INJÚRIA AGRAVADA
ELEMENTO SUBJECTIVO
MEDIDA DA PENA
Sumário

I - As expressões proferidas pela arguida (“vocês estão fodidos comigo, vocês não valem nada, vou apresentar queixa de vocês, seus porcos, filhos da puta”), dirigidas a agentes da PSP no exercício das suas funções, constituem expressões obviamente injuriosas e aptas a afetar a honra e consideração devidas àqueles agentes, que, para efeito do tipo criminal aqui em causa, não são equivalentes à honra e consideração devidas a um cidadão não investido em funções de autoridade.
II- A embriaguez, que o Tribunal a quo deu como adquirida, não foi – face ao que consta dos factos provados – suficiente para que se possa considerar que a arguida não estivesse em condições de compreender o significado dos seus atos e de se determinar de acordo com essa avaliação. Será a arguida uma «pobre de espírito», mas tal, claramente, não a torna inimputável, e, por assim ser, a sua conduta é passível de censura penal.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
No processo comum singular nº 682/22.2PBAGH, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo Local Criminal de ..., foi julgada a arguida AA, filha de BB e de CC, natural da freguesia de ..., concelho de ..., nascida a ........1984, solteira, desempregada, com residência na ..., acusada da prática, “em autoria material e na forma consumada, (…) de dois crimes de injúria agravada p.p. pelo art.º 181.º n.º 1, 184.º e 132.º n.º 2al. l) do C. Penal” e “dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, p.p. pelo art.º 145º n.º 1, al. a), 132º, n.º 2, alínea l), e 143º, 23º, n.ºs 1 do C.P.” dos quais veio a ser absolvida por sentença datada de 14.06.2024.
Desta decisão interpôs recurso o Ministério Público, pedindo a condenação da arguida pela prática de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181º, nº 1, 184º e 132º, nº 2, alínea l) do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa à razão diária de 5,00 (cinco) euros, e extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
“1. A arguida AA foi absolvida, além do mais, da prática de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181.º n.º 1, 184.º e 132.º n.º 2 l) do Código Penal.
2. Não obstante, a sentença recorrida, relativamente à matéria de facto, deu como provados os seguintes factos:
1º- No dia 27 de Setembro de 2022, pelas 07h30, os agentes da PSP DD e EE, devidamente uniformizados e no exercício das suas funções, foram chamados à ..., em ..., por haver notícia que a arguida se havia introduzido na referida residência contra a vontade do seu proprietário. (…)
4º- A arguida de imediato dirigiu as seguintes expressões aos referidos agentes da PSP: “vocês estão fodidos comigo, vocês não valem nada, vou apresentar queixa de vocês, seus porcos, filho da puta.” (…)
7º- A arguida, ao proferir as expressões e dirigi-las aos agentes da PSP, sabia que tais expressões eram ofensivas e que os visados se encontravam no exercício das suas funções. (…)”.
3. Pese embora, a matéria de facto dada como provada, o tribunal recorrido entendeu que a arguida não cometeu um crime de injúria qualificada (veja-se que um dos agentes da PSP desistiu da queixa apresentada contra a arguida), porquanto sustenta que as suas palavras não merecem credibilidade e não têm a conotação necessária para atingir pessoalmente os agentes da PSP, uma vez que a arguida estava embriagada.
4. O tribunal recorrido entendeu que as palavras da arguida não têm a mínima virtualidade para denegrir quem quer que seja.
5. Salvo o devido respeito, não merece aplauso tal argumentação.
6. Entende-se que a matéria de facto dada como provada integra os elementos objetos e subjetivos da prática pela arguida de um crime de injúria agravada, em virtude de as expressões proferidas pela arguida se revelarem penalmente relevantes.
7. Valorando os factos e o seu contexto, isto é, não olvidando que se tratava de uma ação de manutenção da ordem e segurança que se encontrava a ser realizada pelos ofendidos enquanto agentes de autoridade, devidamente uniformizados, não podemos concluir que a arguida se encontrava legitimada a adotar as palavras que utilizou pelo regular exercício do seu direito à liberdade de expressão ou por se tratar de um comportamento tolerado, por esta estar embriagada.
