ALIMENTOS PROVISÓRIOS
TRIBUNAL COMUM
COMPETÊNCIA
Sumário

É competente o tribunal comum para procedimento cautelar de alimentos provisórios com fundamento no artigo 1880 do Código Civil e não a Conservatória de Registo Civil.

Texto Integral

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Relatório
Manuel.....,
já melhor identificado como os sinais dos autos, propôs no Tribunal de Família e Menores de..... contra
Álvaro.....
procedimento cautelar de alimentos provisórios com fundamento no artigo 1880º do Código Civil para o efeito invocando ainda o processualismo contido no artigo 399º nº 2 do Código Processo Civil como serão todas as outras disposições legais infra citadas de que se não faça menção especial.
O Mmº Juiz do Tribunal a quo proferiu despacho liminar de fls. 24, no qual, em síntese, referiu que destinando-se o procedimento cautelar à fixação de alimentos provisórios ao requerente, justificando este o direito aos mesmos com recurso ao disposto no normativo citado art. 1880° (prestação de alimentos a filho maior) “a competência decisória sobre tal matéria se encontra actualmente atribuída às conservatórias de registo civil, pelo DL 272/01, de 13-10 (cfr. artigos 5° e ss.)” sendo assim “competente para apreciar e decidir a atribuição definitiva de alimentos é a Conservatória do Registo Civil da área de residência do requerente, não podendo este lançar mão, desde logo, de acção interposta nos tribunais judiciais para o efeito.”
E ainda, porque sendo o procedimento necessariamente dependente de acção já proposta ou a instaurar posteriormente, e porque nada em contrário é alegado, (nomeadamente a propositura do processo na competente conservatória e a falta de acordo que motivaria, e só nesse caso, a sua remessa para tribunal), não se verifica a supra mencionada relação de instrumentalidade e dependência com acção pendente ou a propor sendo tal motivo de indeferimento liminar, o que determinou ao abrigo do disposto nos artigos 234°, 4 b) e 234°-A/1.

Inconformado, apresentou-se o requerente a interpor o presente recurso de agravo admitido a subir imediatamente e com efeito suspensivo tendo para o efeito nas alegações oportunamente apresentadas aduzido a seguinte matéria conclusiva:
1. O regime estatuído no D.L. 272/01, de 13.10 sobre alimentos a maiores, destina-se tão e somente a evitar a interposição de uma acção especial no Tribunal Judicial, reduzindo dessa forma o tempo com as peças processuais e incidentes que um processo desses acarreta;
2. Visa acelerar o processo de fixação de alimentos;
3. Porém, em momento algum, o referido decreto estende tal regulamentação às providências cautelares de alimentos provisórios, já que, embora estas estejam na dependência da acção principal, o inverso não sucede.
4. Na verdade, a proposição de uma providência cautelar, significa que face à factualidade invocada, a resolução do diferendo, ainda que provisória, reveste o carácter de urgente.
5. É o caso dos presentes autos, os factos invocados pelo agravante consubstanciam carácter de urgência, razão pela qual foi proposta a providência cautelar de alimentos provisórios;
6. Se os factos descritos não se afigurassem urgentes, o agravante deveria requerer à Conservatória de Registo Civil a fixação de alimentos definitivos a filho maior, com a tramitação imposta pelo D.L. 272/01, de 13.10, e que diga-se, sempre seria mais rápida do que o percurso num Tribunal judicial.
7. Porém, neste caso a factualidade invocada é urgente, pelo que não se compadece com a tramitação do decreto invocado.
8. A intenção do legislador não foi discriminar os filhos maiores ou emancipados dos restantes, nem diminuir os direitos destes no que concerne a obter uma decisão em tempo útil quando a factualidade assim o exige. É este o nosso entendimento.
9. Pelo exposto, deverão V. Exªs. revogar a decisão recorrida, e ordenar a admissão do requerimento de alimentos provisórios.”
No despacho de sustentação o Mmº Juiz não obstante não ter sido quem proferiu a decisão em causa, apesar de referir ser a mesma de manter acaba por afirmar que, e passamos a citar:
“ao contrário do que delas se infere, as acções de alimentos a filho maior instauradas nos termos do artigo 1880° do Código Civil seguem o regime previsto para os menores ou seja, deverão ser tramitadas nos termos da Organização Tutelar de Menores, com as necessárias adaptações - cf. artigo 1412° do Código de Processo Civil - pelo que, oficiosamente ou a requerimento do interessado, a atribuição de alimentos poderá ser feita de modo célere e a titulo provisório ao abrigo do disposto dos artigos 157°, 186° e segs. da mesma Organização Tutelar de Menores.”
Foram colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Adjuntos pelo que importa decidir.

THEMA DECIDENDUM
A delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal decidir sobre matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso, art. 684 nº3 e 690 nº1 e 3 do Código Processo Civil como serão todas as outras disposições legais infra citadas de que se não faça menção especial.
A questão que está subjacente na apreciação do presente recurso traduz-se em determinar qual a tramitação própria do procedimento cautelar de alimentos provisórios a filho maior e entidade competente para a sua decisão.

