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PENSÃO DE ALIMENTOS
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
ACTUALIZAÇÃO
Sumário
I - A condenação do FGADM no pagamento da prestação de alimentos no valor mensal de 300 reais, a converter para euros à data de cada pagamento mensal, pode na verdade traduzir-se mensalmente em valor variável por força da operação de conversão em euros, mas o valor da prestação a pagar mensalmente ao menor não excederá o montante da prestação de alimentos a cujo pagamento o devedor originário está obrigado, ou seja, 300 reais. II - Os coeficientes de atualização na determinação da pensão de alimentos a cargo do FGADM são dois e de verificação cumulativa: i) a operação de liquidação poder ser realizada através de simples cálculo aritmético; ii) o recurso a coeficientes de conhecimento público. III – A taxa de inflação oficial da República Federativa do Brasil é de conhecimento acessível, público e seguro, designadamente através do Banco Central do Brasil ou por via do Banco de Portugal e a operação de liquidação poderá ser realizada através de simples cálculo aritmético. (Sumário elaborado pelo relator)
Texto Integral
Proc. nº 1655/22.0T8TMR-A.E1
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO
Por apenso aos autos de regulação das responsabilidades parentais relativos ao menor AA, filho de BB e de CC, em cujo âmbito havia sido homologado acordo dos progenitores, em 17.11.2022, para o que ora releva, no sentido de fixar a residência habitual do menor junto da sua mãe, sendo que «a título de alimentos ao filho o pai pagará a quantia mensal de 280 reais (moeda da República Federativa do Brasil) e a partir do início de janeiro de 2024 a quantia de 300 reais», e «em janeiro de cada ano, com início em janeiro de 2025, a quantia mensal de alimentos a pagar pelo pai ao filho é anualmente atualizada de acordo com a taxa de inflação oficial da República Federativa do Brasil com referência ao ano imediatamente anterior ao de cada atualização».
Sucedeu que, por se ter mostrado ser inviável o cumprimento coercivo do correspondente pagamento, a Exma. Magistrada do Ministério Público, através de promoção de 23.04.2024, requereu que «o Tribunal fixe na quantia de € 54,12 o montante que o Estado – Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, em substituição do requerido/progenitor, deve mensalmente prestar ao menor AA, a título de prestação de alimentos, quantia a actualizar anualmente em Janeiro, com início em Janeiro de 2025, de acordo com a taxa de inflação oficial da República Federativa do Brasil com referência ao ano imediatamente anterior ao de cada actualização».
Notificados os progenitores, nada disseram.
Na sequência foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
«(…). Pelo exposto, condeno o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social na qualidade de gestor do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores a pagar ao menor AA, mediante entrega à mãe, CC e em substituição do pai, BB, a prestação de alimentos no valor mensal de trezentos reais, a converter para euros à data de cada pagamento mensal, a atualizar anualmente em janeiro, de acordo com a taxa de inflação oficial da República Federativa do Brasil com referência ao ano imediatamente anterior ao de cada atualização. Sem custas.»
Inconformado, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, na qualidade de Gestor do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM), apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«A. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal a quo, na parte em que condenou o FGADM a proceder ao pagamento de prestação de alimentos, fixando «(…) o valor mensal de trezentos reais, a converter para euros à data de cada pagamento mensal (…)», valor este que não corresponde àquele que foi o valor judicialmente determinado ao progenitor devedor [valor de 300 reais a partir do início de janeiro de 2024.]
B. Em sede de processo principal de regulação das responsabilidades parentais, foi proferida sentença a 17/11/2022, da qual resultou que: «(…) o pai pagará a quantia mensal de 280 reais (moeda da República Federativa do Brasil) e a partir do início de janeiro de 2024 a quantia de 300 reais, sempre até ao dia 15 do respetivo mês, mediante entrega à mãe por qualquer meio documentado de pagamento, a atualizar anualmente em janeiro, com início em janeiro de 2025, de acordo com a taxa de inflação oficial da República Federativa do Brasil com referência ao ano imediatamente anterior ao de cada atualização.» – cfr. 4 dos factos dados como provados da decisão recorrida.
