RECLAMAÇÃO
ACTO PROCESSUAL
AGENTE DE EXECUÇÃO
FACTOS PROVADOS
NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
RECLAMAÇÃO DA CONTA
HIPOTECA
JUROS
PENHORA
SUCESSÃO
Sumário

(art.º 663.º n.º 7 do CPC)
1. Estando em causa um despacho sobre uma reclamação de ato de AE que não exigiu produção de prova, não incidindo sobre matéria controvertida ou complexa do ponto de vista factual, não é exigível que se proceda ao elenco dos factos provados e não provados, até porque a discordância dos Reclamantes se centrou na aplicação do direito, pelo que a menção que é feita aos factos que servem de suporte à decisão, é adequada e suficiente a tornar a decisão inteligível, não existindo a falta de fundamentação a que alude o art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC suscetível de determinar a sua nulidade.
2. Não há nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC, quando o tribunal conheceu da questão que lhe foi colocada, ainda que não tenha avaliado um dos argumentos invocados pelos Reclamantes, cuja falta de avaliação pode interferir (ou não) com o acerto da decisão, sendo nesse âmbito que a questão se coloca.
3. A garantia da hipoteca está limitada no que se refere aos juros que abrange, sendo restrita àqueles que se vencerem durante três anos, nos termos do art.º 698.º n.º 2 do CPC, bem como ao valor que está inscrito no registo, de acordo com os art.º 687.º n.º 1 do C.Civil e art.º 96.º n.º 1 do C. Reg. Predial.
4. Quando a garantia da dívida exequenda, para além da hipoteca é a penhora do imóvel realizada na execução, não tem aplicação o limite temporal de três anos dos juros previsto no art.º 693.º n.º 2 do C.Civil, nem tão pouco o limite da garantia da hipoteca constante do registo, para que a Exequente se possa pagar do produto da venda do imóvel, já que beneficia de uma dupla garantia, não existindo no regime da penhora uma limitação equivalente àquela que a garantia hipotecária prevê para os juros.
5. Enquanto herdeiros, os Executados sucederam na titularidade das relações jurídicas patrimoniais da falecida Executada, nos termos do art.º 2024.º do C.Civil, pelo que existindo à data da sua morte uma dívida e um imóvel hipotecado e penhorado em garantia dessa dívida, garantias constituídas ainda antes da sua morte, foi nesses termos e com esses ónus que o bem em causa lhes foi transmitido.

Texto Integral

Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
O processo principal corresponde a uma execução hipotecária intentada a 30.12.2010 em que é Exequente A …, S.A. e Executados B …, C …, D … e E …, tendo sido habilitados para prosseguir a execução: a Exequente na qualidade de cessionária da primitiva Exequente e os Executados na qualidade de herdeiros da Executada F ….
São apresentados como título executivo dois contratos de mútuo e no requerimento inicial é requerida a penhora do imóvel hipotecado em garantia do cumprimento de tais contratos, sendo liquidada a obrigação exequenda nos seguintes termos:
Valor Líquido:                                                                                  50.895,74 €
Valor dependente de simples cálculo aritmético:              1.070,90 €
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético:   2.830,60 €
Total:                                                                                 54.797,24 €
1.º Contrato (€ 6.727,31)
Capital em dívida, vencido em 12/10/2010: € 6.213,45
Juros de mora à taxa de 12 % calculados até 15.12.2010: € 130,74
Despesas: € 413,60
2.º Contrato (€48.574,39)
Capital em dívida, vencido em 12/10/2010: € 44.682,29
Juros de mora à taxa de 12 % calculados até 15.12.2010: € 940,16
Despesas: € 2.417,00
Total: €54.797,24


A 16.02.2013 foi realizada na execução a penhora do imóvel hipotecado, conforme auto de penhora constante dos autos.
A Exequente requereu, ao abrigo do art.º 351.º do CPC a habilitação de herdeiros por falecimento da Executada F …, ocorrido a 27.07.2013.
Por sentença de 14.06.2023 foram habilitados para prosseguir na execução como sucessores da falecida executada F …, os seus netos: C … e D …, em representação de G … e E …, em representação de H …, por renúncia das filhas da falecida à sua herança.
Veio a realizar-se em 10.01.2024 a venda do imóvel hipotecado e penhorado nos autos, por leilão eletrónico, pelo valor de € 140.048,20.
