autos”, assentes em meras conclusões que extrai de factos tal como por si interpretados.
II - Não é ilícita a ordem de transferência de local de trabalho quando fundamentada no encerramento definitivo do estabelecimento em que a trabalhadora prestava o seu trabalho.
III - Não constitui assédio moral a proposta da empregadora à trabalhadora de baixa da categoria profissional e diminuição da retribuição, se a mesma teve como justificação a circunstância de a empregadora não ter vagas noutras lojas para a categoria da recorrida e de a perda da retribuição pressupor a efetiva diminuição das horas de trabalho semanal de 40h para 35h.
IV- Também não constitui assédio moral a transferência de local de trabalho do Porto para Aveiro, de uma trabalhadora residente em Vila Nova de Gaia, que constitui forma de salvaguardar o direito desta de não aceitar a proposta referida em 3, se a empregadora não tem qualquer outra vaga disponível para a categoria da trabalhadora.

(Da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Processo n.º 4375/24.8T8VNG
Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de ... - Juiz 1

Acordam os juízes da secção social do Tribunal da Relação do Porto

Relatório (seguindo de perto o relatório constante do despacho recorrido)

AA instaurou o presente procedimento cautelar comum contra "A..., S.A.", pedindo que seja:

a) Seja suspensa a sua transferência para a loja ... sita no Fórum Aveiro, decorrente da comunicação datada de 22/04/2024, rececionada em 26/04/2024, comunicação de transferência esta viciada por preterição do disposto no art.º 194.°, n.º 1, al. a) e no art.º 196.º, n.º 1, ambos do Código do Trabalho;

b) Seja a requerida condenada a manter a sua prestação laboral na loja ... existente no ..., conforme comunicação de transferência legal e validamente realizada pela requerida em 08/04/2024, aceite pela requerente.

Para fundamentar a sua pretensão alega a requerente que é trabalhadora da requerida desde 01/04/1991, exercendo, desde novembro de 2006, as funções de caixeira encarregada.

Em janeiro de 2024, a requerente prestava o seu trabalho na loja ..., explorada pela requerida e sita no Shopping ....

Tal loja foi encerrada em 21/04/2024, tendo a requerida reportado tal encerramento aos trabalhadores em 08/04/2024.

Em 24/04/2024, a requerente, aceitando a transferência comunicada, apresentou-se para trabalhar na loja sita no ....

Sucede que a requerida procurou diminuir a categoria profissional e carga horária da requerente e, porque esta não acedeu a tal pedido, em 22/04/2024 promoveu uma segunda comunicação de transferência da loja ... no Shopping ... para a loja ... em Aveiro, a qual não tem por ratio subjacente qualquer encerramento de loja e, como tal, padece de vício, devendo ser declarada nula.

Ademais, esta segunda transferência constitui claro assédio laboral, uma vez que a requerida escolheu capciosamente a loja em Aveiro com o fito de castigar e lesar a requerente na sua dignidade pessoal, sabendo a requerida que a requerente presta apoio pessoal e direto à sua mãe, com graves problemas de Alzheimer e dependente de terceiros para todas as atividades da sua vida diária.

Por outro lado, na área de residência da requerente existem várias lojas e a loja de Aveiro situa-se a mais de 50 Km, o que impede que a mesma possa prestar assistência à sua mãe.

Foi designada data para a audiência final, tendo a requerida apresentado oposição, onde sustenta, em síntese, que porque não tinha postos de trabalho disponíveis noutros estabelecimentos comerciais compatíveis com a categoria profissional de caixeira encarregada, logo nos dias 26 e 27 de fevereiro de 2024, iniciou conversações com a requerente no sentido de ser estabelecido entre as partes um acordo com vista à diminuição da categoria profissional e diminuição do período normal de trabalho para 35 horas, com a correspondente e proporcional diminuição na retribuição.

A requerente não aceitou a proposta da requerida, tendo solicitado que o seu vencimento fosse integralmente mentido e propondo-se a prestar o seu serviço no local em que a entidade patronal melhor entendesse, o que manteve reiteradamente.

Tendo localizado uma vaga na loja de Aveiro, no dia 22/04/2024, um dia antes do encerramento total da loja do Shopping ..., comunicou à requerente a sua transferência para a loja sita no Fórum Aveiro.

A requerente só foi colocada no ... porque nos 30 dias que mediavam entre a comunicação de transferência e a sua produção de efeitos tinha de ser colocada em algum dos estabelecimentos comerciais da requerida.

Considera a requerida que a ordem de transferência da requerente para o Fórum Aveiro não viola qualquer direito desta, pois que é legítima e processualmente admissível, nem consubstancia qualquer situação de assédio.

Acresce que a requerente não alega factos concretos que permitam aferir a existência de "periculum in mora".

Por fim, o acréscimo de tempo de deslocação é insuficiente para o preenchimento do conceito de "prejuízo sério".

Procedeu-se à audiência final, na sequência da qual foi proferido despacho final, julgando o procedimento cautelar improcedente.

Inconformada, a requerente interpôs o presente recurso, pretendendo que a decisão recorrida seja revogada, apresentando alegações que concluiu da seguinte forma:

«1ª - O entendimento sufragado por Mma Juíza a quo denegando à comunicação realizada aos 08-04-2024 a natureza de transferência de local de trabalho constitui violação do art 59°, n.º 1 als a) e b) e 3 da CRP; artº 666°, n° 1 do CPC e do disposto nos art.s art. 129° n.º 1, alínea f) e art 196°, n° 1 do CT.

2ª - A observância dos requisitos previsto em art. 196°, n° 1 do CT constitui dever da entidade patronal.

3° - A omissão de cumprimento de deveres da entidade patronal não poderá ser assacada em responsabilidade e em prejuízo do trabalhador.

4° - A indicação prestada por entidade patronal, ordenando a trabalhador o dever de se apresentar em local diverso para prestação de trabalho, impõe-se ao trabalhador ao abrigo art. 128° n° 1, al e) do CT.

5° - Apenas ao trabalhador cabe o direito de reclamar, ou não, da falta de requisitos de transferência promovida por entidade patronal.

6° - Constitui opção legítima de trabalhador, não invocar a falta de cumprimento de requisitos de transferência operada por entidade patronal, acatando a mesma e dando-lhe cumprimento enquanto ordem.

7° - Não estando sujeito aos autos a apreciação do cumprimento, ou não de requisitos legais quanto a ordem de transferência realizada por entidade patronal aos 08-04-2024, não poderá o vício ser conhecido por MMa Juiz a quo, sob pena de violação do princípio dispositivo, previsto no artº 666°, n° 1 do CPC.

8° - A possibilidade de condenação extra vel ultra petitum, prevista no art. 74° Código Processo Trabalho (CPT) não abrange os autos de procedimento cautelar comum, não sendo pois aqui legalmente aplicável.

9° - A condenação extra vel ultra petitum visa na sua génese tutelar o trabalhador porquanto parte económica e socialmente mais frágil, não sendo legítimo o uso da referida excepção do princípio do dispositivo para prolação de decisão contrária ao interesse de trabalhador requerente.

10° - Atento o princípio do dispositivo, não cabe a MMa Juíza a quo pronunciar-se quanto à alegada falta de requisitos de comunicação de 08-04-2024 como transferência de local de trabalho, já que o cumprimento, ou não, dos requisitos não é objecto dos autos

11° - E mesmo que fosse, a falta de cumprimento constitui falta da sociedade requerida, não podendo a requerente ser sancionada pela falta de terceiros, no caso entidade patronal.

12° - A comunicação de transferência como realizado aos 08-04-2024, mesmo que violado seja o prazo antecedência previsto em lei, tendo sido acatada por requerente, produz todos os seus efeitos, nos exactos termos e conforme ali indicado.

13° - A comunicação de transferência, como realizado por sociedade requerida aos 08-04-2024, importa para requerente o dever de se apresentar em Loja sita no ..., atento o encerramento de Loja .../....

14° - Tendo a factualidade encerramento de loja sido usada por sociedade requerida para transferir a trabalhadora para loja ..., não poderá a mesma factualidade vir a ser novamente usada para nova transferência, então para Aveiro.

15° - A literalidade de comunicação realizada aos 08-04-2024 revela que o destinatário da mesma são os trabalhadores, cfr "envio-vos as folgas da equipa, bem como o 1° dia de trabalho na vossa loja da semana 22 Abril", sublinhado nosso.

16° - Segue contrário ao senso comum entender, como realiza Juiza a quo, que a comunicação realizada aos 08-04-2024 seguia apenas destinada a lojas.

17° - A comunicação realizada aos 08-04-2024 visa alterar o local de trabalho de trabalhadores, com o que, o destinatário único possivel terão de ser os trabalhadores.

18° - O entendimento sufragado por MMA Juiza a quo, lendo a comunicação como sendo destinada a Lojas, implicaria para entidade patronal o livre divulgar de dados pessoais de todos os trabalhadores de loja encerrada a terceiros sem qualquer interesse funcional na obtenção de dados transmitidos.

19° - Sendo comunicação destinada a lojas, como entende MMa Juiza a quo, a comunicação em causa perderia toda a sua utilidade, já que, são os trabalhadores que se deslocam para local de trabalho e não as lojas que os catam para prestação de trabalho.

20° - A sujeição de trabalhadores objecto de transferência à diminuição de categoria profissional e carga horária, como realizado por sociedade requerida, não constitui uma qualquer forma de negociação.

21° - Constando dos factos indiciariamente provados, factos 11 e 12 de II Fundamentação de facto, ter sociedade requerida informado os trabalhadores de qual a loja onde se deveria apresentar, deverá ter-se necessariamente por ocorrida ordem de transferência válida, já que não reclamada e mesmo acatada.

22° - Caracterizar a transferência realizada aos 08-04-2024 como temporária face à existência de "negociações" que se apura serem mera redução de direitos adquiridos constitui violação da irrenunciabilidade de direito laboral, cfr Ac Relação Coimbra, Processo 9789/17.7T8CBR.C1, in DGSI.

23° - A pretensão de sociedade requerida acarreta em si mesmo para requerente perda de vencimento, como se observa do confronto de folha de féria junta aos autos referência Citius 460849255 com folha de féria rectificada referência Citius 39285932.

