ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
Sumário

I. Ao celebrarem contrato de arrendamento para habitação com prazo certo, as partes podem estipular a cessação do mesmo no termo do prazo (caducidade) ou a sua renovação automática, ressalvada oposição futura a essa renovação.
II. Caso as partes estipulem a renovação automática do contrato de arrendamento para habitação com prazo certo, elas podem escolher qualquer prazo de renovação igual ou superior a um ano (sem prejuízo de a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produzir efeitos decorridos três anos sobre a celebração do contrato, exceto se houver necessidade de habitação pelo senhorio ou pelos seus descendentes em 1.º grau – artigo 1097.º, n.º 3, do CC).
III. A norma contida no n.º 1 do artigo 1096.º do CC é supletiva, quer quanto à automaticidade da renovação dos contratos de arrendamento com prazo certo, quer quanto à duração dos períodos de renovação, ou seja: i. o contrato apenas é automaticamente renovável na falta de estipulação em contrário; ii. a renovação apenas se fará por períodos sucessivos de igual duração, ou de três anos se esta for inferior, nos casos em que as partes não tenham acordado sobre o prazo da renovação (ou os prazos das renovações) de modo diverso (sem prejuízo do disposto no artigo 1097.º, n.º 3, do CC).

Texto Parcial

Acordam os abaixo identificados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
«AA», com os sinais dos autos, intentou no Balcão Nacional do Arrendamento procedimento de despejo contra … – Unipessoal, Lda., com fundamento na cessação por oposição à renovação pelo senhorio.
Alegou que, por contrato celebrado em 18 de junho de 2013, deu de arrendamento à requerida a fração “L”, correspondente ao 2.º andar B do prédio sito na Rua … em Lisboa, freguesia de Carnide, mediante a renda anual de 15.400,00 €, que corresponde a 1.283,33 € mensais; a renda foi, entretanto, atualizada para o montante mensal de 1.372,39 €; a requerida não pagou as rendas correspondentes aos meses de abril, maio e junho de 2024, encontrando-se, por isso, em dívida a importância de 4.117,17 €, acrescida de juros à taxa legal em vigor.
Juntou contrato de arrendamento que confere com o alegado e do qual consta, ainda e entre o mais, que: i. tem início em 1 de julho de 2013 e termo em 30 de junho de 2014, podendo ser prorrogado por iguais períodos de um ano, desde que nenhuma das partes a tal se oponha (cl. 2.ª); ii. a oposição à renovação por parte do senhorio é feita mediante notificação por carta registada com aviso de receção, com a antecedência não inferior a 120 (cento e vinte) dias relativamente ao fim do prazo do contrato ou da sua renovação (cl. 11.ª); iii. o imóvel arrendado destina-se exclusivamente a habitação da sócia gerente da arrendatária, ou familiar direto (cl. 6.ª).
Entre outros mais documentos, juntou, ainda, a carta registada com aviso de receção, com data de 18-11-2023, recebida pela destinatária (arrendatária) em 21-11-2023, pela qual o senhorio, ora apelante, comunicou opor-se a nova renovação do contrato, cessando o mesmo em 30 de junho de 2014.
Citada, a requerida deduziu oposição.
Os autos transitaram do BNA para o tribunal, onde o requerente foi notificado para responder a matéria de exceção da oposição, o que fez.
Em seguida, foi proferida sentença que julgou o procedimento especial de despejo totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a requerida do pedido de despejo formulado pelo requerente.
Fê-lo com fundamento em determinada interpretação do artigo 1096.º, n.º 1, do CC, na redação introduzida pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro.

