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JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
INICIATIVA DO JUIZ
Sumário
I – Mesmo quanto aos documentos que sejam apresentados nos momentos temporais previstos nos nºs 2 e 3 do art. 423º do C.P.C., o legislador não prescinde da verificação do requisito geral dos meios de prova, de que sejam necessários ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio e que tenham por objecto factos carecidos de prova. II – A iniciativa do juiz na realização de diligências probatórias (prevista no art. 411º do C.P.C.) depende do juízo que o mesmo faça da necessidade dessas diligências. III – O princípio do inquisitório não é o único que vigora em processo civil, com ele coexistindo os princípios do dispositivo, da preclusão e da auto-responsabilidade das partes, não podendo ser invocado para, de forma automática, superar eventuais falhas de instrução imputáveis a alguma das partes.
Texto Integral
Processo nº 187/17.3T8VFR-B.P1
(Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de ... – J2)
Relatora: Isabel Rebelo Ferreira
1º Adjunto: Ernesto Nascimento
2ª Adjunta: Ana Vieira
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
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I – A 1ª R. “A... – Comércio de Tintas, Lda.” interpôs recurso da decisão de 08/01/2024, que não admitiu a junção de documentos por si requerida em 17/04/2023.
A recorrente pretende que seja revogada a decisão recorrida e que seja admitida a junção dos referidos documentos, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«I. O presente recurso tem como objecto a matéria de Direito da decisão proferida, em acta de 08/01/2024, nos presentes autos que indeferiu a junção de documentos requerida pela Recorrente por requerimento apresentado em 17/04/2023. II. Os documentos cuja junção a Recorrente então requereu, obtidos na sequência do depoimento de uma das testemunhas arroladas pela Autora, evidenciam que os factos introduzidos no processo por via desse depoimento não tinham correspondência com a verdade, tendo a Recorrente, no requerimento de junção, salientado os concretos factos afirmados pela testemunha, indicado os documentos que contrariavam a versão que a Autora, por intermédio dessa testemunha, introduziu no processo e exposto as conclusões que desses documentos se extraíam. III. A Recorrente justificou a junção de tais documentos no disposto no n.º 3, in fine, do artigo 423.º do Código de Processo Civil (CPC) e na necessidade dos mesmos para a descoberta da verdade material, para a boa decisão da causa e para a justa composição do litígio. IV. Com as limitações impostas no artigo 423.º do CPC, o legislador pretendeu obstar ao protelamento da junção dos documentos para o decurso da Audiência de Julgamento com os consequentes e respectivos adiamentos e arrastamentos que resultariam do facto de as partes e o Tribunal não terem a oportunidade de apreciar devidamente os documentos oferecidos de surpresa e de sobre eles se pronunciarem atempadamente. V. Concretamente sobre o limite temporal do n.º 2 do artigo 423.º do CPC, tem sido discutido na doutrina e na jurisprudência se o termo dos 20 dias antecedentes à realização da Audiência de Julgamento deverá ter por referência a data designada, o seu efectivo início, ou, também ainda, as datas designadas para a respetiva continuação. VI. Em qualquer caso, considerando a teleologia dessa norma, concatenada, em especial, com os princípios da verdade material e da prevalência do mérito, as limitações que decorrem da mesma deverão ser interpretadas com a maior amplitude possível e em atenção às circunstâncias e particularidades dos processos em que tais preceitos sejam convocados. VII. Os documentos em causa foram justificadamente apresentados na sequência de o que determinada testemunha, com particular afinidade à posição da Autora, afirmou em Julgamento, introduzindo, no processo, factos pretensamente instrumentais e complementares ou concretizadores da versão apresentada pela Autora, e que não eram razoavelmente antecipáveis pela Recorrente na fase dos articulados. VIII. Ora, a não admissibilidade da junção de documentos, ao abrigo do entendimento de que o depoimento de uma testemunha não constitui «ocorrência posterior» para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 423.º do CPC, não abrange as situações, como a vertente, em que determinado depoimento afirma factos novos, de que o Tribunal possa conhecer, que sejam meramente instrumentais e complementares ou concretizadores, caso em que a parte adversa deverá ter a possibilidade de, sobre eles, se pronunciar (cf. artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do CPC). IX. Assim, na situação dos autos, sempre o referido depoimento deveria ser entendido como «ocorrência posterior» para o efeito da pretendida apresentação de documentos. X. Acresce que a requerida junção de documentos não se destinou, como resulta do exposto, a remediar qualquer displicência da Recorrente na alegação de factos ou na junção de documentos em fase de articulados, XI. nem implicou qualquer adiamento da Audiência de Julgamento, que, de forma natural, comportou cinco sessões subsequentes, permitindo à Autora exercer atempadamente o seu contraditório e ao Tribunal pronunciar-se sobre a referida junção através do despacho de que se recorre que só na quarta sessão de Julgamento subsequente foi proferido. XII. Em face da concreta situação dos autos e sempre considerando os aludidos princípios, afigura-se, assim, válido o entendimento de que o termo para a apresentação de documentos ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 423.