24° - Redução de vencimento de requerente que a sociedade requerida na verdade concretizou, mesmo na pendência de procedimento cautelar comum em curso !!! sem prejuizo de posterior rectificação.

25° - Na verdade, tivesse requerente acatado a vontade de sociedade requerente em lhe baixar vencimento, por via de baixa de categoria e carga horária e já requerente poderia ir para onde bem quisesse.

26° - A transferência realizada aos 26-04-2024 não poderá ser tida por transferência única, atenta a prévia existência de transferência válida realizada por comunicação de 08-04-2024.

27° - A transferência de 08-04-2024 apenas ganha natureza de temporária aos 26-04-2024, isto é: quando já a mesma tinha ocorrido, operado todos os seus efeitos, estando requerente a prestar trabalho conforme local indicado por sociedade requerida.

28° - A factualidade invocada por sociedade requerida para ordem de transferência realizada aos 26-04-2024 - encerramento de loja -, encontrava-se já consumida por transferência ocorrida aos 08¬04-2024, com o que, a transferência de 26-04-2024 segue ilegal, por violadora do art. 194°, n° 1, al a) do CT.

29° - A factualidade encerramento de loja só poderá ser usada por entidade patronal uma única vez, ficando no caso o seu uso consumido pela comunicação de 08-04-2024.

30° - Demanda movida por sociedade requerida com vista à perda de direitos laborais por parte de requerente, como aliás segue provado nos autos, cfr art. 14° de Factos indiciariamente assentes, constitui assédio laboral, nos termos do art. 29° n 1 do CT.

31° - Requerente não devia, face aos principios que ordenam e regulam o direito laboral, ter de rogar para lhe ser mantida categoria profissional e carga horária e, inerente, salário.

32° - A sociedade requerida "optou" por encerrar loja ... existente no Shopping ..., o que corresponde a facto indiciariamente assento, cfr ponto 8 de factos indiciariamente assentes in II Fundamentação facto.

33° - Cabe à sociedade requerida recolocar os trabalhadores, respeitando suas categorias profissionais, não podendo fazer uso de encerramento como meio para assacar perdas de categoria profissional e diminuição de carga horária.

34° - A decisão final a proferir deverá assim ser de procedência do procedimento cautelar comum nos termos e como pedido por requerente.

35° - À comunicação de 08-04-2024 requer-se seja reconhecida a natureza de transferência local de trabalho, atento o conteúdo e sentido da comunicação em causa.

36° - A comunicação de transferência ocorrida aos 26-04-2024 requer-se seja julgado ilegal, por violação do disposto no art 196 n° 1, al. a) CT, já que o fundamento usado seguia já consumido pela prévia transferência operada por comunicação de 08-04-2024.

37° - A matéria de facto dada por prova carece de ser alterada, o que se requer seja realizado nos termos e conforme supra descrito.

38° - O ponto 27 de factos indiciariamente provados deverá ser alterado, sendo o mesmo substituído para 27) Nos finais de fevereiro de 2024, a requerida, na pessoa de sua responsável de Recursos Humanos na Zona Norte, BB, iniciou conversações com todos os trabalhadores que prestavam as suas funções naquele estabelecimento comercial.

39° - Alteração que se impõe da análise da prova recolhida nos autos, como supra descrito.

40° - A negociação promovida por entidade patronal quanto ao vencimento no decurso do vínculo laboral não poderá ficar em factos provados como sendo "no interesse de ambas as partes", como indevidamente consta.

41° - O ponto 34 de factos indiciariamente provados deverá ser alterado, sendo o mesmo substituído por 34) O estabelecimento comercial da requerida ..., sito no Fórum Aveiro tem uma vaga para o posto de trabalho de caixeiro encarregado uma vez que a pessoa que desempenhava as funções correspondentes a essa categoria nesse estabelecimento iniciou um período de baixa prolongada devido a doença oncológica.

42° - Na verdade, tendo requerente exercido funções na Loja ... sem qualquer alteração de categoria e carga horária, não se poderá indicar ser a loja de Aveiro a única com vaga.

43° - Por outro lado, sendo o encerramento opção de sociedade requerente, cfr ponto 8 de factos provados, cabe a requerida suportar os inerentes custos de opção tomada e não transferir para o trabalhador objecto de opções de entidade patronal a custear as mesmas.

44° - O ponto 34 segue assim contraditório com o ponto 13° de factos provados, como ainda, contraditório quanto aos documentos de requerimentos referências citius 39285932 e 460849255, que demonstram poder requerente exercer suas funções sem redução de categoria ou carga horária na loja sita no ....

45° - O ponto 35 de factos indiciariamente provados deverá ser alterado, sendo o mesmo substituído por 35) A requerente passou a prestar serviço no estabelecimento comercial sito no ....

46° - A comunicação de entidade patronal pela qual requerente se deslocou para a loja sita no ... não segue realizada sob qualquer reserva de temporariedade.

47° - A alegada natureza temporária de transferência segue ficcionada por sociedade requerida já após ter sido a transferência integralmente realizada, estando requerente a prestar seu trabalho.

48° - A alegada natureza temporária tem sua génese coação promovida por entidade patronal, realizada com o fito de diminuir rendimento a requerente, cfr documentos de requerimentos referências citius 39285932 e 460849255, que demonstram poder requerente exercer suas funções sem redução de categoria ou carga horária na loja sita no ....

49° - Coação aliás admitida pela sociedade requerida e constante em ponto 14 de factos indiciariamente provados.

50° - A coação com vista à redução categoria profissional, com inerente perda de vencimento, constitui acto perpetrado por entidade patronal que afecta a dignidade da requerente, constituindo assim assédio laboral, previsto no art 29° n° 2 do CT.

51° - Tendo-se a transferência determinada por comunicação de 08-04-2024, após início da mesma, deverá a mesma ter-se por concluida, perfeita e cristalizada nos exactos termos em que foi comunicada, isto é: sem qualquer natureza temporária.

52° - Temporariedade que assim urge retirar de factos assentes, como supra descrito.

53° - Os pontos 31, 38 e 39 de factos provados, com o conteúdo que apresentam, carecem de ser expurgados dos factos dados como provados.

54° - Na verdade, trata-se de matéria em absoluto estranha ao objecto dos autos, em nada contribuindo para a boa decisão a proferir.

55° - Na verdade, o meio de transporte escolhido por sociedade requerente para cálculo resulta de álea da mesma, como igualmente os horários que a mesma escolheu para cálculo.

56° - Em detrimento dos pontos 31, 38 e 39 deverá sim constar da matéria de facto provada, importar a ilegal transferência de 26¬04-2024 prejuízo sério para requerente, já que vincula a mesma à realização diária de, pelo menos, 122km dia extra, cfr Documento 18 de Requerimento Inicial.

57° - Facto que coloca em crise a dignidade humana da requerente, impedindo a mesma de prestar cuidados básicos à sua mãe, cfr Doc 14 de Requerimento Inicial.

58° - Na verdade, a transferência como realizado, coloca em crise o direito à vida da mãe de requerente, facto aliás do pleno conhecimento de sociedade requerida, cfr doc 15 de Requerimento Inicial.

59° - De factos não provados, carece de ser alterado a alinea a);

60° - A baixa de categoria profissional e diminuição de carga horária têm em si mesmo, inerentemente e de forma inevitável, a perda de retribuição.

61° - Aliás, a perda segue nos autos mesmo documentada e descrita, cfr folhas de féria antes e após rectificação de ilegal baixa de categoria, promovida no decurso dos autos, sem suporte legal, referências Citius 460849255 e 39285932.

62° - Deverá assim constar como facto provado: O referido em 14) implicava a perda de vencimento por parte da requerente.

63° - Alterações que assim se reclamam seja determinadas por douto Acórdão a proferir, estando indicados os factos que se reputam por incorrectamente julgados, qual a razão de se ter por errado o julgamento dos mesmos, estando apontado por requerente ora recorrente qual o devido conteúdo a fixar.

64° - Face aos factos provados nos autos, conjugados os mesmos com a correcta aplicação da lei e do Direito, impõe-se seja o procedimento cautelar julgado procedente por provado, sendo consequentemente ordenada a Suspensão da transferência de requerente para loja sita em Aveiro.

65° - Sendo determinado manter requerente seu posto de trabalho em loja sita no ..., já que, tal corresponde a local de trabalho determinado por válida ordem de transferência emanada de sociedade requerida e não reclamada.

66° - A não procedência, constituirá anuir à conduta de sociedade requerida, a qual não se coíbe de "negociar" os vencimentos de trabalhadores no decurso de vínculo laboral, promove baixas de categoria ad hoc em violação de lei.

67° - A não procedência, constituirá sério e irreparável prejuízo para requerente, que lhe vê denegado o direito de auxiliar sua mãe, ficando a vida desta em crise.

68° - A não procedência, constituirá ainda sério e irreparável prejuízo para requerente, forçando a requerente à realização de 2.452Km mês (122*5*4), a título de penalização por não abdicar de direitos adquiridos.»


