CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
RELAÇÃO DE PROXIMIDADE EXISTENCIAL
TIPO INCRIMINADOR
Sumário

I - Com a incriminação da violência doméstica protege-se um bem jurídico plural e complexo - saúde e integridade pessoal em relação de proximidade existencial.
II - Assim, as condutas previstas e punidas pelo artigo 152º do Código Penal podem ser de várias espécies: maus tratos físicos, ou seja, ofensas corporais simples, maus tratos psicológicos, isto é, humilhações, privações da liberdade, ameaças, insultos, microviolência física ou psíquica como empurrões, arrastões, puxões e apertões de braços, insultos, críticas e comentários destrutivos ou vexatórios, sujeição a situações de humilhação, ameaças, privações injustificadas de comida, de medicamentos ou de bens e serviços de primeira necessidade, restrições arbitrárias à entrada e saída da habitação ou de partes da habitação comum, privações da liberdade, perseguições, esperas inopinadas e não consentidas, telefonemas a desoras, etc...
III - Certo é que sempre que nessas condições de proximidade existencial se mostre preenchido um tipo incriminador do Código Penal relacionado com a saúde e integridade pessoal, nomeadamente as ofensas à integridade física, injúrias, sequestro ou ameaças, forçosamente preenchido estará também o tipo de ilícito da violência doméstica.
IV - Como elemento subjetivo exige-se o dolo genérico, sob qualquer das formas previstas no artigo 14º do Código Penal.
V - Não são exigíveis quaisquer elementos adicionais, nomeadamente o objetivo ou intenção de exercer domínio sobre a vítima, ou de achincalhar, ou de degradar a pessoa ou a sua dignidade, esses sucedâneos disfarçados da antiga malvadez ou egoísmo consagrados no tipo incriminador do artigo 153º do Código Penal de 1982, abandonados pelo legislador em 1995 por força de uma nova tomada de consciência da gravidade e extensão do fenómeno da violência doméstica e da necessidade de reforço efetivo da sua prevenção.
VI - Comete o crime de violência doméstica quem, como o arguido, tendo sido casado com a ofendida, depois de divorciado, estando a ofendida no interior da habitação desta, bate com violência no vidro da janela da sala, arremessa um cesto contra o vidro, partindo-o, projetando os vidros para o interior, parte o vidro da janela da cozinha, arremessa água para o interior, através da abertura da janela brande uma esfregona e uma vassoura, enquanto grita entre outras expressões “Ide para a vossa casa” e dirigiu à ofendida as expressões “Vaca! Filha da puta! Chula! Vigarista!” e que noutra ocasião se dirigiu à viatura da ofendida, abriu a porta e agarrou-a pelos braços, puxando-a para fora, em seguida empurra a ofendida, projetando a parte de trás da cabeça/nuca da mesma contra a lateral esquerda da carrinha, ao mesmo tempo, que dirige à ofendida, repetidamente, as expressões: “Filha da puta! Ladra! Eu dou cabo de ti!”, tendo a ofendida sofrido dores e lesões; mais tendo agido livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

(da responsabilidade do relator)

Texto Integral

Proc. n.º 435/21.5GBMTS.P1




Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

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1-RELATÓRIO

No Processo Comum (Tribunal Singular) nº º 435/21.5GBMTS, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo ... ... - Juiz ..., após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, o Tribunal decide:
a) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica, p.e p. pelo artigo artº 152º, nºs 1, als. a) e c), 2, al. a), 4 e 5, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão.
b) Suspender a pena enunciada em a), na sua execução, por igual período, condicionada ao cumprimento do regime de prova que contemple o respeito pela proibição de contacto com a vítima e a frequência de programa de promoção de competências pessoais e emocionais e de prevenção de comportamentos abusivos na conjugalidade, tudo mediante plano a elaborar pela Direcção-Geral de Reinserção Social (artigos 50.°, n.°s 1, 2, 3 e 5; 52.°, n.°s 1 e 2; 53.°, n.° 1; e 54.° do Código Penal e artigo 494.° do Código de Processo Penal) e ainda ao pagamento da indemnização fixada em c), à demandante, no mesmo prazo.
c) Julgar o pedido de indemnização cível procedente e condenar o demandado a pagar à demandante a quantia de €5000 (cinco mil euros).
(…)
*
Não se conformando com esta decisão, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação o seguinte (transcrição):
«A) Foram valorados pelo tribunal os testemunhos das testemunhas acima identificadas, sendo os mesmos considerados foram prestados de forma logica e objetiva, o que não corresponde a realidade, pois o discurso destas é incoerente quanto aos factos e acontecimentos vejamos.
B) Tendo em conta a necessária prudência que deve alicerçar a convicção probatória do tribunal, entende-se que se devem julgar não provados os pontos 6,9,14, 16 dos factos provados.
C) Os atos dados como provados isolada ou conjuntamente apreciados, tendo em conta que havia discussões e forte conflito entre Assistente e Arguido, devido a partilhas, não põem em causa a dignidade pessoal da Assistente nem revelam um tratamento desumano ou degradante que ofenda a dignidade da pessoa humana.
D) Até atento o que resultou do relatório social elaborado ao Arguido, é manifestamente elevada a medida da pena de prisão aplicada, sendo a mesma claramente excessiva e excecionalmente penalizadora para o Arguido, não se cumprindo, de modo correto, as finalidades de prevenção geral e especial que devem estar na sua génese, nem estando proporcional à medida da culpa do agente em concreto.
E) O Tribunal violou os arts, 40.º, 71.º e 72.º C.P., pelo que, em conformidade, deve ser especialmente atenuada a pena em que o arguido foi condenado.
AA) Os factos - da pronúncia e só estes relevam – ocorreram num período de 7 meses apenas (25 de Julho de 2021 a 21 de Fevereiro de 2022), cingindo-se os factos a discussões entre o Arguido e a Assistente.
BB) Inexiste nexo de causalidade entre o dano e a conduta do arguido, descrita na sentença, já que os danos verificados não encontram cabimento face a normalidade do acontecer, por totalmente desproporcionados.
Termos em que, julgado procedente o presente recurso, deverá alterar-se a decisão a quo quanto ao julgamento da matéria de facto e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, absolvendo o Arguido dos factos pelos quais vinha pronunciado, assim se fazendo JUSTIÇA.»
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O Ministério Público, nas suas alegações de resposta, pronunciou-se no sentido de que a decisão recorrida não merece qualquer reparo, devendo ser mantida.
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Nesta instância o Ministério Público emitiu parecer, concluindo: “Sem prejuízo do princípio da reformatio in pejus entende-se que no diz respeito à determinação da medida concreta da pena existiu omissão de pronúncia relativamente aos factos dados como provados em 23.º, 24.º, que constitui a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º1 c) do CPP.”.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP
Colhidos os vistos e indo os autos à conferência, cumpre apreciar e decidir.
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2-FUNDAMENTAÇÃO

2.1-QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
1- Impugnação da matéria de facto por erro de julgamento.
2-Preenchimento do tipo de ilícito e pretensão de absolvição.
3-Determinação da pena: atenuação especial da pena e redução da pena.
4- Pedido de indemnização civil: preenchimento dos pressupostos e montante da indemnização.