Na sequência da venda do imóvel o Sr. Agente de execução procedeu à liquidação das responsabilidades dos Executados, que veio posteriormente a retificar quanto ao valor da quantia exequenda, nos seguintes termos:
Quantia exequenda                                                        €   54.797,24
Juros – data da entrada da execução até 10-01-2024  €   80.992,09
Imposto de selo                                                              €     3.239,68
Taxa de justiça                                                     €          76,50
Provisão do Exequente                                             €        240,81
Total a receber pelo Exequente                                   € 139.346,32
Na liquidação são ainda apresentadas as despesas e honorários do AE e comissão bancária, concluindo-se que não obstante o valor realizado com a venda do imóvel falta pagar ao Exequente a quantia de € 1.559,27.
Os Executados vieram por requerimento de 02.02.2024 reclamar da liquidação do AE, quanto ao valor dos juros ali contemplado de € 80.992,24, dizendo não ter sido descriminada a forma como foram contabilizados, referindo em síntese que tal valor excede os limites do título dado à execução, por não ter sido observado o limite dos juros de três anos da hipoteca previsto no art.º 639.º n.º 2 do C.Civil, nem o valor garantido pela hipoteca constante do registo, sendo esse o limite da responsabilidade dos Executados enquanto herdeiros da anterior proprietária, afirmando ainda que o valor da quantia exequenda inclui os juros vencidos desde 12.10.2010 até à data da propositura da execução, no valor de € 1.070,90, concluindo da seguinte forma:
“Nestes termos e nos mais de Direto, deverá a presente reclamação ser julgada procedente por provada, e, em consequência:
a) Deverá a nota discriminativa reclamada, ser retificada no que se refere ao cálculo de juros de modo a que passe a contemplar o montante de 17.285,03 € a título de juros, ao invés de 80.992,09 €, que erradamente foi inserido pelo Sr. AE.
b) Sem prescindir, e caso assim não se entenda, o limite dos juros e demais acréscimos legais levados à nota discriminativa, não poderá exceder o montante máximo de 32.074,95 €, fixando nas hipotecas constantes dos títulos executivo, e, nessa medida, a mesma deverá ser retificada excluindo-se o valor de 83.481,77 €, e Consequentemente, devem ser reformulados os restantes cálculos, dependentes das retificações operadas por via da presente reclamação.”
A Exequente veio responder, pugnando pela improcedência da reclamação apresentada, concluindo que a liquidação da conta se encontra bem elaborada.
A 18.06.2024 foi proferido o seguinte despacho que se reproduz:
“Reclamação da liquidação – requerimento de 02/02/2024
Reclamam os executados habilitados (representados pelos progenitores) da liquidação dos juros, alegando que a liquidação efetuada excede os limites impostos pelos títulos dados à execução, e porque excede os limites imposto pelas hipotecas associadas aos contratos de mútuos.
Foi observado o contraditório.
Em relação à taxa de juros, foi aplicada a taxa indicada pelo exequente no requerimento executivo, de 12%, constando do requerimento executivo, no ponto 6 dos factos, que: «Assim, face à mora dos Executados, assiste à Exequente o direito de considerar imediatamente vencido todo o crédito com a consequente exigibilidade da totalidade dos montantes em dívida, bem como os juros de mora à taxa máxima que vigorar para os juros remuneratórios contratuais acrescida de uma sobretaxa a título de Cláusula Penal, actualmente fixada em 4%».
Tal alegação não foi objeto de impugnação.
Acresce que tal alegação tem também suporte nos contratos objeto de execução – vide cláusula 9ª dos Documentos Complementares anexos às duas escrituras outorgadas em 14/10/2008.
A taxa de juros aplicada resulta dos contratos em execução, pelo que improcede, nesta parte, a reclamação.
Em relação à violação dos limites imposto pelas hipotecas associadas aos contratos de mútuos, esquecem os reclamantes que a exequente beneficia, nestes autos, de duas garantias sobre o imóvel vendido – a hipoteca, com o limite de juros previsto no artigo 693º n.º 2 do Código Civil (3 anos), e a penhora, que não tem limitação temporal, pelo que é igualmente nesta parte improcedente a reclamação.
Comunique (cabendo ao AE a notificação das partes).”.
Por não se conformar com esta decisão vêm H … e I …, progenitores do Executado E …, menor e em sua representação, dela interpor recurso, apresentado as seguintes conclusões que se reproduzem:
I – Da Nulidade da decisão
1. Por muito respeito que mereça o vertido no douto despacho com a referência … citius, que conheceu da reclamação apresentada pelos recorrentes à nota discriminativa e à liquidação dos juros, elaborada pelo Sr. Agente de execução, com a mesma não se pode conformar.