*

A requerida apresentou contra-alegações nas quais formulou as seguintes conclusões, com vista à improcedência do recurso:

«1) Nas suas alegações de recurso vem, primeiramente, a RECORRENTE impugnar o entendimento do Tribunal a quo de que o e-mail datado de 08/04/2024 (ponto 9) dos factos dados como indiciariamente provados), não consubstancia qualquer comunicação de transferência definitiva do seu local de trabalho;

2) Sucede que, a decisão recorrida não merece qualquer reparo quanto a este ponto, na medida em que resulta suficientemente provado nos autos que:

(i) o e mail de 08/04/2024 não foi dirigido à RECORRENTE, tratando-se de uma mera comunicação interna informativa que a Sra. BB dirigiu a todos os diretores de loja, para que estes tomassem conhecimento do que tinha sido acordado com os trabalhadores que iriam ser transferidos, nomeadamente, no que respeita a "folgas" (cfr. teor do próprio documento e depoimento da Sra. BB com registo de gravação áudio a minutos 01:59 a 02:26, 02:50 a 02:59, 04:34 a 04:44, 05:20 a 5:24, 25:25 a 25:44 e 26:03 a 26:09 - 2.ª gravação); e

(ii) no dia 10/04/2024, isto é, dois dias depois do envio do e-mail em causa, o processo de transferência da RECORRENTE ainda não se encontrava concluindo, encontrando-se a RECORRIDA a diligenciar no sentido de encontrar um estabelecimento comercial no qual a RECORRENTE pudesse continuar a exercer as suas funções de "caixeira encarregada", em conformidade com aquela que foi sempre a sua pretensão (cfr. doc. n.º 1 da oposição apresentada pela Recorrida e que consta no ponto 33) dos factos dados como indiciariamente como provados);

3) Assim e ao contrário do que a Recorrente alega e pretende fazer crer, não existiu uma (primeira) transferência do seu local de trabalho anterior para o estabelecimento comercial “...” sito no “Centro Comercial ...”, consubstanciada no e-mail de 08/04/2024;

4) porquanto, a única transferência (definitiva) do seu local de trabalho, fundamentada na extinção total do estabelecimento onde prestava as suas funções, foi aquela que lhe foi comunicada em 22/04/2024 (cfr. comunicação que constitui o doc. n.º 2 da oposição apresentada pela Recorrida e que consta no ponto 16) dos factos dados como indiciariamente provados),

5) sendo que, por força do dever de ocupação efectiva e tendo presente que no dia 23/04/2024 o estabelecimento comercial onde a RECORRENTE laborava iria encerrar, a mesma teria de prestar serviço, temporariamente, em algum dos estabelecimentos comerciais da RECORRIDA, durante os 30 (trinta) dias que mediavam a comunicação e a efetiva transferência para o novo local de trabalho,

6) e foi unicamente neste contexto que a RECORRENTE foi colocada no estabelecimento comercial "..." sito no "Centro Comercial ...", até ao dia 27/05/2024 (cfr. última parte da comunicação que constitui o doc. n.º 2 da oposição da Recorrida e que consta no ponto 16) dos factos dados como indiciariamente provados)

7) Por conseguinte, a (única) ordem de transferência do local de trabalho da RECORRENTE (transferência coletiva e definitiva) para o estabelecimento comercial da RECORRIDA, sito em Aveiro, formalizada mediante a comunicação de 22/04/2024, revela-se legítima, lícita, válida e processualmente admissível, não violando qualquer direito da RECORRENTE, designadamente a sua garantia de inamovibilidade,

8) nem tão pouco constitui uma situação de assédio, porquanto, conforme ficou amplamente demonstrado nos aulos, não se consubstancia num ato promovido pela RECORRIDA com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a RECORRENTE, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador;

9) Assim, não se verificando a existência de qualquer direito na esfera jurídica da RECORRENTE que mereça tutela cautelar, andou bem o Tribunal a quo ao determinar a improcedência do procedimento cautelar peticionado pela RECORRENTE, por falta de um dos seus requisitos/pressupostos (cfr. artigo 368.º n.º 1 do CPC).

10) Acresce que, a RECORRENTE coloca em crise a decisão sobre a matéria de facto dada como indiciariamente provada, designadamente sobre os seguintes pontos:

• 27) Nos finais de fevereiro de 2024, a requerida, na pessoa da sua responsável de Recursos Humanos na Zona Norte, BB, iniciou conversações com todos os trabalhadores que prestavam as suas funções naquele estabelecimento comercial, procurando junto dos mesmos soluções que satisfizessem os interesses de ambas as partes.

• 34) O estabelecimento comercial da requerida ..., sito no Fórum Aveiro, foi o único onde surgiu uma vaga para o posto de trabalho de caixeiro encarregado, uma vez que a pessoa que desempenhava as funções correspondentes a essa categoria nesse estabelecimento iniciou um período de baixa prolongada devido a doença oncológica.

• 35) A requerente passou a prestar serviço no estabelecimento comercial sito no ... entre o momento em que decorressem os 30 dias entre a comunicação da transferência e a efetiva transferência

• 37) O tempo de deslocação entre a casa da requerente e o Centro Comercial ..., utilizando meios de transporte público, é de 0lh05m

• 38) O tempo de deslocação entre a casa da requerente e o ..., utilizando meios de transporte públicos, é de 0lh 09m.

• 39) O tempo de deslocação entre a casa da requerente e o Fórum Aveiro, utilizando meios de transporte públicos, é de 0lh 30m.

11) No que respeita, ao ponto 27), a RECORRENTE afirma, no ponto 90 das suas alegações de recurso, que "resulta de forma ostensiva dos autos, a inexistência de qualquer efetiva e válida forma de negociação."

12) Ora, esta afirmação é expressamente refutada pelas próprias declarações de parte da RECORRENTE, no âmbito das quais a mesma afirmou/confirmou a existência de conversações/negociações prévias estabelecidas entre si e as responsáveis da RECORRIDA (Sra. BB), com vista a uma solução que satisfizesse os interesses de ambas as partes, após o encerramento do estabelecimento comercial onde laborava (cfr. declarações de parte da Recorrente com registo de gravação áudio a minutos 03:21 a 3:42, 03:43 a 03:48, 04:05 a 04:08, 06:06 a 06:24, 06:42 a 06;45 e 06:58 a 07:10).

13) Com efeito a RECORRENTE confirmou que nos dias 26 e 27 de fevereiro de 2024, a RECORRIDA, na pessoa da sua responsável de Recursos Humanos na zona Norte - Sra. BB -, encetou uma negociação com vista a encontrar uma solução que satisfizesse os interesses de ambas as partes, apresentando propostas para esse efeito;

14) Em nenhum momento das declarações de parte da RECORRENTE se extrai qualquer situação de coação ou assédio da RECORRIDA para com a RECORRENTE, como esta, incompreensível e infundadamente, afirma de forma reiterada nas suas alegações (pontos 95 e 96);

15) Ao invés, das declarações de parte da RECORRENTE e igualmente do depoimento da Sra. BB, interveniente direta nos factos, extrai-se que as partes deram início a um processo negocial, no âmbito do qual a RECORRIDA apresentou propostas que permitiriam à RECORRENTE continuar a trabalhar num estabelecimento comercial perto da sua área de residência e que a RECORRENTE, após ter ponderado, acabou por livremente rejeitar todas as propostas apresentadas;

16) Por conseguinte, a impugnação da matéria de facto no que diz respeito ao ponto 27) da "fundamentação de facto" carece de qualquer fundamento, não merecendo a decisão recorrida qualquer censura ou reparo, face à prova produzida nos autos, devendo, consequentemente, o ponto 27) dos factos provados manter-se nos seus exatos termos;

17) No que diz respeito à impugnação da matéria de facto do ponto 34), verifica-se que a RECORRENTE omitiu novamente a prova produzida nos autos que levaram o Tribunal a quo a dar como provado o facto em causa, designadamente as suas próprias declarações de parte,

18) porquanto, no decurso das suas declarações a RECORRENTE afirmou de forma livre e espontânea o seguinte sobre este ponto em concreto: “A única loja que me arranjavam para manter as coisas que eu quero era só em Aveiro”(cfr. declarações de parte com registo de gravação áudio a minutos 18.02 a 18.08)

19) Perante esta afirmação e tendo ainda em consideração todo o depoimento livre, coerente e esclarecedor da testemunha BB - interveniente direta dos factos - sobre esta matéria, outra não poderia ser a decisão do Tribunal a quo senão a que acabou por tomar, não merecendo naturalmente a mesma qualquer censura e reparo, devendo manter-se o ponto 34) da "fundamentação de facto" nos exatos termos em que consta na decisão recorrida;

20) Relativamente ao ponto 35) ficou amplamente provado nos autos que a RECORRENTE apenas passou a prestar serviço no estabelecimento comercial da RECORRIDA localizado no "..." em cumprimento de um dever de ocupação efetiva e de forma temporária,

21) isto é, entre o momento da (única) comunicação de transferência do local de trabalho que foi remetida em 22/04/2024 (documento n.º 2 junto com a oposição da Recorrida e que se encontra indicado no ponto 16) da "fundamentação e facto") e a data em que essa transferência se iria efetivar (27/05/2024).

22) Neste sentido, atente-se na parte final da referida comunicação que ora se transcreve: "mais se informa que até ao dia referenciado - 27 de maio - deverá comparecer no estabelecimento comercial ... sito no ... (cfr. documento n.º 2 junto com a oposição da Recorrida e que se encontra indicado no ponto 16) da "fundamentação e facto").

23) Assim, andou bem o Tribunal a quo ao dar como provado o facto indicado no ponto 35) da "fundamentação de facto", não merecendo esta decisão qualquer reparo.

24) No que concerne aos pontos 37), 38) e 39), a RECORRENTE alega que os tempos apurados naqueles pontos se revelam inúteis para os autos, dado que a mesma nunca se apresenta ao trabalho nos horários indicados na pesquisa;

25) Sucede que, independentemente dos horários praticados pela RECORRENTE, é indubitável que a sua transferência de local de trabalho para o estabelecimento comercial da RECORRIDA sito em Aveiro não consubstancia uma situação de dano grave e irreparável suscetível de tutela cautelar,

26) tratando-se, antes de um simples transtorno ou incómodo, em linha com o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 05/07/2007, proc. n.º 07S743 (disponível em www.dgsi.pt): "Não constitui "prejuízo sério", para os efeitos do exercício de resolução do contrato de trabalho com indemnização, o facto de com a mudança de local de trabalho o trabalhador passar a despender diariamente com as deslocações entre l.00h a 1h15m e de perder uma situação de vantagem que resultava da relação de proximidade do anterior local de trabalho com a residência (almoçar em casa, dispor de mais tempo para a lide da mesma, e para descanso e acompanhamento familiar' (negrito e sublinhado nossos);

27) Para além disso, é entendimento da RECORRENTE que as propostas que lhe foram inicialmente apresentadas pela RECORRIDA, aquando das conversações/negociações tidas entre as partes, visavam, única e exclusivamente, diminuir os seus direitos, designadamente o seu vencimento, impugnando, consequentemente o seguinte facto dado como não provado na decisão recorrida: "a) O referido em 14) visava a perda de vencimento por parte da requerente'-,

28) Acontece, porém, que que a RECORRENTE não só não fez, como lhe competia, qualquer prova dessa alegada intenção, como todos os elementos probatórios recolhidos nos autos comprovam não ter sido aquela a intenção da RECORRIDA;

29) Com efeito, conforme decorre, inequivocamente, do depoimento da testemunha BB e das próprias declarações de parte da RECORRENTE, as propostas apresentadas visavam apenas encontrar uma solução para que a RECORRIDA se mantivesse a prestar serviços num estabelecimento comercial localizado perto da sua área de residência,

30) não se vislumbrando em que medida e que a RECORRIDA violou os mais elementares direitos constitucionais da sua Trabalhadora/Recorrente, designadamente o direito ao seu salário e demais condições laborais, como é invocado nas alegações de recurso a que se responde (ponto 151);

31) Pelo que, andou novamente bem o Tribunal a quo ao considerar como não provado o facto acima transcrito, ainda para mais quando o mesmo extravasa por completo o objeto dos presentes autos cautelares, conforme a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo teve oportunidade de afirmar em sede de audiência final (cfr. despacho, que se encontra gravado no sistema de gravação integrado do Sistema informático "Habilus", tendo iniciado às 11:08 horas e terminado às 11:10 horas do dia 04/06/2024).»