C. A fixação do valor da prestação de alimentos nos termos da sentença recorrida, redunda numa actualização ou até, no limite, num aumento do montante a cargo do FGADM, que em substituição do progenitor devedor, apenas pode proceder ao pagamento do valor a que o progenitor devedor foi condenado.
D. Assim, em sede de processo principal de regulação das responsabilidades parentais, não tendo sido fixado ao progenitor devedor a obrigação de pagamento de prestação de alimentos a converter em euros à data de cada pagamento mensal, afigura-se que em consequência, o FGADM, em cumprimento do regime de sub-rogação, só pode ser condenado nos termos em que o progenitor devedor o foi.
E. Entende, assim, o FGADM que o douto Tribunal determinou a sua intervenção em termos que não estavam previstos na decisão inicial de 17/11/2022 que determinou a obrigação do progenitor devedor a quem o FGDAM se substitui, e assim sendo, ao recorrente não poderia ser fixado uma prestação de alimentos num valor variável, quando ao progenitor devedor foi fixado um valor fixo e determinado.
F. A prestação de alimentos a fixar ao FGDAM, nos termos legais – Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio - é de valor fixo, não podendo variar à data de cada pagamento mensal.
G. A consolidar-se na ordem jurídica, a decisão ora impugnada, permitir-se-á que exista a obrigação de pagamento de uma prestação de alimentos mensal variável, a converter todos os meses durante um ano, à data de cada pagamento mensal, quando a ratio e a letra dos diplomas aplicáveis nesta sede - Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio – pressupõe a fixação ao FGADM de uma prestação de alimentos em valor certo e determinado que tenha como referência, precisamente, o valor fixado ao progenitor devedor.
H. Não tem qualquer suporte legal fixar-se um valor em reais a converter para euros a cada pagamento mensal pelo recorrente, que além de distinto do valor fixado ao progenitor devedor poderá ser, no limite, superior a esse mesmo valor.
I. Pugna o recorrente, ainda a respeito da quantificação do valor da prestação de alimentos, que deveria ter sido fixado o valor, na moeda oficial em euros, sendo no caso concreto, o valor em euros correspondente a 300 reais, à data da sentença – considerando-se a cotação àquela data – vigorando tal valor durante um ano.
J. Com efeito, deveria ter sido fixado, ab initio na sentença ora recorrida, o valor em euros, porque o pagamento ao credor terá de ser necessariamente efectuado por força do princípio do curso legal, com a moeda oficial do Estado Português, perfilhando o que já resultava da douta promoção, de 23/04/2024, da Exma. Procuradora da República aquando da promoção para requerer a intervenção do FGADM em substituição do progenitor devedor, a fls. (…) dos autos, na qual foi requerido «(…) que o Tribunal fixe na quantia de € 54,12 o montante que o Estado – Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do requerido/progenitor, deve mensalmente prestar (…).».
K. Face ao exposto, entende o FGADM ter existido uma violação do disposto no artigo 4.º-A da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, uma vez que o FGADM não é o obrigado à prestação de alimentos, assumindo apenas a obrigação, como interveniente acidental que se substitui ao progenitor [obrigado judicialmente] incumpridor, nos exactos termos em que este foi condenado, incorrendo a decisão imugnada na aplicação do direito (error juris).
Não obstante,
L. Vem ainda o recorrente impugnar, igualmente, a decisão recorrida, na parte final em que condena à prestação de alimentos a actualizar, anualmente, em janeiro, fixando que a mesma se proceda «de acordo com a taxa de inflação oficial da República Federativa do Brasil com referência ao ano imediatamente anterior ao de cada atualização.», considerando não ter sido aplicada a lei aplicável no que respeita à matéria da actualização anual em sede de intervenção do FGADM.
M. Nos termos do n.º 2 do artigo 4.º-A da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, com a epígrafe “Fixação do montante e atualização da prestação”, prevê-se que: «Caso tenham sido fixados coeficientes de atualização da pensão de alimentos, devem estes ser considerados na determinação da prestação a atribuir pelo Fundo desde que a operação de liquidação possa ser realizada através de simples cálculo aritmético e com o recurso a coeficientes de conhecimento público. »
N. Entende o recorrente que nos termos do n.º 2 do artigo supra aludido, os coeficientes de actualização a aplicar em sede de actualização anual têm de ser necessariamente os que estejam em vigor e sejam aplicáveis em Portugal Continental, o que não sucede no caso dos autos.
