INUTILIDADE SUPERVENIENTE DO RECURSO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário

1) Ocorre inutilidade superveniente da instância recursória quando devido a novos factos, ocorridos após o encerramento da audiência final, o efeito pretendido no processo já foi alcançado e é indiferente o desfecho do recurso, designadamente quando a quantia em que o Réu foi condenado foi integralmente paga ao Autor, no âmbito de um processo executivo, e as custas da ação ficaram a cargo do Autor.
2) É irrelevante para apreciação do pedido de condenação como litigante de má-fé, formulado no pressente processo, a conduta do autor noutro processos.
3) Não litiga de má fé o autor que munido de título executivo contra um dos Réus, intenta ação declarativa para condenação do Réu e de outros, até porque o recurso direto à execução consubstancia não um dever mas um ónus jurídico cujo incumprimento tem como consequência o pagamento das custas do processo declarativo, como sucedeu in casu, em que não obstante a condenação do Réu, as custas ficaram a cargo do Autor.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Apelação n.º 1119/23.5T8FAR.E1 (1.ª Secção)
Juízo Central Cível de Faro – Juiz 2

Sumário: (…)


Acordam os Juízes da 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório:
(…) intentou ação declarativa sob a forma de processo comum contra:
a) (…);
b) (…) e Associados – Sociedade de Advogados e
c) (…) Company SE,
Peticionando:
1) A condenação solidária dos Réus a pagarem-lhe a quantia de € 257.275,00, resultante de valor remanescente do preço da venda de um imóvel, acrescida de juros vencidos e vincendos desde o dia 22/09/2020, à taxa de 4%, até integral pagamento, sendo os já vencidos no valor de € 25.548,49; o valor de € 7.380,00 relativos aos custos com a Mandatária (…) e o valor de € 184,50, relativos aos custos com a (…) Properties, Lda, tudo acrescido de juros vencidos e vincendos.
2) A condenação dos 1º e 2ª Réus a entregarem-lhe as faturas e recibos originais relativos aos pagamentos alegadamente feitos de Honorários do Agente Imobiliário interveniente na escritura e dos seus Honorários.
3) Subsidiariamente, para o caso de o ato de restituição do preço não estar coberto pelo seguro, pede a condenação dos Réus a pagarem-lhe € 285.000,00 a título de indemnização pelo incumprimento dos deveres profissionais, por ser esse o montante mínimo do prejuízo causado pelo incumprimento dos deveres do Réu (…), enquanto Advogado.

Apenas a Ré (…) Company SE, contestou.

Foi realizada audiência prévia, onde, além do mais, se agendou a audiência final.

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Por requerimento datado de 14 de janeiro de 2024 – ref. 47643795 – os Réus (…) e (…) e Associados, Sociedade de Advogados, requereram:
i. A condenação do autor, por abuso do direito de ação e litigância de má fé, a pagar aos Réus a quantia de 272.400,00 euros a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais;
ii. Aplicação do disposto no artigo 545.º do CPC, nos termos do qual: «Quando se reconheça que o mandatário da parte teve responsabilidade pessoal e direta nos atos pelos quais se revelou a má-fé na causa, dar-se-á conhecimento do facto à respetiva associação pública profissional, para que esta possa aplicar sanções e condenar o mandatário na quota-parte das custas, multa e indemnização que lhe parecer justa.»
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Em sede de audiência final, de 16 de janeiro de 2024, a Mma. Juíza deu a palavra ao autor para se pronunciar sobre este pedido de condenação como litigância de má-fé, o que o autor fez, pugnando pelo seu indeferimento por falta de fundamento e por não ter cabimento na fase processual em que se encontravam.
Logo de seguida, a Mm.ª Juíza exarou em ata, que, apreciaria a litigância de má-fé e demais questões suscitadas, nos autos e em sede de sentença.
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Após, foi proferida sentença, que decidiu:
“a) Absolver as Rés (…) e Associados – Sociedade de Advogados, (…) Company SE dos pedidos contra si deduzidos pelo Autor (…):
b) julgar parcialmente procedente, por provada, a presente ação e, em consequência, condenar o Réu (…) a pagar ao Autor (…) a quantia de € 257.275,00, acrescida de juros de mora, sem prejuízo dos valores que já tenham sido pagos no âmbito da execução n.º 3002/21.0T8LLE, absolvendo-o do demais peticionado.