º do CPC terá, também, por referência a efectiva realização da Audiência de Julgamento quando haja continuação. XIII. Tanto mais que as situações que o legislador pretendeu acautelar ao impor as limitações constantes do artigo 423.º do CPC não se mostram, em concreto, afectadas pela junção de documentos requerida nos presentes autos, nenhuma razão se vislumbrando, assim, para o seu indeferimento. XIV.Pelo exposto, ao decidir como decidiu - i.e., que a requerida junção de documentos é extemporânea, indeferindo-a o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 423.º, n.º 3, e 5.º, n.º 2, alínea b), do CPC, preceitos este que, isolada ou conjugadamente, deveriam ter sido interpretados no sentido de que, tendo presentes os princípios da verdade material e da prevalência do mérito, o depoimento de uma testemunha, que afirma factos de cariz instrumental e complementar ou concretizador, poderá constituir ocorrência posterior para o efeito da junção de documentos após o limite temporal dos 20 dias que antecedem a Audiência de Julgamento, especialmente se a junção desses documentos não implicar o adiamento ou o arrastamento da Audiência de Julgamento nem acarretar prejuízo para o contraditório da parte contra quem os documentos são produzidos. XV.Em qualquer caso, ao decidir como decidiu - i.e., que a requerida junção de documentos é extemporânea, indeferindo-a o Tribunal a quo violou, ainda, o disposto no artigo 423.º, n.º 2, do CPC, preceito este que deveria ter sido interpretado no sentido de que, em face da concreta situação dos autos e tendo presentes os princípios da verdade material e da prevalência do mérito, o termo para a apresentação de documentos terá, também, por referência a efectiva realização da Audiência de Julgamento quando haja continuação, especialmente se a junção desses documentos não implicar o adiamento ou o arrastamento da Audiência de Julgamento nem acarretar prejuízo para o contraditório da parte contra quem os documentos são produzidos. XVI. Sem prejuízo do ónus que o princípio do dispositivo, estabelecido no n.º 1 do artigo 5.º do CPC, impõe às partes no sentido de invocar os factos essenciais que integram a causa de pedir, o princípio do inquisitório, estabelecido, entre o mais, no artigo 411.º do CPC, impõe ao Juiz poder-dever de ordenar e de realizar todas as diligências que se revelem necessárias para o apuramento da verdade e para a justa composição do litígio. XVII. Assim, em face da verificação da necessidade de que determinado elemento probatório se mostra necessário ao esclarecimento dos factos e da verdade, tendo em consideração os já aludidos princípios da verdade material e da prevalência do mérito, o Juiz tem uma obrigação de diligenciar pela sua produção. XVIII. Ora, ao requerer a junção dos documentos em causa, a Recorrente evidenciou, nesse requerimento, que os mesmos eram susceptíveis de infirmar os factos que foram introduzidos no processo por via do depoimento de uma testemunha arrolada pela Autora. XIX. E, uma vez, que as afirmações dessa testemunha pretendiam, com supostos cenários concretos, ilustrar a alteração do status quo ante que a Autora visou fazer crer ter-se verificado com o intuito de obter o ressarcimento que reclama, importa, para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, que o Tribunal proceda à sua devida dilucidação, recorrendo, designadamente, aos documentos apresentados pela Recorrente. XX. Sucedeu, porém, que o despacho de que se recorre se limitou a apreciar a (in)tempestividade da junção de documentos requerida pela Recorrente, aparentemente sem cuidar de averiguar da relevância que os documentos em causa assumiam para a descoberta da verdade material. XXI.Pelo exposto, ao decidir como decidiu - i.e., que a requerida junção de documentos é extemporânea, indeferindo-a, particularmente sem cuidar de averiguar a importância de tais documentos para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 411.º e 5.º do CPC, preceitos este que, isolada ou conjugadamente, deveriam ter sido interpretados no sentido de que, em face da verificação da necessidade de que determinado elemento probatório se mostra necessário ao esclarecimento dos factos e da verdade, como sucede na situação vertente, o Juiz tem, o dever de diligenciar pela sua produção, i.e., admitindo a requerida junção. TERMOS EM QUE
e noutros que VV. Exas. suprirão, concedendo-se a apelação e revogando-se a decisão revidenda, substituindo-se por outra que admita a junção de documentos requerida em 17/04/2023, far-se-á JUSTIÇA.».