*

O recurso foi regularmente admitido e, neste tribunal, o Ministério Público emitiu parecer ao abrigo do art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT), no sentido da rejeição da impugnação da matéria de facto por incumprimento dos ónus previstos pelo art.º 640.º do Código de Processo Civil (doravante CPC) e da improcedência do recurso.

*

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*

Delimitação do objeto do recurso

Resulta das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do CPC, aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).

Assim, são as seguintes as questões a decidir (enunciadas pela ordem de precedência lógica, nos termos do art.º 608.º, n.º 1 do CPC:

1 – condenação “extra vel petitum”;

2 – impugnação da matéria de facto provada e não provada;

3 – ilegalidade da transferência da requerente comunicada pela requerida por carta de 22/04/2024.


*

Fundamentação de facto

Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:

« 1) A requerente foi contratada, em 01-04-1991, pela requerida, por contrato de trabalho a termo certo, para a exercer a categoria profissional de Caixeira Ajudante, sendo o local de trabalho loja sita na Rua ..., Porto.

2) A ora requerida, aos 02/05/2005, transferiu a sua posição contratual quanto à trabalhadora requerente, para a sociedade B..., LDA, sociedade comercial por quotas com NIPC ...98, cessão que a trabalhadora aceitou.

3) Aos 01-11-2006, a ora requerente, então trabalhadora da B..., foi promovida a Encarregada/Estagiária, em regime de isenção de horário, tendo sido fixado como local de trabalho a loja B... então existente no ....

4) A realizada transferência de posição contratual foi realizada dentro do mesmo grupo de empresas, aliás fusionadas aos 2012-01-31.

5) A sociedade requerida, após fusão acima descrita, alterou sua denominação social para A..., S.A.

6) A requerente é caixeira encarregada, desde novembro de 2006.

7) A requerente em janeiro de 2024 prestava seu trabalho na loja ..., explorada pela requerente e sita no Shopping ....

8) A requerida optou por encerrar a loja ... existente no Shopping ..., local onde requerente prestava seu trabalho.

9) No dia 09-04-2024 foi enviado o seguinte email para os responsáveis de loja:


11) A sociedade requerida informou os trabalhadores de qual a loja onde se deveriam apresentar.

12) No dia indicado pela sociedade requerida, a aqui requerente apresentou-se no local designado para prestar seu trabalho, tendo constatado estar a loja preparada para sua receção, tendo-lhe sido atribuído o necessário cacifo.

13) Foi elaborado em loja mapa de horário contemplando a aqui requerente, respeitando a categoria profissional da mesma, carga horária de 40 horas e turnos com trabalho noturno.

14) A requerida, propôs à requerente a diminuição da sua categoria profissional e de carga horária.

15) A requerente não acedeu a tal pedido.

16) Com data de 22-04-2024, a requerida comunicou à requerente o seguinte:

17) Tal missiva foi rececionada no dia 26-04-2024.

18) Em 22-03-2024, a requerente enviou à requerida o seguinte email:

"De: AA <..........@.....>

Enviada: 22 de março de 2024 16:36

Para: BB <..........@.....>

Assunto: Resposta

(...)

Bom dia,

Antes do mais apresento os meus melhores cumprimentos.

Serve o presente meio para expor e solicitar a v/exas:

Tenho neste momento trinta e três anos de casa e, creiam-me, um profundo apreço e consideração pela entidade patronal, à qual muito devo.

Exerço as minhas funções sempre com elevado gosto e com o maior profissionalismo, procurando realizar e satisfazer o interesse da loja, do grupo e por inerência, m/próprio.

Quanto a funções e vencimento, a minha opção segue, na verdade, profundamente limitada pela realidade externa a que estou sujeita.

De facto, m/mãe encontra-se ora gravemente doente, sofrendo de Alzheimer em avançado estado, dependendo assim de terceiras pessoas para suas necessidades básicas.

Tal facto, conjugado com as necessidades de agregado familiar, não me permitem suportar perdas de rendimento, já que, tal levaria à perda de capacidade de satisfazer as necessidades básicas daqueles que estão ora a meu encargo.

Como filha tenho o especial dever de apoiar e cuidar de quem me trouxe à vida e me auxiliou no crescimento.

Assim, sou a rogar a v/exas seja m/vencimento integralmente mantido, propondo-me a prestar m/serviço no local que entidade patronal melhor entender, o que realizarei com o maior prazer, respeito, diligência e profissionalismo.

Certa que m/solicitação será atendida,

Renovo os meus respeitosos cumprimentos.

AA".

19) A mãe da requerente tem graves problemas de Alzheimer, estando a mesma dependente de terceiros para todas as atividades de sua vida diária.

20) A transferência da requerente para Aveiro afeta a sua capacidade em cuidar e zelar pela sua mãe pessoalmente.

21) A requerente reside no concelho de ..., em concreto, na freguesia ..., o que é do conhecimento da requerida.

22) A requerida tem lojas ... em ..., Porto, Matosinhos e Gondomar.

23) Além das lojas ..., o grupo comercial a que pertence sociedade requerida inclui ainda outras lojas, como ....

24) A loja de Aveiro situa-se a mais de 50 km de distância da residência da requerida.

25) De automóvel, a requerente teria de gastar 1h30m todos os dias em deslocação.

26) O estabelecimento comercial ..., sito no Centro Comercial ..., foi totalmente encerrado no dia 23-04-2024.

27) Nos finais de fevereiro de 2024, a requerida, na pessoa da sua responsável de Recursos Humanos na Zona Norte, BB, iniciou conversações com todos os trabalhadores que prestavam as suas funções naquele estabelecimento comercial, procurando junto dos mesmos soluções que satisfizessem os interesses de ambas as partes.

28) No decurso desses contactos prévios, a requerida informou a requerente que naquele momento não tinha postos de trabalho disponíveis noutros estabelecimentos comerciais compatíveis com a sua categoria profissional de caixeira encarregada.

29) Foi discutida verbalmente entre as partes a possibilidade de ser estabelecido um acordo com vista à diminuição da categoria profissional da requerente e diminuição do seu período normal de trabalho para 35 horas, com a correspondente e proporcional diminuição de retribuição.

30) Dessa forma seria possível transferir a requerente para um estabelecimento comercial que se situasse próximo da sua área de residência.

31) A requerente manifestou a sua oposição à referida solução, dado que a mesma implicaria a diminuição da sua retribuição.

32) O que manteve no decurso das conversações tidas com a requerida.

33) Em 10-04-2024, uma responsável enviou ao representante da requerente um email, com o seguinte teor:

"Caro Dr. CC,

Agradeço o seu email e reforço que a prioridade da empresa é assegurar os postos de trabalho e encontrar soluções que se adaptem, da melhor forma, aos nossos colaboradores, tendo em conta, entre outros aspetos, a residência dos mesmos e por isso foram oferecidas vagas possíveis dentro de um raio mais próximo da residência da S/Constituinte.

No entanto e dada a posição da S/Constituinte, vamos analisar se existem outras lojas, num raio mais alargado, onde exista a vaga de Encarregada.

Volto ao seu contacto com a brevidade possível,

…”.

34) O estabelecimento comercial da requerida ..., sito no Fórum Aveiro, foi o único onde surgiu uma vaga para o posto de trabalho de caixeiro encarregado, uma vez que a pessoa que desempenhava as funções correspondentes a essa categoria nesse estabelecimento iniciou um período de baixa prolongada devido a doença oncológica.

35) A requerente passou a prestar serviço no estabelecimento comercial sito no ... entre o momento em que decorressem os 30 dias entre a comunicação da transferência e a efetiva transferência.

36) A comunicação de transferência datada de 22-04-2024 ficou disponível para levantamento em 24-04-2024.

37) O tempo de deslocação entre a casa da requerente e o Centro Comercial ..., utilizando meios de transporte público, é de 01h 05m.

38) O tempo de deslocação entre a casa da requerente e o ..., utilizando meios de transporte públicos, é de 01h 09m.

39) O tempo de deslocação entre a casa da requerente e o Fórum Aveiro, utilizando meios de transporte públicos, é de 01h 30m.»

E foi considerado não provado o seguinte:

«a) O referido em 14) visava a perda de vencimento por parte da requerente.

b) A requerida escolheu capciosamente loja em Aveiro, com o fito de castigar e lesar a requerente na sua dignidade pessoal.

c) Com a deslocação de requerente para loja de Aveiro, a sociedade requerida visa sancionar a requerente por não abdicar de seus direitos laborais, colocando em crise a saúde, bem-estar e vida, da mãe de requerente.»


*

Apreciação

Nas conclusões 7 a 10, a recorrente alega que, o tribunal “ a quo”, sob pena de violação do princípio dispositivo, previsto no art.º 666.º, nº 1 do CPC, não podia ter conhecido sobre os requisitos legais da ordem de transferência de 08/04/2024, já que, tal questão não foi suscitada no requerimento inicial, tendo-se a requerente conformado com a mesma, pelo que o cumprimento, ou não, dos requisitos daquela transferência, não é objeto dos autos. Mais alega que a possibilidade de condenação extra vel ultra petitum, prevista no art.º 74.º CPT não abrange os autos de procedimento cautelar comum, não sendo pois aqui legalmente aplicável.