Custas a cargo do Autor, nos termos do disposto nos artigos 527.º, n.os 1 e 2 e 535.º, n.os 1 e 2, alínea c), do Código de Processo Civil, na medida em que já tinha título executivo (confissão de dívida) relativamente ao 1º Réu na parte em que a ação foi procedente e este não contestou a ação e, no demais, a ação foi julgada improcedente.”
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O Réu (…) não se conformando com a referida Sentença interpôs Recurso da mesma, terminando com as seguintes conclusões:
1. “Da conjugação das normas dos artigos 72.º, n.º 1, alínea c) e 72.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e em face do elemento histórico, sistemático e teleológico, resulta a interpretação de que nos crimes de natureza semipública e particular o lesado tem duas opções: opta, antes da queixa, pela ação civil em separado e impede o exercício da ação pela através da renúncia; ou opta pela ação penal e, então, a ação civil terá que ser deduzida por dependência, vigorando a regra da adesão obrigatória.
2. A violação deste princípio, da adesão obrigatória, tem como consequência a incompetência material do tribunal cível, o tribunal a quo, neste caso.
3. A sentença recorrida não apreciou as questões colocadas pelo recorrente no requerimento de 14/01/1024, ao contrário do que o despacho constante da Ata da audiência de julgamento afirma.
4. Esta omissão constitui a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
5. A decisão condenatória é inútil porque à data em que a sentença foi proferida, o recorrente já nada devia ao autor e o tribunal tinha obrigação de conhecer tal facto.
6. Os atos inúteis são proibidos pelo artigo 130.º do CPC.
7. A novação é uma exceção perentória de conhecimento oficioso, podendo ser suscitada como defesa após terminado o prazo da contestação, conforme artigo 579.º do CPC.
8. O conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento, como a dívida de parte do preço pelo Recorrente, constitui igualmente nulidade, nos termos do disposto no artigo 651.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
9. O incidente da litigância de má-fé está expressamente previsto nos artigos 542.º e seguintes do CPC, e pode ser requerido em qualquer estado do processo.
10. O Tribunal a quo é obrigado a conhecer o pedido de litigância de má-fé atempadamente formulado, por força do princípio da garantia de acesso aos tribunais, afirmado no artigo 2.º do CPC e artigo 20.º da CRP.
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Entretanto a Mma. Juíza verificando o recurso apresentado, consignou nos autos que;
"Após consulta através do Citius do processo executivo n.º 3002/21.0T8LLE, constata-se que o Autor já foi ressarcido da quantia peticionada nos autos, já tendo até sido restituído ao aqui Réu o remanescente do preço de venda de um imóvel, pelo que se conclui que há uma situação de inutilidade superveniente da lide, dado que é indiferente o desfecho do recurso ou mesmo da ação quando o Autor já recebeu a quantia aqui peticionada ao Réu.” E determinou “(…) nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, notifique as partes de que o Tribunal pondera declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, para se pronunciarem, querendo, em 10 dias”.
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O Autor nada disse.
A Ré (…) Company SE pronunciou-se no sentido de que tendo já transitado em julgado a sentença na parte em que foi absolvida do pedido, a inutilidade da lide deverá colocar-se apenas em sede de recurso e apenas quanto ao Autor e quanto ao 1º Réu.
O Réu/Recorrente (…) pronunciou-se dizendo que proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional, nada mais podendo o juiz que admitir ou não o recurso interposto.
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Por despacho de 09-07-2024 o Tribunal a quo antes de admitir o recurso consignou que:
"Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, já tendo o Réu pago a quantia a que foi condenado a pagar nos autos no âmbito de processo executivo, não tendo sequer sido condenado nas custas do processo, não se vislumbra utilidade na apreciação do recurso da decisão que já foi integralmente cumprida no referido processo executivo.