A A. apresentou contra-alegações, defendendo que o recurso é inadmissível, pois a decisão recorrida só pode ser impugnada com o recurso que venha a ser interposto da decisão que ponha termo à causa, e pugnando pelo não provimento do recurso e a manutenção da decisão recorrida.
Foi proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto no art. 656º do C.P.C., onde se considerou ser o recurso admissível e se decidiu negar provimento ao mesmo, confirmando-se a decisão recorrida.
Desta decisão vem a recorrente agora reclamar para a conferência, nos termos do disposto no art. 652º, nº 3, do C.P.C., reafirmando as razões anteriormente invocadas no requerimento de recurso.
Notificada a recorrida, a mesma pronunciou-se nos termos do requerimento de 21/11/2024.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), aplicando-se as mesmas regras à reclamação para a conferência, há que apreciar da junção de documentos requerida pela recorrente.
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Apreciemos então, sendo os seguintes os factos a considerar, resultantes da análise do processo principal:
1. A presente acção foi interposta por “B..., Lda.” contra a ora recorrente e “Tintas Robbialac, S.A.”, peticionando a condenação destas a pagarem-lhe indemnização decorrente de danos sofridos com a cessação do “contrato de sub-distribuição” que alega ter celebrado com a 1ª R. para vender produtos da 2ª R. em determinada área geográfica, nomeadamente danos decorrentes do facto de não lhe ter sido dado prazo de pré-aviso que permitisse procurar novos fornecedores (art. 83º da petição inicial), posto que estava dependente das RR. (art. 122º da petição inicial), tendo inclusivamente rejeitado a parceria comercial com outros distribuidores concorrentes, confiando na perduração daquele contrato (arts. 52º e 53º da petição inicial);
2. A A. alegou, além do mais, que a relação comercial em causa vigorou entre 16 de Julho de 2011 e 18 de Abril de 2016 (art. 8º da petição inicial);
3. Na sua contestação a 2ª R. alegou, além do mais, que a A. “vendia, e vende, várias marcas de tintas e vernizes, promovendo-os em conjunto e expondo-os nas suas lojas” (art. 66º), que, na loja de ..., vende produtos de várias marcas (art. 85º), e que pode vender toda e qualquer marca, como sempre fez, vendendo “actualmente, para além de produtos Robbialac, a marca “Titan”, conforme site de internet da Autora, relativamente ao qual se juntam, a título exemplificativo, Docs. n.º 1 a 3, de um total de 303 produtos ou referências diferentes da marca “Titan”” (arts. 119º e 120º);
4. Os documentos 1 a 3 juntos com a contestação da 2ª R. respeitam a impressões da internet da página ..., em 01/03/2017, com a apresentação de vários produtos da marca “Titan” para venda;
5. Na sua contestação a 1ª R. alegou, além do mais, que a A. disponibiliza no seu sítio da internet (“...”) os catálogos das tintas de marca “Titan”, sendo esses os únicos que disponibiliza desde ../../2014 (art. 41º), e que vende tintas de outras marcas como “Cin”, “Titan”, “TSL” e “Neuce” (arts. 86º e 238º), remetendo para os documentos 9, 10 e 13 que junta;
6. Os documentos 9 e 10 juntos com a contestação da 1ª R. respeitam a impressões da internet da página da “C...”, com a ligação para o catálogo de tintas da marca “Titan”, e o documento 13 respeita a uma impressão de parte do catálogo, com a apresentação de vários produtos para venda desta marca;
7. Também os documentos 14 a 17 juntos com a contestação da 1ª R. respeitam a impressões da internet da página da “C...”, apresentando vários produtos da marca “Titan” e da marca “Robbialac” para venda;