8. Ainda que a arguida se sentisse incomodada com a atuação dos agentes da PSP, que ordenaram que a arguida saísse de uma casa que não era sua, isso não permitia que atingisse a honra e a consideração dos agentes, que estavam em serviço, não se vislumbrando outro propósito da arguida que não fosse o de injuriar os visados.
9. A conduta da arguida não é uma simples conduta desrespeitosa ou incorreta de alguém que está alcoolizado. Ao contrário do que o tribunal recorrido faz crer parecer, o desvalor dos epítetos dirigido aos ofendidos, está muito para além da falta de educação, pois põe ostensivamente em causa a honra dos visados.
10. O ordenamento jurídico criminal não pode olhar com passividade o facto de alguém chamar a dois agentes da autoridade, em exercício de funções e devidamente uniformizados, “porcos”, “filhos da puta”.
11. Em síntese, as palavras ditas pela arguida, vistas à luz dos padrões médios de valoração social, pelo significado e pela carga desvaliosa associados aos epítetos dirigidos aos ofendidos, são, sem margem para dúvidas, ofensivos da sua honra e consideração daqueles, significando in casu muito mais que a mera violação das regras de boa educação, pelo que têm efetivamente relevância criminal.
12. Neste sentido, veja-se a vastíssima jurisprudência, entre outros, o Acórdão do TRL, de 26/10/2021, Relator: Vieira Lamim, proc. 258/20.9PBLRS.L1-5; o Acórdão do TRE, de 06/06/2023, Relatora: Maria Clara Figueiredo, proc. n.º 1654/19.0P5LSB.E1; e o Acórdão do TRL, de 11/01/2018, Relator: Almeida Cabral, proc. n.º 68/17.0P5LSB.L1-9.
13. Deve conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, que deverá ser substituída por acórdão que, apreciando e valorando as considerações de direito supra expostas, dê como assente que os factos dados como provados consubstanciam a prática de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181.º n.º 1, 184.º e 132.º n.º 2 l) do Código Penal e, em consequência, condene a arguida na pena de 70 (setenta) dias de multa à razão diária de 5,00 (cinco) euros, o que perfaz a quantia de 350,00 (trezentos e cinquenta) euros.
V. Ex.as, porém, e como sempre, farão Justiça!”
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O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Notificada da interposição de recurso, a arguida não apresentou resposta.
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Neste Tribunal, a Exma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416º do Código de Processo Penal, emitiu parecer, nos seguintes termos:
“Analisada a sentença constata-se notoriamente a existência de erro na aplicação do direito, pois que os factos provados conduzem necessariamente à condenação pelos dois crimes de injúria, tal como bem fundamenta o Ministério Público na motivação do recurso, com a qual se concorda.
No entanto, por lapso de escrita, o Ministério Público em sede de conclusões refere, e pede, a condenação da arguida pela prática de um crime de injúria, sugerindo a pena a aplicar, devendo entender-se que se refere, e pede, a condenação da arguida pela prática de dois crimes de injúria, na pena de 70 dias de multa a cada um deles à razão diária de € 5,00, o que perfaz a quantia de € 350,00.
Pelo exposto, somos de parecer que o recurso merece provimento.”
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo a arguida apresentado resposta.
Proferido despacho liminar, no qual se corrigiu o efeito atribuído ao recurso, e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II. Questões a decidir
Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso1.
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – a sentença final proferida nos autos – a questão a examinar e decidir prende-se em exclusivo com o enquadramento jurídico-penal dos factos dados como provados.
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III. Transcrição dos segmentos da decisão recorrida relevantes para apreciação do recurso interposto
Da decisão recorrida, com interesse para as questões em apreciação em sede de recurso, consta o seguinte:
“Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1º- No dia 27 de Setembro de 2022, pelas 07h30, os agentes da PSP DD e EE, devidamente uniformizados e no exercício das suas funções, foram chamados à ..., em ..., por haver notícia que a arguida se havia introduzido na referida residência contra a vontade do seu proprietário.