2.2- A DECISÃO RECORRIDA:
Tendo em conta as questões objeto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar a fundamentação da matéria de facto, que é a seguinte (transcrição):
« II. Fundamentação
De facto
Factos Provados
Com relevância para a decisão da mesma, resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido AA e a ofendida/assistente BB foram casados entre si durante o período compreendido entre 28 de Maio de 1981 e 15 de Janeiro de 2019, data em que transitou em julgado a sentença que decretou o divórcio.
2. Desse casamento nasceram, em ../../1982, CC e, em 24 de Maio de 1987, DD.
3. No dia 25 de Julho de 2021, pelas 18.00 h., quando a ofendida se encontrava com alguns familiares no interior da sua residência sita na Rua ..., ..., ..., ..., o arguido dirigiu-se àquele local, verificando que a ofendida ali se encontrava.
4. O arguido dirigiu-se às traseiras da habitação, bateu com violência no vidro da janela da sala e desferiu murros na janela.
5. Em seguida, o arguido muniu-se de um cesto em plástico e arremessou-o contra o vidro, partindo-o, projectando os vidros para o interior da sala.
6. De imediato, a ofendida e os seus familiares deslocaram-se para a cozinha, de modo a evitar que o arguido se introduzisse na habitação, colocando uma cadeira a travar o puxador interior, e accionaram a persiana eléctrica, no sentido descendente.
7. Nesse instante, o arguido partiu o vidro dessa janela, forçando a persiana.
8. O arguido arremessou água para o interior da cozinha, usando baldes e garrafões.
9. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido gritava, entre outras expressões “Ide para a vossa casa” e dirigiu à ofendida as expressões “Vaca! Filha da puta! Chula! Vigarista!”
10. Através da abertura da janela, o arguido brandiu uma esfregona e uma vassoura, que se encontravam no exterior.
11. No dia 21 de Fevereiro de 2022, pelas 15.45 h., o arguido encontrava-se no logradouro da residência sita na Rua ..., ..., ..., ....
12. O arguido conduzia um tractor agrícola, matrícula ..-AI-.., com uma alfaia agrícola (rodo) no reboque e embateu na lateral traseira do lado direito, junto à roda, do veículo automóvel da ofendida, de matrícula ..-HA-...
13. De modo a evitar a fuga do arguido enquanto chamava as autoridades, a ofendida estacionou o seu automóvel na saída do armazém.
14. Nesse instante, o arguido dirigiu-se à viatura da ofendida, abriu a porta e agarrou-a pelos braços, puxando-a para fora.
15. Em seguida, o arguido empurrou a ofendida, projectando a parte de trás da cabeça/nuca da mesma contra a lateral esquerda da carrinha.
16. Ao mesmo tempo, o arguido dirigiu à ofendida, repetidamente, as expressões: “Filha da puta! Ladra! Eu dou cabo de ti!”.
17. Mercê da agressão infligida pelo arguido, BB sofreu dores no hemicrânio esquerdo e no membro superior esquerdo; na face: tumefacção compatível com hematoma na região frontal, junto ao couro cabeludo, sem alteração da cor da pele, medindo 1,5 cm de diâmetro; no membro superior esquerdo: equimose arroxeada com halo amarelado na face lateral do 1/3 distal do braço; lesões estas que lhe determinaram, como consequência directa e necessária, 9 (nove) dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral ou profissional.
18. O arguido sabia que ao comportar-se da forma descrita relativamente à ofendida, seu ex-cônjuge e mãe dos seus filhos, a submetia a sofrimento físico, a dores e a lesões corporais, bem como a humilhação e a tratamento degradante e atentatório da sua dignidade e auto-estima, e que afectava a sua liberdade, criando nela sentimentos de insegurança, medo e inquietação, fazendo-a recear pela sua vida e integridade física, afectando o seu equilíbrio psicológico e emocional, não se coibindo de assim agir no interior da residência da vítima, afectando o seu sentimento de bem-estar e segurança no lar, o que quis.
19. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
20. A Requerente, como consequência directa das condutas do arguido, vive desde então, num permanente e constante sobressalto, temendo continuamente pela sua integridade física, psíquica e até mesmo pela sua vida,
21. Vivendo numa ansiedade e stress extremo, sempre assustada,
22. A Requerente sentiu-se ainda vexada, constrangida, desgostosa e ofendida na sua honra e consideração, bem como temeu pela sua segurança, integridade física e pela própria vida.
23. O arguido compõe agregado familiar com a actual companheira, há aproximadamente cinco anos.
24. O arguido tem desenvolvido actividade laboral na exploração de terrenos agrícolas arrendados, designadamente através de horticultura e pecuária, na qual é apoiado pela companheira, e na gestão das empresas da área de saneamento que tem constituídas, uma em nome individual e outra, “A..., Lda”, da qual é associado em igual cota com a ex-mulher.
25. O trajecto escolar foi pautado pela desvalorização da importância dos ensinamentos escolares, pela precoce responsabilidade laboral atribuída pelo progenitor e consequente abandono escolar no 4º ano do ensino básico.
26. Do registo criminal do arguido constam as seguintes condenações:
i.) Na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de violência doméstica, em 26/06/2017, por decisão transitada em 23/07/2018;
ii.) Na pena de 120 dias de multa, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, em 05/04/2018, por decisão transitada em 08/07/2019;
iii.) Na pena de 90 dias de multa, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, em 24/04/2018, por decisão transitada em 08/07/2019;
iv.) Na pena única de 280 dias de multa, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, de um crime de detenção de arma proibida e de um crime de ameaça, em 17/02/2018, por decisão transitada em 24/09/2019;
v.) Na pena única de 180 dias de multa, pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples, em 20/08/2019, por decisão transitada em 12/02/2021;
vi.) Na pena de 200 dias de multa, pela prática de um crime de furto simples, em 13/09/2020, por decisão transitada em 11/01/2023;
vii.) Na pena de 5 meses de prisão, suspensa na execução, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, em 30/07/2021, por decisão transitada em 24/10/2022;
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Factos não provados
a) A Requerente é pessoa sensível, de esmerada educação moral, social e familiar.
b) A Requerente é uma pessoa querida pelos seus amigos e familiares e muito respeitada no meio social onde está inserida.
c) O mencionado em 17 motivou transtorno na Requerente perante as perguntas às lesões visíveis e por vários dias por parte das pessoas com quem a Requerente se relaciona no dia a dia.
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Consigno que, relativamente ao pedido de indemnização civil, o tribunal expurgou dos factos provados e não provados aqueles já constantes do despacho de pronuncia, bem como os que constituem matéria conclusiva, de direito, ou irrelevantes para a decisão da causa.
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Indicação, valoração e análise crítica da prova
A convicção do Tribunal relativamente aos factos considerados provados fundou-se na apreciação crítica da prova produzida de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, o qual impõe uma valoração de acordo com critérios lógicos e objectivos que determinem uma convicção racional, objectivável e motivável e com recurso às regras de experiência de vida e da normalidade.
Toda a prova verbalmente produzida foi objecto de gravação, o que melhor permite aquilatar da mesma em conjugação com a demais prova. Infra se exporá detalhadamente a valoração do Tribunal na sua análise crítica sobre tais depoimentos, nomeadamente sobre a respectiva credibilidade, na certeza de que só a valoração da globalidade da prova produzida permitiu ao Tribunal ajuizar de facto nos termos em que o fez.
Assim, o arguido, prestou declarações, infirmando a prática dos factos.
A Assistente, de forma circunstanciada e objectiva, relatou a factualidade enunciada em 1 a 16 e 20 a 22. Fê-lo com notória angustia, e de forma que denotou ao Tribunal ser o seu relato verdadeiro, em conjugação com os demais, como infra se concretizará.
EE, mãe da assistente, confirmou os factos constantes em 3 a 10 e ainda o estado de espirito da assistente motivado por tais acontecimentos, como o medo e angustia que sentiu.
De igual forma, FF, irmã da assistente, e GG, companheiro de FF, também confirmaram os factos descritos em 3 a 10.
Estas testemunhas estavam presentes no local dos factos mencionados em 3 a 10.
Por sua vez, CC, filha do arguido e da assistente, confirmou os factos enunciados em 11 a 16, o que fez de forma circunstanciada, visto que se encontrava no local e a tudo assistiu.
De notar que estes depoimentos, em conjugação com as declarações da assistente, por terem sido prestados de forma logica e objectiva, lograram convencer o Tribunal da ocorrência dos factos considerados provados em 3 a 10 e 11 a 16.
Relevaram ainda o relatório pericial de avaliação do dano corporal de fls. 47 a 48-v.º do apenso B, que fundou a convicção do tribunal quanto ao vertido em 17; bem como o Auto de notícia de fls. 4 a 6; as Certidões de fls. 19 a 24 e que serviram de arrimo quanto aos factos 1 e 2, o Auto de notícia de fls. 72 a 78; a Denúncia de fls. 3 a 7 do apenso A e o Auto de notícia de fls. 3 a 5 do apenso B.
No plano subjectivo dos ilícitos apurados, na falta de qualquer confissão e/ou assunção dos factos, ter-se-á de ponderar o iter criminis apurado, quanto ao dolo imputado.
E assim, no que respeita à factualidade vertida no ponto 18 e 19, para além do que já supra se foi referindo, que o arguido quis actuar do modo em que o fez, de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção de humilhar, intimidar e importunar a sua ex mulher, a quem sabia dever uma especial obrigação de respeito, bem como com o intuito de a atingir na sua integridade física e psíquica, o que logrou concretizar, criando-lhe um estado de medo, inquietação e insegurança, é o que deflui, com clareza, da conjugação com as características de personalidade do mesmo com a experiência comum projectada na sua actuação objectiva. Tais regras de experiência comum, e tendo em conta os padrões de entendimento e comportamento do homem médio, projectadas no contexto fático provado e as presunções naturais que delas emergem, não deixam margem para dúvidas de que a intenção real daquele arguido foi a exacta intenção apurada.
Os elementos subjectivos das incriminações, resultam igualmente inferidos da materialidade dos factos dados como provados e da ressonância ético-jurídica que torna ao alcance de qualquer cidadão o conhecimento da proibição jurídico-penal daqueles actos e, ainda, dos factos concretamente imputados ao arguido, julgados provados nesta instância, o qual, com a sua conduta, não poderia deixar de estar consciente, agindo intencionalmente com vista a alcançar esse desiderato, sabendo o arguido que a sua conduta era, como é, proibida e punida por lei como crime.
Os antecedentes criminais do arguido emerge do certificado do registo criminal junto aos autos.
O relatório social elaborado pela DGRSP fundou a convicção do Tribunal sobre os factos apurados em relação às condições de vida do arguido (cf. pontos 23 a 25.), não tendo o teor de tal relatório sido infirmado por qualquer outro elemento de prova.
Vertendo agora a objectiva para os factos não provados, estes resultaram assim julgados em consequência da completa ausência de produção de prova idónea sobre a veracidade dos mesmos.
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2.3- APRECIAÇÃO DO RECURSO.
2.3.1- Impugnação da matéria de facto por erro de julgamento.
Discorda o recorrente da decisão sobre a matéria de facto, entendendo que foram incorretamente julgados os pontos 6, 9 e 16 da matéria de facto provada os quais deveriam ter sido dados como não provados.
Argumenta, em resumo, que no que concerne à factualidade indicada a prova produzida relativa aos pontos 6 e 9, os depoimentos (parcialmente transcritos e com indicação dos minutos das passagens transcritas) da assistente BB e das testemunhas EE mãe da assistente, FF, irmã da assistente e GG cunhado da assistente foram considerados como prestados de forma logica e objetiva, o que na sua visão não corresponde a realidade, pois o discurso destas é incoerente quanto aos factos e acontecimentos. Só a assistente menciona a cadeira do ponto 6 e relativamente ao ponto 9 nenhum deles consegue concretizar com clareza as expressões, nem mesmo concretizar para quem se dirigiam as mesmas. Quanto ao facto provado 16, invoca que tal só foi presenciado pelo arguido, assistente e filha de ambos, sendo que os depoimentos destas não serão imparciais nem isentos.
Nos termos do artigo 428.º, n.º 1 do Código Processo Penal, as Relações conhecem de facto e de direito e de acordo com o artigo 431.º “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Por outro lado, dispõe o artigo 412.º, n.º 3 que “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”.
E, no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
Posto isto, cabe referir que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efetuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso.
Assim, deve concluir-se que o recurso sobre a matéria de facto não pressupõe a reapreciação pelo tribunal de recurso de todos os elementos de prova que foram produzidos e que serviram de fundamento à sentença recorrida, mas apenas e tão-só a reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente.
O nosso Código de Processo Penal consagra no artigo 127.º o princípio da livre apreciação da prova. De acordo com este princípio, o tribunal é livre na formação da sua convicção, mas encontra-se vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que estão subtraídas a essa livre convicção, sendo esta motivada, e estando ainda o tribunal sujeito aos princípios do processo penal, como o da legalidade das provas e in dubio pro reo.
O princípio in dubio pro reo, emanação da injunção constitucional da presunção da inocência do arguido, na vertente de prova (artigo 32.º, n.º 2 Constituição), constitui um limite do princípio da livre apreciação da prova na medida em que impõe nos casos de dúvida fundada sobre os factos que o Tribunal decida a favor do arguido.
Postas estas considerações, cabe concluir que assim e para além da violação das provas subtraídas à livre apreciação do julgador, ou da violação dos referidos princípios, o juízo decisório da matéria de facto só é suscetível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objetivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida.
Apreciemos.
Cumpre desde já sublinhar que o facto de o recorrente ter opinião diversa do Tribunal sobre a credibilidade das testemunhas/declarantes não é decisivo, pois é ao julgador que compete tal tarefa de avaliação, a não ser que haja elementos objetivos que imponham um juízo diferente sobre a credibilidade dos depoimentos, e o que verdadeiramente interessa é saber se dos segmentos apontados no recurso e da sua audição, eventualmente completada pelas demais audições que se entenderam efetuar nesta sede, se impunha que o resultado probatório fosse outro.
O tribunal explicou de modo suficiente porque conferiu credibilidade às declarações/depoimentos das testemunhas e da assistente.
Nesta sede, ouviram-se os depoimentos/declarações indicados pelo recorrente.
Posto isto, avancemos para os factos impugnados pelo recorrente, considerando as concretas provas que em relação aos mesmos foram indicadas pelo recorrente e em que foi cumprido o disposto no artigo 412º, n.ºs 3 e 4 do CPP.
Comecemos pelos pontos 6 e 9 da matéria de facto, referentes ao dia 25.07.2021:
«6. De imediato, a ofendida e os seus familiares deslocaram-se para a cozinha, de modo a evitar que o arguido se introduzisse na habitação, colocando uma cadeira a travar o puxador interior, e accionaram a persiana eléctrica, no sentido descendente.
9. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido gritava, entre outras expressões “Ide para a vossa casa” e dirigiu à ofendida as expressões “Vaca! Filha da puta! Chula! Vigarista!”.»