O requerente não se conformou e recorreu, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«1. O contrato de arrendamento em apreciação nos presentes autos contrato foi celebrado pelo prazo de um ano, com início em 01-07-2013 e termo em 30-06-2014, tendo sido objeto de sucessivas renovações, por períodos de um ano.
2. Por carta datada de 18-11-2023, o ora recorrente comunicou à ora requerida a sua oposição à renovação de tal contrato, pelo que o mesmo cessaria os seus efeitos em 30 de junho de 2024.
3. O tribunal “ a quo” entendeu que, face ao disposto no n.º 1 do artigo 1096º do Código Civil, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, tal contrato, em 2019, ter-se-á renovado, por um período de 3 anos e, em 2022, por idêntico período pelo que, o mesmo apenas cessará os seus efeitos em 30 de junho de 2025.
4. Tendo, consequentemente, considerado ineficaz a carta datada de 18-11-2023, para fazer cessar o aludido contrato.
5. Sustentando, para tanto, que o disposto no art.º 1096º, nº 1, do Código Civil (com a redação que lhe foi dada pela Lei 13/2019 de 12 de Fevereiro), a partir da sua data de entrada em vigor, imperativamente impôs o prazo de renovação mínimo de 3 anos.
6. Entendimento esse com que o ora recorrente se não conforma, porquanto a alegada imperatividade na estipulação de prazos de prorrogação de três anos expressamente se não consigna nem na letra da lei nem sua mens legis.
7. Com efeito, o propósito do legislador de “reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano” não decorre da nova redação do n.º 1 do artigo 1096º, mas sim do aditado n.º 3 ao artigo 1097º onde, expressamente prevê que a “oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.
8. Tal entendimento mostra-se sufragado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10-01-2023, processo n.º 1278/22.4YLPRT.L1-7, já atrás citado.
9. O recorrente também discorda da interpretação efetuada pelo tribunal “a quo” quanto ao correto alcance da expressão “salvo estipulação em contrário” (proémio do n.º 1 do artigo 1096º na redação dada pela Lei n.º 13/2019).
10. De facto, com tal locução quis o legislador conferir ao período sucessivo de três anos um carácter supletivo, com exceção do período inicial de vigência do contrato, podendo as partes acordar período de renovação diverso, ao abrigo do princípio da liberdade de estipulação contratual – vide, no mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, já atrás citado e Teixeira de Sousa, in Introdução ao Direito, Almedina, pág. 443.
11. O prazo de renovação do contrato de arrendamento dos autos é de um ano, como contratualmente acordado, não se aceitando que tal contrato, contrariamente, ao sustentado na decisão recorrida, a partir de 2019, com a entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12 fevereiro, tenha passado a renovar-se pelo prazo mínimo de três anos, estabelecendo concomitantemente que, no caso vertente, o novo termo apenas ocorrerá em 30-06-2025.
12. Nestas circunstâncias, a carta de 18-11-2023, por via da qual o recorrente comunicou à recorrida a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento e consequentemente, que o mesmo deixaria de vigorar, a partir de 30-06-2024 (data do termo da última renovação então em curso), deverá considerar-se tempestiva e totalmente eficaz para produzir os efeitos pretendidos pelo recorrente.
13. Ao decidir de forma diversa, a decisão recorrida violou o n.º 1 do art.º 1096º do Código Civil na redação que lhe foi dada pela Lei 13/2019 de 12 de Fevereiro.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença ora recorrida, com as legais consequências, com o que se fará JUSTIÇA!»

A requerida respondeu, pronunciando-se pela confirmação da sentença recorrida.

Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.

Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, a única questão a decidir prende-se com a interpretação do n.º 1 do artigo 1096.º do CC (na redação vigente, conferida pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro).
A questão é, concreta e unicamente, a seguinte: a norma do citado artigo impõe que o período mínimo de renovação dos contratos de arrendamento seja de três anos (interpretação feita na sentença objeto de recurso), ou, conforme defende o recorrente, tal período mínimo de renovação apenas se aplica, na falta de estipulação em contrário?