O. Sendo que, a actualização nos termos constantes da decisão recorrida também não respeita a obrigação da liquidação ter de ser realizada através de «simples cálculo aritmético e com o recurso a coeficientes de conhecimento público», como preceitua o n.º 2 do artigo 4.º-A da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro.
P. O sistema da segurança social que operacionaliza e assegura informaticamente o pagamento das prestações substitutivas de alimentos anualmente encontra-se parametrizado de acordo com o disposto no artigo 4.º-A da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro.
Q. Estando, assim, todo o sistema parametrizado para proceder automaticamente às actualizações fixadas pelos tribunais, os quais se têm pautado pela actualização da prestação de alimentos, de acordo com um valor fixo; ou uma percentagem fixa; ou índices variáveis como seja, o índice de actualização de preços consumir continente, região autónoma dos Local 1 e da Local 2 (inflação); a percentagem de aumento salário função pública; o coeficiente de actualização do IAS; e o coeficiente de atualização da retribuição mínima mensal garantida nacional, região autónoma dos Local 1 e da Local 2, mas nunca com recurso e aplicação de uma taxa de inflação oficial da República Federativa do Brasil.
R. A actualização anual do valor correspondente à prestação de alimentos a ser assegurada pelo FGADM em substituição do progenitor tem de ser efectuada necessariamente, por força do princípio do curso legal, com recurso a indicadores oficiais ou taxas de câmbio em uso no Estado Português, sob pena da actualização variar consoante seja utilizada a referência de câmbio do Banco de Portugal ou a Banco Central Europeu, ou outro, cuja aplicação da taxa de inflação oficial da República Federativa do Brasil, resulta dos mesmos, valores distintos de actualização.
S. Sendo que, a manter a douta decisão, nos termos em que foi fixado o valor da prestação de alimentos e respectiva actualização será, no entendimento do FGADM, ir contra a norma do artigo 4.º-A da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, incorrendo em violação do espírito e da letra da Lei aplicável, em concreto, na aplicação do direito (error juris).
Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso e, e, consequentemente, revogada a douta decisão recorrida, na parte em que condenou o FGADM a proceder ao pagamento de prestação de alimentos, no valor mensal de trezentos reais, a converter para euros à data de cada pagamento mensal, a atualizar anualmente em janeiro, com início em janeiro de 2025, de acordo com a taxa de inflação oficial da República Federativa do Brasil com referência ao ano imediatamente anterior ao de cada atualização, devendo ser substituída por outra, que:
a) determine a prestação de alimentos mensal a assegurar pelo FGADM, em substituição do progenitor devedor, em valor idêntico ao que foi fixado ao progenitor devedor em sede de processo principal de regulação das responsabilidades parentais;
b) quantifique o valor da prestação de alimentos, na moeda oficial em euros, correspondente ao valor de 300 reais fixado ao progenitor, à cotação da data da sentença recorrida;
c) determine a actualização anual da prestação de alimentos com recurso a coeficientes de atualização de conhecimento público, em uso e aplicáveis no Estado Português (valor fixo; ou uma percentagem fixa; ou índices variáveis como seja, o índice de actualização de preços consumir continente (inflação); a percentagem de aumento salário função pública; o coeficiente de actualização do IAS; e o coeficiente de atualização da retribuição mínima mensal garantida nacional), e que permitam que a operação de liquidação possa ser realizada através de simples cálculo aritmético.
Decidindo-se assim, far-se-á JUSTIÇA!»
O Ministério Público contra-alegou, finalizando as alegações com as conclusões que se transcrevem:
«1. Decorre da decisão recorrida que o Estado – FGADM foi condenado a cumprir a sua obrigação em moeda que tem curso legal no país – euro.
2. Nem a Lei 75/98, de 19.11 nem o DL 164/99, de 13.05 impedem que a prestação de alimentos a cargo do progenitor/devedor originário seja fixada em moeda estrangeira, o que, aliás, é admitido pelo artigo 558º, nº 1, do Código Civil, segundo o qual ““A estipulação do cumprimento em moeda com curso legal apenas no estrangeiro não impede o devedor de pagar em moeda com curso legal no País, segundo o câmbio do dia do cumprimento e do lugar para este estabelecido, salvo se essa faculdade houver sido afastada pelos interessados.”
