PROPRIEDADE HORIZONTAL
QUOTIZAÇÕES DEVIDAS AO CONDOMÍNIO
CONTRA-CRÉDITO DO CONDÓMINO
COMPENSAÇÃO
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
Sumário

1. As nulidades da sentença previstas no art.º 615º, nº 1, do CPC constituem vícios estruturais ou intrínsecos da mesma. Traduzem erros de atividade ou de construção da própria decisão que não se confundem com o eventual erro de julgamento de facto ou de direito. Visando o recorrente introduzir qualquer alteração na decisão relativa à matéria de facto, deve impugná-la, cumprindo os ónus especificados no art.º 640º do CPC.
2.  O réu que pretenda obter o reconhecimento judicial de um contra-crédito, com vista a beneficiar do instituto da compensação, tem de fazer valer aquela sua pretensão por via da reconvenção, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 266º, nº 1, al. c), do CPC.
3. As quotizações mensais devidas ao condomínio vencem-se na data que for acordada para o respetivo pagamento e cada uma delas encontra-se sujeita, de per si, ao prazo prescricional de cinco anos (art.º 310º, al. g, do CC).
4. A contestação do condomínio em ação de impugnação da deliberação da assembleia de condóminos, para a qual foi citado, e que visa a declaração de nulidade ou anulação da deliberação sobre a fixação das quotizações mensais devidas ao condomínio, evidencia a intenção daquele vir a exercer o direito de cobrança das quotizações mensais, constituindo causa de interrupção da prescrição relativamente a cada uma das quotas mensais vencidas e que se forem vencendo, não sendo sequer necessário que a  citação tenha lugar no processo em que se procura exercer o direito (art.º 323º, nº 1, CPC).
5. Interrompido, assim, o prazo de prescrição, o novo prazo relativamente a cada uma das quotas só volta a correr a partir do trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo onde foi impugnada a deliberação da assembleia de condóminos (art.º 327º, nº 1, CPC).

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
CONDOMÍNIO DO PRÉDIO ……, com domicílio na Avenida…, em Lisboa, representado pela sua administradora “D… Ldª”,  com sede na Rua….., propôs ação declarativa de condenação, sob a forma única de processo comum, contra “I…, S.A.”, com sede na Avenida…., em Lisboa, pedindo seja esta condenada a pagar ao condomínio a quantia de € 20.769,24, englobando já os juros de mora vencidos, acrescida da que se vencer até integral pagamento a título de juros de mora, contados à taxa supletiva legal, e correspondente às quotizações ordinárias fixadas na assembleia de condóminos realizada em 18.02.2014, e à quotização extraordinária fixada para o ano de 2014,  que a ré não pagou (ascendendo o valor mensal das primeiras a € 922,90, estando em dívida as quotizações de janeiro a dezembro de 2014, no total de € 11.074,80; e da segunda, ao valor mensal de € 597,28, encontrando-se em dívida o valor de € 6.232,90).
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A ré foi citada e contestou a ação.
Defendeu-se por exceção e impugnação.
A título de exceção disse, em síntese, que:
Insuficiência da representação do condomínio:
- A sociedade “D…, Lda.”, com o NIPC …. nunca foi eleita para administrar o Condomínio Autor, vindo, não obstante, a praticar atos de gestão, a convocar assembleias, sem que, para tanto, tenha legitimidade, encontrando-se tais atos, nomeadamente, as deliberações tomadas em assembleia por si convocadas, feridas de nulidade;
Insuficiência do mandato:
- O ilustre advogado que subscreve a presente ação não se encontra devidamente mandatado para o efeito, porquanto, a procuração junta aos autos é outorgada pela referida sociedade; a falta, insuficiência ou irregularidade do mandato configura uma exceção dilatória, nos termos da alínea h) do artigo 577.º do CPC, que comina na absolvição da ré da instância, nos termos no artigo 576.º, n.º 2 do CPC;
Ilegitimidade ativa
- Tendo presente toda a atuação do Condomínio por intermédio de uma entidade que não a eleita para a função de administrador nos termos legais da lei civil, verifica-se uma situação de falta de legitimidade processual ativa para os presentes autos.
Exceção de não cumprimento prevista no art.º 428º do CC:
- No que diz respeito às comparticipações extraordinárias, não ocorreu falta de pagamento, antes uma suspensão temporária do mesmo pela ré, até que o Condomínio comprovasse a efetivação do acerto de € 934,46 a que alude no art.º 18º da petição inicial, o que até ao momento não sucedeu, pelo que está verificada a dita exceção.
Existência de crédito da ré perante o Condomínio:
A ré aguarda a restituição de valores penhorados em excesso, em sede judicial, em processos executivos instaurados pelo Condomínio, nomeadamente:
. no processo n.º …, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Execução de Lisboa - Juiz 4; extinto por sentença datada de 12.07.2016 e transitada em julgado; e no qual foram penhorados, pelo menos, € 3.796,74;
. no processo n.º …, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Execução de Lisboa - Juiz 6; extinto por decisão de A.E. e no qual foram penhorados, pelo menos, € 4.216,23.
Tais montantes encontram-se retidos e na disponibilidade do ora autor, constituindo crédito que urge quantificar.
Pagamento parcial da quantia peticionada:
A ré já efetuou o pagamento do valor de € 6.232,90, que se traduz num facto extintivo da obrigação.
Prescrição das quotizações ordinárias e juros:
Nos termos do disposto no art.º 310º, al. g), do CC, encontra-se prescrito o direito de peticionar o pagamento da verba de € 11.074,80, correspondente a quotizações ordinárias vencidas entre os meses de janeiro a dezembro de 2014, bem como a verba de € 3.461,54, a título de juros de mora, calculados à taxa de 4% e contabilizados no alegado período correspondente aos últimos cinco anos.
No mais, impugnou os factos alegados pelo autor, e terminou, pedindo a procedência das exceções dilatórias e perentórias, com a sua consequente absolvição da instância e do pedido; e, para o caso de assim não se entender, seja a ação julgada totalmente improcedente, por não provada, com a sua absolvição da totalidade do pedido.
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Após, foi proferido o seguinte despacho:
“Da procuração junta aos autos pelo autor, resulta que foi a sociedade D…, Lda., com o NIF …, alegadamente nomeada como administradora do condomínio, quem conferiu poderes ao Il. Mandatário que subscreveu a petição inicial.
Porém, das certidões de registo comercial juntas pela ré, verifica-se que o NIF indicado não pertence à sociedade D…, Lda. mas à sociedade D…. II, Lda..
Apesar da similitude dos nomes tratar-se-ão de duas pessoas colectivas diferentes, afigurando-se, face ao teor da acta da assembleia de condóminos junta, que a sociedade nomeada para a administração foi a primeira e não a segunda e à qual não pertence o NIF indicado.
Assim, antes de mais, notifique o autor para, no prazo de 10 dias:
- responder às excepções invocadas pela ré na contestação, nomeadamente, esclarecendo o que tiver por conveniente quanto à identificação da sociedade administradora do condomínio.
- caso se verifique irregularidade no mandato, juntar nova procuração aos autos, se necessário com ratificação do processado, sob pena de ficar sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, nos termos do artigo 48º, n.º 2 do CPC.”
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Em resposta, veio o autor afirmar ter cometido lapso de escrita ao indicar na petição inicial o NIPC da sociedade “D…, Lda”, correspondendo aquele, na realidade, ao NIPC …. Requereu, por conseguinte, e com suporte no disposto nos arts. 249º do CC e 146º, nº 1, do CPC, a correção do dito lapso. Acrescentou que a procuração apresentada enferma do mesmo erro de escrita, para o que, e visando suprir uma eventual irregularidade de mandato, juntou nova procuração com ratificação do processado e a identificação correta da sociedade.
Confirmou, ainda o autor, em sede de resposta, o pagamento do valor de €6.232,90, já na pendência da ação e, no mais, pugnou pelo indeferimento das exceções suscitadas pela ré.
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Por despacho proferido em 16 de fevereiro de 2024, a Mª juíza do tribunal a quo considerou que os autos continham todos os elementos para conhecer do mérito da causa, tendo conferido prazo às partes para alegarem por escrito, de facto e de direito, o que fizeram.
A ré apresentou as suas alegações escritas em 11 de março de 2024. Reiterou o que havia dito na contestação; pediu que o autor fosse notificado para juntar aos autos documentos que especificou, e que fossem pedidos esclarecimentos quanto aos valores efetivamente penhorados em cada uma das execuções identificadas na contestação e sobre a extinção desses processos.
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O saneador-sentença, proferido em 13 de maio de 2024, foi precedido dos seguintes despachos:
“Atenta a junção de nova procuração aos autos, com a correcta identificação da sociedade administradora do condomínio, com ratificação do processado, considero regularizado o mandato e o processado.