2º- Uma vez ali chegados, ordenaram à arguida que se retirasse do interior da referida habitação, o que a mesma recusou terminantemente fazer.
3º- A arguida encontrava-se embriagada, o que era notório para os agentes policiais.
4º- A arguida de imediato dirigiu as seguintes expressões aos referidos agentes da PSP: “vocês estão fodidos comigo, vocês não valem nada, vou apresentar queixa de vocês, seus porcos, filho da puta.”
5º- Devido a esta conduta, os arguidos deram voz de detenção à arguida e procederam à sua algemaram, tendo ela, no decorrer dessa acção, esbracejado na tentativa de evitar a algemagem.
6º- Com a sua conduta, agiu a arguida com o propósito de impedir os agentes da PSP de a algemarem, de cuja qualidade de polícia estava ciente.
7º- A arguida, ao proferir as expressões e dirigi-las aos agentes da PSP, sabia que tais expressões eram ofensivas e que os visados se encontravam no exercício das suas funções.
8º- A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que resistir a agentes policiais e ofendê-los era proibido.
9º- Pela prática a 22 de Abril de 2014 de um crime de ofensa à integridade física qualificada foi a arguida AA condenada por sentença de 17 de Novembro de 2015, transitada em julgado a 17 de Novembro de 2015, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €5 (Processo 279/14.0PBAGH).
10º- Pela prática a 12 de Junho de 2016 de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez foi a arguida AA condenada por sentença de 6 de Fevereiro de 2017, transitada em julgado a 6 de Fevereiro de 2017, na pena de 140 dias de multa à taxa diária de €6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de 6 meses (Processo 57/16.2PTAGH).
11º- Pela prática a 21 de Julho de 2017 de um crime de condução sem habilitação legal foi a arguida AA condenada por sentença de 15 de Setembro de 2017, transitada em julgado a 16 de Outubro de 2017, na pena de 3 meses de prisão, suspensa por 1 ano (Processo 69/17.9PTAGH).
12º- Pela prática a 26 de Julho de 2017 de um crime de condução sem habilitação legal foi a arguida AA condenada por sentença de 27 de Julho de 2017, transitada em julgado a 30 de Setembro de 2017, na pena de 3 meses de prisão, suspensa por 1 ano (Processo 71/17.0PTAGH).
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Não resultou provado mais nenhum facto relevante.
Não resultou provado, nomeadamente, que a arguida tivesse desferido socos na direcção dos dois agentes.
(…)
B. A arguida está também acusada da prática de dois crimes de injúria na pessoa de dois agentes policiais.
A infracção imputada à arguida tem natureza semi-pública (art.º 188º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal).
Tendo em conta isso, a desistência de queixa é válida e eficaz para fazer extinguir parcialmente o procedimento criminal instaurado à arguida, atenta a legitimidade do queixoso para desistir, da arguida para aceitar e a tempestividade da desistência, pelo que será de homologar a desistência.
Diz o artigo 181º, n.º 1, do Código Penal: “Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.”
O bem jurídico tutelado pela norma, a honra, consiste na pretensão ao reconhecimento da dignidade moral da pessoa por parte dos outros – cfr. Augusto Silva Dias, "Alguns Aspectos do Regime Jurídico dos Crimes de Difamação e Injúrias", AAFDL 1989. Tal bem jurídico tutelado emana directamente do preceito constitucional contido no art.º 26º, n.º 1, que consagra, entre outros, a direito ao bom-nome e reputação.