3. A condenação do Estado – FGADM, em substituição, no pagamento da prestação de alimentos no valor mensal de trezentos reais, a converter para euros à data de cada pagamento mensal, não excederá o valor da prestação de alimentos a cujo pagamento o devedor originário está obrigado.
4. A actualização anual do valor correspondente à prestação de alimentos a ser assegurada pelo FGADM depende de dois requisitos cumulativos que se verificam: a operação de liquidação resulta de simples cálculo aritmético e os coeficientes relevantes são de conhecimento público e seguro, designadamente por via do Banco Central do Brasil ou do Banco de Portugal.
5. Sem prejuízo da posição em tempo adoptada, entende-se que a decisão recorrida não viola o disposto no artigo 4º-A da Lei 75/98, nem põe em causa o mecanismo legal da sub-rogação.
6. Donde, a decisão recorrida não violou o preceito legal invocado, antes fez uma correcta aplicação do direito, pelo que não merece censura e como tal, deve ser mantida.
Este, o meu entendimento.
V. Excelências, porém, decidirão de JUSTIÇA!»
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), são as seguintes as questões a decidir:
- determinação da prestação de alimentos mensal a assegurar pelo FGADM, em valor idêntico ao que foi fixado ao progenitor devedor em sede de processo principal de regulação das responsabilidades parentais;
- quantificação do valor da prestação de alimentos, na moeda oficial em euros, correspondente ao valor de 300 reais fixado ao progenitor, à cotação da data da sentença recorrida;
- determinação da atualização anual da prestação de alimentos com recurso a coeficientes de atualização de conhecimento público, em uso e aplicáveis no Estado Português, que permitam que a operação de liquidação possa ser realizada através de simples cálculo aritmético.
III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA
Na 1ª instância foram dados como provados[1] os seguintes factos
1. AA nasceu em ../../2021.
2. É filho de BB e de CC.
3. Reside com a sua mãe, no Local 3.
4. Por sentença proferida no processo principal em 17/11/2022, transitada em julgado, foi regulado o exercício das responsabilidades do AA, tendo-se decidido, além do mais, fixar a sua residência habitual junto de sua mãe e que a título de alimentos ao filho o pai pagará a quantia mensal de 280 reais (moeda da República Federativa do Brasil) e a partir do início de janeiro de 2024 a quantia de 300 reais, sempre até ao dia 15 do respetivo mês, mediante entrega à mãe por qualquer meio documentado de pagamento, a atualizar anualmente em janeiro, com início em janeiro de 2025, de acordo com a taxa de inflação oficial da República Federativa do Brasil com referência ao ano imediatamente anterior ao de cada atualização.
5. Por sentença proferida nos presentes autos em 23/10/2023 foi julgado verificado o incumprimento quanto à obrigação de prestação de alimentos por parte de BB referente aos meses de maio a julho de 2023, devidos ao seu filho AA e o mesmo foi condenado a pagar-lhe, mediante entrega à progenitora, CC, a quantia total de oitocentos e quarenta reais.
6. Não foi e não é possível cobrar a quantia de alimentos e o progenitor não os paga.
7. O agregado familiar do AA é composto por si, sua mãe, mais duas pessoas adultas e mais quatro crianças.
8. O rendimento per capita desse agregado familiar é de € 190,48.
9. Não são conhecidos rendimentos, pensões ou subsídios atualmente auferidos pelo progenitor.
O DIREITO
Temos ainda presente que sobre a questão da quantia a pagar pelo FGADM havia uma grande divergência na jurisprudência, sem embargo de existir uma forte corrente no sentido de considerar não ser legalmente admissível ultrapassar o montante da prestação alimentar fixada judicialmente a cargo do devedor.[2]
Entretanto, o Supremo Tribunal de Justiça veio uniformizar jurisprudência no seu Acórdão n.º 5/2015, de 19.03.2015[3], nos moldes seguintes:
«Nos termos do disposto no artigo 2º da Lei n. 75/98, de 19 de Novembro, e no artigo 3º nº 3 do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário».