Notifique.
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O Tribunal, considerando que os autos reúnem condições para ser proferida de imediato decisão de mérito, notificou as partes para se pronunciarem quanto à dispensa de audiência prévia e para alegarem por escrito o que tiverem por conveniente de facto e de direito.
A ré, para além de apresentar as suas alegações, requereu a realização de diversas diligências.
Entende-se, contudo, que os factos pertinentes à apreciação da questão a decidir se encontram já demonstrados em face do acordo das partes nos respectivos articulados, e prova documental já junta aos autos.
Nestes termos, indefere-se o requerido a este título.
Notifique.”
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Seguidamente, foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, vistas as já indicadas normas jurídicas e os princípios expostos, o Tribunal:
- julga a presente instância extinta por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e) do Código de Processo Civil, quanto ao pedido de pagamento das quotizações extraordinárias, no montante de € 6.232,90.
- julga a acção, no demais, totalmente procedente, por provada, e em consequência condena a ré, I…, S.A.:
i) no pagamento ao autor, Condomínio do prédio sito na Avenida …, em Lisboa, do montante de €11.074,80, acrescido de juros de mora, à taxa de 4%, vencidos referentes aos cinco anos que antecederam a entrada da acção, no valor de € 2.214,96 e vincendos;
ii) no pagamento ao autor, Condomínio do prédio sito na Avenida ……, em Lisboa, do valor dos juros relativamente ao montante de € 6.232,90, vencidos referentes aos cinco anos que antecederam a entrada da acção, €1.246,58, e até à data do pagamento, 15.06.2023.
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Custas pela ré (cfr. artigo 527º do CPC).
Fixo o valor da causa em € 20.764,94 (cfr. artigos 306º, nº1 e 315º do CPC).
Registe e notifique.”
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Inconformada com a decisão, a ré interpôs recurso, com o qual apresentou nove documentos.
Formulou as seguintes conclusões:
“a) Da prova produzida nos autos, documental, resulta evidente e incontestável que a sociedade comercial que tem vindo a fazer a administração e gestão do Condomínio Recorrido (D.D. II) não tem legitimidade para tal;
b) Estamos perante um manifesto erro de apreciação da prova, uma errada valoração dos meios de prova e, consequentemente, uma errada aplicação do Direito.
c) É ainda patente a omissão da douta Sentença no que concerne a uma questão essencial para a causa e sua boa decisão, a invocada ilegitimidade ativa, já que a consequência da prática de atos por uma pessoa sem legitimidade ou poderes de representação é a sua total ineficácia.
d) Na decisão é, pois, ignorada a ilegitimidade da D…. II, Lda. (NIPC … e sede na Rua …), para administrar e/ou representar o Condomínio Recorrido em qualquer instância.
e) Atendendo a cada um dos documentos cuja junção se requereu, quer junto do Condomínio Recorrido, quer de terceiros – e bem assim da documentação já junta aos autos – constata-se facilmente que esta sociedade nunca foi eleita para administrar o Condomínio.
f) A decisão recorrida não profere quaisquer considerações acerca das duas pessoas coletivas distintas, comprovadamente existentes, e só uma delas legitimamente eleita como administradora do Condomínio; nem as consequências legais que daí advêm.
g) Há, no entanto, uma verdadeira vicissitude que vai para além do mero erro material e da insuficiência da representação do Condomínio Recorrido; é o que resulta evidente da prova documental carreada para os autos, sendo a consequência a ilegitimidade e nulidade de todos os atos por si praticados.
h) A alegada “confusão” de denominações das pessoas coletivas (D… e D… II) não justifica nem é suscetível de suprir a ilegitimidade invocada pela Recorrente, não se tratando de uma mera irregularidade ou mero erro de escrita, sendo efetivamente duas pessoas coletivas diversas, com NIPC, sede e membros dos órgãos sociais diferentes – resulta expresso do Doc. 1 da PI (Ata nº 18), Docs. 2 e 3 da Contestação; e é confirmado pelo Recorrido no Req. de 14.12.2023.
i) Fica ainda demonstrado pela documentação apenas obtida em momento subsequente pela Recorrente, e ora junta, que a sociedade não eleita como administradora emite faturas ao Condomínio Recorrido de “serviços de administração ao prédio” e outras conexas com a gestão e administração do mesmo, não existindo qualquer faturação da primeira, a verdadeira administração.
j) Tem-se ainda por certo que a Recorrente tenta, há muito, aceder à documentação do condomínio para confirmar as suas suspeitas e alegações (por vezes parcas em prova documental bastante), sem sucesso devido aos constrangimentos e recusas do Recorrido (Doc. 1 da Contestação – Ata n.º 37), razão pela qual peticionou a notificação do Recorrido, ao abrigo do art.º 429.º do CPC, para vir aos presentes autos, em prazo e sob cominação legal, juntar os seguintes documentos:
i. Ata n.º 18, de 16.07.2013, completa e com os respetivos anexos;
ii. Contrato de prestação de serviços celebrado em 2013 com a então eleita “D…”, NIPC …;
iii. Certidão permanente da “D…”, NIPC …;
iv. Faturas pagas pelo Condomínio A. à “D…”, NIPC…;
v. Faturas pagas pelo Condomínio A. à “D…. II”, NIPC …;
k) O Tribunal a quo, sem qualquer fundamentação bastante, referiu apenas não ser pertinente a produção de prova adicional e/ou a junção dos demais documentos requeridos, indeferindo a pretensão da Recorrente e concluindo que as alegações desta se encontravam desprovidas de concretização e prova, contendo, pois, uma clara violação do princípio do inquisitório e dos deveres do tribunal em ordem à descoberta da verdade (vide artigo 411.º do CPC) e viola o direito de defesa plena da Recorrente.
l) Sem conceder, já no corrente ano de 2024 a Recorrente conseguiu acesso a uma parte da dita documentação, bastante, pelo menos, para demonstrar as evidências da atuação ilegítima da sociedade que administra o prédio sem poderes para o efeito (D... II) – as faturas emitidas pela D... II (Doc. 1 aqui junto).
m) Estamos perante uma situação consciente, de total e absoluta falta poderes e de legitimidade para atuar em nome e representação do Condomínio, que importa a nulidade e ineficácia de todos os atos por si praticados, como as convocatórias para as assembleias, sendo, por isso, invocável a todo o tempo (cf. art.º 268.º, n.º 1 CC).
n) Em sede de Contestação a Recorrente invocou, ainda, expressa e individualizadamente as exceções da insuficiência da representação do condomínio, da insuficiência do mandato e, ainda, da ilegitimidade ativa do condomínio.
o) A douta Sentença pôs “tudo no mesmo saco”, não apreciando e fundamentando devidamente as questões trazidas aos autos em sede das diversas exceções invocadas, mormente no que respeita à ilegitimidade ativa do condomínio.
p) A irregularidade verificada no teor da procuração forense não coincide, nem a sua retificação sana, a manifesta ilegitimidade ativa da “administração” nunca eleita; são efetivamente nulas as convocatórias para as assembleias de condóminos, nulas são todas as deliberações tomadas.
q) Recorde-se que em julho de 2013 foi eleita a “D…, Lda.”, com o NIPC… e com sede na Rua …, Lisboa e, em data que a  Recorrente não consegue precisar (mas que será facilmente confirmada e comprovada pela documentação do Condomínio Recorrido que a este cumpriria juntar aos autos, por estar na sua posse, tendo a Recorrente requerido tal diligência), surgiu a “D… II, Lda.”, com o NIPC … e com sede na Rua … (Doc. 3 da Contestação).
r) Esta alteração não foi comunicada aos condóminos e nunca houve, direta ou indireta/tacitamente, um reconhecimento, aceitação ou ratificação desta sociedade como “Administração”, para efeitos da invocada legal representação do Condomínio, seja em juízo, em assembleias, na prática de atos como convocatórias, etc.
s) Existe nos autos prova documental que impunha uma decisão diversa, pois resulta óbvia a existência de duas pessoas distintas e a representação – ilegítima, por quem nunca foi eleito – do Condomínio Recorrido, atuando sem quaisquer poderes.
t) Sem conceder, tudo leva a crer que o Tribunal a quo não dispunha de elementos e provas suficientes para dar como provados os factos que assim considerou – no que toca à administração do condomínio, incluindo convocação das assembleias desde 18.11.2013 em diante – pois nesse caso, decisão diversa teria sido proferida.
u) A Sentença afigura-se simplista, não se pronuncia sobre todas as questões relevantes suscitadas e padece de incoerências e insuficiente fundamentação, não resultando concretizada devidamente a motivação que levou à matéria dada como provada e existindo nos autos elementos e provas que certamente impunham decisão diversa, incorrendo a mesma em nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1,  alíneas b), c) e d) do Código de Processo Civil, devendo, por isso, o Douto Tribunal ad quem declarar a nulidade da sentença e ordenar a reapreciação da factualidade trazida e do demais requerido, de forma a apurar, com rigor e justiça, a realidade dos factos e aplicar o direito, em conformidade.