Ainda que a recorrente não qualifique tal vício como de nulidade, certo é que, o alegado é suscetível de se subsumir ao disposto pelo art.º 615.º, n.º 1, als. d) e/ou e) do CPC, pelo que importa que este tribunal se pronuncie.

A nulidade da sentença a que se alude na alínea d) está diretamente relacionada com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, cominando-se, em respeito pelo princípio do pedido e do impulso processual associado ao princípio do contraditório, a violação de tais limites, isto é, as situações em que o tribunal se pronuncia sobre questões de que não podia tomar conhecimento.

Com efeito, decorre do art.º 608.º, n.º 2 do CPC que na sentença o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão dessas questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras questões.

Assim, as questões sobre as quais o tribunal deve pronunciar-se e às quais está limitada a sua intervenção aferem-se, em função do objeto processual delineado pelo autor, conformado este pelo pedido e causa de pedir, bem como pelas questões/exceções ao mesmo opostas pelo réu, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Por isso, haverá excesso de pronúncia, gerador de nulidade da sentença, se o tribunal incumprir os limites máximos do dever de decidir aquelas questões.

Também a previsão da alínea e) – “O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido” –constitui uma decorrência necessária do princípio do pedido (art.º 3.º, n.º 1, do CPC), bem como do princípio do dispositivo, na vertente da conformação da sentença (art. 609º, n.º 1, do CPC), visando-se assim assegurar uma conformidade quantitativa e qualitativa entre aquilo que é pedido pelas partes e aquilo que é decidido pelo tribunal.

Releva nesta parte, ter em conta que o art.º 74.º do CPT, se afasta do art.º 609.º, n.º 1 do CPC, ao dispor não apenas que o juiz laboral pode como “deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho”.

Constitui ainda manifestação de um desvio relativamente ao princípio do dispositivo o disposto pelo art.º 376.º, n.º 3 do CPC, relativo aos procedimentos cautelares, do qual resulta que o tribunal não está adstrito à concessão da medida cautelar concretamente identificada pelo requerente, podendo decretar aquela que considerar ser mais adequada à salvaguarda do direito violado, desde que se mantenha dentro dos limites do objeto da ação principal[1].

No caso dos autos, nenhum daqueles vícios se pode considerar verificado.

O tribunal não condenou em objeto diverso do pedido, tanto mais que a decisão não foi condenatória, mas absolutória e o facto de se ter pronunciado sobre a comunicação de 08/04/2024 no sentido de a mesma não constituir uma ordem de transferência de local de trabalho não equivale ao conhecimento de questão de que não podia tomar conhecimento.

Pelo contrário, impunha-se ao tribunal que se pronunciasse sobe al questão, sob pena de omissão de pronúncia.

De facto, a recorrente, como fundamento da sua pretensão cautelar, alegou, no requerimento inicial, que a ordem de transferência para a loja de Aveiro, que recebeu em 26/04/2024, fundamentada no encerramento da loja do Shopping ... em que trabalhava, é ilegal porque nessa data já havia sido transferida para uma outra loja com esse mesmo fundamento. Ou seja, o posto de trabalho da recorrente já não era na loja do Shopping ..., sendo irrelevante o encerramento de tal loja, como motivo para a voltar a transferir.

Por sua vez, a recorrida na oposição, alegou que a única ordem de transferência que deu à recorrente foi para a loja de Aveiro, tendo aquela trabalhado na loja do ..., apenas durante o decurso do prazo de aviso prévio daquela transferência.

Impunha-se, pois, ao tribunal, face ao alegado pelas partes, que se pronunciasse sobre a efetiva ocorrência e produção de efeitos da dita transferência para o ..., como condição para se pronunciar sobre a legalidade da ordem de transferência cuja suspensão a recorrente requereu ao tribunal.

Conclui-se, assim, pela improcedência dos vícios apontados pela recorrente ao despacho recorrido.


*

Seguimos na apreciação do recurso quanto às questões atinentes à matéria de facto.

Nos termos do disposto pelo art.º 662.º, n.º 1 CPC «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»

A Relação tem efetivamente poderes de reapreciação da decisão da matéria de facto decidida pela 1ª instância, impondo-se-lhe no que respeita à prova sujeita à livre apreciação do julgado, a (re)análise dos meios de prova produzidos em 1ª instância, desde que o recorrente cumpra os ónus definidos pelo art.º 640.º do CPC.

Na verdade, quando estão em causa meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, decorre da conjugação dos art.º 635.º, nº 4, 639.º, nº 1 e 640.º, nº 1 e 2, todos do CPC, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que considera errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respetiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão[2].

A modificação da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que for declarado pela 1.ª instância. Porém, como também sublinha António Santos Abrantes Geraldes[3] «(...) a reapreciação da matéria de facto pela Relação no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.° não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente, de forma concludente, as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que impliquem decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter».

Nos termos do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, impõe-se, pois, ao recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição:

“a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

E nos termos do n.º 2 da mesma disposição legal, no caso da alínea b) deve ser observado o seguinte:

“a) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”

Apesar de apenas ter sido fixada jurisprudência a respeito da alínea c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, o certo é que a fundamentação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 12/2023 (já identificado em nota de rodapé) contém um conjunto de considerações com importância determinante quanto à interpretação dos ónus a que se referem as demais alíneas, que, pela sua relevância, a seguir se transcrevem (sem menção das notas de rodapé, por desnecessária):

«(...) Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso.

(…)

5 - Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.(...).»

Assim, e como se mostra sintetizado no Acórdão desta Secção Social de 20/05/2024[4], «[d]o que nos afigura também resultar da citada fundamentação, entendemos como adequado, em face do que resulta da lei, o entendimento de que, para cumprir os ónus legais aqui analisados, o recorrente sempre terá de alegar e levar para as conclusões, sob pena de rejeição do recurso, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, como estabelecido na alínea a) do n.º 1 do preceito citado, enquanto definição do objeto do recurso, sendo que, noutros termos, já quando ao cumprimento do disposto nas alíneas b) e c) do mesmo número, desde que vertido no corpo das alegações, a respetiva não inclusão nas conclusões não determina tal rejeição do recurso».

Neste mesmo sentido, se pronuncia António Santos Abrantes Geraldes[5], quando elenca as situações de rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto.

Assim, nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, é imprescindível ao recebimento e apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, a indicação nas alegações e respetivas conclusões dos concretos pontos impugnados.

Quanto ao ónus previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 640.° do CPC, e como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5-09-2018[6], essa alínea, «ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens da gravação de cada um dos depoimentos», sendo que «não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto em três "blocos distintos de factos" e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna».

No recente Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 28/06/2024[7], assinala-se o seguinte:

«Decorre do exposto que a parte recorrente deverá também (a par da indicação dos concretos pontos de facto e concretos meios probatórios), relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna.

Em conformidade, diz-se no acórdão desta Secção Social do TRP de 23/11/2020[8], que na indicação dos meios probatórios [sejam eles documentais ou pessoais] que sustentariam diferente decisão [art.º 640°, n° 1, al. b) do Código de Processo Civil], deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto.

Na verdade, só assim será possível ao tribunal ad quem perceber e saber quais são os concretos meios de prova que, segundo o recorrente, levariam a que determinado facto devesse ter resposta diferente da que foi dada. (…)

Quer isto dizer que não obedece ao estipulado pelo legislador indicar depoimentos (mesmo que transcrevendo/indicando excertos deles) e apenas dizer que com base neles a decisão sobre certos pontos de facto devia ser diferente, impondo-se que em relação a cada ponto (ou grupo de pontos que a parte recorrente mostre que têm apoio nos mesmos concretos meios de prova, ou estejam relacionados entre si) seja feita a conexão com o meio de prova que suporta a decisão diferente da tomada pelo tribunal a quo.

É que, de outra forma cairíamos na realização de um segundo julgamento (ainda que parcial), isto é, traduzir-se-ia em pedir simplesmente ao tribunal ad quem que faça uma reapreciação dos meios de prova, o que não corresponde claramente ao consagrado pelo legislador.».

Quanto ao cumprimento do ónus previstos pelo art.º 640.º, n.º 1, al. c) do CPC, importa ter presente o Acórdão do STJ n.º 12/2023, supra identificado, que uniformizou a jurisprudência nos seguintes moldes:

«Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.° do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.».

No mesmo sentido, se pronunciaram ainda, ente outros, os Acórdãos desta Secção Social 29-01-2024[9], e de 10-07-2024[10].

Importa também referir que, no que toca ao recurso da decisão da matéria de facto, como vem sendo entendimento do STJ, que se perfilha, não é possível despacho de aperfeiçoamento .

Vejamos a situação dos autos.

A recorrente, no capítulo das alegações que dedica à impugnação da matéria de facto, insurge-se contra a decisão proferida nos pontos 27), 34), 35), 37), 38) e 39) dos factos provados e contra a decisão da al. a) dos factos não provados, pontos que indica expressamente nas conclusões do recurso, cumprindo o ónus previsto pelo art.º 640.º, n.º 1, al. a) do CPC.

Relativamente a todos os pontos impugnados a recorrente cumpre, também, o ónus previstos pela al. c) da mesma disposição legal, indicando a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre cada um daqueles pontos.

Por isso, a impugnação deve ser conhecida se e na medida, em que relativamente àqueles concretos pontos, tenha sido cumprido o ónus de indicação dos concretos meios de prova que impõe decisão diversa da proferida em 1.ª instância.

Ora, a recorrente pretende que seja alterada a redação do ponto 27), cuja redação dada pela Mm.ª Juiz “a quo” é a seguinte:

27) Nos finais de fevereiro de 2024, a requerida, na pessoa da sua responsável de Recursos Humanos na Zona Norte, BB, iniciou conversações com todos os trabalhadores que prestavam as suas funções naquele estabelecimento comercial, procurando junto dos mesmos soluções que satisfizessem os interesses de ambas as partes.”

Reconduz-se a pretensão da recorrente à eliminação do seguinte segmento “procurando junto dos mesmos soluções que satisfizessem os interesses de ambas as partes”.