Posteriormente, e de certa forma reforçando e clarificando este entendimento, o legislador, através da Lei nº 71/2018, de 31.12 [Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2019], veio no seu art. 327º, aditar à Lei nº 75/98, de 19/11, o art. 4º-A, com a seguinte redação:
«1 - O montante da prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores não pode exceder o montante da pensão de alimentos estabelecida no acordo ou na decisão judicial de regulação do exercício das responsabilidades parentais ou de fixação de alimentos.
2 - Caso tenham sido fixados coeficientes de atualização da pensão de alimentos, devem estes ser considerados na determinação da prestação a atribuir pelo Fundo desde que a operação de liquidação possa ser realizada através de simples cálculo aritmético e com o recurso a coeficientes de conhecimento público.
3 - A atualização da prestação de alimentos é efetuada oficiosamente pelo Fundo de Garantia aquando da renovação dos pressupostos para a respetiva atribuição e tendo como referência a variação positiva em vigor no termo do ano anterior ao da renovação.»
Neste quadro, pode-se dizer que, quer por força do citado AUJ, quer pela introdução da citada disposição legal à Lei nº 75/98, (em vigor desde 1 de janeiro de 2019), a prestação a fixar a cargo do FGADM não pode exceder o montante da pensão de alimentos estabelecida no acordo ou na decisão judicial de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
No caso em apreço, o progenitor do menor está obrigado, a título de alimentos devidos ao filho, ao pagamento da quantia mensal de 300 reais, até ao dia 15 do respetivo mês, mediante entrega à progenitora por qualquer meio documentado de pagamento, quantia a atualizar anualmente em janeiro, com início em janeiro de 2025, de acordo com a taxa de inflação oficial da República Federativa do Brasil, com referência ao ano imediatamente anterior ao de cada atualização.
A decisão recorrida condenou o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social na qualidade de gestor do FGADM a pagar ao menor AA, mediante entrega à mãe, e em substituição do pai, a prestação de alimentos no valor mensal de trezentos reais, a converter para euros à data de cada pagamento mensal, a atualizar anualmente em janeiro, de acordo com a taxa de inflação oficial da República Federativa do Brasil com referência ao ano imediatamente anterior ao de cada atualização.
O recorrente considera que o montante da prestação de alimentos fixado a cargo do FGADM na decisão recorrida não corresponde ao valor a que o progenitor devedor se encontra obrigado a pagar ao filho por redundar numa atualização (mensal) ou, no limite, no aumento do montante a cargo do FGADM e este, em cumprimento do regime de sub-rogação, só pode ser condenado nos termos em que o progenitor devedor o foi.
Ainda na ótica do recorrente, o montante da prestação de alimentos a cargo do FGADM é um valor certo e determinado que tem como referência o valor da prestação de alimentos fixado ao progenitor devedor, e como tal, não pode variar à data de cada pagamento mensal, pelo que não há suporte legal para fixar o valor da prestação a cargo do FGADM em reais a converter para euros a cada pagamento mensal.
Alega, por último, que o valor da prestação de alimentos a cargo do FGADM deveria ter sido fixado na moeda oficial – euro, pelo que no caso concreto o montante da prestação de alimentos equivaleria ao valor em euros correspondente a 300 reais à data da sentença (decisão que fixou o montante da prestação a cargo do FGADM), considerando-se a cotação a essa data e vigorando esse valor durante um ano.
Ora, resulta da decisão recorrida que o FGADM foi condenado a cumprir a sua obrigação em moeda que tem curso legal no país – euro.
Como bem aduz o Ministério Público na resposta ao recurso, «[n]em a Lei 75/98, de 19.11 nem o DL 164/99, de 13.05 impedem que a prestação de alimentos a cargo do progenitor/devedor originário seja fixada em moeda estrangeira».
Por sua vez, em sede de obrigações pecuniárias, dispõe o art. 558º, nº 1, do Código Civil que «[a] estipulação do cumprimento em moeda com curso legal apenas no estrangeiro não impede o devedor de pagar em moeda com curso legal no País, segundo o câmbio do dia do cumprimento e do lugar para este estabelecido, salvo se essa faculdade houver sido afastada pelos interessados».