v) Segundo a douta Sentença, a ré invoca, mas não concretiza porque não fizera anteriormente o pagamento, por aguardar que o condomínio comprovasse a efetivação do acerto de €934,46, em sede de exceção de não cumprimento; não concretizando igualmente em que medida as penhoras de valores em excesso constituem um crédito da ré sobre o autor.
w) Recorde-se que a Recorrente viu diminuído e restringido o seu direito de defesa com o indeferimento suprarreferido da produção de prova.
x) E a decisão a quo mostra-se incongruente e com motivação insuficiente (inexistente), pois é manifesto que a Recorrente expôs e justificou devidamente as circunstâncias em que tal compensação de créditos e exceção do não cumprimento se verificavam, assim como a correlação entre a matéria de facto invocada e a prova a produzir a respeito.
y) No tocante à prescrição, é consabido que as razões justificativas deste instituto são as da proteção da certeza e segurança do tráfico jurídico, a conveniência de se evitarem os riscos de uma apreciação judicial a longa distância, principalmente quando se requeira a prova testemunhal dos factos e, ainda, evitar que o credor deixasse acumular excessivamente os seus créditos, para proteger o devedor da onerosidade excessiva que representaria, muito mais tarde, a exigência do pagamento, procurando-se obstar a situações de ruína económica (Baptista Machado, RLJ, 117º, 205, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 452, e Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, BMJ, 107º, pág. 285).
z) Para efeitos de interrupção do prazo de prescrição deverá atender-se aos 5 dias seguintes à data de propositura da ação (art.º 323.º, n.º 2 do C.Civil).
aa) Considerando que a ação sub judice foi proposta no dia 21 de março de 2023, ter-se-á por interrompido o prazo prescricional no dia 26 de março de 2023, estando, por conseguinte, prescritas todas as quotas anteriores a março de 2018, bem como os juros de mora.
bb) A serem exigíveis quaisquer valores peticionados, o que não se concebe ou aceita, sempre se encontrarão prescritos os correspondentes à soma das comparticipações ordinárias dos meses de janeiro a dezembro de 2014, no total de € 11.074,80, tanto mais que a sua dúbia exigibilidade sempre foi questionada e impugnada judicialmente pela Recorrente, tendo decorrido quase uma década desde o seu alegado vencimento; tendo o Condomínio Recorrido perdido as possibilidades de exercer o alegado direito.
cc) Impunha-se uma decisão que ditasse a procedência da exceção perentória da prescrição e a consequente absolvição total da Recorrente do pedido (arts. 576.º, n.º 3 e 595.º, n.º 1, alínea b) do CPC).
dd) Em suma, a Recorrente discorda da douta decisão de condenação por entender que nela existiu omissão de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC) e insuficiente fundamentação, porquanto não resulta concretizada devidamente a motivação que levou à matéria dada como provada e conclusões, tendo sido ignorados relevantes meios probatórios requeridos pela Recorrente, sendo por isso nula.
ee) Mais, considerando a prova carreada para os autos, bem como a prova cuja junção se peticionou ab initio, impunha-se decisão diversa, verificando-se na douta decisão um manifesto erro de apreciação da prova documental carreada para os autos, uma errada valoração dos meios de prova e, consequentemente, uma errada aplicação do Direito, tudo nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil.
ff) Por tudo quanto resulta supra exposto, se conclui serem nulas e ineficazes todas as decisões tomadas e atos praticados, pelo menos, desde 18.11.2013, incluindo parte ativa ilegítima nos presentes autos.
gg) Em todo caso, sempre se encontrariam reunidos os pressupostos que determinam a procedência das exceções invocadas, quer da compensação de créditos e exceção do não cumprimento, quer à prescrição e, por conseguinte, impõe-se a absolvição total da Recorrente.
hh) Não se alcançam fundamentos lógico-legais que sustentem, de forma bastante a decisão proferida, por via não só das diversas omissões de que padece, como pela insuficiente fundamentação e conclusões incoerentes (arts. 615.º, n.º 1, al. b), c) e d) CPC).
ii) A decisão recorrida viola ainda as garantias de defesa previstas no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, dada a forma como foi apreciada a prova.
jj) Ao não analisar criticamente a prova produzida o Tribunal a quo violou o artigo 607.º, n.º 4 parte inicial, bem como o estatuído no artigo 413.º, ambos do CPC.
Termos em que, invocando ainda o douto suprimento, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida nos termos consignados, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.
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O autor respondeu ao recurso e formulou as seguintes conclusões:
“I. A junção dos documentos pretendida pela ré nesta fase é inadmissível, por não haver prova de não o ter podido fazer em momento anterior.
II. Quer na petição inicial, quer na procuração outorgada ao mandatário, quem é identificada como administradora do condomínio é sempre a sociedade D…, Lda.”, e não a sociedade “D… II, Lda..
IV. A documentação junta aos autos mostra que a sociedade eleita como administradora do condomínio foi a sociedade “D…, Lda.”, com o NIPC ….
V. Consequentemente, a questão suscitada pela ré não representa qualquer irregularidade na representação do condomínio ou do mandato por este conferido, mas mero lapso na indicação do NIPC da sociedade que faz a Administração.
VI. A rectificação de tal lapso, para efeitos da identificação na petição inicial, foi determinada na sentença.
VII. O autor juntou aos autos procuração outorgada pela D…, Lda.”, com o NIPC …, com ratificação do processado, o que regularizou a representação do condomínio em juízo, assim como o mandato conferido ao mandatário.
VIII. Finalmente, tal circunstância nunca determinaria a falta de legitimidade para a acção, a qual pertence ao Condomínio, que foi quem intentou a acção.
IX. A compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra, pelo que bastava à ré ter declarado ao autor que pretendia compensar o valor do acerto na referida dívida de quotização extraordinária.
X. A existência deste crédito da ré sobre o autor, o qual apenas permite uma compensação parcial, não constitui fundamento para a suspensão do pagamento do remanescente.
XI. A ré tinha o ónus de concretizar em que medida os valores que, alegadamente, lhe foram penhorados em excesso em dois processos executivos, superam o valor do crédito do autor nestes últimos.
XII. E tal excepção e o respectivo pedido, deviam ter sido deduzidos através de reconvenção, o que não aconteceu.
XIII. Não podendo o tribunal conhecer da alegada excepção de compensação e excepção do não cumprimento, nada haveria a ordenar quanto à prova requerida.
XIV. Nos respectivos requerimentos probatórios, a ré não especificou quais os factos que pretendia provar, impossibilitando o juízo sobre o interesse destes últimos para a decisão da causa e, assim, inviabilizando a notificação do Agente de Execução.
XV. As prestações periodicamente renováveis prescrevem no prazo de cinco anos.
XVI. O trânsito em julgado da douta sentença proferida na acção impugnatória, que correu termos sob o nº 2886/14.2T8LSB.L1, ao não dar procedência aos pedidos de declaração de nulidade, ou anulação, ou ineficácia da deliberação em causa, reconheceu (tacitamente) o direito do autor exigir à ré o pagamento das comparticipações ordinárias para o condomínio, relativas ao ano de 2014.
XVII. No momento em que a sentença transitou em julgado, as obrigações de pagamento dessas comparticipações ordinárias para o condomínio já se encontravam todas vencidas, sendo, portanto, devidas.
XVIII. Pelo que se lhes aplica o prazo ordinário da prescrição de 20 anos.
XIX. Sem embargo, se for proposta uma acção de anulação da deliberação do condomínio que aprovou as dívidas do condómino, o prazo de prescrição dessas dívidas interrompe-se com a notificação da contestação do condomínio, que assim exprimiu a intenção de exercer o seu direito.
XX. Com esta interrupção, o novo prazo de prescrição só começa a correr a partir do trânsito em julgado da decisão naquela acção.
XXI. Entre a data do trânsito em julgado da sentença prolatada na referida acção impugnatória – não anterior a 28 de Junho de 2018 - e a data da citação da ré nesta acção – 17 de Maio de 2023 -, não decorreu período superior a cinco anos.
XXII. Consequentemente, o direito que o autor pretende fazer valer nesta acção não prescreveu.
XXIII. Termos em que caem todas as conclusões da recorrente.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao recurso e confirmada na íntegra a douta sentença recorrida, assim se fazendo a Costumada JUSTIÇA”.
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No despacho em que admitiu o recurso, a Mª juíza do tribunal a quo pronunciou-se sobre as nulidades da sentença suscitadas pelo apelante, sustentando que a mesma não padece de qualquer das nulidades que lhe é imputada.
Cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir.