Nestes termos, entende-se que o Réu não tem interesse em agir nos autos, isto é, não há qualquer utilidade em o Réu recorrente recorrer da sentença dos autos para satisfação da sua pretensão, já estando o objeto da condenação satisfeito de forma definitiva.
Contudo, podendo haver entendimentos diversos, designadamente que o Réu tem interesse na revogação da sentença apesar da quantia peticionada nos autos já estar paga, decide-se, à cautela, admitir o recurso dos autos”.
Ainda na mesma data o Tribunal consignou que “Para os efeitos previstos no artigo 617.º, n.º 1, do CPC, considera-se que a sentença objeto do recurso está, salvo melhor opinião, devidamente fundamentada e não padece de qualquer vício, não se verificando a nulidade invocada.”
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Recebido o processo neste Tribunal, foi proferido despacho convidando as partes a pronunciarem-se sobre a possibilidade de o Tribunal apenas conhecer do recurso na parte em que é requerida a nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto ao pedido de condenação como litigante de má-fé do autor, já que a apreciação da litigância de má-fé não fica prejudicada com a inutilidade superveniente da lide, declarando a inutilidade superveniente da lide quanto ao demais.
Nenhuma das partes se pronunciou.
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
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2. Âmbito do Recurso:
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC), são as seguintes as questões a apreciar:
2.1. Da inutilidade superveniente da instância de recurso quanto às seguintes questões suscitadas no recurso interposto:
- se o Tribunal a quo era ou não competente para prolatar a sentença em causa, sendo certo que tal questão nunca foi suscitada nos autos e/ou
- se a sentença condenatória é inútil e
- se o Tribunal conheceu de questões que não deveria conhecer.
2.2. Da omissão de pronúncia quanto ao pedido de condenação do autor como litigante de má – fé;
2.3. Da litigância de má-fé;
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3. Fundamentação:
3.1. Da inutilidade superveniente da instância de recurso:
Para apreciação da inutilidade superveniente da lide, importa considerar os seguintes factos que resultam do processo:
1) Com a presente ação pretendeu o autor, a condenação dos 1º, 2º e 3º RR no pagamento do remanescente do preço de um prédio pertencente ao autor, que os 1º e 2º Réus, em representação do Autor, venderam. Alega o autor que os 1º e 2º RR receberam a totalidade do preço e só entregaram ao Autor parte do mesmo. Quanto à 3ª Ré, entidade seguradora, invoca ser a mesma responsável pelo incumprimento dos deveres profissionais, do 1º Réu que é advogado.
2) Por sentença proferida no dia 21-02-2024, a ação foi julgada parcialmente procedente, e o 1º réu condenado a pagar ao autor o valor de € 257.275,00, sem prejuízo dos valores que já tivessem sido pagos no âmbito da execução n.º 3002/21.0T8LLE. As custas ficaram a cargo do autor, nesta parte por já ter um título executivo.
3) No mais a ação foi julgada improcedente, pelo que as custas também nesta parte ficaram a cargo do Autor.
4) O recurso foi apresentado no dia 25-03-2024.
5) No dia 5 de junho de 2024, a Mma. Juíza consignou nestes autos que, após consulta através do citius, do processo de execução n.º 3002/21.0T8LLE, constatou que o autor já havia sido ressarcido da quantia peticionada nos presentes autos, já tendo até sido restituído ao aqui Réu o remanescente do preço da venda de um imóvel.
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Do exposto resulta que após a prolação da sentença condenatória, foi apurado nestes autos que a quantia em que o réu foi condenado foi, entretanto, integralmente paga ao autor, o que sucedeu no âmbito do processo executivo n.º 3002/21.0T8LLE, instaurado em 05-12-2021 e que correu termos concomitantemente com a presente ação.
Por conseguinte, não existe qualquer interesse em verificar se o Tribunal a quo era ou não competente para prolatar a sentença em causa, sendo certo que tal questão nunca foi suscitada nos autos e/ou se a sentença condenatória é inútil e se o Tribunal conheceu de questões que não deveria conhecer.