8. Nos arts. 115º a 117º da réplica à contestação da 1ª R. e nos arts. 91º e 92º da réplica à contestação da 2ª R., a A. pronuncia-se quanto a esta factualidade de vender produtos das outras marcas referidas pelas RR. nas contestações, não pondo em causa a sua comercialização, apenas alegando que as marcas “Cin”, “TSL” e “Neuce” “nunca tiveram o peso e a importância que as marcas Robbialac e Tintas Vip tiveram na actividade da A.” (art. 115º), e que já revendia a marca “Titan” antes de ser sub-concessionária da “Robbialac”, facto relativamente ao qual as RR. nunca levantaram quaisquer problemas, até porque “o contrato existente entre as partes não assentava na exclusividade” (arts. 116º e 117º e arts. 91º e 92º);
9. Realizada audiência prévia em 28/09/2017, foi elaborado despacho saneador, fixado o objecto do litígio e elencados os temas da prova, tendo as partes afirmado manterem os requerimentos probatórios constantes dos autos;
10. Após realização de prova pericial, iniciou-se a realização da audiência de julgamento no dia 06/12/2022, a qual continuou nos dias 08/02/2023, 22/03/2023, 29/03/2023, 02/05/2023, 08/01/2024, 09/01/2024, 06/02/2024 e 04/03/2024 e terminou no dia 19/04/2024;
11. Na sessão de 08/02/2023 foi ouvida a legal representante da A. em depoimento de parte e na sessão de 29/03/2023 foi ouvida a testemunha AA, funcionário da A. há cerca de 16 anos;
12. Em 17/04/2023, a 1ª R., invocando o disposto no art. 423º, nº 3, do C.P.C., requereu a junção de 19 documentos, alegando que a sua junção apenas se tornou necessária em virtude do que a A. e a testemunha AA vieram afirmar, apenas, em audiência de julgamento, pretendendo com aqueles demonstrar que o que estes referiram não corresponde à verdade, e que sempre esses documentos se afiguram necessários “para a descoberta da verdade material, para a boa decisão da causa e para a justa composição do litígio”;
13. Os documentos que a 1ª R. pretendeu juntar são os seguintes:
«a) uma imagem, datada de Julho de 2013, da fachada das instalações da Autora em ..., sem qualquer referência ou alusão à marca Robbialac, mas em que se encontra destacada uma montra com produtos da marca Titan – cf. documento n.º 1; b) uma imagem, datada de Julho de 2014, da fachada das instalações da Autora em ..., sem qualquer referência ou alusão à marca Robbialac, mas em que se encontra destacada uma montra com produtos da marca Titan e em que se vê, numa das entradas do parque de estacionamento, um painel publicitário a promover as tintas da marca Titan – cf. documento n.º 2; c) uma imagem panorâmica, datada de Maio de 2015, do interior das instalações da Autora em ..., em que se vê vários produtos de várias marcas sem qualquer destaque, referência ou alusão à marca Robbialac ou aos seus produtos – cf. documento n.º 3; d) uma publicação, datada de Junho de 2013, na página do Facebook da Autora em que são promovidas, através da oferta de descontos, as «Tintas Titan» (...) – cf. documento n.º 4; e) uma publicação numa revista distribuída em Agosto de 2013 com o jornal «Público» em que a Autora se apresenta sem qualquer referência à marca Robbialac e em que, inclusivamente, aproveita para colocar um anúncio a tintas da marca Titan, apresentando-se como «Distribuidor oficial» dessa marca, bem como a respectiva publicitação na página do Facebook da Autora (...) – cf. documento n.º 5; f) uma publicação, datada de Agosto de 2013, na página do Facebook da Autora em que são promovidas, através da oferta de um desconto, as «Tintas Titan» (...) – cf. documento n.º 6; g) uma publicação, datada de Junho de 2014, na página do Facebook da Autora em que são promovidas, através da oferta de descontos, tintas de marcas concorrentes da Robbialac, entre as quais uma de marca «low cost» (...) – cf. documento n.