A recorrente, não indica quaisquer meios de prova constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, limitando-se a produzir asserções como “dos autos extrai-se precisamente o contrário”, “resulta de forma ostensiva dos autos, a inexistência de qualquer efectiva e válida forma de negociação”, assentes em meras conclusões que extrai de factos tal como por si interpretados, pelo que não se mostra cumprido o ónus previsto pelo art.º 640.º, n.º 1, al. b) do CPC, o que constitui motivo de rejeição da impugnação, nesta parte.

Quanto ao ponto 34) é a seguinte a redação dada pelo tribunal:

34) O estabelecimento comercial da requerida ..., sito no Fórum Aveiro, foi o único onde surgiu uma vaga para o posto de trabalho de caixeiro encarregado, uma vez que a pessoa que desempenhava as funções correspondentes a essa categoria nesse estabelecimento iniciou um período de baixa prolongada devido a doença oncológica.”

Pretende a requerente que a redação seja alterada, passando a ser a seguinte:

34) O estabelecimento comercial da requerida ..., sito no Fórum Aveiro, tem uma vaga para o posto de trabalho de caixeiro encarregado, uma vez que a pessoa que desempenhava as funções correspondentes a essa categoria nesse estabelecimento iniciou um período de baixa prolongada devido a doença oncológica.”

O tribunal fundamentou a decisão nos seguintes termos:

“No que respeita concretamente à requerente, surgiu a questão de não existir qualquer vaga nas lojas da área do Porto para a categoria de encarregada. Daí que lhe tenha sido proposta a transferência para o ... como vendedora, o que implicava diminuição de carga horária e de categoria e, logo, de retribuição. Inicialmente, a requerente disse que ia pensar, mas depois transmitiu à requerida que não aceitava a proposta que lhe fora feita, na medida em que implicava perda de retribuição. Porque a requerente mostrou disponibilidade em trabalhar em qualquer loja, a requerida alargou o raio de procura de um lugar para caixeira encarregada, o que veio a encontrar na Loja ... do Fórum Aveiro. Daí a ordem de transferência. Porque a requerente tivesse de trabalhar em algum local, sob pena de violação do princípio da ocupação efetiva, até que a transferência fosse efetivada deveria a mesma prestar a sua atividade no ....

Das declarações de parte da requerida retirou-se, com relevância, que efetivamente lhe foi transmitido que não existia na zona do Porto nenhuma vaga para caixeira encarregada, tendo então respondido que poderia ser "uma loja qualquer”.

A pretensão da requerente vem assente, na contradição com o facto provado em 13), no doc. 1, junto aos autos pela recorrida em 07/06/2024 e no email de 22/03/2024 que constitui o doc. 15 junto com o requerimento inicial, pelo que, se considera suficientemente cumprido o ónus a que se refere a al b) do n.º 1, do art.º 640.º supra citado.

A impugnação não pode, contudo, proceder.

Com efeito, não existe qualquer contradição entre o que ficou provado em 34) e em 13). De facto em 13) foi considerado demonstrado que:

13) Foi elaborado em loja mapa de horário contemplando a aqui requerente, respeitando a categoria profissional da mesma, carga horária de 40 horas e turnos com trabalho noturno.” E não, como parece pretender a recorrente, que esta exerceu funções na Loja ... sem qualquer alteração de categoria e carga horária. Diga-se que, nada se apurou, nem sequer foi alegado, quanto às funções efetivamente desempenhadas pela recorrente no período em que esteve no ....

Também o documento junto em 07/06/2024 nada permite concluir quanto às funções exercidas pela recorrente naquele período. Trata-se de um recibo de vencimento do qual consta como categoria da recorrente “caixeiro encarregado”, mas a natureza do documento e as circunstâncias em que foi emitido, não permitem demonstrar que as funções efetivamente exercidas na loja do ... correspondessem às próprias de tal categoria. De resto, do documento 9 junto com a petição inicial, a que a requerente vastas vezes se refere nas alegações como um documento demonstrativo da sua transferência definitiva para a loja do ..., resulta que as funções a exercer pela recorrente eram de “operacional” não de “caixeira encarregada”.

Quanto ao email de 22/03/2024 nenhum conteúdo útil tem relativamente à matéria do ponto 34). Com efeito trata-se de uma comunicação dirigida pela recorrente à diretora de recursos humanos da ré, anterior ao início das funções da recorrente na loja do ..., pelo qual aquela solicita que o seu vencimento seja mantido, o que pressupõe a existência de uma proposta anterior em sentido contrário. De tal comunicação nada se pode extrair quanto à existência noutras lojas de vagas de caixeiro encarregado, logo se a loja de Aveiro não era a única em que existia uma vaga para o dito posto de trabalho, que é o que está em causa na impugnação.

Nenhum dos fundamentos invocados é, por conseguinte, apto a pôr em causa a decisão do tribunal “a quo” ou os respetivos fundamentos, sendo de salientar que a recorrente nem sequer põe em causa o que resultou das suas próprias declarações e do depoimento da testemunha BB, a diretora de Recursos Humanos, invocados pelo tribunal como fundamento da decisão.

Improcede, pois, a impugnação nesta parte.

Prossegue a recorrente com a impugnação do ponto 35), cujo teor é o seguinte:

35) A requerente passou a prestar serviço no estabelecimento comercial sito no ... entre o momento em que decorressem os 30 dias entre a comunicação da transferência e a efetiva transferência.”

Pretende que apenas seja considerado provado que:

"A requerente passou a prestar serviço no estabelecimento comercial sito no ...".

Para tanto, alega que, como decorre do e-mail de 08/04/2024, reencaminhado a todos os trabalhadores da equipa ..., a requerente foi transferida para o ..., não se fazendo qualquer alusão no supra citado documento a qualquer transitoriedade, considerando ainda que tal documento faz prova plena quanto às declarações dele constantes por contrárias ao interesse da requerida, não podendo ser afastado por prova testemunhal, o que cumpre suficientemente o disposto pelo art.º 640.º, n.º 1, al. b) do CPC.

Conhecendo da impugnação, impõe-se, desde já, esclarecer que o documento a que a recorrente se refere (doc. n.º 9 do requerimento inicial), não estando verificados os requisitos previstos pelo art.º 374.º do Código Civil, desde logo porque o documento foi apresentado pela própria recorrente e não contra a mesma, não reveste as características necessárias (art.º 376.º, n.º 1 do Código Civil), para que pudesse fazer prova plena das declarações nele contidas. Nessa medida, não é aplicável a inadmissibilidade de prova testemunhal a que alude o art.º 393.º, n.º 2 do mesmo Código.

Acresce que a matéria provada em 35) que a recorrente pretende que seja eliminada, também não se subsume a uma qualquer convenção contrária ou adicional ao conteúdo do documento, não sendo também aplicável a proibição da prova testemunhal consagrada pelo art.º 394.º do Código Civil. Na verdade, não está ali em causa qualquer convenção entre as partes, mas a constatação do local em que a recorrente passou a desempenhar funções, após o encerramento da loja do Shopping ..., onde trabalhava e do período em que tal aconteceu.

Nessa medida, nada obstava à produção de prova testemunhal, e à sua valoração pelo tribunal, como aconteceu com o depoimento da testemunha BB, que a recorrente nem sequer põe em causa.

Ainda quanto à transitoriedade de tal exercício importa atentar no documento n.º 12 junto com o requerimento inicial, no qual a recorrida comunica à recorrente a transferência para a loja de Aveiro e do qual consta expressamente que até ao dia 27 de maio a recorrente devia comparecer na loja do ....

Improcede, pois, a impugnação nesta parte.

Relativamente aos pontos 37), 38) e 39), entende a recorrente que devem ser expurgados da matéria de facto por serem estranhos ao objeto do processo, por serem inúteis, já que os horários a que respeitam os documentos que lhes servem de suporte não coincidem com os horários em que tinha que se apresentar na loja de Aveiro e porque os mesmos foram impugnados.

Pretende que, em substituição da matéria contida naqueles pontos, seja considerado provado o que resulta do doc. n.º 18 junto com o requerimento inicial, isto é que “A transferência acarreta a realização de deslocações entre 61,3 e 77 km”.

Foi considerado provado naqueles pontos da matéria de facto que:

37) O tempo de deslocação entre a casa da requerente e o Centro Comercial ..., utilizando meios de transporte público, é de 01h 05m.

38) O tempo de deslocação entre a casa da requerente e o ..., utilizando meios de transporte públicos, é de 01h09m.

39) O tempo de deslocação entre a casa da requerente e o Fórum Aveiro, utilizando meios de transporte públicos, é de 01h 30m.”

Depreende-se da motivação da decisão que o tribunal fundou a sua convicção relativamente a esta matéria nos “mapas extraídos do Google Maps”, percebendo-se que se trata dos documentos 3 a 5 juntos pela recorrida com a oposição, dada a identidade entre o provado e o que resulta de tais documentos.

Ora os factos em causa não são estranhos ao objeto do processo, antes correspondem ao alegado pela recorrida na oposição (pontos 59.º a 61.º).

Por outro lado, os factos em causa não são inúteis. Pelo contrário tais factos são relevantes para apreciação, se necessária, da questão do prejuízo resultante da transferência de local de trabalho, invocada pela recorrente como fundamento da oposição à ordem e transferência do local de trabalho na qual, além do mais, fundamenta a sua pretensão cautelar.

Finalmente, a circunstância de os documentos nos quais o tribunal baseou a sua convicção terem sido impugnados, não é, por si só, bastante para que os mesmos não possam ser valorados pelo tribunal, muito menos para a alteração da decisão proferida. Tais documentos constituem um meio de prova sujeito à livre apreciação pelo tribunal (art.º 607.º, n.º 5 do CPC) e a recorrente não invocou quaisquer outros meios de prova que impusessem decisão diversa da proferida pelo tribunal.

Na verdade, quanto à modificabilidade da decisão de facto no âmbito do recurso de apelação, dispõe o art.º 662.º, n.º 1 do CPC que «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»

Não se questionando a amplitude de conhecimento por parte do Tribunal da Relação, nos moldes que vem sendo reconhecida em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça[11] - de maneira a que fique plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição -, o certo é que o poder/dever previsto neste último normativo - de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa - significa que para tal alteração, como se afirma no citado Acórdão desta secção de 28-06-2024, “não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida”.