Questão prévia
Da admissibilidade da apresentação dos documentos com a presente apelação.
Segundo a regra geral contida no art.º 423º, nº 1, do Código de Processo Civil, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
E de acordo com o disposto no art.º 425º, do Código de Processo Civil, “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Dispõe, por seu turno, o nº 1, do art.º 651º, do mesmo Código, que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1º instância”.
Segundo António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[1], nestes casos, “(…) tem-se entendido que a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam (….)”. 
Neste sentido, a título exemplificativo, cita-se o acórdão do STJ, de 30 de maio de 2019, proferido no processo nº 1130/18.8T8FNC.L1S1 e acessível em www.dgsi. pt., em cujo sumário se lê que “Os casos em que a junção de documentos se torna necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância são apenas aqueles em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ter sido proferida.”
Ora, no caso, a apelante diz que no decorrer do ano de 2024 conseguiu ter acesso a documentação que evidencia a atuação ilegítima da sociedade que administra o prédio, mormente, o documento identificado sob o nº 1.
Não identifica, porém, o momento temporal em que teve acesso ao dito documento e, no que tange aos demais, nada esclareceu, não tendo cumprido manifestamente o ónus contido na parte final do art.º 425º, e que sobre si recaía, inexistindo evidência ou, sequer, o mínimo indício, à luz do que alegou, de que só teve conhecimento e/ou acesso aos documentos ora apresentados depois de ter alegado por escrito.
Deste modo, não podemos concluir pela ocorrência da situação excecional a que alude a primeira parte do art.º 651º, nº 1, do CPC.
Por seu turno, a junção dos documentos ora oferecidos não se tornou necessária após a prolação da sentença, na medida em que a factualidade que o apelante pretenderia alegadamente comprovar com os mesmos foi debatida nos articulados; a decisão de facto mostra-se fundamentada com base nos elementos probatórios que as partes em tempo oportuno juntaram aos autos; e da sentença não constam quaisquer argumentos de facto e/ou de direito que à luz do que autor e ré disseram nos articulados, e tendo por base os documentos que respetivamente apresentaram, não pudessem ou não devessem contar.
Assim, e concluindo, não pode admitir-se a junção dos documentos apresentados com a apelação, por não estarem verificados quaisquer dos pressupostos a que se refere o referido preceito legal.
Notifique.
Desentranhe e remeta os documentos ao apresentante.
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Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº 3 do mesmo Código).
No caso, e tendo presente que a ré recorre apenas da sentença e não dos despachos que a antecederam, como se extrai da intenção expressamente manifestada aquando da apresentação de recurso (“I…, S.A., R. na ação declarativa em que é A. CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO …, em LISBOA, notificada da douta Sentença e não se conformando com a mesma, vem daquela apresentar recurso, juntando, para o efeito, as respetivas alegações”), cumpre decidir as seguintes questões:
- Nulidade da sentença (art.º 615º, nº 1, als. b), c), e d), do CPC);
- Da existência de fundamento para a invocação da exceção de não cumprimento;
- Se o autor podia ver reconhecida a existência de contra-crédito e obter a compensação, mediante a mera invocação de exceção em sede de contestação;
- Prescrição do direito de o autor exigir o pagamento das quotizações e juros.
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Fundamentação de Facto
Para além da factualidade descrita em sede de relatório, cabe ponderar o quadro factual fixado em 1ª instância (que, como veremos infra, não foi objeto de impugnação).
Na decisão recorrida foi julgada como provada a seguinte matéria de facto:
1. A “D…, LDA”. é a administradora do Condomínio do Prédio sito na Avenida …, em Lisboa, na Freguesia de …, Concelho de Lisboa, por ter sido eleita por deliberação da respetiva Assembleia de Condóminos, realizada em 16 de maio de 2013
2. A ré é proprietária das frações autónomas designadas pelas letras “B”, “D”, “L”,
“M”, “O”, “R”, “U”, “X”, “AF”, “AH”, “AL”, “AM”, “AO” e “AS” do prédio identificado, às quais corresponde uma permilagem global de 348,72/1000 do capital investido no prédio.
3. Os outros condóminos são as sociedades comerciais denominadas J. M. … Sociedade Unipessoal, LDA., NIPC …, com sede na Avenida…., freguesia do …, em Lisboa e M. V. …, S.A., NIPC …, com sede na Avenida …..freguesia do …, em Lisboa, proprietárias das restantes frações autónomas que, com as partes comuns, compõem o edifício, às quais corresponde, respetivamente, uma permilagem global de 343,75/1000 e de 307,56/1000 do capital investido no prédio.
4. No dia 19 de fevereiro de 2014, pelas 12h00, reuniu a Assembleia de Condóminos do mesmo prédio, cujas deliberações foram transcritas na ata nº 22 do respetivo Livro.
5. A ordem de trabalhos incluiu, entre outros assuntos, “apresentação e votação do orçamento para o ano de 2014 …” (ponto 2), e “obras a realizar e determinação de comparticipação extraordinária a) arranjo do telhado de cobertura ao nível do 11º; b) arranjo das bombas de água; c) arranjo das janelas do 10º andar” (ponto 4).
6. Em resultado da votação realizada depois da apresentação e discussão do orçamento para o ano de 2014, no valor de 28.871,02 €, acrescido do fundo comum de reserva no valor de 2.887,10 € (10%), foram aprovadas por unanimidade dos condóminos presentes, que representavam 65,13% do capital investido no prédio, “as comparticipações ordinárias para o condomínio para o ano de 2014, tendo sido esclarecido que as comparticipações ordinárias para o condomínio são mensais, devendo ser pagas, impreterivelmente, até ao último dia do mês a que respeitam, de forma a evitar problemas de tesouraria do condomínio.
7. Do exame do quadro discriminativo das comparticipações ordinárias para o condomínio em 2014, constante do final da mesma ata nº 22, verifica-se que a soma das comparticipações mensais correspondentes às frações autónomas de que a ré é proprietária (“B”: 202,22 € + “D”: 86,65 € + “L”: 39,38 € + “M”: 86,85 € + “O”: 23,31 € + “R”: 39,38 € +“U”: 32,74 € + “X”: 61,69 € + “AF”: 39,38 € + “AH”: 39,38 € + “AL”: 61,69 € + “AM”:39,38 € + “AO”: 39,38 € + “AS”: 39,38 €) ascende a 922,90 €.
8. Em resultado da votação realizada sobre o assunto incluído no ponto 4 da ordem de trabalhos, foi aprovado por unanimidade dos condóminos presentes:
“a) Proceder ao arranjo do telhado de cobertura ao nível do 11º piso, pelo valor de 8873,00 €, aos quais acresce o IVA aplicável de acordo com o orçamento nº 56, datado de 5 de Fevereiro de dois mil e catorze, enviado com a convocatória e que fica anexo à presente acta;
b) …
c) Proceder ao arranjo das janelas do 10º andar, pelo valor de 530,00 €, aos quais acresce o IVA aplicável de acordo com o orçamento nº 56, datado de 5 de Fevereiro de dois mil e catorze, enviado com a convocatória e que fica anexo à presente acta;
d) Foram aprovadas por unanimidade todas as obras, elencadas no orçamento nº 56/2014, de 5 de Fevereiro de 2014, com excepção do hall do 11º piso, pintura da casa dos elevadores/monta cargas e arrecadação, poço do monta cargas, porta de acesso ao quintal e fachada lateral (varandas do 3º, 4º, 5º e 6º piso).
Estas reparações perfazem um total de 20 553,40 €.
As comparticipações extraordinárias serão pagas em doze prestações iguais, mensais e sucessivas, de acordo com a permilagem, de Janeiro a Dezembro de 2014, devendo ser pagas até ao último dia do mês a que se referem, cabendo a cada condómino o montante de:(…); I…, S.A.: 597,28 €”.
9. No dia 18 de novembro de 2013, pelas 14h00, reuniu a Assembleia de Condóminos do citado prédio, cujas deliberações foram transcritas na ata nº 20 do respetivo Livro.
10. Em resultado da votação realizada depois da discussão deste assunto, foi aprovada por maioria, com o voto contra da ré, a realização das obras identificadas no citado ponto 3 da ordem de trabalhos, através da sua adjudicação à empreiteira S…., LDA., de acordo com os valores do orçamento apresentado por esta última, a saber, nomeadamente, a impermeabilização do terraço do 10º Dto., no montante 2.528,00 €, cabendo à ré o valor de € 934,46.
11. A ré impugnou as deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada em 18/11/2013, em relação ao ponto 3 da ordem de trabalhos da mesma, constante da ata nº 20, por meio da ação que foi julgada improcedente e não provada, tendo esta decisão sido confirmada por acórdão do TRL, de 8 de novembro de 2016, transitado em julgado, proferido na 1ª Secção, processo nº 190/14.5.5TLLSB.L1, com exceção da parte da deliberação que imputou a todos os condóminos as despesas referentes à impermeabilização do terraço de cobertura do 10º Dto., que foi declarada nula.