António Mendes, in “O Direito à Honra e a Sua Tutela Penal”, Almedina, pág. 37, depois de estabelecer que cumpre “determinar a concreta previsão da lei penal sobre o que pode ou não ser ofensivo, já que há diversos graus de ofensa ou de perigo de ofensa do bem jurídico tutelado pela lei”, refere que a solução passa por saber qual “o nível de desvalor da ofensa, a partir da qual a conduta do agente é susceptível de um juízo de censura do ponto de vista jurídico-penal.” E continua: “É evidente que em última análise, o desvalor da ofensa só pode ser correctamente aferido em função do concreto conteúdo, amplitude e extensão do bem protegido, no entanto, há que reconhecer existir uma linha demarcativa, mais ou menos nítida, através da qual se podem excluir da tutela penal certos comportamentos, sem mais, na medida em que claramente estão aquém da antijuridicidade.” Por fim, conclui que “do elenco destes limites ou normas de conduta, fazem parte regras que estabelecem a obrigação e o dever de cada cidadão se comportar relativamente aos demais com um mínimo de respeito moral, cívico e social. É evidente que esse mínimo de respeito não se confunde com educação ou cortesia. Assim, os comportamentos indelicados, e mesmo boçais, não fazem parte daquele mínimo de respeito. Efectivamente, o direito penal, neste particular, não deve, nem pode proteger as pessoas face a meras impertinências.
Por outro lado, o critério decisivo para aferir do carácter ofensivo de uma afirmação de facto não consiste na violação de um qualquer preceito legal, mas na sua susceptibilidade para lançar o descrédito e a suspeita perante a opinião pública, isto é, a opinião de um grande círculo de pessoas que não esteja em contradição com as valorações da ordem jurídica (assim, Augusto Silva Dias, ob. cit., pág. 24 e 25) ou, como refere António Mendes, citando Beleza dos Santos, ob. cit., loc. cit., “há um consenso na generalidade das pessoas, pelo menos de um certo país, sobre o que razoavelmente se não deve considerar ofensivo”.
Consequentemente, exige-se ao aplicador do direito que avalie se a imputação formulada é objectivamente adequada para diminuir, desacreditar ou depreciar o visado, ponderando o conjunto das circunstâncias de cada caso, v. g., as motivações, a maneira de falar ou de gesticular do agente, a idade, o meio ou a formação tanto deste como do lesado, o “clima” em que as coisas acontecem, etc.
Funcionando a objectividade como elemento caracterizador das condutas ofensivas daquelas que não o são, decisivo não é o modo como o destinatário entende a ofensa, mas a avaliação que faz um terceiro “sensato”. Nesse sentido, Ac. RLx, de 16/2/93, CJ, I, 159: “Não deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem tudo aquilo que o queixoso entende que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais.
Ou, nas palavras do Tribunal da Relação de Évora, Ac. de 2/7/96, CJ, IV, 295: “Facto ou juízo ofensivo ou lesivo da honra e consideração devidas a qualquer pessoa supõe um comportamento com objecto eticamente reprovável de forma a que a sociedade não lhe fica indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão de tal comportamento. Supõe a violação de um mínimo ético necessário à salvaguarda da dignidade sócio-moral da pessoa, da sua honra e consideração.
O direito penal constitui a ultima ratio, a última fronteira de protecção e defesa da sociedade e dos bens que lhe são mais caros. Não visa punir ou vingar pecados menores.
A arguida dirigiu-se a dois agentes policiais apelidando-os de “filhos da puta” e “porcos” quando se encontrava embriagada e a perturbar a paz numa residência privada.
Estava notoriamente embriagada, o que se via no hálito e no comportamento. As suas palavras foram, pois, produzidas sob a influência visível do álcool.
Tendo por base este cenário, temos como certo que o desvalor da ofensa não atingiu o limiar da ilicitude criminal.
Na verdade, as asneiras boçais foram proferidas por uma pobre de espírito embriagada e com a língua solta pelo álcool. As palavras ditas não têm, face ao contexto, capacidade ofensiva da honra e da consideração dos visados.
Estas não são postas em causa aos olhos de terceiros, pois é nula a capacidade ou autoridade que um bêbado tem para colocar em cheque o respeito que todos devemos aos demais, em particular a agentes das forças de autoridade, sobretudo quando todos os presentes têm consciência do estado etilizado do autor das mesmas. Assim sendo, as palavras da arguida não têm a mínima virtualidade para denegrir quem quer que seja.
Passará a comunidade a ter os agentes policiais em menor conta pelo facto de a arguida os ter apodado de “filhos da puta” e “porcos”? Manifestamente que não.
Idêntico juízo se formula quanto à honra dos visados: o “álcool a falar” não merece nenhuma credibilidade e não tem a conotação necessária para os atingir pessoalmente.