Quanto ao ponto 6 da matéria de facto, o facto de apenas a assistente dizer que foi colocada uma cadeira na porta, não impede que tal facto seja dado como provado, pois que na análise da prova o tribunal recorrido, conforme se retira da matéria de facto, conferiu credibilidade à assistente, explicando porquê e tendo a imediação da prova, sendo que não se vê razão para se afirmar que o tribunal apurou mal e que a prova impunha decisão diversa. Aliás, tal facto de colocação da cadeira é muito natural que tenha acontecido, dada a situação que se estava a desenvolver, já com vidros partidos e tudo o mais relatado, inclusive do arguido a pôr a mão pelo sítio onde anteriormente estava o vidro.
Quanto às concretas expressões descritas no ponto 9 que o recorrente entende que as testemunhas e a assistente não conseguem concretizar o que foi dito. Mas sem razão, com efeito desde logo nas declarações da assistente BB se pode ouvir (6m50 a 7m40) a afirmação clara de que o arguido lhe chamou, entre o mais “puta, vaca”, “chula”, “vigarista” e para sair dali para fora que a casa não era dela. Acresce que ouvido o depoimento de EE esta refere que insultava no plural de ‘filhas da puta’, ‘bruxas’ e outros nomes. Soma-se ainda o facto de a testemunha FF ter referido explicitamente no seu depoimento a partir do minuto 6.00 (que o recorrente parece não ter ouvido) que o arguido dirigiu à irmã os epítetos de ‘sua puta’, ‘sua vaca’, ‘filha da puta’, ‘vai chular outro e outros nomes assim’. E a testemunha GG disse que terá chamado muitos nomes à assistente. Ora, conjugando todos estes depoimentos, não conseguimos ver como a prova apresentada pelo recorrente impusesse resultado diferente da matéria de facto quanto ao ponto 9.
Quanto ao ponto 16 da matéria de facto, expressões proferidas pelo arguido no dia 21.02.2022, o recorrente limita-se a discordar da avaliação que o tribunal fez do depoimento da assistente e da testemunha CC, entendendo que tais depoimentos não são imparciais. Ora, como atrás referimos o facto de o recorrente ter opinião diversa do Tribunal sobre a credibilidade das testemunhas/declarantes não é decisivo, pois é ao julgador que compete tal tarefa de avaliação, sendo que, como também já dissemos, o tribunal recorrido explicou na motivação por que razão deu credibilidade aos depoimentos.
Concluindo, percorrida a matéria de facto impugnada, o Tribunal, na fundamentação da matéria de facto explicou, com clareza, o caminho lógico que percorreu para dar como provada aquela matéria, a qual corresponde a uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, pelo que não se violou o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do Código Penal, sendo a decisão sobre a matéria de facto, por isso, inatacável.
Também em relação aos princípios da presunção da inocência e in dubio pro reo cabe dizer que não se verificou violação destas regras, uma vez que o Tribunal, tal como resulta da decisão recorrida, não ficou na dúvida, nem se vislumbra que devesse ter ficado quanto à ocorrência dos factos que resultaram provados ou que tivesse de decidir de outro modo quanto aos factos não provados.
Assim, improcede o recurso nesta parte.