º 7; h) uma publicação, datada de Março de 2016, na página do Facebook da Autora em que é publicitado um «Mega Desconto de 65% em Todas as Tintas Robbialac e Titan» (...) – cf. documento n.º 8; i) uma publicação, datada de Julho de 2016, na página do Facebook da Autora em que esta, através de um vídeo, publicita diversos produtos, destacando a marca Titan no segmento «Tintas» (...) – cf. documento n.º 9; j) uma publicação, datada de Agosto de 2016, na página do Facebook da Autora em que é promovida uma tinta da marca Titan (...) – cf. documento n.º 10; k) uma publicação, datada de Novembro de 2016, na página do Facebook da Autora em que é publicitada a oferta de um vale de 20 € nas lojas da Autora com os logotipos das marcas Cin e Titan (...) – cf. documento n.º 11; l) uma publicação, datada de Junho de 2017, na página do Facebook da Autora em que é promovida uma tinta da marca Cin (...) – cf. documento n.º 12; m) três publicações, datadas de Novembro de 2017 e de Julho de 2018, na página do Facebook da Autora em que é publicitado o recrutamento de administrativo, funcionário de armazém, operador de loja e comercial (...; ...; ...) – cf. documento n.º 13; n) uma publicação, datada de Maio de 2018, na página do Facebook da Autora em que são publicitadas tintas das marcas Cin e Titan (...) – cf. documento n.º 14; o) quatro anúncios da Autora publicados no jornal «Correio da Feira», entre Maio de 2014 e Março de 2016, em que são publicitadas tintas da marca Titan – cf. documento n.º 15; p) um anúncio da Autora publicado no jornal «Correio da Feira», em Junho de 2017, em que é publicitada a marca Cin – cf. documento n.º 16; q) uma captura de ecrã da página inicial do website da Autora, em Abril de 2016, em que se vê que os produtos destacados e os produtos mais vendidos são maioritariamente da marca Titan – cf. documento n.º 17; r) uma captura de ecrã de uma página do website da Autora, em Novembro de 2013, em que é publicitada uma campanha de descontos em tintas de produtos maioritariamente de outras marcas, designadamente Titan e uma marca «low cost» – cf. documento n.º 18; s) uma imagem, datada de Setembro de 2018, da fachada da anterior loja da Autora em ..., em que se vê diverso material publicitário (designadamente, um reclamo, duas faixas e uma bandeira) a anunciar a venda de tintas das marcas Titan e Cin – cf. documento n.º 19»;
14. A A. pronunciou-se, em 19/04/2023, defendendo o indeferimento da pretendida junção de documentos, invocando que estes são inócuos e irrelevantes para a boa decisão da causa, que têm data anterior ao início da audiência de julgamento, a maioria deles até anterior à data da contestação, e se encontravam já na disposição da 1ª R. e que inexiste qualquer ocorrência posterior à entrada da acção em juízo que justifique ou legitime a junção neste momento;
15. Na sessão da audiência de julgamento de 08/01/2024 foi proferido o despacho recorrido, com o seguinte teor:
«Requerimento de 17/04/2023, ref.ª 14456594:
Não se vislumbra [o] que depoimento da testemunha referida alicerce qualquer ocorrência posterior que justifique a apresentação daqueles documentos neste momento temporal. Assim sendo, entendemos que a apresentação dos documentos em causa ao abrigo do preceituado no disposto art.º 423.º do CPC é pois extemporânea, não estando pois preenchidos os requisitos dos n.ºs 3 e 2 do mesmo preceito. Indefere-se portanto a junção daqueles documentos por falta de fundamento legal para a junção neste momento, por extemporânea.
Custas do incidente a cargo da 1.ª ré pelo mínimo.
Notifique.».
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Vejamos.