Comentado este preceito, escreve Margarida Lima Rego[4], que «[e]m Portugal, a regra supletiva consagra um regime misto, a meio caminho entre as obrigações valutárias proprio e improprio sensu. Continua a valer o princípio do curso legal, pelo que o credor, embora só possa exigir ao devedor o pagamento em moeda estrangeira, não pode impor-lhe um pagamento em moeda estrangeira, sendo forçado a aceitar um pagamento em euros. Ao devedor é permitido cumprir indistintamente em moeda estrangeira ou em euros, assim se consagrando legalmente uma obrigação com faculdade alternativa. Se o devedor decidiu pagar em euros, o câmbio é calculado na data do pagamento».
É certo que a condenação do FGADM, em substituição do progenitor do menor/ devedor originário, no pagamento da prestação de alimentos no valor mensal de 300 reais, a converter para euros à data de cada pagamento mensal, pode traduzir-se mensalmente em valor variável por força da operação de conversão em euros, mas o valor da prestação a pagar mensalmente ao menor não excederá o montante da prestação de alimentos a cujo pagamento o devedor originário está obrigado, ou seja, 300 reais, como bem observa o Ministério Público.
Também se afigura não assistir razão ao recorrente quando defende que a atualização anual do valor correspondente à prestação de alimentos a ser assegurada pelo FGADM, em substituição do progenitor, tem de ser realizada, necessariamente, por força do princípio do curso legal, com recurso a indicadores oficiais ou taxas de câmbio em uso no Estado Português, sob pena da atualização variar consoante seja utilizada a referência de câmbio do Banco de Portugal ou a do Banco Central Europeu, ou outro, cuja aplicação da taxa de inflação oficial da República Federativa do Brasil resulta em valores distintos.
Com efeito, os limites estabelecidos no art. 4º-A, nº 2, da Lei 75/98, relativamente aos coeficientes de atualização da pensão de alimentos a cargo do FGADM, são dois e de verificação cumulativa: i) a operação de liquidação poder ser realizada através de simples cálculo aritmético; ii) o recurso a coeficientes de conhecimento público.
Ora, o coeficiente de atualização concretamente considerado e estabelecido no acordo homologado por sentença de 17.11.2022, transitada em julgado, proferida nos autos de regulação das responsabilidades parentais - taxa de inflação oficial da República Federativa do Brasil – é de conhecimento acessível, público e seguro, designadamente através do Banco Central do Brasil ou por via do Banco de Portugal e a operação de liquidação poderá ser realizada através de simples cálculo aritmético.
Em suma, a decisão recorrida não violou o disposto no art.º 4º-A, nº 2, da Lei 75/98.
Por conseguinte, o recurso improcede.
IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas.
*
Évora, 21 de novembro de 2024
Manuel Bargado (Relator)
António Fernando Marques da Silva
Francisco Xavier
(documento com assinaturas eletrónicas)
__________________________________________________
[1] Com base no assento de nacimento do menor junto no processo principal, sentença aí proferida e sentença proferida nos presentes autos, nos documentos obtidos por pesquisa de bases de dados da segurança social e do relatório social elaborado pela segurança social para efeitos de apuramento da viabilidade de intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores.
[2] No Supremo Tribunal de Justiça pronunciaram-se assim os acórdãos de 29.05.2014, proc. 257/06.3TBORQ-B.E1.S1, de 13.11.2014, proc. 415/12.1TBVV-A.E1.S1 e de 17.12.2014, proc. 1860/08.2TBPRD-4.P1.S1. Nas Relações decidiram assim o acórdão da RP de 18.02.2014, proc. 2247/05.4TBPRD-A.P1; da RL de 11.09.2014, proc. 3699/03.2TBSXL-G.L1.S1; e da RE de 27-02-2014, proc. 739/12.8TBSTR-A.E1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[3] Publicado no Diário da República, 1ª Série, n.º 85, de 4 de Maio de 2015.
[4] In Código Civil Anotado, Volume I, 2ª edição revista e atualizada, Ana Prata (Coord.), p. 750.