Improcede, a impugnação também quanto aos factos provados em 3), 38) e 39).

Finalmente a recorrente impugnada a decisão quanto à matéria que a Mm.ª Juiz “a quo” considerou não provada na al. a), pretendendo que deveria ter sido considerada provado que “a) O referido em 14) implicava a perda de vencimento por parte da requerente.”

Da dita al. a) consta como não provado o seguinte:

a) O referido em 14) visava a perda de vencimento por parte da requerente”, sendo que no ponto 14) ficou provado que: “14) A requerida, propôs à requerente a diminuição da sua categoria profissional e de carga horária.”

Em abono da sua pretensão a recorrente invoca mais uma vez o doc. 9 junto com o requerimento inicial (o email de 08/04/2024), desta feita conjugado com as declarações da Diretora de Recursos Humanos.

Deste depoimento, contudo, não refere quais as concretas passagens da gravação em que funda a sua pretensão, nem tão pouco as transcreve, incumprindo manifestamente o disposto pelo art.º 640.º, n.º 1, al. b) e 2 do CPC, motivo pelo qual se rejeita a impugnação na parte em que nele se sustenta.

Quanto ao mais invocado, afigura-se-nos que a pretensão da recorrente nunca poderia ser julgada procedente, na medida em que, os documentos que invoca, por si ou em conjugação, não infirmam a decisão do tribunal de considerar não provada a intenção da recorrida de diminuir a retribuição da recorrente e em que a matéria que a recorrente pretende que seja dada como provada é manifestamente conclusiva, não podendo, enquanto tal integrar a decisão de facto[12].

Improcede a impugnação quanto à al. a) dos factos não provados e, por conseguinte, a totalidade da impugnação da matéria de facto.


*

Fixada a matéria de facto relevante e sem perder de vista que nos encontramos no âmbito de um procedimento cautelar, cuja procedência depende da existência de probabilidade séria da existência do direito invocado e do fundado receio de lesão deste (arts. 362.º e 368.º, n.º 1 do CPC, aplicáveis nos termos do 32.º, n.º 1 do CPT), importa apreciar a última e fundamental questão enunciada, isto é, a ilegalidade da transferência da requerente para a loja de Aveiro, comunicada pela requerida por carta de 22/04/2024.

O direito cuja violação foi invocada é antes de mais, o direito da requerente não ser unilateralmente transferida para outro local de trabalho, fora das condições previstas pelo Código do Trabalho (doravante CT) ou por instrumento de regulamentação coletiva do trabalho (o que não está em causa nos auto), consagrado pelo art.º 129.º, n.º 1, al. f) do CT, como garantia do trabalhador.

A questão suscitada pela recorrente prende-se com o facto de o tribunal “a quo”, não ter decretado a providência cautelar de suspensão da ordem de transferência por não ter considerado verificados os seus requisitos, nomeadamente a ilicitude da ordem de transferência.

O princípio da inamovibilidade, segundo o qual o trabalhador não pode, em princípio, ser transferido do local de trabalho contratualmente definido –(cfr. arts. 193.º. n.º 1 e 129.º, n.º 1, al. f) do CT) é um dos princípios fundamentais que orientam a relação jurídica-laboral. Tal princípio assenta na ideia de que o local de trabalho deverá gozar de uma certa estabilidade espacial, dado que é a partir desse local que o trabalhador, regra geral, estabelece o centro do seu universo e vivência familiar e social, constituindo um “centro estável (ou permanente) de actividade de certo trabalhador” e um elemento determinador das condições concretas da organização da vida do trabalhador, fazendo parte do próprio conteúdo da prestação contratual devida[13].

E em função dessa relevância, reconhecida pelo legislador constitucional (cfr. art.º 59.º, n.º 1, al. b) da Constituição da República Portuguesa) e ordinário, o trabalhador só poderá ser transferido contra a sua vontade, nas circunstâncias enunciadas no art.º 194.º do CT.

A garantia da inamovibilidade não goza, pois, de uma proteção absoluta, permitindo o legislador ordinário que, atendendo aos diversos interesses em presença, essa garantia possa ser atingida, nas hipóteses previstas no art.º 194.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CT.

Resulta da matéria de facto provada que a recorrente, em janeiro de 2024, prestava seu trabalho na loja ..., sita no Shopping ... (...). A recorrida optou por encerrar a dita loja e com data de 22/04/2024, comunicou à requerente para os efeitos do disposto nos arts. 194.º, n.º1, al. a) e 196.º, n.º 1, ambos do CT, a intenção de a transferir definitivamente do local de trabalho no Shopping ..., para o estabelecimento ..., sito no Fórum Aveiro, com efeitos a partir de 27/05/2024, onde a recorrente se deveria apresentar, invocando como fundamento a extinção total do estabelecimento onde a recorrente prestava trabalho e a inexistência de vaga de Encarregado de loja nos restantes estabelecimentos comerciais. A recorrida comunicou ainda que até 27/05/2024 a recorrente deveria comparecer no estabelecimento ..., sito no ....

Está, pois, em causa nos autos a previsão da al. a) do n.º 1 do art.º 194.º do CT, segundo a qual “O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, temporária ou definitivamente, nas seguintes situações: a) Em caso de mudança ou extinção, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço”.

A recorrente sustenta a ilicitude da ordem de transferência para a loja de Aveiro, por considerar que já não prestava trabalho na loja ... sita no Shopping ..., quando a transferência lhe foi comunicada, não podendo, por isso, relevar o fundamento invocado pela recorrida.

Subscrevemos e, por isso, dispensamo-nos de aqui o repetir, o enquadramento legal e doutrinal efetuado em 1.ª instância, quanto às disposições legais aplicáveis, em especial o enfoque na distinção entre a transferência individual e coletiva e respetivos regimes, e a conclusão de que, na situação em apreço está em causa uma transferência coletiva.

O que importa decidir é se se verifica o fundamento invocado para a transferência comunicada com data de 22/04/2024, para o que, considerando as conclusões do recurso, importa, antes de mais, determinar qual o estabelecimento em que a mesma prestava trabalho, à data da dita ordem.

Na verdade, sem pôr em causa que o seu local de trabalho era na loja ... do Shopping ..., a recorrente alegou que, em virtude do encerramento deste, a recorrida a havia transferido definitivamente para a loja ... no ..., o que lhe comunicou através de email de 08/04/2024 e que tal transferência não estava em causa nos autos, já que a aceitou e optou por não invocar qualquer falta de requisitos.

Não podemos deixar de dizer que, aquela opção da recorrente, não inibe o tribunal de se pronunciar sobre a questão relativa à eventual transferência para o ... antes da transferência para Aveiro, seja porque o tribunal não está sujeito à alegação das partes o tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5.º, n.º 3 do CPC), o que significa que não é pelo facto de a recorrente considerar ter ocorrido validamente tal transferência, que o tribunal tem que aceitar tal qualificação, seja porque o alegado, atenta a posição assumida pela recorrida não o aceitando, constitui questão submetida à apreciação do tribunal, como resulta do que já afirmámos acima a propósito da eventual nulidade da sentença.

Dito isto, entrando na apreciação da questão, resulta provado em 9) que a comunicação a que se refere a recorrente não lhe foi dirigida pela recorrida. Tal comunicação foi dirigida aos responsáveis de loja, pelo que a mesma, tal como se conclui na decisão impugnada, não corporiza qualquer ordem de transferência.

Certo é, contudo, que também resulta da matéria de facto provada, desconhecendo-se a data em que tal ocorreu, que a recorrida informou os trabalhadores da loja do Shopping ..., onde se deveriam apresentar o que a recorrente cumpriu, tendo passado a prestar serviço no ..., tendo-lhe sido atribuído um cacifo e constando a mesma do mapa de horário com respeito pela sua categoria, carga horária de 40 horas e turnos com trabalho noturno.

Isso não significa, porém, que o local de trabalho da recorrente tenha passado definitivamente, a ser no ..., não se podendo ignorar as circunstâncias em que tal aconteceu.

O que resulta da matéria de facto é que nos finais de fevereiro de 2024, a recorrida, na pessoa da sua responsável de Recursos Humanos na Zona Norte, BB, iniciou conversações com todos os trabalhadores que prestavam as suas funções naquele estabelecimento comercial, procurando junto dos mesmos soluções que satisfizessem os interesses de ambas as partes.

No decurso desses contactos prévios, a recorrida informou a recorrente que naquele momento não tinha postos de trabalho disponíveis noutros estabelecimentos comerciais compatíveis com a sua categoria profissional de caixeira encarregada, tendo sido discutida verbalmente entre as partes a possibilidade de ser estabelecido um acordo com vista à diminuição da categoria profissional da recorrente e diminuição do seu período normal de trabalho para 35 horas, com a correspondente e proporcional diminuição de retribuição, forma pela qual seria possível transferi-la para um estabelecimento comercial que se situasse próximo da sua área de residência, o que esta não aceitou, posição que manteve ao longo as conversações, por implicar a diminuição da retribuição.

Essa a posição da recorrente constante do email enviado a 22/03/2024, no qual responde afirmando que “Quanto a funções e vencimento, a minha opção segue, na verdade, profundamente limitada pela realidade externa a que estou sujeita.

De facto, m/mãe encontra-se ora gravemente doente, sofrendo de Alzheimer em avançado estado, dependendo assim de terceiras pessoas para suas necessidades básicas.

Tal facto, conjugado com as necessidades de agregado familiar, não me permitem suportar perdas de rendimento, já que, tal levaria à perda de capacidade de satisfazer as necessidades básicas daqueles que estão ora a meu encargo.

Como filha tenho o especial dever de apoiar e cuidar de quem me trouxe à vida e me auxiliou no crescimento.

Assim, sou a rogar a v/exas seja m/vencimento integralmente mantido, propondo-me a prestar m/serviço no local que entidade patronal melhor entender, o que realizarei com o maior prazer, respeito, diligência e profissionalismo.”

Nessa sequência, em 10/04/2024, uma responsável da requerida enviou ao representante da requerente um email, contendo as seguintes afirmações “Agradeço o seu email e reforço que a prioridade da empresa é assegurar os postos de trabalho e encontrar soluções que se adaptem, da melhor forma, aos nossos colaboradores, tendo em conta, entre outros aspetos, a residência dos mesmos e por isso foram oferecidas vagas possíveis dentro de um raio mais próximo da residência da S/Constituinte.