2. Os recorrentes por via do requerimento com a referência … citius, do dia 02-02-2024, reclamaram da nota discriminada e respetivos juros elaborada pelo AE, quanto i) ao valor dos juros; ii) quanto ao limite dos juros da hipoteca, iii) quanto ao limite da hipoteca; iv) quanto ao facto dos reclamantes (enquanto titulares do imóvel hipotecado) não serem os devedores originários pois nos autos são habilitados por óbito dos devedores originários; v) pelo facto dos habilitados não responderam por mais de três anos de juros, por forma do disposto no artigo 693º, n.º 2 do CC.
3. Salvo o devido respeito, que é muito, a decisão proferida pelo Tribunal a quo é nula, por violação do disposto nas alíneas b) e d) ambas do nº 1 do artigo 615º do CPC.
4. E isto porque, o Tribunal a quo se não pronunciou sobre os juros calculados pelo AE no montante de 80.992,09 €, quando o capital exequendo é de 50.895,74 €.
5. Por si, o montante dos juros fixados pelo AE, constitui um verdadeiro abuso de direito, não apenas porque a fixação de tal valor de juros, quando o respetivo cálculo não se mostra discriminado, mas também porque o montante é superior ao valor da quantia exequenda e nessa medida e constitui abuso de direito cobrar tal montante de juros desde o alegado incumprimento, na medida em que exequente dispunha de garantia real e deteve-se mais de 14 anos, de modo a prevalecer-se dos juros vincendos, ciente que o valor imóvel era superior ao da dívida exequenda.
6. Por forma alguma, o AE na nota discriminativa procedeu ao cálculo dos juros por referência à quantia exequenda, donde o Tribunal a quo não poderia ter aderido a qualquer fundamento da respetiva nota.
7. De facto, por referência à reclamação apresentada a decisão não foi fundamentada, uma vez que não elencou quaisquer factos provados ou não provados para chegar à decisão de que o montante dos juros calculados pelo AE na nota discriminativa, se encontrava correto.
8. Na verdade, o Tribunal a quo limita-se a fazer referência que o exequente aplicou a taxa de juros de 12% por a mesma constar do requerimento executivo (no âmbito da liquidação – não do pedido), e, bem assim, que a mesma não foi objeto de impugnação.
9. Ora, do ponto 6 do requerimento executivo consta que sic “6) Assim, face à mora dos Executados, assiste à Exequente o direito de considerar imediatamente vencido todo o crédito com a consequente exigibilidade da totalidade dos montantes em dívida, bem como os juros de mora à taxa máxima que vigorar para os juros remuneratórios contratuais acrescida de uma sobretaxa a título de Cláusula Penal, actualmente fixada em 4%.”
10. Em momento algum o exequente no pedido indica a taxa de juro aplicável ou a fixa em 12%, o que por si só, é fundamento para a rejeição oficiosa do pedido de pagamento de juros moratórios.
11. Na verdade, resulta dos títulos executivos (mútuos com hipoteca), nomeadamente da cláusula sexta do documento complementar, que as partes convencionaram juros remuneratórios e moratórios – com a indicação de uma taxa média de variação semestral (EURIBOR) e uma sobretaxa –, à exequente cumpre o ónus de liquidação (por simples cálculo aritmético) que sobre si impende quando relativamente ao cálculo de juros especifica, no requerimento executivo, a data de incumprimento das prestações e o capital em dívida a essa data, o período de cálculo dos juros, os valores alcançados.
12. Ora, a variação da taxa de juros não foi equacionada pelo tribunal, sendo do conhecimento oficioso que a taxa Euribor esteve negativa, em grande parte do período em causa no cálculo.
13. Ora, o Tribunal a quo não se deteve para apreciar que o AE não fez qualquer referência à forma como o cálculo dos juros foi efetuado, nem por qualquer forma se apreciou a forma como se chegou a tal montante.
14. Estando em causa uma obrigação cuja liquidação dependa de uma operação de simples cálculo aritmético, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido (art.º 716º, n.º 1, do CPC), o que não resulta do requerimento executivo, o que não foi feito.
15. E, que de resto, é fundamento de rejeição oficiosa, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, a parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo (arts. 734º, n.º 1, e 726º, n.º 3 do CPC).
16. Mas o Tribunal a quo, tendo sido reclamada a nota discriminativa, estava vinculado no dever de determinar a taxa aplicável em cada um dos momentos de modo a concluir pela regularidade ou irregularidade dos cálculos efetuados pelo AE.
17. Por outro lado, os recorrentes foram habilitados na execução, e atento esse facto, não são as partes originárias na relação contatual que deu origem à execução, donde, a impugnação, a ter lugar não caberia aos mesmos, sendo que não foram citados para o efeito.