II. Fundamentação de facto
Os factos provados são os seguintes (conforme constam da sentença objeto de recurso):
1. Por contrato celebrado em 18 de junho de 2013, o requerente deu de arrendamento à requerida a fração “L”, correspondente ao 2.º andar B do prédio sito na Rua …, em Lisboa, freguesia de Carnide, inscrito na matriz sob o art.º … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ….
2. O contrato foi celebrado pelo prazo de um ano, com início em 1 de julho de 2013 e término a 30 de junho de 2014, renovando-se por igual período, sem prejuízo de as partes se oporem à sua renovação nos termos da lei.
3. A requerida obrigou-se a pagar ao requerente a renda anual de 15.400,00 € (quinze mil e quatrocentos euros).
4. Por carta datada de 18-11-2023, o requerente comunicou à requerida a atualização da renda e a sua oposição de renovação do contrato a partir de 30-06-2024, solicitando a entrega do locado, desocupado.
5. A requerida não procedeu à entrega do locado.

III. Apreciação do mérito do recurso
Resumindo a situação de facto ao essencial: as partes celebraram um contrato de arrendamento urbano para habitação, com início em 1 de julho de 2013 e termo em 30 de junho de 2014 (prazo de um ano), renovando-se por igual período, sem prejuízo de as partes poderem opor-se à sua renovação nos termos da lei; por carta de 18 de novembro de 2023, o requerente comunicou à requerida a atualização da renda e a sua oposição à renovação do contrato, terminando, assim, no final da renovação em curso, ou seja, em 30 de junho de 2024.
No assinalado termo, a arrendatária não entregou o imóvel, nem o fez até à data.
Deve a apelação (e consequentemente a ação) proceder? O contrato celebrado entre as partes terminou por força de oposição à sua renovação, que operou efeitos a partir de 30 de junho do corrente?
A disciplina contratual é clara: o contrato foi celebrado por um ano, com início em 1 de julho de 2013, era automaticamente renovável por iguais períodos, e podia ser cessado por oposição à renovação para o termo do prazo em curso aquando da oposição.
O senhorio, ora apelante, opôs-se em novembro de 2023, com antecedência superior à estipulada no contrato (cl. 11.ª), e que é coincidente à estabelecida na lei (120 dias – al. b) do n.º 1 do artigo 1097.º do CC). O contrato terminaria em 30 de junho de 2024.
Entendeu o tribunal a quo que, ao contrário do estipulado no contrato (prazo de um ano renovável por iguais períodos, de uma ano), as renovações não poderiam ser inferiores a três anos por, em seu entender, o disposto no n.º 1 do artigo 1096.º do CC impor que a renovação se efetue por período não inferior a três anos.
O n.º 1 do artigo 1096.º do CC tem, ipsis verbis, o seguinte texto:
«Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.»
A expressão «salvo disposição em contrário» aplica-se à duas situações a seguir previstas na frase:
i. salvo estipulação em contrário, «o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo», ou seja, se não for estipulada a caducidade no termo do prazo, o contrato tem-se por automaticamente renovável; e,
ii. salvo estipulação em contrário, o contrato automaticamente renovável renova-se «por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior».
Esta segunda hipótese ocorre, em princípio, apenas quando as partes fixam um prazo ao contrato, mas omitem o que sucede no seu termo, não estipulam nem a caducidade automática do contrato no termo do prazo (único), nem a renovação automática do contrato no termo do prazo (inicial ou renovado), logo, consequentemente, não preveem prazo para a não prevista renovação.
Em abstrato, a segunda hipótese também pode ocorrer quando as partes preveem o prazo inicial e a renovação automática do contrato, mas não preveem de forma expressa o prazo das renovações. Nestes casos, porém, a interpretação do contrato conduzir-nos-á quase sempre à consideração de uma cláusula tácita no sentido de o prazo de renovação ser idêntico ao prazo do contrato, caso em que não se aplica a norma do n.º 1 do artigo 1096.º, mas o prazo de renovação contratualmente fixado, ainda que de modo tácito.