12. A ré impugnou as deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada em 19/02/2014, constantes da ata nº 22, por meio da ação que correu termos nos Juízos Centrais Cíveis de Lisboa sob o nº 2886/14.2T8LSB, em que pediu a respetiva declaração de nulidade ou de anulação, ou, supletivamente, a declaração de ineficácia, em relação a ela própria, das mesmas deliberações.
13. Nesta ação, o tribunal de 1ª instância julgou procedente a exceção perentória da caducidade, que declarou e absolveu as sociedades ali rés dos pedidos deduzidos pela ali autora.
14. Esta sentença veio a ser confirmada por acórdão do TRL de 28 de junho de 2018 e transitou em julgado.
15. A ré procedeu ao pagamento da quantia € 6.232,90 no dia 15.06.2023.
16. A ação deu entrada em juízo em 21.03.2023.
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Nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 607º, nº 4 e 663º, nº 2, do CPC, e por assumirem relevância para a decisão, adita-se ao rol dos factos provados, os seguintes, que se encontram documentados nos autos (documento nº 7, apresentado com a petição inicial):
14 - A ação identificada em 12 foi proposta contra “M. V. …, S.A.” e “J. M. …, S.A”, ambas condóminas do prédio sito na Avenida …, em Lisboa, representadas pela administradora do condomínio, a sociedade “D…, Ldª”.
15- As rés foram citadas e, representadas pela administração do condomínio, apresentaram contestação em 6 de março de 2015, no âmbito da qual suscitaram questões de natureza excecional.
16 - A autora (ora ré na presente ação) apresentou resposta em 1 de setembro de 2015. 
Fundamentação de Direito
Da nulidade da sentença
As nulidades da sentença constituem um vício da própria decisão.
São únicas e típicas e encontram-se descriminadas nas alíneas a), a e), do nº 1 do art.º 615º, do Código de Processo Civil, que sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”, e na parte que importa considerar, dispõe:
“1-É nula a sentença quando:
(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)”.
Antes de mais, diga-se que a recorrente confunde ao longo das suas alegações e também na síntese conclusiva, que delimita o objeto de recurso, dois vícios distintos: a nulidade da sentença e erro de julgamento (de facto). Dentre as nulidades da sentença, taxativamente enumeradas no sobredito preceito legal, não se encontra o denominado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a sua inconformidade com o direito substantivo aplicável (Antunes Varela, J. Miguel bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 686). O recorrente que pretenda impugnar a decisão relativamente à matéria de facto tem de cumprir os ónus a seu cargo e que a lei processual civil enumera no art.º 640º, o que, e como veremos infra, a recorrente não cumpriu, não obstante apelar sistematicamente ao erro na apreciação da prova.
Apreciemos as nulidades imputadas à sentença.
Da invocada falta de fundamentação (art.º 615º, nº 1, al. b), do CPC).
Diz a recorrente, sob a alínea c) das suas conclusões, que, “É ainda patente a omissão da douta Sentença no que concerne a uma questão essencial para a causa e sua boa decisão, a invocada ilegitimidade ativa, já que a consequência da prática de atos por uma pessoa sem legitimidade ou poderes de representação é a sua total ineficácia”, acrescentando, ainda, que “d) Na decisão é, pois, ignorada a ilegitimidade da D… II, Lda. (NIPC … e sede na Rua …), para administrar e/ou representar o Condomínio Recorrido em qualquer instância.”; (…) “A decisão recorrida não profere quaisquer considerações acerca das duas pessoas coletivas distintas, comprovadamente existentes, e só uma delas legitimamente eleita como administradora do Condomínio; nem as consequências legais que daí advêm”; (…) h) A alegada “confusão” de denominações das pessoas coletivas (D…. II) não justifica nem é suscetível de suprir a ilegitimidade invocada pela Recorrente, não se tratando de uma mera irregularidade ou mero erro de escrita, sendo efetivamente duas pessoas coletivas diversas, com NIPC, sede e membros dos órgãos sociais diferentes – resulta expresso do Doc. 1 da PI (Ata nº 18), Docs. 2 e 3 da Contestação; e é confirmado pelo Recorrido no Req. de 14.12.2023” (…) “ u) A Sentença afigura-se simplista, não se pronuncia sobre todas as questões relevantes suscitadas e padece de incoerências e insuficiente fundamentação, não resultando concretizada devidamente a motivação que levou à matéria dada como provada e existindo nos autos elementos e provas que certamente impunham decisão diversa, incorrendo a mesma em nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) do Código de Processo Civil, devendo, por isso, o Douto Tribunal ad quem declarar a nulidade da sentença e ordenar a reapreciação da factualidade trazida e do demais requerido, de forma a apurar, com rigor e justiça, a realidade dos factos e aplicar o direito, em conformidade. (…) n) Em sede de Contestação a Recorrente invocou, ainda, expressa e individualizadamente as exceções da insuficiência da representação do condomínio, da insuficiência do mandato e, ainda, da ilegitimidade ativa do condomínio. o) A douta Sentença pôs “tudo no mesmo saco”, não apreciando e fundamentando devidamente as questões trazidas aos autos em sede das diversas exceções invocadas, mormente no que respeita à ilegitimidade ativa do condomínio.”
Nos termos da alínea b), do nº 1, do art.º 615º, a sentença é nula quando não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
O dever de fundamentar as decisões encontra consagração constitucional no art.º 205º, da CRP, que no seu nº 1 deixa expresso que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”, decorrendo ainda tal dever do disposto no nº 1, do art.º 154º, do Código de Processo Civil, que prevê que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.
É através da fundamentação que o juiz dá a perceber as razões da sua decisão e, por isso, a fundamentação tem de corresponder a um exame criterioso das pretensões das partes, das provas ou de elementos do processo, consoante o tipo de decisão em causa, pois só deste modo se previne, por um lado, a arbitrariedade da decisão, por outro, se assegura que o destinatário fique em condições de perceber todo o processo cognoscitivo e valorativo que conduziu o juiz à prolação da decisão num determinado sentido, e não noutro, permitindo, assim, que o mesmo possa sindicar o respetivo mérito em sede de recurso.
Fundamentar é, pois, expor a argumentação que conduz à decisão. Sem ela, não se pode saber se a decisão é acertada, justificando-se, assim, que a falta de fundamentação da decisão acarreta a sua nulidade.
No entanto, é pacífico, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que a dita nulidade só ocorre perante a ausência total de fundamentação de facto ou de direito, não bastando, por isso, que se verifique uma fundamentação escassa ou deficiente.
Escreve a este respeito Alberto dos Reis[2] , que “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação e espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.
(…).
Pelo que respeita aos fundamentos de direito, não é forçoso que o juiz cite os textos da lei que abonam o seu julgado, basta que aponte a doutrina legal ou os princípios jurídicos em que se baseou.
Uma coisa deve ter-se como certa: O tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas produzidas pelas partes (…). desde que a sentença invoque algum fundamento de direito está afastada a nulidade (…) no tocante à justificação jurídica da decisão”.
  Neste mesmo sentido, afirma o Professor Lebre de Freitas[3], que há nulidade quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituído, a deficiência de fundamentação[4].
O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão proferido em 2/06/2016, no processo nº 781/116.TBMTJ.L1S1[5], decidiu que:
“O dever de fundamentar as decisões tem consagração expressa no artigo 154º do Código de Processo Civil e impõe-se por razões de ordem substancial, cumprindo ao juiz demonstrar que da norma geral e abstracta soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto, e de ordem prática, posto que as partes precisam de conhecer os motivos da decisão, em particular a parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respectivo fundamento ou fundamentos (cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 9.12.1987, in BMJ 372/369).
Não pode, porém, confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a falta absoluta de motivação constitui a causa de nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 668º citado, como dão nota A. Varela, M. Bezerra e S. Nora (Manual de Processo Civil, 2ª ed.,1985, p.670/672), ao escreverem “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”. Só a total omissão dos fundamentos, a completa ausência de motivação da decisão pode conduzir à nulidade suscitada.”
Sempre neste sentido, veja-se, ainda o acórdão do mesmo Tribunal, de 3 de março de 2021[6] , em cujo sumário se lê, que:
“I. Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
II. Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.”
Ora, é a própria apelante que afirma na última das conclusões que acima deixámos transcritas, que na sentença recorrida não foram devidamente fundamentadas as exceções que havia suscitado em sede de contestação.
Acaba, pois, por reconhecer, que não existe falta total de fundamentação, antes pugnando pela existência de uma deficiente fundamentação das questões que suscitou, designadamente, da insuficiência da representação do condomínio, da insuficiência do mandato e, ainda, da ilegitimidade ativa do condomínio.