2.3.2- Preenchimento do tipo de ilícito e pretensão de absolvição.
Considerando a matéria de facto assente na primeira instância, desde já se dirá que não a pretensão de absolvição do arguido é improcedente.
Senão vejamos.
Sob a epígrafe ‘Violência doméstica’, dispõe o artigo 152º, n.º 1 do Código Penal o seguinte:
«1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
e) A menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.»

É este o tipo incriminador da violência doméstica e dele, como de todos os tipos incriminadores, deve ser possível extrair «quem pode ser autor do respetivo tipo de crime; qual a conduta em que este se consubstancia; e, na medida do possível, dar indicação, explícita ou implícita, mas sempre clara, do(s) bem(ns) jurídico(s) tutelado(s)[1]»
O bem jurídico no seu núcleo essencial constitui a expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção de um certo estado, objeto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso[2].
Lendo o artigo 152º, n.º 1 do Código Penal, com a sua referência a maus tratos físicos ou psíquicos, temos um conceito indeterminado que pode incluir uma multiplicidade de comportamentos agressivos, pois que, para além das óbvias ofensas à integridade física, à honra ou as ameaças, há uma quase infinidade de formas de tratar mal o outro física ou psicologicamente. Por isso, o legislador, depois daquela primeira referência a maus tratos físicos ou psíquicos, vai precisando e estendendo o conceito, indicando de modo exemplificativo com «incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns».
O bem jurídico protegido no crime de violência doméstica é plural e complexo, abrangendo a saúde, a integridade física e psíquica, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual, a honra, a privacidade, a paz e o sossego, o direito à palavra e à imagem, o acesso ou fruição do património próprio ou comum, em contexto de relação de proximidade existencial presente ou pretérita, ou seja, em contexto de coabitação conjugal ou análoga ou de namoro e mesmo após cessar aquela coabitação, ou então no caso de pessoa particularmente indefesa que coabite com o agente.
O que dá cor ao bem jurídico plural e complexo protegido pela incriminação do artigo 152º, n.º 1 do Código Penal é a relação de proximidade existencial entre o agressor e a vítima.
É que constituindo a relação de proximidade existencial sadia o meio ideal para o livre desenvolvimento, proteção e realização digna da pessoa, existe um interesse individual e da comunidade na sua manutenção, sendo juridicamente reconhecida como valiosa e protegida[3].
Em resumo, com a incriminação da violência doméstica protege-se um bem jurídico plural e complexo - saúde e integridade pessoal em relação de proximidade existencial.
Assim, as condutas previstas e punidas pelo artigo 152º do Código Penal podem ser de várias espécies: maus tratos físicos, ou seja, ofensas corporais simples, maus tratos psicológicos, isto é, humilhações, privações da liberdade, ameaças, insultos, microviolência[4] física ou psíquica como empurrões, arrastões, puxões e apertões de braços, insultos, críticas e comentários destrutivos ou vexatórios, sujeição a situações de humilhação, ameaças, privações injustificadas de comida, de medicamentos ou de bens e serviços de primeira necessidade, restrições arbitrárias à entrada e saída da habitação ou de partes da habitação comum, privações da liberdade, perseguições, esperas inopinadas e não consentidas, telefonemas a desoras, etc.
Certo é que sempre que nessas condições de proximidade existencial se mostre preenchido um tipo incriminador do Código Penal relacionado com a saúde e integridade pessoal, nomeadamente as ofensas à integridade física, injúrias, sequestro ou ameaças, forçosamente preenchido estará também o tipo de ilícito da violência doméstica.
Como elemento subjetivo exige-se o dolo genérico, sob qualquer das formas previstas no artigo 14º do Código Penal.
Não são exigíveis quaisquer elementos adicionais[5], nomeadamente o objetivo ou intenção de exercer domínio sobre a vítima, ou de achincalhar, ou de degradar a pessoa ou a sua dignidade, esses sucedâneos disfarçados da antiga malvadez ou egoísmo consagrados no tipo incriminador do artigo 153º do Código Penal de 1982[6], abandonados pelo legislador em 1995 por força de uma nova tomada de consciência da gravidade e extensão do fenómeno da violência doméstica e da necessidade de reforço efetivo da sua prevenção.
Assim preenche os elementos objetivo e subjetivo do tipo de ilícito de violência doméstica quem, como o arguido, tendo sido casado com a ofendida, depois de divorciado, estando a ofendida no interior da habitação desta, bate com violência no vidro da janela da sala, arremessa um cesto contra o vidro, partindo-o, projetando os vidros para o interior da sala, parte o vidro da janela da cozinha, arremessa água para o interior da cozinha, usando baldes e garrafões, através da abertura da janela brande uma esfregona e uma vassoura, que se encontravam no exterior, enquanto grita entre outras expressões “Ide para a vossa casa” e dirigiu à ofendida as expressões “Vaca! Filha da puta! Chula! Vigarista!” e que noutra ocasião se dirigiu à viatura da ofendida, abriu a porta e agarrou-a pelos braços, puxando-a para fora, em seguida empurra a ofendida, projetando a parte de trás da cabeça/nuca da mesma contra a lateral esquerda da carrinha, ao mesmo tempo, que dirige à ofendida, repetidamente, as expressões: “Filha da puta! Ladra! Eu dou cabo de ti!”, tendo a ofendida sofrido dores e lesões; mais tendo agido livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Mostra-se também preenchida a qualificativa do n.º 2 do artigo 152º do CP, pois que parte dos factos foram praticados no domicílio da vítima.