Em suma, a norma contida no n.º 1 do artigo 1096.º do CC é supletiva, quer quanto à automaticidade da renovação dos contratos de arrendamento com prazo certo, quer quanto à duração dos períodos de renovação, ou seja: i. o contrato apenas é automaticamente renovável na falta de estipulação em contrário; ii. a renovação apenas se fará por períodos sucessivos de igual duração, ou de três anos se esta for inferior, nos casos em que as partes não tenham acordado sobre o prazo da renovação (ou os prazos das renovações) de modo diverso, nomeadamente, por períodos inferiores a três anos (sem prejuízo do disposto no artigo 1097.º, n.º 3, do CC).
A interpretação feita no despacho recorrido – a de que o trecho do artigo 1096.º, n.º 1, que se reporta à renovação «por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior» se aplica imperativamente, mesmo quando as partes estipularam em contrário –, além de não ser a que melhor corresponde à letra da norma interpretada, não se harmonizaria com o disposto nos artigos 1095.º, n.º 2, e 1097.º, n.º 3, introduzindo uma incoerência no sistema. Com efeito, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 1095.º do CC, o prazo contratual do arrendamento urbano para habitação pode ser um qualquer entre um ano e trinta anos; a referida norma impõe que o prazo não seja «inferior a um nem superior a 30 anos» e estatui que se considera «automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respetivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo». Por outro lado, de acordo com o n.º 3 do artigo 1097.º do CC, apenas a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, está condicionada a produzir efeitos após o decurso de três anos sobre a celebração do contrato. De notar que esta norma foi introduzida pela Lei 13/2019, não existindo antes dela, nem no artigo 1097.º do CC – que terminava no n.º 2 e cujos n.ºs 1 e 2 eram idênticos aos atuais –, nem em qualquer outro dispositivo legal. Ora, se o prazo de renovação não pudesse ser inferior a três anos (como entendido na sentença recorrida e defendido por alguma doutrina e jurisprudência), a norma estabelecida no n.º 3 do artigo 1097.º seria absolutamente supérflua.
Na fixação do sentido e alcance da lei, devemos presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do CC). Acresce que, no caso que nos ocupa, o trecho do n.º 1 do artigo 1096.º em discussão («ou de três anos se esta for inferior») e a norma do n.º 3 do artigo 1097.º («A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo…») foram introduzidos através da mesma Lei 13/2019. Ora, se esta mesma Lei pretendesse que, nos contratos de arrendamento com prazo certo, o prazo (seja o inicial, seja o subsequente) nunca fosse inferir a três anos, decerto o teria dito no lugar próprio – no n.º 2 do artigo 1095º –, poupando a alteração ao artigo 1096.º, n.º 1, e a introdução do artigo 1097.º, n.º 3.
Chamando à colação os antecedentes imediatos da norma, Jorge Pinto Furtado (Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2022, 4.ª ed., p. 655) escreve:
«Com a Reforma de 2012, tinha-se estabelecido, neste art.º 1096-1, que, salvo estipulação contratual em contrário, o contrato de prazo certo renova-se “no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração”.
A Reforma de 2017 não aflorou este ponto, mas, com a Lei n.º 13/2019, veio estabelecer-se, pegando na redação de 2012, que, “salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior”.
Limitou-se, pois, a acrescentar à frase “períodos sucessivos de igual duração” a expressão “ou de três anos se esta for inferior”. (…)
O que se determina no presente n.º 1, como se viu, é que o contrato de arrendamento urbano, com prazo certo, no termo da sua duração contratual, se renova, “salvo estipulação em contrário”, por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos quando essa duração for inferior.
A ressalva é expressa, surgindo soberana a encabeçar o preceito.
À sua luz, somente à sua luz, parecerá então perfeitamente lícito que, por expressa estipulação contratual, se convencione contratos de arrendamento, com prazo certo:
a) – Sem renovação contratual;
b) – Com renovações de períodos desiguais;
c) – Que, para o período posterior à duração mínima de três anos, se prevejam renovações de dimensões inferiores ao triénio