18. De facto, no despacho recorrido, o Tribunal a quo não emitiu qualquer juízo quanto ao montante dos juros, nem quanto a forma de cálculo dos mesmos.
19. O Tribunal a quo limitou-se a consignar o valor da taxa de juro, ainda que a mesma não conste dos factos alegados no requerimento executivo.
20. Ademais, fincando por esclarecer a subsunção dessa taxa de juro ao montante do capital em dívida, e a determinação do quantitativo de juro devidos.
21. Resulta da decisão recorrida, o Tribunal a quo, além de identificar o percentual da taxa de juro, não elencou qualquer factualidade que tivesse considerado provada (ou não provada) e, que, após tomar posição quanto ao percentual da taxa juro aplicável, decidiu que sic “A taxa de juros aplicada resulta dos contratos em execução, pelo que improcede, nesta parte, a reclamação.”
22. Quanto ao demais o Tribunal decidiu, salvo o devido respeito, de forma conclusiva, que sic “Em relação à violação dos limites imposto pelas hipotecas associadas aos contratos de mútuos, esquecem os reclamantes que a exequente beneficia, nestes autos, de duas garantias sobre o imóvel vendido – a hipoteca, com o limite de juros previsto no artigo 693º n.º 2 do Código Civil (3 anos), e a penhora, que não tem limitação temporal, pelo que é igualmente nesta parte improcedente a reclamação.”
23. Ora, podemos considerar que o Tribunal a quo, ainda que não tenha identificado os factos provados, considerou provado o valor da taxa de juros aplicável, que existe hipoteca e penhora.
24. Porém não se debruçou sobre nenhuma das questões colocadas à sua apreciação na reclamação apresentada pelos executados habilitados, mormente ao facto de serem habilitados e às questões atinentes ao cálculo dos juros efetuada pelo AE.
25. Para se poder concordar com o montante fixado pelo AE, e, determinar que o mesmo montante era devido, o Tribunal terá que se basear em factos que considere como provados, por referência aos factos constante da nota discriminativa, tendo por base a factualidade alegada pelos executados, e, esclarecer em que medida o cálculo foi corretamente efetuado.
26. Note-se que o Tribunal a quo não ordenou ao AE que reformulasse os cálculos ou por qualquer forma esclarece a nota discriminativa elaborada, quando da mesma apenas consta o montante dissociado de taxa ou de qualquer formula de cálculo.
27. A apreciação e julgamento da matéria factual alegada pelos executados na Reclamação, é essencial à decisão de mérito, no que respeita à fixação do valor da quantia de juros devida na execução, de forma a concluir se o montante indicado na nota pelo AE está correto, e, bem assim, em ordem a esclarecer qual o limite dos juros abrangidos pela hipoteca, qual ao limite garantido pela hipoteca atento o facto dos reclamantes (enquanto titulares do imóvel hipotecado) não serem os devedores originários, e quanto facto dos habilitados não responderam por mais de três anos de juros, atento o disposto no artigo 693º, n.º 2 do CC.
28. Não bastava assim ao Tribunal a quo, de forma conclusiva indicar a taxa de juro, e, que por essa via improcedia a reclamação, e, bem assim, referir que a penhora não tem limite temporal, para concluir, pela improcedência da reclamação nessa vertente, omitindo a pronuncia quanto às demais questões.
29. A falta de especificação dos fundamentos de facto nos quais assenta a decisão, constitui nulidade da decisão, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
30. O Tribunal a quo omitiu, por completo os fundamentos de facto pelos quais decidiu pelo indeferimento, sendo que não se pronunciou quanto às questões levantadas na reclamação apresentada pelos executados habilitados, o que determina a nulidade da decisão nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
31. Pelo que, deverá a se declarada a nulidade da decisão, que indeferiu a reclamação apresentada pelo recorrente à nota discriminativa elaborada pelo AE.
32. Donde, mal andou o Tribunal à quo quando indeferiu a reclamação à nota discriminativa apresentada pelos executados habilitados, e, em consequência deverá ser o despacho revogado e substituído por outro que julga integralmente procedentes a Reclamação, e, em consequência:
i) A nota discriminativa reclamada, ser retificada no que se refere ao cálculo de juros de modo a que passe a contemplar o montante de 17.285,03 € a título de juros, ao invés de 80.992,09 €, que erradamente foi inserido pelo Sr. AE, e, consequentemente, devem ser reformulados os restantes cálculos, dependentes das retificações operadas.
33. O Tribunal a quo ao decidir violou o disposto nas alíneas b) e d) ambas do nº 1 do artigo 615º, no artigo 716º, n.º 1, 726º, 3 e 734º, n.º 1, todos do CPC e 693º, n.º 2 Código Civil.