DOS FACTOS E DO DIREITO
A matéria de relevância para a decisão já supra se mostra enunciada apenas importando referir que no articulado da petição inicial é dado conhecimento que no Tribunal a quo com o nº ../.. pende termos acção de divórcio entre o requerido e a mãe do requerente.
Vejamos.
Dispõe o artigo 5º do Decreto-Lei 272/01 de 13 de Outubro integrado no seu CAPITULO III sob a epigrafe “Do procedimento perante o conservador do registo civil” na sua SECÇÃO I “Do procedimento tendente à formação de acordo das partes
No seu nº 1 que:
“O procedimento regulado na presente secção aplica-se aos pedidos de:
alimentos a filhos maiores ou emancipados”
No seu nº 2 por sua vez estatui-se que:

“O disposto na presente secção não se aplica às pretensões referidas nas alíneas a) a d) do número anterior que sejam cumuladas com outros pedidos no âmbito da mesma acção judicial, ou constituam incidente ou dependência de acção pendente, circunstâncias em que continuam a ser tramitadas nos termos previstos no Código Processo Civil”
Por outro lado no artigo 6º do mesmo diploma fixa-se sobre a competência o seguinte regime:
É competente a conservatória do registo civil:
a) Da área da residência do requerido no que respeita aos processos previstos nas alíneas a), c) e d) do nº 1 do art. anterior;
Finalmente na SECÇÃO II “Dos procedimentos da competência exclusiva do conservador” no artigo 12º e seu nº 1 alíneas a) a c) estabelecem as situações que são da exclusiva competência da conservatória do registo civil a saber:
A reconciliação dos cônjuges separados
A separação e divórcio por mútuo consentimento, excepto nos casos resultantes de acordo obtido no âmbito de processo de separação ou divórcio litigiosos
A declaração de dispensa de prazo internupcial
No nº 2 do referido normativo estebelece-se que é competente para os processos previstos nas alíneas a) a e ) do número anterior a conservatória de registo civil da residência de qualquer dos cônjuges ou outra por ambos escolhida e expressamente designada.
Conforme se extrai do preâmbulo do citado diploma, a transferência de competências para as conservatórias do registo civil em matérias respeitantes a todo o um conjunto de processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares, designadamente a atribuição de alimentos a filhos maiores e de casa de morada de família, etc., verifica-se na estrita medida em que se verifique ser a vontade das partes conciliável, sendo efectuada a remessa para efeitos de decisão judicial sempre que se constate existir oposição de qualquer interessado.
Ora, assim sendo e tendo em consideração a natureza do procedimento requerido, salvo o devido respeito pela opinião contrária emitida em declaração de não reconhecimento de competência do Tribunal de Família, desde logo pela alegação da pendência de acção de divórcio entre o requerido e a mãe do requerente, atento o disposto no artigo 1412º e seu nº1, como aliás se refere no despacho proferido, se tem de convir que a situação de latente conflitualidade é evidente, e assim sempre teria que estar afastada a intervenção do Conservador, concretamente, porque os processos que lhe estão ou melhor passaram a estar adstritos exclusivamente após a entrada em vigor do diploma são apenas e tão só os enumerados no citado artigo 12º.
Como se refere no nº2 do artigo 5º o disposto na referida Secção não se aplica às pretensões referidas nas alíneas a) a d) do número anterior quando constituam incidente ou dependência de acção pendente, circunstâncias em que continuam a ser tramitadas nos termos previstos no Código Processo Civil.
De harmonia com o disposto no artigo 82º da Lei 3/99 de 13 de Janeiro e seu nº 1 alínea e) “compete aos tribunais de família fixar os alimentos devidos a menores e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880º do Código Civil e preparar e julgar as execuções por alimentos”.
Por sua vez no artigo 1412º determina-se que quando haja necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos do artigo do Código Civil citado seguir-se-à com as necessárias adaptações o regime previsto para os menores.
Este por sua vez é, conforme aliás vem referido no despacho de sustentação para a situação dos autos, em que se pretende obter com carácter de celeridade e de forma provisória, o estatuído nas normas ínsitas nos artigos 157º e 186º da OTM.
Ou seja, conforme se retira da primeira das elencadas disposições em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, o tribunal pode decidir, a título provisório, relativamente a matérias que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar diligências que se tornem indispensáveis para a assegurar a execução efectiva da decisão.
Assim, do que vem de ser exposto, linearmente resulta que em sede de competência do Tribunal de Família, este para situações de urgência ou celeridade, como se pretende com a introdução em juízo do petitório em que se visa alcançar uma decisão provisória de alimentos, no caso para filho maior, atento o regime determinado por força da disposição legal do Código Processo Civil, em termos processuais, terá que se proceder à sua adaptação ao regime vigorante para o regime da OTM onde igualmente se prevê, designadamente no âmbito do processo de alimentos - artigo 186º e seguintes, sendo certo que no que concerne a decisões provisórias ou cautelares igualmente em tal diploma para o qual remete o citado normativo se prevê a sua determinação.