Por outras palavras, as decisões pretendidas pelo Réu / recorrente na sua peça recursória revelam manifesta inutilidade pois o efeito pretendido no processo já foi alcançado, inexistindo juridicamente qualquer litígio que importe apreciar, devendo ser julgada a inutilidade superveniente da lide recursória, o que obsta nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 652.º, n.º 1, alínea b) e 655.º do CPC ao conhecimento do objeto do recurso.
A única exceção diz respeito à invocada “omissão de pronúncia quanto ao pedido de condenação do autor como litigante de má-fé”.
Com efeito, “A inutilidade superveniente da lide não prejudica a apreciação da litigância de má-fé” – Cfr. neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-05-2018, proferido no Processo n.º 27/15.8T8TMC.G1, publicado in www.dgsi.pt.
Pelo exposto, importa apreciar a invocada nulidade.
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3.2. Da omissão de pronúncia quanto ao pedido de condenação do autor como litigante de má – fé;
São os seguintes os factos relevantes para apreciação desta questão:
1) Por requerimento datado de 14 de janeiro de 2024 – ref. 47643795 – os Réus (…) e (…) e Associados, Sociedade de Advogados, requereram:
a. A condenação do autor, por abuso do direito de ação e litigância de má fé, a pagar aos RR a quantia de 272.400,00 euros a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais;
b. Aplicação do disposto no artigo 545.º do CPC, nos termos do qual: «Quando se reconheça que o mandatário da parte teve responsabilidade pessoal e direta nos atos pelos quais se revelou a má-fé na causa, dar-se-á conhecimento do facto à respetiva associação pública profissional, para que esta possa aplicar sanções e condenar o mandatário na quota-parte das custas, multa e indemnização que lhe parecer justa.»
2) Em sede de audiência final, o autor pronunciou-se sobre este pedido de condenação como litigância de má-fé, pugnando pelo seu indeferimento por falta de fundamento e por não ter cabimento na fase processual.
3) De seguida, a Mma. Juíza proferiu o seguinte despacho: “A litigância de má-fé será apreciada nos autos e as demais questões serão decididas na decisão”.
4) Após a audiência final, inexiste nos autos qualquer despacho sobre o pedido de condenação como litigante de má-fé.
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Dispõe o artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que, na sentença “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”. Caso assim não suceda, a sentença é nula, dita o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
No caso concreto , é manifesto que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o requerimento de 14 de janeiro de 2024, porquanto não obstante, em sede de audiência final, ter relegado o seu conhecimento para momento ulterior, o facto é que não o apreciou na sentença e após, confrontado com a omissão de pronúncia em sede de alegações de recurso, também não o fez, considerando mesmo, no despacho em que recebe o recurso, não se verificar a nulidade arguida (não obstante, conforme resulta dos pontos 3 e 4 das conclusões, o recorrente ter invocado que:
- A sentença recorrida não apreciou as questões colocadas pelo recorrente no requerimento de 14/01/1024, ao contrário do que o despacho constante da Ata da audiência de julgamento afirma.
- Esta omissão constitui a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
No sentido de que é em sede de sentença que deve ser conhecido o pedido de condenação como litigante de má-fé suscitado por uma das partes pronunciou-se o acórdão deste Tribunal de 7 de abril de 2022 (Proc. n.º 1373/21.7T8STR-A.E1, publicado in www.dgsi.pt), esclarecendo que: “1 - A apreciação da má-fé da parte e a sua condenação em multa e indemnização, por via da atuação na lide na fase que antecedeu a sentença, não pode o juiz relegá-las para depois da sentença, embora já não assim quanto à fixação do quantitativo da indemnização, caso o processo, na elaboração da sentença, o não habilite a determiná-lo”.
Por conseguinte, tendo o Tribunal a quo omitido pronúncia sobre os pedidos formulados no requerimento de 14 de janeiro de 2024, que incluía designadamente o pedido de condenação do autor como litigante de má-fé, importa concluir que a sentença é nula, nessa parte.
Nos termos do artigo 665.º do CPC ainda que a Relação confirme a arguição de alguma nulidade da sentença, pode conhecer da apelação se dispuser dos elementos necessários para o efeito.
No caso dos autos, no requerimento de 14 de janeiro de 2024, o réu para prova dos factos que fundamentam o pedido de condenação como litigante de má-fé limita-se a juntar 3 documentos.