A Recorrida não veio responder ao recurso.
II. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da nulidade da decisão por falta de fundamentação e omissão de pronúncia, nos termos das al. b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;
- da responsabilidade dos Executados quanto aos juros ser limitada ao período de três anos garantido pela hipoteca, de acordo com o art.º 693.º n.º 2 do C.Civil e ao valor garantido que consta do registo, contabilizados sobre o capital de € 50.895,74.
III. Fundamentos de Facto
Os factos provados com interesse para a decisão da causa são os que constam do relatório elaborado.
IV. Razões de Direito
- da nulidade da decisão por falta de fundamentação e omissão de pronúncia, nos termos das al. b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC
Invoca o Recorrente a nulidade da decisão por falta de fundamentação ao não descriminar os factos provados e não provados e por omissão de pronúncia, por nada ter sido dito quanto ao montante dos juros e fórmula de cálculo dos mesmos, nem quanto ao facto dos Executados não serem os devedores originários, mas herdeiros habilitados, não respondendo por mais de três anos de juros.
O art.º 615.º n.º 1 do CPC vem elencar os vícios formais da sentença suscetíveis de determinar a sua nulidade pela verificação das circunstâncias previstas nas suas várias alíneas, estabelecendo que a sentença é nula quando:
“a) não contenha a assinatura do juiz;
b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
Quanto à previsão da al. b) do n.º 1 relativa à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, é verdade que a elaboração da sentença deve respeitar determinadas exigências formais, que o legislador contempla no art.º 607.º do CPC. O n.º 3 deste artigo impõe ao juiz que na sentença faça a discriminação autónoma dos factos que considera provados e que indique, interprete e aplique as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. Acrescenta o n.º 4 que: “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas e indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documento ou confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
O dever de fundamentação das decisões impõe-se ao juiz, nos termos do art.º 154.º do CPC e corresponde a uma exigência constitucional, prevendo o art.º 205.º n.º 1 da CRP que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
O art.º 154.º do CPC sob a epígrafe “dever de fundamentar a decisão”, estabelece:
1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2.A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”
As partes têm o direito de saber as razões da decisão do tribunal, pois só assim podem avaliar a bondade da mesma e, se for caso disso, ponderar a sua impugnação. O dever de fundamentação assenta na necessidade de esclarecimento das partes e constitui uma fonte de legitimação da decisão judicial.
O grau de fundamentação exigível depende tanto da complexidade da questão sobre a qual incide a decisão, como da controvérsia revelada pelas partes sobre a situação a decidir.
Tem vindo também a ser entendido de forma que temos por pacífica, que só a absoluta falta de fundamentação pode determinar a nulidade da decisão, não se bastando tal vício com uma fundamentação menos exaustiva ou deficiente que sempre admita a perceção do que foi ponderado, vd. neste sentido, a título de exemplo, o Acórdão do STJ de 10-07-2008 no proc. 08A2179 in www.dgsi.pt .
Na situação em presença está em causa um despacho sobre uma reclamação de ato de AE, que não exigiu produção de prova, não incidindo sobre matéria controvertida ou complexa do ponto de vista factual, não sendo exigível que se procedesse ao elenco dos factos provados e não provados como pretende o Recorrente, até porque a discordância manifestada pelos Reclamantes se centrou essencialmente na aplicação do direito.
Contata-se que o despacho que decide a reclamação faz menção aos factos que servem de suporte à decisão, de modo adequado e suficiente para tornar a decisão inteligível, não existindo a falta de fundamentação a que alude o art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC suscetível de determinar a sua nulidade.
Vem ainda o Recorrente invocar a nulidade, nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, por omissão de pronuncia, quando nada se diz sobre a forma como devem ser calculados os juros, nem sobre o facto dos Executados não serem os devedores originários, mas herdeiros, não respondendo por mais do que os juros abrangidos pela hipoteca.
Relaciona-se esta norma com o princípio expresso no art.º 608.º n.º 2 do CPC segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se também de questões que não sejam suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso.
Tem vindo a ser comumente entendido que as questões sobre as quais o tribunal tem de pronunciar-se não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas partes para fazerem valer as suas pretensões – neste sentido, vd entre outros, acórdão do TRL 13-09-2022 no proc. 569/07.9TBMTA-B.L1-7 in www.dgsi.pt onde se diz: “não constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia a circunstância de não se apreciar e fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocam para sustentar a procedência ou improcedência da ação. Nas palavras precisas de MANUEL TOMÉ SOARES GOMES “(…) já não integra o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido, portanto numa questão de mérito.” Pode, pois, concluir-se que não há omissão de pronúncia quando a matéria, tida por omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada, competindo ao tribunal decidir questões e não razões ou argumentos aduzidos pelas partes. O juiz não tem que analisar todos os argumentos invocados pelas partes, embora se ache vinculado a apreciar todas as questões que devem ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente.”