Afigura-se-nos que se mantêm válidos os fundamentos da decisão de que se reclama, que não foram infirmados pela alegação da reclamação, com o seguinte teor:
«Nos termos do disposto no art. 410º do Código de Processo Civil, a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.
Resultando ainda, do disposto no art. 411º do Código de Processo Civil que as provas a produzir devem ser aquelas que sejam “necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio”.
Portanto, apenas devem ser produzidas as provas que sejam essenciais para a descoberta da verdade e a justa composição do concreto litígio apresentado ao tribunal, cujo objecto serão os factos ainda carecidos de prova que integrem a causa de pedir da acção ou que constituam factos instrumentais ou factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado (resultantes da instrução da causa) - cfr. arts. 3º e 5º do Código de Processo Civil.
Especificamente quanto à prova documental prevê o art. 423º do C.P.C. que: 1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2 - Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Da conjugação das normas acabadas de referir resulta que, mesmo quanto aos documentos que sejam apresentados nos momentos temporais previstos nos nºs 2 e 3 do art. 423º do C.P.C., o legislador não prescinde da verificação do requisito geral dos meios de prova, de que sejam necessários ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio e que tenham por objecto factos carecidos de prova.
Sendo que a iniciativa do juiz na realização de diligências probatórias (prevista no art. 411º do C.P.C.) depende do juízo que o mesmo faça da necessidade dessas diligências, juízo esse que, embora ancorado em elementos objectivos, não pode ser substituído pelo juízo subjectivo das partes. Ou seja, não incumbe à parte determinar esse juízo do tribunal (o juízo da parte sobre a necessidade das provas reflecte-se nos requerimentos probatórios que faça, de acordo com o direito processual probatório, cujas regras tem de cumprir - não o fazendo, sujeita-se ao juízo de necessidade que seja ou não feito pelo tribunal).
Até porque, o princípio do inquisitório não é o único que vigora em processo civil, com ele coexistindo os princípios do dispositivo, da preclusão e da auto-responsabilidade das partes, “de modo que não poderá ser invocado para, de forma automática, superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meios de prova” (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 3ª ed., Almedina, págs. 523 e 524).
No caso, a recorrente pretende que os documentos cuja junção requer se destinam a infirmar factos que a A. introduziu no processo por intermédio da testemunha AA, sendo factos novos meramente instrumentais e complementares ou concretizadores, o que constitui uma ocorrência posterior para efeitos do nº 3 do art. 423º do C.P.C., e que são relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.
Será assim?
Na acção está em causa a cessação de um contrato alegadamente celebrado com a 1ª R. para vender produtos da 2ª R. em determinada área geográfica, cuja relação comercial vigorou, de acordo com a causa de pedir invocada pela A., entre 16 de Julho de 2011 e 18 de Abril de 2016, tendo a acção sido instaurada em 18/01/2017, respeitando os danos alegados a situações já ocorridas aquando da instauração da acção (unicamente com excepção de danos à imagem e credibilidade empresarial da A., em que também se invocam danos futuros resultantes da cessação inesperada do contrato).
Perante esta circunstância, desde logo quanto aos documentos nºs 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16 e 19, cujas datas são posteriores à alegada data da cessação do contrato e não respeitam a questões de imagem e credibilidade empresarial da A., se constata que não se verifica o requisito de necessidade dos mesmos para a boa decisão da causa, não respeitando a factos (ainda que instrumentais ou complementares ou concretizadores) carecidos de prova na acção.
Quanto aos demais documentos (nºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 15, 17 e 18) os mesmos respeitam aos factos de a A. não vender apenas, nem principalmente, produtos da marca “Robbialac”, mas também vender produtos de outras marcas, designadamente “Titan” e “Cin”, com destaque para a marca “Titan”.
Ora, ao contrário do alegado pela recorrente, estes factos não foram introduzidos de novo no processo pelo depoimento da testemunha em causa na audiência de julgamento. Tais factos foram alegados por cada uma das RR. nas respectivas contestações (apresentadas já no ano de 2017), como se descreve nos pontos 3 a 7 da matéria de facto supra elencada, tendo inclusivamente sido apresentados documentos para comprovar esses factos, alguns deles semelhantes a documentos que a 1ª R. agora quis juntar (como por ex. os documentos nºs 17 e 18).