O Autor quando respondeu não os impugnou.
Por outro lado, a matéria de facto dada como provada na sentença também não foi impugnada, em sede de recurso, e nenhuma das partes ouvida sobre a possibilidade do Tribunal conhecer desta questão se opôs. Por conseguinte, importa concluir que o processo fornece todos os elementos para a decisão das questões suscitadas no requerimento de 14 de janeiro de 2024, pelo que importa proceder à sua apreciação.
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3.3.3. Da litigância de má-fé:
No requerimento de 14 de janeiro de 2024, conforme já se referiu o 1º e 2º Réus requerem:
- A condenação do A. por abuso de direito e litigância de má-fé, no valor de € 272.400,00;
- Que o tribunal aplique o artigo 545.º do CPC, ou seja, dê conhecimento à Ordem dos Advogados que a mandatária do Autor teve responsabilidade pessoal e direta nos atos pelos quais se revela a má-fé.
Para fundamentar estas pretensões, dizem os Réus, em suma, que “a presente lide consubstancia uma lide maliciosa (o autor visa objetivos, prejudicar o signatário, que vão muito além do seu direito à cobrança de um crédito) (…) e também uma “lide inútil” – “o autor não pode obter aqui mais do que tem garantido na ação executiva” e alude a um arresto ocorrido noutra ação, por causa do crédito que aqui está em causa.
Para apreciação destes pedidos, importa considerar os seguintes factos, que resultam dos documentos juntos, não impugnados e dos factos provados na sentença:
1) No dia 05-12-2021, a autora intentou contra o réu/executado ação executiva n.º 3002/21.0T8LLE, no Juízo de Execução de Loulé – juiz 2;
2) No âmbito do referido processo, no dia 13-04-2023, o agente de execução tomou posse do escritório do autor, sito em (...).
3) No dia 05-01-2024, no âmbito da referida execução, o agente de execução proferiu a seguinte decisão:
“Requereu o exequente a penhora da quota que o executado detém na sociedade (…) e Associados - Sociedade de Advogados, acontece porém que no momento da apresentação de tal requerimento já o exequente havia recebido € 93.000,00 da quantia exequenda, tinha-se realizado a venda de imóvel do executado em 15/11/2023 o qual foi licitado por € 111.549,62, e estava em curso processo de leilão de propriedade rural de natureza mista com valor mínimo de € 110.500,00.
Nesta data o valor mínimo para venda do imóvel já foi superado, pelo que certamente o mesmo será vendido no leilão em curso, obtendo-se assim a totalidade da quantia em divida, pelo que inexiste necessidade de se promover qualquer outra penhora, conforme delimita o n.º 3 do artigo 735.º do CPC”.
4) Em 28-12-2023 o agente de execução, na sequência de um requerimento do 1º Réu / executado para pagar a quantia exequenda, informou o executado / 1º réu que com juros calculados até 19-01-2024 encontrava-se por liquidar o valor de € 71.416,25.
5) Por requerimento de 10 de janeiro de 2024, o Autor informou o Tribunal que nos autos de execução pendentes entre as mesmas partes iria ocorrer no dia 24 de janeiro de 2024 o leilão de um imóvel do réu/executado, obtendo-se, assim, a totalidade da quantia em dívida, pelo que requereu a suspensão da instância.
6) Os Réus foram notificados deste requerimento no dia 10 de janeiro de 2024.
7) No dia 11 de janeiro a Mm.ª Juíza a quo indeferiu a requerida suspensão da instância.
8) Em sede de audiência final, após as alegações a Mma. Juíza questionou os ilustres mandatários sobre se se opunham a que fossem juntos aos autos documentos do processo de execução, conexo com este processo, ao que as partes declararam nada ter a opor.
9) Por requerimento de 30 de janeiro de 2014, o Autor comunicou aos autos que nos autos de execução intentados pelo autor contra o 1º Réu já havia sido aceite a proposta apresentada (no leilão) e juntou uma notificação do Agente de Execução dirigida a (…) datada de 26 de janeiro de 2024 comunicando-lhe que “a proposta por vós apresentada no leilão eletrónico (…) que terminou no passado dia 24-01-2024 foi a vencedora. Assim, no prazo de 15 dias deverá proceder ao depósito do valor no montante de € 206.606,44.”