2.3.3- Determinação da pena: atenuação especial da pena e redução da pena.
Discorda o recorrente da pena aplicada, entendendo que é manifestamente elevada, sendo a mesma claramente excessiva e excecionalmente penalizadora, não se cumprindo, de modo correto, as finalidades de prevenção geral e especial que devem estar na sua génese, nem estando proporcional à medida da culpa do agente em concreto. Conclui que o Tribunal violou os artigos, 40.º, 71.º e 72.º C.P., pelo que deve ser especialmente atenuada a pena em que o arguido foi condenado, nada justificando a aplicação de uma pena que, ainda que não privativa da liberdade, exceda o seu mínimo legal.
A moldura penal aplicável ao crime de violência doméstica cometido pelo recorrente é, nos termos do artigo 152.º, n.º 2, do Código Penal, de pena de prisão de 2 a 5 anos.
Comecemos pela questão da atenuação especial da pena.

2.3.3.1- Da atenuação especial da pena
Vejamos o instituto da atenuação especial.
Nos termos do artigo 72º, n.º 1 do Código Penal, «O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena
E dispõe tal artigo no seu n.º 2 que:
«Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.»
O princípio que regula a aplicação deste instituto, como ensina Figueiredo Dias[7], é a diminuição acentuada não só da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena, e consequentemente das exigências de prevenção.
As circunstâncias previstas no n.º 2 não têm o efeito automático de desencadear o efeito atenuativo especial, mas apenas quando da sua presença se poder concluir que a «imagem global do facto», resultante da atuação da ou das circunstâncias, se apresente tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo.
A atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos «normais», lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios[8].
Ora, vistos os factos provados e a fundamentação de facto da sentença, não vemos como concluir que estejamos perante um caso extraordinário.
Com efeito, a ilicitude do facto, é tudo menos diminuta, quer em si mesma quer em face da sua reiteração, tendo em conta as concretas condutas assumidas pelo arguido, com agressões, insultos e danos e ainda os efeitos causados na ofendida.
Por outro lado, a culpa do arguido é elevada, revelando, a sua indiferença perante a vítima e a integridade pessoal desta.
Acresce que o arguido tem antecedentes criminais quer por violência doméstica quer por ofensas à integridade física.
Concluindo, não há o mínimo fundamento para fazer funcionar o instituto da atenuação especial da pena, como pretende o recorrente.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso.

2.3.3.2- Redução da medida da pena principal aplicada.
A moldura penal aplicável ao crime cometido pelo recorrente é, assim, a acima referida de 2 a 5 anos de prisão.
Entende o recorrente como acima já referimos que, embora não questionando a suspensão, a pena principal aplicada (três anos e três meses de prisão) é severa demais e que deveria ser reduzida ao mínimo legal.
Nos termos do art.º 40º, nº 1, do Código Penal as finalidades das sanções penais são a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo nunca a pena ultrapassar a medida da culpa (art.º 40º, nº 2).
Dito de outro modo, a pena visa finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, sendo que, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva (necessidade de manutenção da confiança da comunidade na validade da norma posta em crise pelo cometimento do crime) devem atuar as exigências de prevenção especial (necessidade de preparação do agente para, no futuro, não cometer crimes).
Escolhida a pena a aplicar é altura de fixar, dentro dos limites das molduras aplicáveis a medida concreta da pena de prisão que se apura de acordo com o preceituado no artigo 71º, ou seja:
“... em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele”.
Resulta deste preceito que são as exigências de prevenção geral que hão de definir a chamada moldura da prevenção, em que o limite máximo da pena corresponderá à medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar, mas sem nunca ultrapassar a medida da culpa, e o limite inferior será aquele que define o limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa aquela sua função tutelar. Dentro dessa moldura da prevenção geral, cabe à prevenção especial determinar a medida concreta.
Essa determinação em função da satisfação das exigências de prevenção obriga à valoração de circunstâncias atinentes ao facto (modo de execução, grau de ilicitude, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, conduta do agente anterior e posterior ao facto, etc.) e alheias ao facto, mas relativas à personalidade do agente (manifestada no facto), nomeadamente as suas condições económicas e sociais, a sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado, etc.
Vejamos então, face aos factos que resultam da sentença recorrida, pois só estes, além dos factos do conhecimento geral, podem ser considerados.
Na decisão recorrida considerou-se o seguinte:
«Descendo ao caso concreto, para a determinação das penas concretas a aplicar ao arguido por reporte aos crimes que praticou, desfavoravelmente ao mesmo, na globalidade das suas apuradas condutas, importa realçar que:
- Agiu com dolo directo em cada uma das apuradas situações, que é o grau mais grave de censura jurídico-penal, e com culpa muito elevada.
- A intensidade criminal é ainda revelada pelo modo reiterado como persistiu na sua conduta, praticando os factos em causa em diferentes datas, o que demanda uma já relevante e intensa vontade de cometer o crime.
- As exigências de prevenção geral que são elevadíssimas relativamente ao crime de violência doméstica (artigo 71.º, n.º2, do Código Penal), não podendo o tribunal ser alheio ao facto de, não obstante a criminalidade em geral estar a diminuir no nosso país, tal não suceder com o crime em causa, o qual tem vindo a aumentar de acordo com os dados estatísticos recentes, o que é revelador da necessidade de reafirmação das normas jurídicas violadas junto da comunidade, de modo a corresponder às expectativas desta.
- O reduzido sentido crítico do arguido.
- - Os seus antecedentes criminais, por crime idêntico ao dos autos e pela prática de outros ilícitos, que contendem com a integridade fsica
Cumpre, por fim, salientar que a pena a aplicar por reporte ao crime praticado pelo arguido deve defender o ordenamento jurídico, nomeadamente porque os comportamentos desviantes daquele são reveladores de uma atitude especialmente censurável, não considerando o desvalor de condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais relevantes de um Estado de Direito Democrático.
Como tal, tem de ser convenientemente sublinhada, perante a sociedade, a validade das normas que punem tais condutas e protegem os respectivos bens jurídicos fundamentais.
E assim, sopesados os circunstancialismos acima enunciados e salvaguardadas as finalidades da pena e as exigências de prevenção que se fazem sentir no caso concreto, e considerando a moldura penal aplicável ao ilícito criminal em causa, julga-se adequada e proporcional a aplicação ao arguido da pena de três anos e três meses de prisão.»