Ademais, já nas respostas que apresentou à contestação a A. se pronunciou quanto a esta factualidade e, inclusivamente, não pôs em causa a comercialização de produtos das outras marcas referidas na contestação (facto que, portanto, se encontra assente nos articulados), apenas alegou que aquelas “nunca tiveram o peso e a importância que as marcas Robbialac e Tintas Vip tiveram” (cfr. ponto 8 da matéria de facto supra elencada) – portanto, mesmo este facto, do peso mais relevante das marcas da 2ª R. já foi alegado no processo nos articulados, não tendo sido introduzido pela testemunha.
Portanto, quanto à comercialização de outras marcas, estando o facto assente, o mesmo não carece de prova, pelo que é desnecessária a junção de documentos para o efeito neste momento.
E quanto ao mais, trata-se de factos já alegados nos articulados, pelo que os documentos, que já existiam na data em que estes foram apresentados, tinham que ser juntos com os articulados respectivos ou, pelo menos, até 20 dias antes da data em que se realizasse a audiência final, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 423º do C.P.C., não estando aqui em causa a situação prevista no nº 3 da mesma norma.
Note-se que mesmo que assim fosse, não estando em causa a referência da testemunha a factos novos instrumentais, complementares ou concretizadores dos factos essenciais (como decorre do que já se analisou), nunca se poderia ter por verificado o requisito da necessidade da apresentação em virtude de ocorrência posterior (cfr. Ac. da R.L. de 20/02/2020, com o nº de proc. 1279/13.3TVLSB-D.L1-1, e Ac. da R.P. de 04/05/2022, com o nº de proc. 10639/20.2T8PRT-A.P1 – “o depoimento de uma testemunha pode constituir ocorrência posterior que torna necessária a apresentação de um ou mais documentos (…), desde que no seu depoimento invoque factos relevantes que sejam novos no processo e não devam ser qualificados como factos essenciais” –, ambos publicados em www.dgsi.pt), nem a simples intenção de contraditar “a versão” apresentada pela testemunha é justificação para a junção de documentos sem mais (cfr. Ac. da R.L. de 20/02/2020, referido: “a junção tardia de documentos não pode assentar na circunstância de se pretender fazer contra prova da “narrativa das testemunhas” apresentadas, pois mesmo estando em causa a eventual contradita, esta não se destina à contraprova de um depoimento testemunhal, mas sim a abalar a credibilidade e a fé que a testemunha possa merecer ao tribunal”).
Assim, a junção dos documentos por parte da 1ª R., para além de respeitar a documentos cuja junção não se afigura ser necessária para a justa composição do concreto litígio em causa nos autos, é efectivamente extemporânea, por não ter tido lugar nem com os articulados nem até 20 dias antes da audiência de julgamento – ainda que se considerem, para o efeito, as datas das sucessivas sessões de continuação da audiência (sobre as posições doutrinais e jurisprudências quanto a esta matéria, vejam-se as referências constantes da anotação à norma em causa in Código de Processo Civil anotado, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Vol. I, 3ª ed., Almedina, pág. 541), verifica-se que o requerimento da recorrente foi apresentado em 17/04/2023 e a sessão seguinte da audiência de julgamento teve lugar no dia 02/05/2023, ou seja apenas 15 dias depois, não sendo respeitada a antecedência mínima de 20 dias.
Não merece, pois, censura a decisão recorrida que indeferiu a junção de documentos em causa.
É, assim, de concluir pela não obtenção de provimento do recurso interposto e pela consequente confirmação da decisão recorrida.».
Não existem, pois, motivos para infirmar a decisão sumária proferida, que se mantém nos seus exactos termos.
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III - Por tudo o exposto, acorda-se em desatender a reclamação apresentada e, em consequência, manter a decisão reclamada, que negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida.
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Custas pela reclamante, com taxa de justiça de 1 U.C. (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C., e art. 7º, nº 1, e Tabela II anexa, do Regulamento das Custas Processuais).
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Notifique.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.):
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datado e assinado electronicamente
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Porto, 11/12/2024.
Isabel Rebelo Ferreira
Ernesto Nascimento
Ana Vieira