O juiz tem de pronunciar-se sobre o pedido formulado pelas partes e sobre as questões por elas suscitadas, não constituindo omissão de pronuncia quando isso acontece, sem que tome posição expressa sobre todos os argumentos apresentados. As razões invocadas não se confundem com a questão a decidir, embora a falta de ponderação de alguns argumentos relevantes para a decisão possa determinar a falta de acerto da mesma.
No caso em presença, a omissão de pronuncia invocada pelo Recorrente dirige-se a duas situações: em primeiro lugar, ao facto do tribunal não se ter pronunciado sobre os juros; em segundo lugar, por nada ter dito sobre os Executados terem herdado o imóvel hipotecado da primitiva devedora, estando a sua responsabilidade quanto aos juros da dívida limitada a três anos, nos termos do art.º 693.º n.º 2 do C.Civil.
Quanto à primeira questão relativa aos juros, o despacho recorrido diz expressamente que foi aplicada a taxa indicada pelo exequente no requerimento executivo de 12%, que não foi impugnada, taxa que foi entendido ter suporte nos contratos que servem de base à execução.
O que se verifica é que o Recorrente vem agora em sede de recurso pôr em causa a taxa de 12% que foi considerada, sem que o tenha feito anteriormente, nem tão pouco quando reclamou da liquidação do AE, tratando-se de uma questão nova, que por isso mesmo não cumpre ao tribunal de recurso resolver, atenta a natureza e finalidade dos recursos.
Como ensina Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 87 ss: Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando nos termos já referidos estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (…) Compreendem-se perfeitamente as razões que levaram a que o sistema assim fosse arquitetado. A diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os tribunais superiores apenas devam ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios.”
No caso, constata-se que, não só os Executados nunca vieram pôr em causa a taxa de juro de 12% indicada pelo Exequente no requerimento inicial com base nos contratos que apresentou à execução, como até quando da reclamação que apresentaram à liquidação do AE, procedem ao cálculo dos juros que consideram ser devidos, aplicando precisamente essa taxa de juro de 12%.
O segundo fundamento da nulidade, prende-se com a alegação de que, enquanto herdeiros habilitados, os Executados apenas respondem pelos juros vencidos durante três anos, em face da garantia hipotecária dos imóveis que adquiriram por via sucessória.
A qualidade de herdeiros dos Executados não constitui uma questão a resolver pelo tribunal, à luz do disposto no art.º 608.º n.º 2 do CPC, mas antes uma das razões que os mesmos invocaram como fundamento da reclamação da liquidação dos juros apresentada pelo AE – por terem sido contabilizados juros da por mais de três anos, atento o limite legal do art.º 693.º n.º 2 do CPC, esta sim a questão que se impunha ao tribunal decidir, o que efetivamente fez de forma fundamentada, afirmando, sobre a invocada violação dos limites impostos pela hipoteca, que a Exequente, além da hipoteca, beneficia de uma penhora sobre o imóvel, que não tem limite temporal quanto aos juros.
É verdade que nada foi dito expressamente sobre a situação dos Executados serem herdeiros da primitiva Executada e não os devedores originários, o que os Reclamantes também referiram na reclamação que apresentaram, contudo, tal não significa que o tribunal não tenha conhecido da questão que se lhe impunha decidir, mas tão só que não ponderou um dos argumentos invocados pelos Reclamantes em abono da sua pretensão, cuja falta de avaliação pode interferir (ou não) com o acerto da decisão, o que se verá adiante, no âmbito da apreciação jurídica da decisão.
Não existe assim qualquer omissão de pronuncia, por o tribunal ter apreciado todas as questões que se lhe impunha resolver, em face da reclamação apresentada.
Resta concluir que não se verifica a nulidade da decisão, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b) e d) do CPC, contrariamente ao defendido pelo Recorrente.
- da responsabilidade dos Executados quanto aos juros ser limitada ao período de três anos garantido pela hipoteca, de acordo com o art.º 693.º n.º 2 do C.Civil e ao valor garantido que consta do registo, contabilizados sobre o capital de € 50.895,74
Alega o Recorrente que foi violado o limite de três anos quanto aos juros, previsto no art.º 693.º n.º 2 do C.Civil por estar em causa um imóvel hipotecado, tendo sido contabilizados juros desde a data da entrada da execução até 10.01.2024 data do leilão eletrónico, em violação de tal norma, pelo que sendo o pagamento da dívida assegurado pelo valor da venda do imóvel hipotecado só podem ser considerados os juros vencidos no prazo de três anos, que liquida em € 17.285,03, ou no máximo o valor de € 32.074,95 para os juros e encargos, tendo em conta o valor máximo registado da hipoteca.