Em primeiro lugar, haverá de se considerar que quanto à conduta posterior ao facto, teve a sentença recorrida em consideração «- O reduzido sentido crítico do arguido.».
Nos factos provados não consta qualquer referência a esse «reduzido sentido crítico do arguido.»
Ora, a consideração desta circunstância do «- reduzido sentido crítico do arguido.» mais não é do que ter em conta em seu desfavor o comportamento processual do arguido negar a prática dos factos, conforme consta da motivação de facto, ou seja ao apresentar uma versão que o tribunal teve por não verdadeira, pois em princípio só pode demonstrar sentido crítico (uma outra forma de se dizer arrependimento) quem confessa os factos (provados).
Se é certo que um dos fatores de medida de pena que podem depor contra o arguido é a sua conduta posterior ao facto criminoso (artigo 72º, n.º 1 e 2 al. e) do CP) e se também não se duvida que o comportamento processual do arguido é uma conduta posterior a tal facto, a verdade é que não se pode nunca esquecer que o processo criminal, nos termos do artigo 32º, n.º 1 da Constituição, assegura todas as garantias de defesa.
Considerar como circunstância agravante da pena o «reduzido sentido crítico», ou dito de outro modo a ausência de arrependimento, arrependimento esse que por via de regra só ocorrerá através da confissão dos factos, é impor ao arguido um peso que ele não deve suportar.
A regra do «ou confessas ou agravamos a pena» em que acaba por descambar tal consideração da ausência de arrependimento como circunstância agravante da pena é insuportável num Estado de Direito Democrático e Social fundado na dignidade da pessoa humana como o nosso.
É e tem de ser inexigível dos arguidos o cumprimento dum qualquer dever de verdade, de confissão dos factos e/ou de arrependimento, dada a pressão a que estão sujeitos e a ameaça da pena e de estigma que sobre eles recai.
E, no entanto, esta ideia do ‘dever de arrependimento’ continua amarrada, enraizada e entrelaçada de forma resistente nalguma jurisprudência, não obstante o Supremo Tribunal de Justiça dar mostras de caminhar no sentido contrário, como se pode ver no Acórdão de 03.11.2022[9], onde se afirma que:
«O direito ao silêncio não tem só consagração legislativa ordinária sendo uma emanação do princípio do Estado de Direito. A confissão e o arrependimento são circunstâncias, quando se verificam, favoráveis ao arguido; não confessando o arguido, nem demostrando arrependimento, deixa de poder contar com essas circunstâncias favoráveis, mas isso não equivale a que se contabilize como agravantes a não confissão e não ter demonstrado arrependimento pela prática dos factos.
Constitui erro na determinação da medida da pena considerar contra o arguido circunstâncias derivadas do exercício de um direito.»
Na verdade, essa ideia do ‘dever de arrependimento’, cujo cumprimento só seria razoavelmente de esperar de um herói moral[10], de um santo ou do mártir, mais parece tratar-se de uma crença de natureza mística ou religiosa na necessidade de um ato de arrependimento, contrição ou confissão para se concretizar o ‘salvamento social’ da pessoa agente de um crime[11].
Ora, o direito penal é feito para as pessoas comuns, com as suas forças e fraquezas de todos os dias, não para heróis, santos ou mártires.
Vejamos então que nos diz o direito escrito, o que nos dizem as regras escritas feitas para todos os cidadãos.
Se é certo que um dos fatores de medida de pena que podem depor contra o arguido é a sua conduta posterior ao facto criminoso (artigo 72º, n.º 1 e 2 al. e) do CP) e se também não se duvida que o comportamento processual do arguido é uma conduta posterior a tal facto, a verdade é que não se pode nunca esquecer que o processo criminal, nos termos do artigo 32º, n.º 1 da Constituição, assegura todas as garantias de defesa.
Entre as garantias de defesa encontra-se em posição de destaque a liberdade que o arguido tem de escolher o modo como pretende exercer a sua defesa, desde logo através opção de se remeter ao silêncio, sem que por isso possa ser desfavorecido, ou de prestar declarações, confessando ou negando os factos, ou de apresentar versão diversa dos factos imputados, sem que esse modo de defesa que livremente assumiu possa ser censurado.
Não é o modo de defesa escolhido pelo arguido que está a ser julgado, sob pena de se pôr em causa tal liberdade de escolha e ficarem minadas as garantias de defesa do processo penal.
A prestação de declarações, embora não deixe de constituir um meio de prova, constitui na essência um meio de defesa do arguido, pelo que deve ser garantida a liberdade do seu exercício.
Assim, seguindo na esteira do ensinamento de Eduardo Correia, Figueiredo Dias e Maria João Antunes[12], entendemos que o comportamento processual do arguido (o silêncio, a não confissão, a negação dos factos, a apresentação de versão diversa da que resultou provada, etc…) não deve, por princípio, ser valorado contra si, atenta a posição em que se encontra e a necessidade de acautelar o seu direito de defesa, a não ser que seja de imputar à intenção de prejudicar o decurso normal do processo [13] [14], a qual desde já adiantamos não se vislumbra no caso dos autos.
Nas palavras de Eduardo Correia[15]: “A negação do crime corresponde, por seu lado, a um direito do arguido e portanto não pode, necessariamente, considerar-se elemento da agravação da pena. Em processo penal não há, por parte do arguido, um «dever de colaboração com a justiça», nem tão-pouco se poderá falar aqui de dolo ou má fé processual.
E até há quem, como Hans-Heinrich Jescheck, vá mais longe e recuse qualquer tomada de consideração do comportamento processual na individualização da pena porque colide com a máxima processual de que o acusado possui liberdade para articular a sua defesa do modo que deseje[16].
Considerar-se como fator de medida de pena que depõe contra o arguido, nos termos do artigo 71º, n.º 1 e 2, e) do Código Penal, o facto de este se ter remetido ao silêncio, não ter confessado, ter negado os factos ou apresentado versão diversa da que veio a resultar provada, mesmo convencendo-se o tribunal de que mentiu, constitui uma compressão injustificada da liberdade de escolha do modo de defesa e, por aí, uma clara violação do direito de defesa do arguido e do processo justo e equitativo, consagrados nos artigos 61º do Código de Processo Penal e 32º, n.º 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, se qualquer uma destas circunstâncias de facto fosse suscetível de como fator de medida de pena, enquanto conduta posterior ao facto, ser valorada contra o arguido, este poderia ficar não só compelido a falar, como a confessar os factos imputados ou, então, se apresentasse uma versão diferente dos factos imputados, a tentar acertar na versão dos factos que o Tribunal viesse a dar como provada, sempre sob pena de o seu constitucionalmente garantido comportamento processual poder vir a ser valorado contra si em sede de determinação da pena.
Ainda que se considerasse, absurdamente, que recairia sobre o arguido um dever de verdade, como mero dever moral ou até como verdadeiro dever jurídico, dele não resultariam quaisquer consequências práticas, pois que a lei entende ser inexigível dos arguidos o cumprimento do dever de verdade, razão por que renunciou a impô-lo e a mentira do arguido não pode ser valorada contra ele[17]. E a inexigibilidade é um princípio geral de direito[18].
Ora, como refere Germano Marques da Silva, a propósito do direito ao silêncio do arguido e à não punição da mentira, há que ter a humildade de reconhecer que a verdade judiciária não é necessariamente a verdade histórica[19].
Assim, não existindo para o arguido dos presentes autos um qualquer ‘dever de arrependimento’, o facto de não ter demonstrado arrependimento, ou ter reduzido sentido crítico, como se refere na decisão recorrida, constitui circunstância inócua para a medida da pena[20].
Desconsiderando então essa circunstância, vejamos da fixação da medida concreta da pena.
A ilicitude do facto, dentro do tipo de ilícito cometido, afigura-se de importância elevada, atenta a reiteração da conduta e as lesões causadas, pelo que, acrescendo a frequência do cometimento do tipo de ilícito em causa no nosso país, as exigências de prevenção geral fazem-se sentir com intensidade relevante.
A culpa do arguido é, também, elevada, revelando indiferença perante a vítima e insistindo nos maus tratos.
Em termos de prevenção especial pesam contra o arguido os antecedentes criminais, incluindo uma condenação por violência doméstica e outras por crimes de ofensa à integridade física.
A favor do arguido temos o facto de desenvolver atividade laboral e ter composto agregado familiar com a atual companheira há cinco anos.
Tudo visto, a pena fixada na primeira instância e não obstante a desconsideração do referido fator, não se afigura de modo algum excessiva, desproporcionada, desadequada, desnecessária ou que ultrapasse a medida da culpa, pelo que terá de ser mantida.
Concluindo, não se vislumbra qualquer violação dos artigos 40º, 71º e 72° do CP, apontados pela recorrente e nesta parte da determinação da pena é de negar provimento ao recurso.