No entanto e dada a posição da S/Constituinte, vamos analisar se existem outras lojas, num raio mais alargado, onde exista a vaga de Encarregada.

A ordem de transferência comunicada à recorrente para a loja de Aveiro data de 22/04/2024, o estabelecimento sito no Shopping ..., foi totalmente encerrado no dia 23/04/2024 e aquela comunicação foi recebida pela recorrente em 26/04/2024, apesar de ter ficado disponível para levantamento no dia 24/04/2024.

Desta comunicação constava expressamente que a recorrente trabalharia no ... apenas até ao dia 27/05/2024, data em que produzia efeitos a transferência para a loja de Aveiro.

Ora, desta sequência de eventos, não pode senão resultar que a prestação de trabalho pela recorrente no ... era transitória e não definitiva, não podendo a mesma legitimamente invocar o desconhecimento de tal transitoriedade, seja porque já sabia que a recorrida não podia transferi-la para qualquer loja na sua área de residência, por não ter naquele momento vagas que permitissem manter a categoria e correspondente estatuto remuneratório, seja porque, face ao disposto pelo art.º 224.º, nº 1 e 2 do Código Civil, não pode validamente invocar só ter tido conhecimento da comunicação de 22/04/2024, da qual tal transitoriedade resultava expressamente, em 26/04/2024, uma vez que a carta ficou disponível para levantamento do dia 24/04/2024 (para o que a entrega terá sido tentada pelo menos no dia anterior), nada tendo sido alegado pela recorrente, sobre a qual impendia o correspondente ónus, com vista à demonstração da impossibilidade de levantar a carta em momento anterior.

Nesta medida, não é possível concluir que à data da ordem de transferência da recorrente para a loja ... sita no Fórum Aveiro, o seu local de trabalho fosse no ....

Consequentemente, também não se pode concluir que o fundamento invocado pela recorrida para a transferência não a pudesse justificar validamente, já que não só a loja do Shopping ... encerrou efetiva e definitivamente, como a única vaga de que a recorrida dispunha para colocar a recorrente, com mesma categoria era a da loja de Aveiro.

A recorrida alegou também que o entendimento sufragado por Mm.ª Juiz “a quo” denegando à comunicação realizada aos 08/04/2024 a natureza de transferência de local de trabalho constitui violação do art.º 59.º, n.º 1 als. a) e b) e 3 da CRP.

Ora, a desconformidade constitucional, a existir, há-de referir-se a normas legais e ao seu âmbito de aplicação.

Como se pode ler no Ac. RC de 23/02/2021 «A fiscalização concreta da constitucionalidade ou o pedido de declaração de inconstitucionalidade reportam-se a normas jurídicas e não a decisões dos tribunais.

Estas decisões podem ser ilegais, se contrariarem lei ordinária, e só serão inconstitucionais se se alicerçarem em norma declarada inconstitucional.»

A recorrente não invoca a inconstitucionalidade de qualquer norma, pelo que improcede a sua argumentação.

A recorrente alegou também que a dita ordem de transferência seria ilegal porque constitui assédio moral pois o objetivo da recorrida era a perda de direitos laborais por parte de recorrente.

Acompanhamos também nesta parte a decisão recorrida.

O conceito de assédio moral, sociologicamente tratado sob a designação de “mobbing” tem, entre nós consagração no art.º 29.º do CT, no âmbito e na decorrência da afirmação dos princípios concretizadores dos comandos constitucionais do princípio da igualdade e da não discriminação.

Assim, dispõe o dito art.º 29.º, nº 1 do CT, na redação da Lei n.º 73/2017 de 16/08, sob a epígrafe “Assédio” que “Entende-se por assédio todo o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.

Contêm-se na citada disposição legal dois tipos de assédio moral: o baseado numa atuação discriminatória do empregador e o que não sendo discriminatório, tem os mesmos efeitos, pelo seu carácter insidioso continuado, também por vezes designado como mobbing estratégico[14].

A recorrente não alega o assédio baseado em qualquer fator de discriminação a que alude o art.º 25.º, nº 1 do CT, pelo que não é aplicável no caso dos autos a presunção a que se refere o n.º 4 da mesma disposição legal, impendendo sobre a autora o ónus da prova dos factos em que assenta o seu direito face ao disposto pelo art.º 342.º, nº 1 do Código Civil.

Prescindindo, pois, do enquadramento da situação dos autos na figura do assédio discriminatório, importa, com vista à decisão, ter presente que, face ao citado art.º 29.º do CT, o assédio moral pode concretizar-se não apenas quando se apura que era objetivo do empregador afetar a dignidade do trabalhador, como também nos casos em que, não tendo sido esse o objetivo, é, contudo, esse o efeito obtido, afetando a dignidade da pessoa ou criando um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.

A fórmula legislativa não impede, ainda assim, a constatação de que a esta figura se encontra, em regra, associado o facto de o empregador agir animado por determinados objetivos/finalidades (afastar determinado trabalhador da empresa ou forçá-lo a aceitar condições laborais menos favoráveis), tal como não obsta à afirmação de que o assédio, em qualquer das suas modalidades, tem em regra associado um “objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável”.

Interessa ainda ter em conta que o assédio constitui, por regra, um processo, não um mero ato isolado, pressupondo um conjunto mais ou menos encadeado de atos e condutas que ocorrem de forma sistemática[15].

A citada disposições legal carece, porém, de uma interpretação, prudente, subordinada aos princípios ínsitos no art.º 9.º, nº 2 e 3 do Código Civil, sob pena de se reconduzirem à sua previsão, todas e quaisquer situações de mera tensão laboral decorrente do conflito entre os interesses, tantas vezes opostos, do empregador e do trabalhador geradas pelo exercício do poder de direção do empregador no desenvolvimento das relações laborais.

Ora, não é o facto de ter sido proposto à recorrente a baixa de categoria e a diminuição da retribuição, e de a recorrente não ter aceite tal proposta, antes da ordem de transferência, que já concluímos ser válida, que demonstra por si só a existência de assédio. Na verdade, tais alterações, ainda que contendessem com as garantias da recorrente previstas pelo art.º 129.º, n.º 1, als. e) e f) do CT, poderiam não ser ilegais se fossem pela mesma aceites (cfr. art.º 119.º do CT), pois não foram arbitrárias, já que ambas tiveram como justificação a circunstância de a recorrida não ter vagas noutras lojas para a categoria da recorrida e que a perda da retribuição pressupunha a efetiva diminuição das horas de trabalho semanal de 40h para 35h. Por outro lado, a ordem de transferência para Aveiro, também não pode ser considerada como assédio à recorrente, na medida em que a mesma não só se justifica pelo encerramento do estabelecimento em que a recorrente prestava o seu trabalho, como se apresenta como forma de salvaguardar o direito exercido pela recorrente de não aceitar a proposta supra referida, face à inexistência de vaga noutra loja da recorrida para a categoria da recorrente.

Por outro lado, nenhum outro comportamento da recorrida foi invocado para sustentar que a ordem de transferência em análise se inseriu num processo de “mobbing”, enquanto conjunto mais ou menos encadeado de atos e condutas que ocorrem de forma sistemática.

Não se vislumbra, pois, motivo para concluir, nesta sede, pela ilicitude da ordem de transferência da recorrente para a loja de Aveiro, ficando prejudicada a apreciação do mais que havia sido invocado, motivo pelo qual se acompanha a decisão recorrida quando conclui que não estão verificados os requisitos para o decretamento da providência requerida.

Por conseguinte, improcede o recurso.


*

Nos termos do disposto pelo art.º 527.º, n.º 1 e 2 do CPC as custas são da responsabilidade da recorrente.

*

Decisão

Por todo o exposto acorda-se julgar o recurso improcedente, mantendo-se o despacho recorrido.

Custas pela recorrente.


*

Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.

*

Notifique.

*


Porto, 11/12/2024

Maria Luzia Carvalho

António Luís Carvalhão

Rui Penha

(assinaturas eletrónicas nos termos dos arts. 132º, n.º 2, 153.º, n.º 1, ambos do CPC e do art.º 19º da Portaria n.º 280/2013 de 26/08)

________________________________
[1] António Geraldes e outros, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 2.ª ed., pág. 464.
[2] A respeito do cumprimento dos ónus impostos pelo art.º 640.º do Código de Processo Civil, importa ter presente o Ac. do STJ, Uniformizador de Jurisprudência n. º 12/2023, de 17/10/2023, publicado no DR, I série, de 14/11/2023, com Declaração de Retificação n.º 35/2023, publicada no DR, I série, de 28/11/2023.
[3] Código de Processo Civil Anotado, volume II, págs. 350.
[4] Processo n.º 14580/21.3T8PRT.P1, ao que se julga não publicado, mas disponível no registo de acórdãos.
[5] In "Recursos em Processo Civil - Recursos nos Processos Especiais, Recursos no Processo do Trabalho", Almedina, 7.ª edição atualizada, 2022, pág. 200/201.
[6] Processo n.º 15787/15.T8PRT.P1.S2, acessível em wwww.dgsi.pt.
[7] Processo n.º 1472/23.0.T8AVR.P1, ao que se julga não publicado, mas disponível no registo de acórdãos.
[8] Nota de rodapé do Acórdão (7) com o seguinte teor: Consultável em www.dgsi.pt, processo n° 607/18.0T8MTS.P1.
[9] Processo n.º 16293/ 23.2T8PRT.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[10] Processo n.º 4199/23.0T8VLG.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[11] Entre outros, veja-se os Acórdãos do STJ de 08/03/2022, processo n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1 e de 24/10/2023, processo n.º 4689/20.6T8CBR.C1.S1.
[12] Com relevo veja-se, entre outros, o Ac. RP de 23/11/2017, Processo n.º 811/13.3TBPRD.P1 e Ac. RP de 08/02/2021, Processo  n.º 7011/19.0T8PFR.P1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[13] Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 13.ª edição, 2007, págs. 419/420.
[14] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II, 4ª edição, p. 161/162.
[15] Ac. TRL de 25/10/2023, processo n.º 19979/21.2T8LSB.L1, acessível em www.dgsi.pt.