10) Na sentença proferida no dia 21-02-2024 as custas do processo ficaram “a cargo do Autor nos termos do disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 535.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do Código de Processo Civil, na medida em que já tinha título executivo (confissão de dívida) relativamente ao 1º Réu na parte em que a ação foi procedente e este não contestou a ação e no demais a ação foi julgada improcedente”.
11) No dia 5 de junho de 2024, a Mma. Juíza, consignou nestes autos que, após consulta através do citius, do processo de execução n.º 3002/21.0T8LLE, constatou que o autor já havia sido ressarcido da quantia peticionada nos presentes autos, já tendo até sido restituído ao aqui Réu o remanescente do preço da venda de um imóvel.
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No fundo, os fundamentos do Réu, para que o Autor fosse condenado como litigante de má fé, consistiam, por um lado, na circunstância de, no âmbito da referida execução, o exequente estar empenhado em causar o máximo de danos aos 1º e 2º RR, designadamente ao penhorar o imóvel sede da atividade profissional daqueles e tentar penhorar a quota na sociedade de que o 1º Réu era sócio e, por outro lado, na circunstância de o Autor, munido de um título executivo com base no qual intentou uma ação executiva, ainda assim, desnecessariamente, ter também intentado a presente ação declarativa de condenação, peticionando a condenação do réu, nesse valor.
Quanto às penhoras que foram realizadas no âmbito da ação executiva n.º 3002/21.0T8LLE, no Juízo de Execução de Loulé – juiz 2, é manifesto que as mesmas não relevam para aferir do comportamento do autor no presente processo. Com efeito, o artigo 542.º do CPC diz respeito a condutas praticadas no âmbito do próprio processo e não de outros processos ainda que as partes possam ser as mesmas.
Relativamente ao facto de o autor, munido de título executivo, intentar a presente ação declarativa, ao contrário do que o autor pretende, tal não demonstra um uso indevido/abusivo do processo. Primeiro, porque o 1º Réu/Executado não é o único visado na presente ação, que foi também intentada contra a sociedade de advogados e a seguradora e não é censurável o facto de o autor pretender ter mais garantes do crédito. Depois, porque como se explicita no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-05-2024, Processo n.º 1440/23.2T8PDL.L1-2, publicado in www.dgsi.pt: “O recurso direto à execução para quem esteja munido de título executivo (e, repete-se, não é esse o caso) mais não constitui do que um ónus jurídico, cuja não observância apenas tem por consequência que o onerado pague as custas do processo declarativo que, sem necessidade, tenha instaurado. Assim decorre do disposto no artigo 535.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CPC: quando o réu não tenha dado causa à ação e não a conteste, as custas são pagas pelo autor; um dos casos em que o réu não dá causa ao pleito é o de o autor recorrer ao processo de declaração apesar de estar munido de um título com manifesta força executiva.”.
Por todo o exposto, importa julgar improcedente o pedido de condenação do Autor, como litigante de má-fé e, em consequência, improcedente o demais peticionado, designadamente a comunicação à Ordem dos Advogados, nos termos do disposto no artigo 545.º do CPC.
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3. Decisão:
Nos termos supra expostos, acordam os juízes desta Relação em:
1) Não conhecer do objeto do recurso, por inutilidade superveniente da lide exceto na parte em que é arguida a nulidade da sentença com fundamento em omissão de pronúncia quanto ao pedido de condenação do autor como litigante de má-fé;
2) Julgar procedente o recurso, na parte em que é invocada a nulidade da sentença, por omissão de pronuncia quanto ao pedido de condenação do Autor como litigante de má-fé, e, em substituição do Tribunal recorrido, julgar improcedente o referido pedido e absolver o Autor do pedido de condenação como litigante de má-fé formulado pelo Réu.
Custas pelo Recorrente (artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC).
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Évora, 5 de dezembro de 2024
Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora)
Filipe Osório Rodrigues
Ricardo Miranda Peixoto