Em suma, conclui-se não ter a arguida cometido qualquer crime de injúria.”
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IV. Fundamentação
Nos termos previstos no artigo 410º, nº 1 do Código de Processo Penal, “sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida”, pelo que, sendo o recurso o caminho legal para corrigir os erros cometidos na decisão judicial penal, deve manter-se presente que o recurso ordinário é um recurso de renovação, ou seja, visa a renovação da discussão, substituindo a decisão recorrida por outra, sendo que, no caso em apreço, por se tratar de recurso interposto pelo Ministério Público, que é um órgão de administração da justiça, o seu propósito é, naturalmente, lograr uma correta aplicação da lei, independentemente das consequências prejudiciais ou favoráveis para o arguido que da correta aplicação da lei possam resultar (cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 1994, pág. 317; e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos Penais, 9ª ed., 2020, págs. 25-27).
Como acima se assinalou a única questão trazida a este Tribunal de recurso prende-se com o enquadramento jurídico dos factos dados como provados, sustentando o Digno recorrente que os mesmos integram o crime de injúria agravada, previsto e punido nos termos dos artigos 181, nº 1, 184º e 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal.
Vejamos, então.
iv.1. Do enquadramento jurídico-penal
O presente recurso, como já se disse, assenta na premissa, avançada pelo Ministério Público, de que os factos dados como provados integram o crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181º, nº 1, 184º e 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal, de que a arguida AA vinha acusada – e apenas um crime porque, como se refere na conclusão 3. do recurso, terá ocorrido desistência de queixa de um dos agentes da PSP (não se trata, pois, de um lapso de escrita, pelo que não é passível de correção).
A sentença recorrida assim não entendeu, estribando-se em que, apesar de se ter provado que a arguida, dirigindo-se aos agentes policiais, apelidou os mesmos de «filhos da puta» e «porcos», também se provou que se encontrava «notoriamente embriagada», que as palavras foram proferidas «sob a influência visível do álcool», e que «as asneiras boçais foram proferidas por uma pobre de espírito embriagada e com a língua solta pelo álcool», razão pela qual não têm tais palavras, «face ao contexto, capacidade ofensiva da honra e da consideração dos visados», mais se expendendo que «é nula a capacidade ou autoridade que um bêbado tem para colocar em cheque o respeito que todos devemos aos demais, em particular a agentes das forças de autoridade».
Ora, se atentarmos em que da matéria de facto dada como provada consta que: “4º- A arguida de imediato dirigiu as seguintes expressões aos referidos agentes da PSP: “vocês estão fodidos comigo, vocês não valem nada, vou apresentar queixa de vocês, seus porcos, filhos da puta.” (…) 7º- A arguida, ao proferir as expressões e dirigi-las aos agentes da PSP, sabia que tais expressões eram ofensivas e que os visados se encontravam no exercício das suas funções. 8º- A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que resistir a agentes policiais e ofendê-los era proibido.” – é manifesto o erro de direito em que incorreu a decisão recorrida.
Na verdade, mantendo presente o recorte típico do crime de injúria – que o Tribunal recorrido traçou de forma adequada e proficiente, acolhendo-se aqui a exposição a tal respeito acima transcrita – é evidente que as expressões proferidas pela arguida, dirigidas a agentes da PSP no exercício das suas funções, constituem expressões obviamente injuriosas e aptas a afetar a honra e consideração devidas àqueles agentes, que, para efeito do tipo criminal aqui em causa, não são equivalentes à honra e consideração devidas a um cidadão não investido em funções de autoridade.
Ora, a propósito da agravação prevista no artigo 184º do Código Penal, ensina o Professor Faria e Costa2, que “A honra, enquanto valor ou bem imaterial, já o dissemos, tal como outros, perfila-se a mesma quer a vejamos encarnada no mais nobre espírito, quer a olhemos no mais refinado biltre. No entanto, o legislador, a partir de uma lógica que assenta na ideia de que o estatuto funcional – quer na óptica de sujeito passivo, quer na de sujeito activo – dos cargos de determinadas pessoas acrescenta uma mais-valia à própria honra, passou a considerar que os actos desonrosos que atacassem essa honra acrescida ou densificada mereceriam uma maior punição. É claro que essa intensificação do valor da honra só existe enquanto se está em funções ou, ao menos, não estando em funções, se permite o efeito à distância de se considerar que – se acto violador da honra, porque ainda resultante daquelas funções – se prende retroactivamente ao exercício das próprias funções.”