Relativamente a esta questão, afirma-se no despacho recorrido: “Em relação à violação dos limites imposto pelas hipotecas associadas aos contratos de mútuos, esquecem os reclamantes que a exequente beneficia, nestes autos, de duas garantias sobre o imóvel vendido – a hipoteca, com o limite de juros previsto no artigo 693º n.º 2 do Código Civil (3 anos), e a penhora, que não tem limitação temporal, pelo que é igualmente nesta parte improcedente a reclamação.”
A hipoteca, como decorre do art.º 686.º do C.Civil, constitui uma garantia real das obrigações, que confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisa imóveis ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo e deve ser registada.
É condição da produção de efeitos da hipoteca o seu registo, de acordo com o disposto nos art.º 687.º do C.Civil e art.º 4.º n.º 2 do CRPredial.
O art.º 96.º do CRPredial vem impor requisitos especiais para o registo da hipoteca, nos seguintes termos:
“1 - O extrato da inscrição de hipoteca deve conter as seguintes menções especiais:
a) O fundamento da hipoteca, o crédito e seus acessórios e o montante máximo assegurado;
b) Tratando-se de hipoteca de fábrica, a referência ao inventário de onde constem os maquinismos e os móveis afetos à exploração industrial, quando abrangidos pela garantia.
2 - Se os documentos apresentados para registo da hipoteca mostrarem que o capital vence juros, mas não indicarem a taxa convencionada, deve mencionar-se na inscrição a taxa legal.”
Esta norma tem em vista a proteção de terceiros, designadamente de outros credores, de modo a que possam conhecer a medida em que o bem hipotecado está onerado, para tal apontando a necessidade de estar mencionado no registo o montante máximo assegurado ou garantido pela hipoteca, como impõe o art.º 96.º n.º 1 al. a) do CRPredial, para que com segurança os terceiros possam saber com o que podem contar – vd. L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, pág. 199.
O art.º 693.º do C.Civil, referindo-se aos acessórios do crédito, dispõe no seu n.º 1 que a hipoteca assegura os acessórios do crédito que constem do registo, acrescentando o n.º 2 que: “Tratando-se de juros, a hipoteca nunca abrange, não obstante convenção em contrário, mais dos que os relativos a três anos.”
Não há dúvida de que a garantia da hipoteca está limitada, como alega o Recorrente, quer no que se refere aos juros que abrange, restrita àqueles que se vencerem durante três anos, nos termos do art.º 698.º n.º 2 do CPC, quer ao valor que está inscrito no registo, de acordo com os art.º 687.º n.º 1 do C.Civil e art.º 96.º n.º 1 do C. Reg. Predial. Estes elementos que fazem parte do regime legal da garantia hipotecária não são objeto de controvérsia.
A questão é que, conforme refere a decisão sobre recurso, a garantia da dívida exequenda, para além da hipoteca é a penhora do imóvel realizada nos presentes autos, relativamente à qual aquele limite temporal dos três anos juros não opera, registando-se que o Recorrente nada diz sobre esta situação, que constituiu o fundamento da decisão.
Sem entrar na divergência doutrinal sobre a qualificação da penhora, por aqui não se justificar – vd. L. Miguel Pestana de Vasconcelos, in ob. cit. pág. 355, pode dizer-se que penhora constitui uma diligência processual, com efeito pelo menos similar ao de uma garantia real, dirigida em regra aos bens do devedor que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida – art.º 735.º do CPC, sendo o património do devedor o garante das obrigações, de acordo com o princípio geral do art.º 601.º do C.Civil.
Como afirma a decisão sob recurso no regime da penhora não existe uma limitação equivalente àquela que a garantia hipotecária prevê para os juros, pelo que, beneficiando o Exequente, para além da garantia hipotecária, de uma penhora sobre o imóvel hipotecado que veio a ser vendido, não tem aplicação o limite temporal de três anos dos juros previsto no art.º 693.º n.º 2 do C.Civil, nem tão pouco o limite da hipoteca constante do registo, para que a Exequente se possa pagar do produto da sua venda, já que beneficia de uma dupla garantia.