2.3.4- Pedido de indenização civil: preenchimento dos pressupostos e montante da indemnização.
Relembrando, na decisão recorrida fixou-se, a indemnização na qual o recorrente foi condenado a pagar à demandante a quantia de €5000.
O recorrente entende, em resumo, que inexiste nexo de causalidade entre o dano e a conduta do arguido, descrita na sentença, já que os danos verificados não encontram cabimento face a normalidade do acontecer, por totalmente desproporcionados. Mais entende o recorrente que o valor fixado de 5.000,00 Euros é manifestamente desajustado face aos danos decorrentes do crime, violador dos arts. 483.º 494.º, 496.º e 563.º CC, 71.º CPP e 129.º CP, pelo que sempre se imporá proceder à sua redução substancial.
O recorrente parece discordar dos factos fixados, designadamente na parte relativa aos dados resultantes dos comportamentos descritos nos autos, mas a verdade é que não impugnou tais factos, sendo que contrariamente ao que invoca, não vemos que o tribunal recorrido tenha violado alguma regra da experiência ao ter fixado a matéria de facto, designadamente quanto aos danos que deu como provados resultarem do comportamento do arguido. Aliás o tribunal não só fundamentou de forma racional e lógica a sua fundamentação quanto à matéria de facto, como também face à violência dos acontecimentos descritos, o que as regras do normal suceder das coisas da vida, em especial no campo da violência doméstica nos vão dizendo é que não raras vezes as vítimas passam a viver ansiosas, assustadas, temendo pela integridade física e até mesmo pela própria vida.
Assim, não se vislumbrando na decisão recorrida qualquer erro notório ou contradição, designadamente para os efeitos do artigo 410º, n.º 2 do CPP, arranquemos dos factos provados.
De acordo com o disposto no artigo 129º do Código Penal “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”.
Nos termos do artigo 483º, n.º 1 do Código Civil, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Do disposto no artigo 483º retira-se que o dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos depende da verificação, em concreto, das seguintes condições: - prática dum facto humano qualificado como ilícito; -imputável a conduta censurável do agente (culpa); - qual deu origem a um prejuízo ou dano; - havendo entre aquele facto e este dano o correspondente nexo de causalidade.
Face ao acima exposto a propósito da responsabilidade penal, torna-se desnecessário proceder a mais considerações quanto à ilicitude e à culpa do arguido na produção do facto danoso, pois é evidente que tais requisitos da responsabilidade civil estão preenchidos.
O facto ilícito e culposo só determina a responsabilidade civil desde que cause um dano indemnizável a terceiro.
Ora, como se pode constatar dos factos provados, a conduta ilícita do arguido causou vários danos na ofendida: sentiu-se ofendida na sua honra, temeu pela sua saúde, e até pela sua integridade física, receando o que o arguido, face a todos os comportamentos assumidos, lhe pudesse vir a fazer, sofreu lesões e sentiu dores; ficou um estado de medo, inquietação e insegurança, vivendo desde então, num permanente e constante sobressalto, temendo continuamente pela sua integridade física, psíquica e até mesmo pela sua vida.
Todos estes factos são danos de natureza moral ou não patrimonial cuja gravidade implica o merecimento da tutela do direito, devendo ser indemnizados por montante a fixar equitativamente pelo Tribunal, nos termos do artigo 496º, nº1 e 3 do Código Civil, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo diploma, ou seja, considerando o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
A culpa do demandado civil é elevada como já referimos a propósito da responsabilidade penal. A gravidade dos danos é também elevada vistos os tormentos sofridos pela ofendida e lesões sofridas.
Tudo ponderado, conclui-se que o tribunal recorrido não só fixou um montante de indemnização equilibrado, equitativo, proporcionado e justo, compensando de algum modo os danos morais sofridos pela vítima, mais tendo justificado de modo lógico como apurou o montante da indemnização.
Reduzir o montante de indemnização fixado era seguir uma via antiquada que os tribunais superiores têm vindo já há mais de duas décadas a abandonar, a chamada ‘via miserabilista’ da indemnização dos danos morais. Como tem vindo a dizer o Supremo Tribunal de Justiça: «A sua fixação (dos danos não patrimoniais) não deve ser simbólica, miserabilista, ou arbitrária, mas nortear-se por critérios de equidade, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494.º do CC.»[21]
Além de se afastar a ‘via miserabilista’ da indemnização por danos morais, também tem vindo a ser reconhecida pela jurisprudência, como por exemplo no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.05.2018[22] e no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.10.2021[23], a função punitiva da responsabilidade civil, entendendo-se que a ‘reparação’ da vítima participa na realização das finalidades das penas[24].
Assim, acompanhando este movimento jurisprudencial dir-se-á que o montante fixado é não apenas equilibrado, equitativo, proporcionado e justo, como também adequado quer à efetiva compensação da vítima quer à realização da função punitiva da responsabilidade civil.
Concluindo, é improcedente a pretensão do recorrente em reduzir o montante indemnizatório, não se verificando qualquer violação dos artigos 483.º 494.º, 496.º e 563.º CC, 71.º CPP e 129.º CP.
*

3- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente com 4 UC de taxa de justiça (art. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, art. 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).