Esclarecendo a técnica legislativa empregada no preceito em questão, refere Paulo Pinto de Albuquerque3, que “A agravação da difamação ou injúria sofrida no exercício das funções ou por causa delas depende da remissão legal para o elenco das pessoas previsto no artigo 132.º, n.º 2, al.ª l). Esta remissão é taxativa, não implicando a importação da técnica dos exemplos-padrão, mas apenas a utilização da enumeração legal dos ditos artigo, número e alínea (assim também, acórdão do TRP, de 2.2.2011, in CJ, XXXVI, 1, 231, e Faria e Costa, anotação 8.ª ao artigo 184.º, in CCCP, 1999, mantida na edição de 2012, e Miguez Garcia e Castela Rio, 2014: 768, anotação 2.ª ao artigo 184.º”
Neste mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.12.20064, no qual se considerou que “A menção que no art.º 184.º do CP se faz às pessoas referidas na alínea j) [atual alínea l)] do nº 2 do artigo 132º não é acompanhada de qualquer exigência de “censurabilidade ou perversidade do agente” como acontece no art.º 146.º, nem ali se faz uma remissão para o n.º 1 do art.º 132.º, mas tão só para um segmento do n.º 2, pelo que não faz parte da tipicidade do crime de injúrias agravadas um tipo especial de culpa e basta para o integrar o dolo genérico, sob qualquer das suas formas.”
Como se vê da matéria de facto acima transcrita, a arguida agiu de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que as expressões que proferiu eram ofensivas da honra e consideração dos agentes da autoridade, mas tal não a impediu de agir da forma descrita. A embriaguez, que o Tribunal a quo deu como adquirida, não foi – face ao que consta dos factos provados – suficiente para que se possa considerar que a arguida não estivesse em condições de compreender o significado dos seus atos e de se determinar de acordo com essa avaliação. Será a arguida uma «pobre de espírito», mas tal, claramente, não a torna inimputável, e, por assim ser, a sua conduta é passível de censura penal.
Acresce que, como decorre do que já se expôs a propósito da agravação decorrente da qualidade do ofendido, o significado social das palavras dirigidas a um agente da autoridade não é inteiramente coincidente com o que teriam se fossem dirigidas a um cidadão não investido naquelas funções – e isto independentemente da perceção colhida pelo concreto agente.
É que, como se escreveu no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 26.10.20215, “Exige-se às forças policiais que sejam rigorosas e competentes no cumprimento das suas missões, muitas vezes difíceis, por forma a serem merecedoras de respeito e credibilidade pela comunidade, o que também passa por se assegurar adequada proteção ao direito à honra e consideração de cada um dos seus elementos, não sendo por isso admissível uma postura de desvalorização de comportamentos como o da arguida.”
Vai também neste sentido o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 11.01.20186, no qual se considerou que: “Conformar-se algum agente policial com este tipo de juízos ou censura ultrajante, independentemente de o ser, ou não, perante várias dezenas de pessoas, é, desde logo, não só abdicar do respeito exigível a si próprio, tutelado pelo art.º 26.º da C.R.P., como, principalmente, do devido ao exercício das suas funções, enquanto agente da autoridade que o Estado em si delegou.”
A preservação da imagem social de quem exerce funções de autoridade – como os agentes da Polícia de Segurança Pública – exige que não se degrade a gravidade dos insultos ou impropérios aos mesmos dirigidos, quando se encontram no exercício de funções e por causa delas, como sucedeu no caso dos autos.