Na sentença recorrida, a Mmª juíza do tribunal a quo descriminou os factos julgados como provados – tendo por base os documentos constantes dos autos e a matéria admitida por acordo - e fundamentou de facto e de direito a decisão tomada sobre cada uma das referidas exceções, nos seguintes termos:
“Da insuficiência da representação do condomínio, da insuficiência do mandato, e da ilegitimidade do condomínio.
Invoca a ré, em sede de contestação, insuficiência da representação do condomínio, a insuficiência do mandato e a ilegitimidade do condomínio, com fundamento no facto de a Administração ter sido conferida à sociedade “D…, Lda.”, com o NIPC …, porém, quem surge quer identificada como autora na petição inicial e a conferir poderes ao Il. Mandatário é a sociedade “D… II, Lda.”, com o NIPC …, que nunca foi eleita.
Notificado, o autor veio esclarecer ter-se tratado de lapso na indicação do NIPC da sociedade que representa o condomínio, solicitando a sua rectificação e juntando nova procuração aos autos.
Em primeiro lugar, cumpre salientar que, quer na petição inicial, quer na procuração, quem é identificada como administradora do condomínio é sempre a sociedade “D…, Lda.”, e não a sociedade “D… II, Lda.”.
Porém, é indicado que a tal sociedade corresponde o NIPC …, quando à mesma corresponde, face à certidão do registo comercial junta, o NIPC ….
Ora, em face da documentação junta, verifica-se que a sociedade eleita como administradora do condomínio foi a sociedade “D…, Lda.”, com o NIPC ….
Entendemos, assim, que a questão situação suscitada pela ré não representa qualquer irregularidade na representação do condomínio ou do mandato por este conferido, mas mero lapso na indicação do NIPC da sociedade que faz a Administração.
Já foi supra determinada a rectificação de tal lapso para efeitos da identificação na petição inicial, bem como já foi junta procuração emitida pela “D…, Lda.”, com o NIPC …, com ratificação do processado.
Nestes termos, considera-se regularizada a representação do condomínio em juízo, bem como o mandato conferido ao Il. Mandatário.
Acresce que tal circunstância nunca determinaria a falta de legitimidade para a acção, a qual pertence ao Condomínio, que foi quem intentou a acção.
Em face do exposto, julga-se improcedentes as excepções invocadas pela ré.”
Em face do exposto, é patente a inexistência da referida nulidade.
Aliás, a propósito destas questões, em particular da ilegitimidade processual do autor (ilegitimidade ativa), o que transparece das conclusões recursivas é, manifestamente, a inconformação da recorrente com a matéria de facto julgada como provada.
Atente-se, para além das conclusões já expressamente referenciadas, nas seguintes: “a) Da prova produzida nos autos, documental, resulta evidente e incontestável que a sociedade comercial que tem vindo a fazer a administração e gestão do Condomínio Recorrido (D.D. II) não tem legitimidade para tal; b) Estamos perante um manifesto erro de apreciação da prova, uma errada valoração dos meios de prova (…); e) Atendendo a cada um dos documentos cuja junção se requereu, quer junto do Condomínio Recorrido, quer de terceiros – e bem assim da documentação já junta aos autos – constata- se facilmente que esta sociedade nunca foi eleita para administrar o Condomínio.; g) Há, no entanto, uma verdadeira vicissitude que vai para além do mero erro material e da insuficiência da representação do Condomínio Recorrido; é o que resulta evidente da prova documental carreada para os autos, (…); s) Existe nos autos prova documental que impunha uma decisão diversa, pois resulta óbvia a existência de duas pessoas distintas e a representação – ilegítima, por quem nunca foi eleito – do Condomínio Recorrido, atuando sem quaisquer poderes; t) Sem conceder, tudo leva a crer que o Tribunal a quo não dispunha de elementos e provas suficientes para dar como provados os factos que assim considerou – no que toca à administração do condomínio, incluindo convocação das assembleias desde 18.11.2013 em diante – pois nesse caso, decisão diversa teria sido proferida.”
Segundo o art.º 662º, nº 1, do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
E o recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto “… deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.” (cf. art.º 639º, nº 1, CPC), explicando António Abrantes Geraldes[7]   que esta norma tem cariz genérico, “de tal modo que tanto se reporta aos recursos em que sejam unicamente suscitadas questões de direito, como àqueles que também envolvam a impugnação da decisão da matéria de facto. Em qualquer caso, cumpre ao recorrente enunciar os fundamentos da sua pretensão no sentido da alteração, anulação ou revogação da decisão, rematando com as conclusões que representarão a síntese das questões que integram o objeto do recurso”.
Os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto encontram-se enunciados no já referenciado art.º 640º, do CPC. No nº 1 encontramos especificados os ónus ditos primários, que se traduzem na indicação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (al. a); na concretização dos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (al. b); na designação da decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c).
A necessidade de cumprimento dos referidos ónus por parte do recorrente surge assinalada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nº 12/2023, de 17.10.2023:“Com efeito, no art.º 640, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, consta do n.º1, Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgado; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida; e quanto ao ora em análise, c) A decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Apontados como ónus primários, pois têm como função delimitar o objeto do recurso, fundando os termos da impugnação, daí a sua falta traduzir-se na imediata rejeição do recurso, em contraposição aos ónus secundários, previstos no n.º2 do art.º640 relativos à alínea b) do n.º1, enquanto instrumentais do disposto no art.º 662, que regula a modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto pelos Tribunais da Relação, permitindo assim, um efetivo segundo grau de jurisdição no conhecimento das questões de facto, na procura da sua melhor realização, em termos relevantes isto é, na busca da verdade material com a decorrente justa composição dos litígios.”
A recorrente não cumpriu quaisquer dos ónus assinalados, sendo, por conseguinte, inconsequente, tudo quanto refere nas ditas conclusões e ao longo da sua motivação a propósito da matéria de facto julgada como provada.
Para além da apreciação e decisão das sobreditas exceções, a Mmª juíza do tribunal a quo conheceu de todas as demais questões suscitadas pela ré na sua contestação e decidiu do mérito da causa, fundamentando de facto e de direito a decisão, não enfermando, por conseguinte, a sentença da sobredita nulidade que lhe foi imputada.
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A recorrente imputa, ainda, à sentença, o vício da al. c). do nº 1, do art.º 615º, do CPC: a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível.
A nulidade tipificada na primeira parte da sobredita alínea c), ocorre quando os fundamentos que o juiz invoca conduzem a resultado oposto ao que foi expresso[8].
A propósito da ambiguidade ou obscuridade da sentença, atente-se no Acórdão do STJ de 22/01/2019 (processo 19/14.4T(VVD.G1,S1, acessível in www.dgsi.pt), assim  sumariado:
“(…)
2. A nulidade ancorada na ambiguidade ou obscuridade da decisão proferida, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, quando a decisão, em qualquer dos respectivos segmentos, permite duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade).
3. A nulidade do aresto, sustentada na contradição entre os seus fundamentos e decisão, pressupõe um erro lógico na argumentação jurídica, dando conclusão inesperada e adversa à linha de raciocínio adoptada, ou seja, apenas ocorre, quando os fundamentos invocados pelo Tribunal deviam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que veio expresso no dispositivo do dito acórdão.”
Perscrutadas as conclusões da apelante, não encontramos evidência de imputação de qualquer ambiguidade ou obscuridade à decisão proferida, nem qualquer contradição entre os seus fundamentos e a decisão final, antes, e sempre, a invocação de uma deficiente fundamentação que não se confunde com o regime das nulidade da sentença, ou a alusão à existência de provas que deveriam conduzir a decisão diversa, que  também não tem cabimento no regime das nulidades, antes, e tão só em sede de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, que, no caso, como já se disse, não ocorreu.
Destarte, e sem necessidade de fundamentação acrescida, resta concluir pela inexistência de qualquer dos referidos vícios.
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Finalmente, e nos termos da alínea d) do nº 1, do mesmo art.º 615º, a sentença é nula quando o juiz não se pronuncie sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta nulidade está estritamente relacionada com o disposto no art.º 608º, nº 2, do CPCl, nos termos o qual, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
“As questões previstas no nº 2 reportam-se aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes em  defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim às concretas controvérsias centrais a dirimir. Deste modo, não constitui nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, a circunstância de não se apreciar ou fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocaram tendo em vista obter a (im)procedência da ação. Questões e argumentos não se confundem, sendo que o dever de decisão é circunscrito à apreciação daquelas, tanto mais que, com muita frequência, as partes são prolíficas num argumentário cuja medida é inversamente proporcional à pertinência das questões”.[9] 
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3/11/2020 (proferido no processo nº 2057/16.3T8PNF.P1S1, acessível em www.dgsi.pt), decidiu-se, por seu turno, em consonância com aquilo que é pacífico na doutrina e na jurisprudência, que apenas “(…) existe omissão de pronúncia quando o Tribunal deixe de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação, mas já não quando deixe de apreciar os argumentos invocados a favor da posição por si sustentada, não sendo de confundir o conceito de “questões” com o de “argumentos” ou “razões”.
