INCAPACIDADE
REVISÃO
FACTOR DE BONIFICAÇÃO 1
5
ACTUALIZAÇÃO DE PENSÃO
JUROS DE MORA
Sumário


I- O fator de bonificação de 1,5, baseado na idade do sinistrado (50 anos ou mais) não está condicionado ao agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão – pressupostos aplicáveis à revisão das prestações – mas sim exclusivamente à idade do sinistrado e à circunstância de não ter previamente beneficiado dessa bonificação.
II- Não há lugar à atualização da pensão revista quando esta continue a ser obrigatoriamente remível.
III- A pensão revista e capital de remição são devidos desde a apresentação do pedido de revisão.
IV- Quando o sinistrado já recebeu o capital de remição da pensão anteriormente fixada, apenas é devida a diferença de capital.
V- Sobre o valor devido acrescem juros moratórios à taxa legal em vigor, que deverão ser contabilizados desde a apresentação do pedido de revisão até integral pagamento.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral


P. 1604/19.3T8STR-A.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
Em 30-12-2022, a sinistrada, AA, veio, nos termos do disposto no artigo 145.º do Código de Processo do Trabalho, requerer a revisão da incapacidade anteriormente fixada, com fundamento no agravamento das lesões/sequelas de que é portadora, tendo também requerido a aplicação do fator de bonificação 1,5, por ter 51 anos de idade.
O incidente de revisão seguiu a tramitação que resulta dos autos e para a qual remetemos.
Em 12-1-2024 foi proferida decisão final com o seguinte dispositivo:
« Pelo exposto, decide-se manter a incapacidade permanente parcial de 1,994%, fixada a partir do dia 15/04/2022, à sinistrada AA na sentença judicial datada de 03/02/2020, proferida nos autos principais, e, por conseguinte, julga-se improcedente o incidente de revisão da incapacidade deduzido.
Fixa-se à causa o valor de € 2.181,40 – art. 304.º, n.º 1 do CPC, ex vi art. 1.º, n.º 2, al. c) do CPT.
Custas pela sinistrada, sem prejuízo da isenção que beneficia – art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC e art. 4.º, n.º 1, al. h) do RCP.
Registe e notifique.».

-
Inconformada, a sinistrada interpôs recurso para esta Relação, concluindo:
«a) Na decisão proferida o Tribunal a quo, concluiu pela manutenção da incapacidade permanente parcial de 1,994%, fixada a partir do dia 15/04/2022, à sinistrada na sentença judicial datada de 03/02/2020, proferida nos autos principais, e, por conseguinte, julgou improcedente o incidente de revisão da incapacidade deduzido.
b) Coloca-se a questão se é ou não admissível a aplicação do fator de bonificação 1,5 previsto na Tabela Nacional de Incapacidades (TNI), nos termos do disposto no anexo I, na al. a) do n.º 5 das Instruções Gerais, aprovado pelo Decreto-Lei 352/2007, em razão da idade e sem dependência de agravamento da incapacidade permanente parcial (IPP).
c) O acidente que vitimou a sinistrada ocorreu em 20.01.2014.
d) Ao caso é aplicável a TNI aprovada pelo DL nº352/2007 de 23.10.
e) O nº 5 das Instruções gerais da TNI prescreve que “Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo fator 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0,5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse fator”.
f) A «bonificação» prevista no nº 5 das Instruções gerais da TNI aplica-se, por regra, quando à data da alta o sinistrado tem 50 anos ou mais [única situação aqui em análise].
g) Mas a aplicação do fator 1.5 – com fundamento na idade do sinistrado – pode igualmente ser aplicável nos casos em que só após a data da alta a referida idade é atingida pelo sinistrado.
h) Na verdade, o fator 1.5 – com fundamento na idade do sinistrado – não está dependente de qualquer agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão [pressupostos do pedido de revisão] mas apenas e tão só de um fator: a idade do sinistrado.