Em suma, face à matéria de facto dada como provada, interpretada em conformidade com as regras de experiência comum, resulta claro que a arguida cometeu o crime que lhe fora imputado – resultando, de resto, manifesta a contradição entre os factos provados e a decisão – cf. artigo 410º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Penal – sendo que os elementos constantes dos autos permitem ultrapassar, sem esforço, tal contradição, já que é clara a prova quanto à verificação do elemento subjetivo do crime.
O recurso deve, pois, ser julgado procedente.
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iv.2. Escolha e determinação da medida da pena
Nesta sequência e em cumprimento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/20167, que fixou jurisprudência no sentido de que «em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374º, nº 3, alínea b), 368º, 369º, 371º, 379º, nº 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424º, nº 2, e 425º, nº 4, todos do Código de Processo Penal», impõe-se proceder à escolha e determinação concreta da pena, dentro da moldura abstrata prevista para o crime de injúria agravado, previsto e punível pelos artigos 181º, nº 1, 184º e 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal – que é de pena de prisão de até 4 meses e 15 dias, ou multa até 180 dias.
O artigo 40º do nosso Código Penal, a propósito das finalidades das penas e medidas de segurança, estabelece que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração na sociedade” (nº 1), e que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (nº 2).
A culpa não é, pois, o fundamento da pena, antes constituindo, a um tempo, o seu suporte axiológico-normativo, não havendo pena sem culpa – nulla poena sine culpa – e também o limite que a pena nunca poderá exceder.
E é a culpa apreciada em concreto, de acordo com a teoria da margem da liberdade, segundo a qual os limites mínimo e máximo da sanção são ajustados à culpa, conjugada com os fins de prevenção geral e especial das penas8.
O modo de determinação da medida da pena está legalmente definido no artigo 71º do Código Penal, que estabelece que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (nº 1)
E ainda, “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.” (nº 2)
Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.” (nº 3)
Em termos doutrinais tem-se defendido que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, tanto quanto possível, na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro concetual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstrata procurar-se-á encontrar uma sub-moldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida ótima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção atuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer9.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.09.2005 (CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173), a dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afetação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente, idade, confissão, arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Em síntese, pode dizer-se que, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa10.
Na mesma linha, Anabela Miranda Rodrigues11, apresenta as seguintes proposições que devem ser observadas na escolha da pena: «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.»
Conforme explicita Figueiredo Dias12, o critério geral de escolha (entre penas alternativas) e de substituição da pena é o seguinte: «o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação», e acrescenta bem se compreender que assim seja: “sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena” 13.
Quanto à função que as exigências de prevenção geral e de prevenção especial exercem neste contexto, esclarece este autor14 que: «Prevalência decidida não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão», acrescentando que «o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa (ou de uma pena de substituição) quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquela(s) pena(s); coisa que só raramente acontece se não se perder de vista o já tantas vezes referido carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração».
Vejamos, então, na perspetiva desta Relação qual a justa pena para a arguida.
Razões de prevenção geral estão presentes nesta pena, pois importa alertar os potenciais delinquentes para as penas e, deste modo, tentar evitar a proliferação de crimes desta natureza, especialmente porque dirigidos contra agentes das forças de segurança. Cumpre também atender à prevenção especial, na medida em que os arguidos têm de ser alertados para a gravidade do seu comportamento, de modo a corrigir-se, evitando-se assim futuros atos de delinquência. São, assim, substancialmente relevantes, as razões de prevenção, quer especial, quer geral, subjacentes à pena concreta em apreciação. O modelo de prevenção acolhido pelo Código Penal – porque de proteção de bens jurídicos – determina que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Neste contexto, importa ainda ponderar, no caso em apreço:
- o grau de ilicitude do facto – que deve qualificar-se num patamar médio, tendo em conta a amplitude de comportamentos que podem subsumir-se à norma em apreço e o respetivo desvalor relativo; importa refletir que o crime de injúria constitui um crime de dano (quanto ao grau de lesão do bem jurídico) e de mera atividade (quanto à forma de consumação do ataque ao objeto da ação), e que, “sendo um crime de mera atividade, não é aplicável a teoria da adequação do resultado à ação” (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª ed. atualizada, 2021, pág. 795);
- o modo de execução – relevando-se a circunstância de os atos terem sido praticados quando os agentes da autoridade procuravam repor a paz social e obstar à lesão de interesses de terceiros, nomeadamente, procurando remover a arguida de uma casa onde não estava autorizada a permanecer;
- a gravidade das consequências – a arguida dirigiu palavras ofensivas da honra e consideração de um agente da autoridade, o que fez perante terceiros; expressões das quais não pode afastar-se a intenção de enxovalhar aquele agente, mesmo aceitando que a arguida se encontrasse, na ocasião, embriagada;
- a intensidade do dolo – a arguida agiu com dolo direto, a forma mais intensa de dolo;
- os sentimentos manifestados no cometimento do crime – ao dirigir-se nestes termos aos agentes da autoridade, a arguida evidencia uma atitude socialmente desajustado;
- a conduta anterior e posterior ao facto – a arguida regista quatro condenações anteriores, fundamentalmente pela prática de crimes rodoviários (condução sem habilitação legal e condução de veículo em estado de embriaguez), portanto, não por crimes praticados contra agentes da autoridade.