Mais adiante (p. 657), conclui: «se bem pensamos, ultimados os três primeiros anos sobre a celebração contratual, para a sua primeira oposição à renovação, não exige depois a lei, para nenhuma outra oposição à renovação, qualquer limite específico de duração convencional; podem, pois, as partes fixar, para estas, aquela que bem lhes parecer».
No mesmo sentido que aqui defendemos, sobre a concreta interpretação do artigo 1096.º, n.º 1, também, Isabel Rocha e Paulo Estima, Novo Regime do Arrendamento Urbano – Notas práticas e Jurisprudência, 5.ª ed., Porto Editora, 2019, p. 286; e Jéssica Rodrigues Ferreira, «Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais», Revista Eletrónica de Direito, vol. 21 (fevereiro de 2020), n.º 1, pp. 75-98. Da última autora e loc. cit., extratamos:
«Parece-nos que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes – e menores – dos supletivamente fixados pela lei, e não, conforme poderia também interpretar-se da letra do preceito em análise – cuja redação pouco precisa gera estas dúvidas – um pacote de “pegar ou largar”, em que as partes estariam adstritas a optar entre contratos não renováveis ou, optando por um contrato automaticamente renovável no seu termo, com períodos sucessivos de renovação de duração obrigatoriamente igual à duração do contrato ou de cinco anos se esta for inferior, pois ainda que a ratio subjacente a esta alteração legislativa tenha sido reforçar a estabilidade dos contratos, se o legislador deixou ao critério das partes o mais – optar por renovar ou não o contrato – também se deve entender que lhes permite o menos – optando por renovar o contrato, regular os termos dessa renovação. Este argumento parece-nos ser ainda reforçado pela remissão operada no n.º 1 para o regime de oposição à renovação previsto para o arrendamento habitacional, regulado nos art.º 1097.º e 1098.º, onde se continuam a prever prazos de oposição à renovação específicos para os casos de duração inicial do contrato ou das suas renovações inferiores a cinco anos (al. b) e c) do n.º 1 do art.º 1097.º e al. b) e c) do n.º 1 do art.º 1098.º)» – (82-83).
Na jurisprudência, sobre a interpretação da norma em causa, e no sentido exposto, sem pretensão de exaustão, chamam-se os seguintes arestos: Acórdãos do TRL de 17-03-2022, proc. 8851/21.6T8LRS.L1-6 (Nuno Lopes Ribeiro); de 10-01-2023, proc. 1278/22.4YLPRT.L1-7 (Luís Filipe Sousa); de 27-04-2023, proc. 1390/22.0YLPRT.L1-6 (Maria de Deus Correia); de 22-06-2023, proc. 50/23.9T8SXL.L1-2 (da ora relatora); de 06-07-2023, proc. 2959/22.8T8SXL.L1-2 (Pedro Martins), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
No Acórdão por último citado estão exaustivamente indicadas, além de referências no sentido ali defendido e que é coincidente com o por nós exposto, jurisprudência e doutrina em sentido contrário (mas nas quais não encontramos argumentos que nos permitam duvidar da natureza supletiva da norma contida no n.º 1 do artigo 1096.º, em toda a sua extensão). Para mais exaustiva fundamentação, remetemos para o citado aresto.

Estabelecida a supletividade da norma do artigo 1096.º, n.º 1, do CC, quer quanto à renovação, quer quanto ao prazo das renovações, estamos aptos a regressar ao caso dos autos e a decidir, com segurança, o destino da apelação.
No contrato de arrendamento objeto do litígio, as partes previram a sua renovação automática e o prazo das renovações (ou prorrogações), por um ano (cl. 11.ª), pelo que não há que recorrer a normas supletivas nestas matérias. A discutida norma, sendo supletiva, não se aplica ao caso.
Não carecendo o contrato dos autos, no que respeita à sua renovação e respetivo prazo, de ser integrado por norma supletiva, nada diremos sobre se a norma supletiva que se aplicaria seria a da lei agora vigente, se a que existia ao tempo da celebração do contrato.

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida, e, julgando o procedimento especial de despejo totalmente procedente, confirmam a cessação do contrato de arrendamento dos autos em 30/06/2024 e condenam a apelada a entregá-lo, livre de pessoas e bens, ao apelante.

Custas pela apelada.

Lisboa, 05/12/2024
Higina Castelo
Susana Maria Mesquita Gonçalves
Inês Moura