i) Com efeito, o legislador «ficcionou» que a partir daquela idade as lesões tendem a agravar-se com a consequente maior limitação da capacidade de trabalho do sinistrado/trabalhador.
j) E se assim é, a «bonificação» deve ser aplicada ao sinistrado, independente do pedido de revisão, na medida em que a aplicação do fator 1.5 depende apenas do fator idade [nos termos da TNI aprovada pelo DL nº 341/93, de 30.09, a aplicação do fator 1.5 dependia, ao contrário da atual TNI, da verificação do requisito idade e também do requisito perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho].
k) Assim, deve ser aplicada bonificação prevista no nº 5 das Instruções gerais da TNI, ou seja, o fator de 1.5, uma vez que a sinistrada à data do pedido de revisão já tinha 51 anos.
l) Não tendo decidido dessa forma, violou a douta sentença o disposto nº 5 das Instruções gerais do DL nº352/2007 de 23.10 (TNI).
PELO EXPOSTO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER PROVIDO, REVOGANDO-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA E SUBSTITUÍNDO-SE POR OUTRA QUE que APLIQUE O FATOR DE 1.5 À INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL DE QUE A SINISTRADA É PORTADORA, COM AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.».
-
Não foram apresentadas contra-alegações.
-
A 1.ª instância admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
-
Já na Relação, a digníssima procuradora-geral adjunta emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
Não foi oferecida resposta.
O recurso foi mantido, foi elaborado o projeto de acórdão e foram colhidos os vistos legais.
Cumpre, em conferência, apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, a única questão que importa dilucidar e resolver é a de saber se deve ser aplicado o fator de bonificação de 1,5, tendo em consideração a idade da sinistrada.
*
III. Matéria de Facto
A 1.ª instância julgou provada a seguinte factualidade:
1. No dia 20/01/2014, AA, nascida no dia ../../1971, quando se deslocava entre o seu veículo e o seu local de trabalho depois da pausa para almoço para reiniciar o seu trabalho para a EMP01..., Lda., ao desviar-se de um veículo que saía do armazém de marcha atrás, bateu com a perna numa palete, do que lhe resultaram lesões.
2. A sinistrada teve alta em 11/09/2014, tendo sido considerada curada sem desvalorização.
3. À data referida em 1, a sinistrada auferia a remuneração de € 700,00 x 14, a título de salário base, acrescida da quantia de € 4,27 x 22 x 11, a título de subsídio de alimentação, no total de € 10 833,34.
4. Em 10/06/2019, a sinistrada requereu a revisão da incapacidade por entender piorou das lesões sofridas em consequência do acidente referido em 1.
5. A sinistrada encontra-se afetada de incapacidade permanente parcial de 1,99%.
6. A EMP01..., Lda. tinha a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a Lusitânia - Companhia de Seguros, S.A. mediante a apólice n.º ...67.
7. A sinistrada não sofreu agravamento das sequelas sofridas após o evento traumático em apreço, mantendo a IPP previamente atribuída de 1,99%.
*
IV. Da visada atribuição do fator de bonificação 1,5
Na decisão recorrida entendeu-se que não deveria ser aplicado à sinistrada o fator de bonificação de 1,5, em razão da idade, previsto na Instrução 5.ª, alínea a), da Tabela Nacional De Incapacidades Por Acidentes de Trabalho (doravante TNI), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro. A decisão fundamentou-se no entendimento de que o fator de bonificação estava condicionado a uma alteração da Incapacidade Permanente Parcial (IPP) em razão do agravamento das sequelas decorrentes do acidente de trabalho, o que não se verificou.
Conforme consta da decisão recorrida: «entendemos que não é possível a aplicação do fator 1.5, por tal estar dependente de uma condição essencial que não se verificou, em concreto, que se tivesse verificado a alteração da IPP, em consequência do agravamento das sequelas resultantes do acidente de trabalho.».