Ponderadas todas as circunstâncias enunciadas e vista a moldura penal abstratamente prevista para o crime em questão (como se disse: pena de prisão até 4 meses e 15 dias, ou pena de multa até 180 dias), concorda-se, por um lado, que a situação em apreço não reclama a aplicação de pena mais grave do que a pena de multa, pese embora os antecedentes criminais da arguida, devendo relevar-se, a este respeito, a reflexão produzida pelo Tribunal recorrido quanto a ser a mesma “uma pobre de espírito”, cuja atuação foi potenciada pela desinibição decorrente da ingestão de bebidas alcoólicas; e, por outro lado, que a ilicitude dos factos e a gravidade das respetivas consequências também não exige pena que ultrapasse em medida relevante o patamar inferior da moldura. Não obstante, importa que a pena a impor traduza de forma firme a censura ética e social que justifica a estatuição do crime em causa, potenciando a respetiva interiorização pela arguida.
Aqui chegados, considera-se razoável e ajustada a pena de 70 (setenta) dias de multa, devendo a respetiva taxa diária de fixar-se no limiar inferior de € 5,00 (cinco euros), levando-se em consideração que os factos dados como provados apontam, de forma clara, para que a arguida se encontra uma situação económica desfavorecida.
Deve, pois, conceder-se inteiro provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.
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V. Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar provido o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar a sentença recorrida, condenando a arguida AA, pela prática, como autora material, de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 181º, nº 1, 184º e 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros).
Sem custas.
Notifique-se.
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Lisboa, 19 de dezembro de 2024
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
Sandra Oliveira Pinto
Rui Poças
Ana Lúcia Gordinho
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1. Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal Henriques, Recursos Penais, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007, Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412º, nº 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»↩︎
2. Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, anotação ao artigo 184º § 3, pág. 652.↩︎
3. Comentário do Código Penal – à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª ed. atualizada, Universidade Católica Editora, 2021, págs. 799-800.↩︎
4. No processo nº 06P4063, Relator: Conselheiro Santos Carvalho, disponível em www.dgsi.pt.↩︎
5. No processo nº 258/20.9PBLRS.L1-5, Relator: Desembargador Vieira Lamim, acessível em www.dgsi.pt.↩︎
6. No processo nº 68/17.0P5LSB.L1-9, Relator: Desembargador Almeida Cabral, acessível em www.dgsi.pt.↩︎
7. Publicado no Diário da República, Iª série, nº 36, de 22.02.2016.↩︎
8. Cf. acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 22.01.2019, no processo nº 65/19.1JBLSB-A.L1-3, Relatora: Desembargadora Cristina Almeida e Sousa, disponível em www.dgsi.pt.↩︎
9. Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, págs. 227 e segs..↩︎
10. Figueiredo Dias, Direito Penal - Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 84.↩︎
11. “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril-Junho de 2002, págs. 181 e 182.↩︎
12. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 497, pág. 331.↩︎
13. Ob. cit., § 498, pág. 332.↩︎
14. Ob. cit., § 500, págs. 332 e 333.↩︎