Constitui igualmente entendimento pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, que a noção de “questões” em torno das quais gravita a referida infração processual se reporta aos fundamentos convocados pelas partes na enunciação da causa de pedir e/ou nas exceções e, também, aos pedidos formulados.”
Com exceção das questões acima assinaladas aquando da apreciação da nulidade prevista na al. b), do nº 1, do art.º 615º, do CPC e relativamente às quais já concluímos pela respetiva apreciação em sede de sentença, a recorrente não assinala outras que demandassem apreciação e decisão por parte do tribunal à luz da causa de pedir da ação e das exceções que invocou em sede de contestação, sendo que a leitura da sentença não deixa margem para qualquer dúvida quanto à pronúncia e decisão sobre todas as questões estruturantes da causa submetida a julgamento. Diga-se, não obstante, ainda a este respeito, e embora a recorrente não a identifique claramente como questão relativamente à qual tenha sido omitida pronúncia (as conclusões da apelante não são escorreitas e não primam pela necessária clareza), que a falta de discussão sobre a invocada nulidade das convocatórias para a assembleia de condóminos e a consequente nulidade das deliberações suscitadas pela recorrente, não configura omissão de pronúncia, uma vez que tal matéria foi conexionada na contestação com a invocada ilegitimidade ativa, pressuposto processual que foi decidido no saneador sentença, tendo assim ficado desde logo prejudicado o conhecimento da referida questão.
Em face do exposto, resta concluir pela improcedência da apelação no que diz respeito às nulidades apontadas à sentença.
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Entrando, agora, no mérito da decisão, cumpre dizer o seguinte:
a) Sobre a legitimidade processual do autor para os termos da ação.
A sentença não padece de qualquer erro de direito.
A legitimidade é um pressuposto processual.  O objetivo da legitimidade das partes prende-se com o interesse em que a causa seja julgada perante os verdadeiros e principais interessados na relação jurídica, apresentando-se, por isso, como refere Anselmo Castro, como o corolário do princípio do contraditório[10].
A legitimidade, enquanto pressuposto processual, distingue-se da legitimidade material ou substantiva. 
Como resulta do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 30º do Código de Processo Civil, “o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar”; “o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer”, exprimindo-se o interesse em demandar pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
“A legitimidade representa (…) uma posição da parte em relação a certo processo em concreto – melhor, em relação a certo objecto do processo, à matéria que nesse processo se trata, à questão de que esse processo se ocupa.
(…)
A legitimidade é uma posição de autor e réu, em relação ao objecto do processo, qualidade que justifica que possa aquele autor, ou aquele réu ocupar-se em juízo desse objecto do processo”.[11]
Segundo Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora[12], “ser parte legítima na acção é ter o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ele oponível. A parte terá legitimidade como autor, se for ela quem juridicamente pode fazer valer a pretensão em face do demandado (…); e terá legitimidade como réu, se for ela a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera jurídica é directamente atingida pela providência requerida”. Logo, “(…) a lei define a legitimidade (como poder de dirigir o processo) através da titularidade do interesse em litígio (…)”, sendo que “(…) à legitimidade não satisfaz a existência de qualquer interesse, ainda que jurídico (…) na procedência ou improcedência da acção. Exige-se que as partes tenham um interesse directo, seja em demandar, seja em contradizer; não basta um interesse directo, reflexo ou derivado”
E o nº 3 daquele mesmo art.º 30º, dispõe, por seu turno, que “são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor” – itálico e sublinhados nossos.
Nesta conformidade, “(…) a legitimidade, como uma das condições necessárias ao proferimento (…) [da] decisão, isto é, como pressuposto processual (geral), exprime a relação entre a parte no processo e o objecto deste (a pretensão ou pedido) e, portanto, a posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o.
  (…) Há que aferir, em regra, pela titularidade dos interesses em jogo (no processo), isto é, como dizem os nºs 1 e 2, pelo interesse directo (e não indirecto ou derivado) em demandar, exprimido pela vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da acção, e pelo interesse directo em contradizer, exprimido pela desvantagem jurídica que resultará para o réu da sua perda (ou, considerando o caso julgado material formado pela absolvição do pedido, pela vantagem jurídica que dela resultará para o réu). Esta titularidade do interesse em demandar e do interesse em contradizer apura-se, sempre que o pedido afirme (ou negue) a existência de uma relação jurídica (…), pela titularidade das situações jurídicas (…) que a integram: legitimados são então os sujeitos da relação jurídica controvertida, como estatui o nº 3”[13], (sublinhado nosso) ou seja, os sujeitos da causa concretamente apresentada pelo autor.
A utilidade (ou prejuízo) que a procedência (ou improcedência) da ação possa ter para as partes é, assim, aferida em função dos termos em que o Autor configura a sua pretensão e a posição que as partes, face ao pedido formulado e à causa de pedir, têm na relação jurídica controvertida, tal como esta foi apresentada pelo Autor.
A legitimidade processual distingue-se, assim, da legitimidade em sentido material (legitimidade substancial ou substantiva), que está relacionada com a titularidade do(s) direito(s) invocados, o que significa que só o titular efetivo do direito goza da condição subjetiva necessária ao seu exercício contra terceiro.
 Neste campo, “(…) a lei e a doutrina e a linguagem corrente falam em legitimidade para designar essas condições subjectivas da titularidade do direito. A falta delas dará lugar, na mesma terminologia, a uma ilegitimidade (…); quem não é proprietário da coisa é parte ilegítima para pedir em juízo indemnização pela sua destruição; etc…). (…) Assim, se o tribunal conclui pela ilegitimidade, entra no mérito da causa (…) e profere uma absolvição do pedido”[14].
 “A legitimidade processual, constituindo uma posição do autor e do réu em relação ao objecto do processo, afere-se em face da relação jurídica controvertida, tal como o autor a desenhou. A legitimidade material, substantiva ou “ad actum” consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa.”[15]
Ainda conforme decisão recente do Tribunal da Relação do Porto[16], “A legitimidade processual, enquanto pressuposto adjetivo para que se possa obter decisão sobre o mérito da causa, não exige a verificação da efetiva titularidade da situação jurídica invocada pelo A., bastando-se com a alegação dessa titularidade[9]. Já a ilegitimidade substantiva configura uma exceção perentória inominada que tem a ver com a relação material, com o mérito da causa.”
O autor na presente ação é o Condomínio …, em Lisboa, representado pela sua administradora “D…, Ldª”.
O “nome”/designação da sociedade foi corretamente indicado no intróito da petição inicial, tendo ocorrido mero lapso de escrita quanto ao número de identificação de pessoa coletiva, não tendo o despacho que julgou corrigido tal lapso sido objeto de recurso.
À luz das considerações expendidas sobre a legitimidade processual, e tendo em consideração a relação jurídica descrita na petição inicial, é manifesto que o autor tem interesse em demandar, sendo, por conseguinte, parte legítima na ação.
Já a sua legitimidade material advém da matéria julgada como provada sob o nº 1, que para além de estar comprovada documentalmente nos autos, é aceite pela própria ré, que salvo devido respeito por opinião contrária, aproveitou o referido lapso de escrita, para alegar que a administração do condomínio vem sendo feito à “socapa” por outra sociedade, com designação muito idêntica, e para questionar de novo a validade das convocatórias para a assembleia de condóminos de que tratam os autos e a nulidade das deliberações, “esquecendo-se” que já tinha impugnado as deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada em 18/11/2013, em relação ao ponto 3 da ordem de trabalhos da mesma, constante da ata nº 20, por meio da ação que foi julgada improcedente e não provada, com decisão confirmada por acórdão do TRL, de 8 de novembro de 2016, transitado em julgado (com exceção de parte da deliberação que não está aqui em causa); bem como as deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada em 19/02/2014, constantes da ata nº 22, por meio da ação que intentou e correu termos nos Juízos Centrais Cíveis de Lisboa sob o nº 2886/14.2T8LSB, no âmbito da qual pediu a declaração de nulidade ou de anulação daquelas, ou, supletivamente, a declaração de ineficácia, em relação a ela própria, das mesmas deliberações, tendo nessa ação sido julgada procedente a exceção perentória da caducidade, com a absolvição das rés dos pedidos, tendo a sentença sido confirmada por acórdão do TRL de 28 de junho de 2018, transitado em julgado.
A legitimidade do autor está inquestionavelmente assente.