A recorrente discorda dessa interpretação, argumentando que o fator de bonificação de 1,5, fundamentado na idade do sinistrado, não está condicionado ao agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão – pressupostos aplicáveis à revisão das prestações – mas sim exclusivamente à idade do sinistrado. Nesse sentido, como a sinistrada já tinha mais de 50 anos na data do pedido de revisão (30-12-2022), considera que o fator de bonificação de 1,5 deveria ser aplicado.
A questão a dirimir consiste, pois, em determinar se deve ser aplicado à sinistrada o fator de bonificação de 1,5, com base na idade, dado que ela tinha 51 anos no momento do pedido de revisão.
A instrução 5.ª, alínea a) da TNI estabelece que os coeficientes de incapacidade são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo fator 1,5, segundo a fórmula: IG + (IG X 0,5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse fator.
O segmento relevante para o presente caso é o que se refere à idade (50 anos ou mais).
Vejamos.
Em 22-05-2024 foi prolatado um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (Proc. n.º 33/12.4TTCVL.7.S1), acessível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2024/07/social-maio-2024.pdf, que estabelece claramente que a bonificação de 1,5 prevista na TNI deve ser concedida a qualquer sinistrado com 50 anos ou mais, desde que não tenha previamente beneficiado dessa bonificação, independentemente de ter ocorrido ou não agravamento das sequelas.
O sumário do referido acórdão é o seguinte:
«1. A bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator;
2. O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo.».
Pode ler-se na fundamentação deste aresto:
«Com efeito, o legislador considerou que a idade do sinistrado – ter este 50 ou mais anos de idade – representa, ela própria, um fator que tem impacto na capacidade de trabalho ou de ganho e que representa um agravamento na situação do trabalhador, mormente no mercado de trabalho. Este agravamento pela idade, reconhecido pelo legislador, poderá ser objeto de um pedido de revisão das prestações12.
E não se afigura inútil ou “enviesada” a aplicação do mecanismo da revisão das prestações, tanto mais que o sinistrado tanto pode atingir os 50 anos apenas alguns dias, semanas ou meses após a fixação inicial das prestações, como pode vir a perfazer aquela idade anos ou mesmo décadas após tal fixação inicial, sendo conveniente que a bonificação seja aplicada a uma avaliação e a uma prestação atualizadas. Aliás, até pode suceder, por exemplo, que o incidente de revisão de incapacidade seja requerido pela entidade responsável com fundamento da melhoria da situação clínica (cf. artigo 70.º, números 1 e 2 da LAT), melhoria essa que pode vir a ser confirmada pela perícia médico-legal singular ou plural, havendo então que multiplicar essa nova IPP, inferior à originária ou até à atribuída num anterior incidente de revisão, pelo fator de bonificação de 1,5, desde que o sinistrado entretanto tenha atingido os 50 anos de idade.».[2]
Ora, como se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 03-07-2024 (Proc. n.º 6728/16.6T8SNT.1.L1-4), publicado em www.dgsi.pt, «[m]uito embora os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência não tenham a força obrigatória geral que era atribuída aos Assentos pelo Art. 2º do CC (atualmente revogado), certo é que têm um valor reforçado que deriva não apenas do facto de emanarem do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, como ainda de o seu não acatamento pelos tribunais de 1ª instância e Relação constituir motivo para a admissibilidade especial de recurso, nos termos do art. 629º/ 2-c) do CPC».
Seja como for, a Secção Social de Évora já defendia o entendimento que ficou expresso no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência.
Cita-se, para o efeito, o acórdão de 26-09-2019 (Proc. n.º 1029/16.2T8STR.E1), consultável na base de dados da dgsi:
«3. O fator de bonificação de 1,5 a que se refere a Instrução Geral n.º 5 al. a), segunda parte, da TNI, está apenas dependente de dois critérios objetivos: idade igual ou superior a 50 anos e não ter o sinistrado beneficiado da aplicação desse fator.