Na execução foi penhorado o imóvel hipotecado pela primitiva Executada, como garantia das obrigações contratuais por ela assumidas nos dois contratos de mútuo apresentados à execução, em observância do art.º 752.º do CPC, sendo que a penhora incidiu sobre um bem da devedora, na medida em que aquela ainda não havia falecido quando da sua efetivação.
É certo que os atuais Executados não são devedores originários, mas os herdeiros da primitiva devedora, tendo sucedido por via sucessória na titularidade do direito de propriedade do imóvel hipotecado. Contudo, quando a sucessão se verifica o imóvel que fazia parte da herança já havia sido penhorado, estando onerado com uma nova garantia.
Aos Executados, que foram habilitados na presente execução para a prosseguirem no lugar da primitiva Executada devedora falecida, foi-lhes transmitida a titularidade do direito de propriedade sobre um imóvel hipotecado e penhorado nos autos, por sucessão – art.º 1316.º e 2024.º do C.Civil.
Enquanto herdeiros, os Executados sucedem na titularidade das relações jurídicas patrimoniais da falecida, nos termos do art.º 2024.º do C.Civil, pelo que continuando a existir à data da sua morte uma dívida e um imóvel hipotecado e penhorado em garantia dessa dívida, garantias constituídas ainda antes daquela ter falecido, foi nesses termos e com esses ónus que o bem em causa lhes foi transmitido.
Nestes termos, embora a lei limite no art.º 693.º n.º 2 do C.Civil a garantia da hipoteca a um máximo de três anos de juros, uma vez que tal limite não se impõe à penhora do imóvel realizada ainda em vida da primitiva Executada, já se vê que o valor do imóvel vendido na execução responde não só pela dívida de capital como pelos juros vencidos sem aquela restrição, sendo certo que a responsabilidade dos herdeiros pelas dívidas da herança nunca pode exceder o valor dos bens herdados, nos termos do art.º 2071.º n.º 2 do C.Civil
Já se dá razão ao Recorrente quando refere que os juros devem ser contabilizados sobre o capital em dívida que é de € 50.895,74.
A dívida de juros, não pode ser desligada do seu facto constitutivo que é a obrigação de capital, uma vez que os juros têm a natureza de obrigação acessória- vd. neste sentido F. Correia das Neves in Manual dos Juros, pág. 55 onde refere: “A obrigação de juros é acessória de uma obrigação de capital – a obrigação principal, não podendo nascer ou constituir-se sem esta.”.
Daqui se retira, que os juros devem acompanhar a dívida de capital, vencendo-se automaticamente, enquanto obrigação acessória, pelo que a sua contabilização ou liquidação deve ser sempre feita por referência ao capital em dívida que permanece em mora.
No caso concreto a liquidação do AE faz menção à quantia exequenda no valor de € 54.797,24 e aos juros vencidos desde a data da execução até 10.01.2014 no valor de € 80.992,09.
Acontece que a quantia de € 54.797,24 indicada no requerimento executivo já integra os juros vencidos à data – valor dependente de simples cálculo aritmético, no montante de € 1.070,90 e as despesas do contrato – valor não dependente de simples cálculo aritmético na quantia de € 2.830,60, o que somando com a dívida de capital de € 50.895,00 perfaz aquele montante.
Assim sendo os juros vencidos desde a data da entrada da execução até 10.01.2014 devem incidir apenas sobre o capital em dívida e não sobre os restantes itens liquidados no requerimento inicial.
Tendo a presente execução dado entrada a 29.12.2010 os juros vencidos à taxa indicada pelo Exequente e não contestada, desde aí até 10.01.2014, contabilizados sobre o capital em dívida de € 50.895,00 ascendem à quantia de € 79.648,35 não se apresentado correto o valor de € 80.992,09 liquidado pelo AE a título de juros vencidos, que deverá ser corrigido em conformidade, tal como o valor do imposto de selo respetivo.
Em consequência, impõe-se a revogação da decisão recorrida na parte em que considerou não merecer censura a liquidação elaborada pelo AE, que se substitui por outra que julgando parcialmente procedente a reclamação apresentada, quanto ao valor liquidado pelo AE a título de juros e respetivo imposto de selo determinando a correção da liquidação nos termos e com observância dos elementos que se referiram.
IV. Decisão:
Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso apresentado pelo Executado, alterando-se a decisão recorrida que se substitui por outra que, dando parcial procedência à reclamação apresentada pelo Executado, quanto ao valor liquidado dos juros e imposto de selo respetivo - determina a reforma da liquidação nos termos definidos.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento – art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC.
Notifique.
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Lisboa, 5 de dezembro de 2024
Inês Moura
Higina Castelo
António Moreira