Notifique.

*


Porto, 11 de dezembro de 2024
William Themudo Gilman
José Castro
Francisco Mota Ribeiro

___________________________
[1] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Coimbra 2007, p. 295.
[2] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Coimbra 2007, p. 114 e 308.
[3] Cfr. sobre o bem jurídico protegido e os elementos do tipo de ilícito  da violência doméstica  o Ac. TRP de 18-09-2024, proc. 819/22.1GAVCD.P1 (William Themudo Gilman), in,  https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/b2906d8c6c66ae9d80258ba8004bb333?OpenDocument ;
[4] Sobre este tipo de comportamentos cfr. Nuno Brandão, A Tutela Penal Especial Reforçada da Violência Doméstica, in Julgar, n.º 12, 2010, p. 12-13,  https://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/10/009-024-Tutela-especial-VD.pdf .
[5] Cfr. Maria Elisabete Ferreira, Crítica ao pseudo pressuposto da intensidade no
tipo legal de violência doméstica, Julgar online, maio de 2017, p. 13, in https://julgar.pt/wp-content/uploads/2017/05/20170531-ARTIGO-JULGAR-Cr%C3%ADtica-ao-pressuposto-da-intensidade-no-tipo-legal-de-viol%C3%AAncia-dom%C3%A9stica-Maria-Elisabete-Ferreira.pdf ; bem como Alexandre Oliveira, Susana Figueiredo, in AAVV,  Violência Doméstica – implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas do fenómeno, CEJ e-book p. p.128, https://www.fd.uc.pt/40anoscodigopenal/wp-content/uploads/2022/12/ebook_40anos.pdf .
[6] ARTIGO 153.º
(Maus tratos ou sobrecarga de menores e de subordinados ou entre cônjuges)
1 - O pai, mãe ou tutor de menor de 16 anos ou todo aquele que o tenha a seu cuidado ou à sua guarda ou a quem caiba a responsabilidade da sua direcção ou educação será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa até 100 dias quando, devido a malvadez ou egoísmo:
a) Lhe infligir maus tratos físicos, o tratar cruelmente ou não lhe prestar os cuidados ou assistência à saúde que os deveres decorrentes das suas funções lhe impõem; ou
b) (…)
3 - Da mesma forma será ainda punido quem infligir ao seu cônjuge o tratamento descrito na alínea a) do n.º 1 deste artigo.
[7] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do Crime, 1993, p. 305.
[8] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do Crime, 1993, p. p. 306-307.
[9] Cfr. AC STJ de 03.11.2022, proc. 19/20.5JBLSB.L1 (António Gama), in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e47f4c807213cd16802588ef003d009d?OpenDocument  
[10] A expressão «herói moral» é de Jorge de Figueiredo Dias, Liberdade, Culpa, Direito Penal, 2ª edição, Coimbra, 1983, Posfácio da segunda edição, p. 272-273; Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Coimbra 2007, p. 609.
[11] Cfr. neste sentido TRP de 29.05.2024, proc.274/15.2T9SJM.P1 (William Themudo Gilman), in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/ccbb7f1d1912633b80258b4900481a60?OpenDocument;
[12] Cfr. sobre esta matéria: Eduardo Correia, Direito Criminal II, 1968, pág. 330; Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pág. 255; Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Primeiro Volume I, 1981, págs. 448-449;  Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed. 2022, p. 57; Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 5ª ed.,2023, p. 156; e, ainda, Claus Roxin e Bernd Schunemann, Derecho Procesal Penal, Buenos Aires, 2019, pág. 312.
[13] Cfr., de novo Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pág. 255; Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed. 2022, p. 57.
[14] Cfr. neste sentido, na jurisprudência: o Ac. STJ de 03-11-2022, proc. 19/20.5JBLSB.L1.S1 (António Gama), https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e47f4c807213cd16802588ef003d009d?OpenDocument ;
e  os Ac. TRP de 17-06-2020, proc. 203/18.1GBOBR.P1 (William Themudo Gilman),
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/ac9d871c7a4cc8f0802585c2004a39dc?OpenDocument
 TRP de 13-07-2022, proc. 354/20.2PBVLG.P1 (William Themudo Gilman),
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/12643214afbe251680258886005f0417?OpenDocument ,
  TRP de 27-09-2023, proc. 688/21.9GBVFR.P1 (William Themudo Gilman),
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/4d743280a46c7f0880258a59003f8a95?OpenDocument ,
TRP de 28-02-2024, proc. 555/20.3GAVFR.P1 (William Themudo Gilman), in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/142895896b05a1be80258afb003c8ffb?OpenDocument ;
TRP de 29.05.2024, proc.274/15.2T9SJM.P1 (William Themudo Gilman), in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/ccbb7f1d1912633b80258b4900481a60?OpenDocument;
TRP de 26.06.2024, proc. 636/22.9T9PRD.P1(William Themudo Gilman), in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/cfd425252a2ceb0c80258b5f00381555?OpenDocument;
TRP de 16-10-2024, proc. 30/23.4PEAVR.P1 (William Themudo Gilman), in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/c0ab24580920459880258bc60053ac85?OpenDocument;
 e ainda os Ac TRP de 08-06-2022 (Processo n.º 307/21.3PAVNG.P1), TRP de 27-04-2022 (Proc. n.º 1176/20.6T9PNF.P1), TRP de 14-04-2021 (Proc. n.º 301/20.1GBAGD.P1), TRP de 06-05-2020 (Proc. n.º 20/19.1PASJM.P1), TRP de 06-11-2019 (Proc. 842/17.8T9AGD.P1), não publicados em dgsi.pt, mas consultáveis no registo de decisões da plataforma Citius.
[15] Cfr.: Eduardo Correia, Direito Criminal II, 1968, pág. 330.
[16] Cfr. Hans-Heinrich Jeschek e Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal, Parte General, 5ª ed., Granada, 2002, pág. 964.
[17] Cfr. sobre o direito ao silêncio e à não punição da mentira, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Primeiro Volume, 1981, págs. 449-452.
[18] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, O Problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal, 3ª edição, 1987, p. 59 e nota 19; Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Coimbra 2007, p. 606, nota 11.
[19] Cfr. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, 2ª ed. 2017, vol. I pág.317.
[20] Cfr. neste sentido, Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Direito Processual Penal, Os Sujeitos Processuais, 2022, p. 257; e o Ac. TRE de 21-03.2017, proc. 94/16.7GBRDD.E1 (João Amaro), in http://www.gde.mj.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/5cd462fd5acfbd70802581220038d9ee?OpenDocument;
[21] Cfr. o Ac. do STJ de 24.04.2013, proc. 198/06TBPMS.C1.S1 (Pereira da Silva), in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a4756777dc8ab78880257b6e00538443?OpenDocument ;
[22] Proc. 156/16.0PALSB. L1.S1 (Lopes da Mota), in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2d5e036bf715d3a6802583700041c141?OpenDocument ;
[23] Proc. 411/19.0GAVNF.P1 (João Pedro Nunes Maldonado), in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/ab0ea049e4d4f20b8025878b0050d254?OpenDocument ;