4. Não depende de qualquer agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão, e deve ser aplicado independentemente de pedido de revisão.
5. Estando reunidos os requisitos do aludido fator de bonificação, a recusa injustificada da sua aplicação interfere no cálculo da pensão devida ao sinistrado e configura inadmissível violação de direitos irrenunciáveis».
Deste modo, e retornando ao caso dos autos, ainda que no âmbito do incidente de revisão não tenha sido reconhecido o agravamento da incapacidade, o fator de bonificação de 1,5 deve ser aplicado, pois a sinistrada já tinha mais de 50 anos na data do pedido de revisão e nunca havia beneficiado da aplicação deste fator.
Na sequência, declara-se que a sinistrada está afetada de uma IPP de 2,985 %, desde 30-12-2022 (data do pedido de revisão).
Impõe-se, portanto, a reformulação do cálculo da pensão devida à sinistrada.
Na data do sinistro a sinistrada auferia a retribuição anual de € 10.833,34.
Consequentemente, de harmonia com o disposto nos artigos 48.º, n.º 3, alínea c), 71.º e 75.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (doravante LAT), a pensão anual devida pela nova incapacidade ascende ao montante de € 226,36, sendo a mesma também remível tal como a anterior pensão fixada.
(Sobre a não atualização da nova pensão remível, consultem-se, a título de exemplo, os acórdão da Secção Social de Évora de 07-03-2024 (Proc. n.º 631/17.0T8TMR.2.E1) e de 25-01-2023 (Proc. n.º 169/12.1TTVFX.1.E1), ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
A pensão e capital de remição são devidos desde a apresentação do pedido de revisão, ou seja, desde 30-12-2022 - cf. acórdãos desta Secção Social de 24-09-2020 (Proc. n.º 197/14.2TTBJA.E1) e de 22-11-2017 (Proc. n.º 340/12.6TTSTB.E1), publicados na base de dados anteriormente indicada.
Porque a sinistrada já recebeu o capital de remição da pensão anteriormente fixada, é-lhe agora devido apenas a diferença de capital – cf. acórdãos desta Secção Social de 24-02-2022 (Proc. n.º 544/09.9TTTMR.1.E1) e de 02-03-2017 (Proc. n.º 809/09.0TTSTB.E1), consultáveis no mesmo sítio.
Ao valor devido acrescem juros de mora à taxa anual de 4%, devidos desde 30-12-2022 e até integral pagamento - – cf., artigo 135.º do Código de Processo do Trabalho; acórdão desta Secção Social de 09-03-2016 (Proc. n.º 354/15.4T8BJA.E1) e acórdão da Relação de Coimbra de 12-04-2018 (Proc. n.º 135/16.8T9GRD.C1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
-
Enfim, o recurso interposto deve proceder e a decisão recorrida terá de ser revogada.
As custas do recurso deverão ser suportadas pela recorrida – artigo 527.º do Código de Processo Civil
*
V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente e, em consequência:
1. Declara-se que a sinistrada está afetada de uma IPP de 2,985 %, por aplicação do fator de bonificação de 1,5, desde 30-12-2022 (data do pedido de revisão).
2. Condena-se a entidade responsável, Lusitânia – Companhia de Seguros S.A., a pagar à sinistrada o capital de remição de uma pensão anual de € 226,36, devida desde 30-12-2022, ao qual deverá ser deduzido o valor do capital de remição da pensão anteriormente fixada, acrescido dos juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde 30-12-2022 e até integral pagamento.
Custas do recurso pela entidade responsável.
Notifique

Évora, 21 de novembro de 2024
Paula do Paço
João Luís Nunes
Emília Ramos Costa
_________________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: João Luís Nunes; 2.ª Adjunta: Emília Ramos Costa
[2] Que se saiba deste acórdão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional – cf. https://w5.tribunalconstitucional.pt/_distribuicoes/_D2024/RD_2024-06-27.pdf.