Neste mesmo sentido se pode encontrar o comentário tecido por A: Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil Vol. IV pág 106 onde escreve:
“Mesmo no tocante a filhos que atinjam a maioridade não está afastada a possibilidade (ou a necessidade) de fazer uso dos meios especificamente prescritos pela OTM” terminando assim “O paralelismo relativamente às situações de menoridade, levou o legislador a excluir a correspondente pretensão do âmbito do procedimento cautelar de alimentos provisórios, sujeitando-a aos mecanismos prescritos para situações de menoridade (art. 1412º)”
Aliás diga-se que o mesmo em suma acaba por aceitar o Mmº Juiz que proferiu o despacho apelidado de sustentação mas que sempre reconhece que o meio cautelar próprio será o fixado na OTM.
Assim sendo, resulta que a forma como se encontra elaborada a petição terá de submeter-se ao regime processual previsto em tal diploma ou seja, o requerimento deverá ser dirigido ao Tribunal como o foi acompanhado das certidões que comprovem o grau de parentesco entre o requerente e o requerido e o rol de testemunhas.
Só quando não exista nesse diploma para o qual a lei remete processo adequado às medidas pretendidas é que se pode lançar mão, com as necessárias adaptações, das regras de processo civil que não contrariem os fins que lhe estão subjacentes e que são de equiparação ao processo de menores. (artigo 161º da OTM).
Nem sempre a maioridade ou a emancipação determinam a extinção do dever de alimentos e no caso do artigo 1880º do Código Civil essa obrigação persiste ou pode persistir durante o período necessário à formação [Trata-se do afloramento do principio da solidariedade familiar, justificado por aquilo que Remédio Marques apelida de “menoridade financeira” in “Algumas Notas “ pág 19 e 257].
Ora o pedido de alimentos provisórios não contraria tais fins antes pelo contrário, não se podendo considerar que exista na OTM qualquer caso omisso ou lacuna que deva ser integrada ou suprida dado que como se referiu no artigo 157º do mesmo normativo se estabelece o regime próprio para salvaguardar a hipótese que se visa acautelar de forma célere com a pretensão formulada dado que em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente o tribunal pode decidir a título provisório relativamente a matérias que deva apreciar a final sendo certo que nesse momento igualmente lhe cabe tal competência e daí que se é competente para o mais o processo principal necessariamente o será para o menos a decisão provisória que é ou será dependente.

Assim terá existido erro na forma de processo, nulidade de conhecimento oficioso do Tribunal, a não ser que se considere sanada. (artigo 202º)
No caso presente não foi nem está sanada.
O erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime quanto possível da forma estabelecida (art. 199º nº1).
Tratando-se de petição inicial mandar-se-à seguir a forma adequada a não ser que a petição não possa ser aproveitada para essa forma ou seja sempre esta não satisfaça os requisitos legais.
No caso a petição está devidamente instruída com os elementos necessários sendo certo ainda que sempre caberá oficiosamente ao Tribunal por força do estatuído no artigo 265º-A ordenar, quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, ouvidas as partes, a pratica dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações.
Isto é, ou desde logo aproveitar-se a petição para se fixarem alimentos definitivos não importando a referência que o A. haja feito às regras do CPC nem a circunstância de pedir apenas alimentos provisórios uma vez que por último importa dizer estamos no âmbito de processo de jurisdição voluntária em que o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita.
Assim em face do que vem de ser exposto não pode manter-se o despacho proferido que deve ser revogado devendo o processo prosseguir como acção de alimentos com referência ao artigo 186º da OTM ex vi artigo 1412º com referência ao artigo 1880º do Código Civil.
Pode pensar-se que deste modo se estará a pôr em causa o pedido de alimentos provisórios formulado e cuja finalidade principal é a referida mas temos de convir que assim não acontece uma vez que o Tribunal, se o entender, como dissemos, aproveitando como deve, a referida petição desde logo é sabedor da necessidade da sua fixação imediata pela fundamentação exposta no articulado e, consequentemente, dando cumprimento ao preceituado no indicado artigo 157º assim o fixará.

DELIBERAÇÃO
Nestes termos em face do que vem de ser exposto pela procedência em parte das conclusões elencadas ainda que com diferente fundamentação, concede-se provimento ao interposto recurso de agravo revogando-se o despacho proferido que indeferiu a petição formulado ordenando a sua substituição por outro em que se ordene o prosseguimento dos autos nos termos das disposições legais citadas supra, processando-se os demais termos a elas correspondentes designadamente cumprindo-se o disposto no artigo 265-A.
Sem custas.

Porto, 02 de Dezembro de 2003
Augusto José Baptista Marques de Castilho
Maria Teresa Montenegro V C Teixeira Lopes
Emídio José da Costa