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b) Da compensação de créditos e exceção de não cumprimento
Diz a recorrente, nas suas conclusões, o seguinte: “v) Segundo a douta Sentença, a ré invoca mas não concretiza porque não fizera anteriormente o pagamento, por aguardar que o condomínio comprovasse a efetivação do acerto de €934,46, em sede de exceção de não cumprimento; não concretizando igualmente em que medida as penhoras de valores em excesso constituem um crédito da ré sobre o autor. (…) x) E a decisão a quo mostra-se incongruente e com motivação insuficiente (inexistente), pois é manifesto que a Recorrente expôs e justificou devidamente as circunstâncias em que tal compensação de créditos e exceção do não cumprimento se verificavam, assim como a correlação entre a matéria de facto invocada e a prova a produzir a respeito.”
Apesar da notória falta de clareza na exposição de motivos quanto à discordância da decisão no tocante às referidas questões, cumpre recordar o que disse a ré em sede de contestação. Nos arts. 44º a 49º de tal articulado, diz, em síntese, que o autor vem pedir a sua condenação no pagamento das seguintes quantias: a) € 11.074,80, a título de comparticipações ordinárias vencidas entre os meses de janeiro a dezembro de 2014; b) € 6.232,90, a título de comparticipações extraordinárias vencidas entre os meses de janeiro a dezembro de 2014; e c) € 3.461,54, a título de juros de mora; que no que diz respeito ao valor de € 6.232,90, não existiu uma falta de pagamento, mas antes uma suspensão temporária do mesmo, até o condomínio vir a comprovar a efetivação do acerto de € 934,46 a que se refere no artigo 18. da PI; comprovativo que, pese embora as diversas solicitações e insistências, até ao dia de hoje não chegou à R., deduzindo-se que por não ter sido cumprido pelo condomínio e/ou pelas demais condóminas; e que tal atuação enquadra-se numa situação de exceção de não cumprimento, prevista no artigo 428.º do CC.
Ora, no art.º 18º da petição inicial o autor deixou clarificado o seguinte:
“18. Ao valor total destas comparticipações extraordinárias haverá que fazer um acerto no valor de 934,46 € a crédito da ré, correspondente ao valor da sua comparticipação destinada ao pagamento dos referidos trabalhos de impermeabilização do terraço de cobertura do 10º andar direito, pelo que o montante em falta ascende a (597,28 € x 12 – 934,46 €) 6 232,90 €.”
Em face do exposto, é manifesto que o autor, ao valor global que considerava devido a título de comparticipações extraordinárias - € 7.167,36 -, deduziu desde logo o montante de € 934,46, reclamando, em consequência, e apenas, a diferença - € 6.232,90 -, carecendo por isso de fundamento as sobreditas conclusões da ré/recorrente.
Neste sentido decidiu também a Mª juíza do tribunal a quo, não padecendo a decisão de qualquer erro de direito.
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Em sede de contestação, a ré alegou que no âmbito de dois processos executivos em que figura como exequente o ora autor, foram-lhe penhoradas quantias monetárias em excesso, que “… urge concretizar/quantificar”, rematando no art.º 54º de tal articulado: “ Crédito que se invoca com as legais consequências.”
Em face do exposto, é de concluir que a ré pretenderia ver reconhecida nesta ação a existência de um contra-crédito, e, assim, obter a invocada compensação, pretensão que como não podia olvidar, teria de fazer valer por via de reconvenção, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 266º, nº 1, al. c), do CPC, o que não fez.
Deste modo, não merece censura a decisão recorrida, que decidiu nesse sentido, e que assim se sufraga.
c) Da prescrição do direito exercido pelo autor
Finalmente, e no que diz respeito à invocada prescrição, diz a recorrente nas suas conclusões, que “z) Para efeitos de interrupção do prazo de prescrição deverá atender-se aos 5 dias seguintes à data de propositura da ação (art.º 323.º, n.º 2 do C.Civil); aa) Considerando que a ação sub judice foi proposta no dia 21 de março de 2023, ter-se-á por interrompido o prazo prescricional no dia 26 de março de 2023, estando, por conseguinte, prescritas todas as quotas anteriores a março de 2018, bem como os juros de mora. bb) A serem exigíveis quaisquer valores peticionados, o que não se concebe ou aceita, sempre se encontrarão prescritos os correspondentes à soma das comparticipações ordinárias dos meses de janeiro a dezembro de 2014, no total de € 11.074,80, tanto mais que a sua dúbia exigibilidade sempre foi questionada e impugnada judicialmente pela Recorrente, tendo decorrido quase uma década desde o seu alegado vencimento; tendo o Condomínio Recorrido perdido as possibilidades de exercer o alegado direito. cc) Impunha-se uma decisão que ditasse a procedência da exceção perentória da prescrição e a consequente absolvição total da Recorrente do pedido (arts. 576.º, n.º 3 e 595.º, n.º 1, alínea b) do CPC).”
 propósito da prescrição, lê-se na sentença recorrida, o seguinte:
“A ré invoca a prescrição do crédito da autora correspondente às quotizações ordinárias, considerando que se reportam ao ano de 2014, nos termos do artigo 310º, n.º 1, al. g) do CC.
O autor respondeu, alegando que a ré intentou acção de impugnação das deliberações tomadas na Assembleia de 19.02.2014, acção que foi julgada improcedente, confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.06.2018.
A presente acção deu entrada na secretaria judicial em 23 de Março de 2023 e ré foi citada no dia 17 de mês Maio seguinte.
Defende que em virtude de tal acção deve ser aplicado ao caso do prazo de prescrição de 20 anos, nos termos previstos no artigo 311º do CC ou, caso assim não se entenda, deve considerar-se que a interposição da acção é causa interruptiva do prazo de prescrição, face ao estabelecido no artigo 326º, n.º1 do CC.
As despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio constam de um orçamento a elaborar anualmente, sendo depois repartidas pelos condóminos, geralmente em prestações mensais nos termos do artigo 1424º do CC por representarem a contrapartida do uso e fruição daquelas partes comuns. Essas prestações renovam-se, pois, anualmente, enquanto durar o condomínio – artigos 1424º e 1431º do CC. Assim sendo, prescrevem no prazo de 5 anos – alínea g) do artigo 310º - e o prazo da prescrição começa a correr da data em que a prestação pode ser exigida – n.º 1 do artigo 306º.
No caso, as quotizações ordinárias peticionadas foram aprovadas por Assembleia de Condóminos realizada em 19.02.2014 e reportam-se aos meses de Janeiro a Dezembro de 2014.
Porém, a ré intentou acção para anulação de tal deliberação, a qual foi julgada improcedente por decisão final proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 28.06.2018.
Defendemos, em conformidade com o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11.03.2014, p. 22661/11.2YYLSB-A.L1-1, www.dgsi.pt, que: “Tendo sido proposta acção de anulação da deliberação do condomínio que aprovou as dívidas do condómino, o prazo de prescrição dessas dívidas interrompeu-se com a notificação da contestação do condomínio, que assim exprimiu a intenção de exercer o seu direito” (Acórdão do TRL, de 11/02/2014).
Com esta interrupção, o novo prazo de prescrição só começa a correr a partir do trânsito em julgado da decisão naquela acção.
Nestes termos, o prazo prescricional no presente caso interrompeu-se em virtude da acção intentada pela aqui ré, e apensas começou novamente a correr com o trânsito em julgado da decisão ali proferida.
Por sua vez, a presente acção deu entrada em 21.03.2023, o que determinou novamente a interrupção do prazo de prescrição em 26.03.2023, ao abrigo do artigo 323º, nº 2, do Código Civil.
Uma vez que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa foi proferido em 28.06.2018, verifica-se que à data de 26.03.2023, não se encontrava ainda decorrido o prazo de cinco anos previsto no artigo 310º, al. g) do CC, pelo que não se verifica a invocada prescrição.”
Em face das conclusões supra transcritas, e sempre com o devido respeito por opinião contrária, a ré ignorou o fundamento global no qual foi sustentada a não verificação da prescrição do direito que o autor aqui pretende fazer valer, bem como o regime jurídico que lhe está subjacente e convocado na decisão recorrida – arts. 306º, nº 1, 1ª parte, 323º, nº 1, 326º, nº 1, e 327º, nº 1, do CPC –, não tendo apontado o sentido com que aquelas normas deveriam ter sido interpretadas e/ou aplicadas, nem invocado erro na determinação de qualquer uma delas (cf. art.º 639º, nº 2, al. b), e c)).
Tendo presente a factualidade apurada, a questão da prescrição não poderia ser apreciada, como alegadamente pretende, por apelo ao mero decurso do tempo e ao regime decorrente do art.º 323º, nº 2, do CC.
Na assembleia de condóminos realizada em 19 de fevereiro de 2014, foram aprovadas as comparticipações ordinárias para o condomínio para o ano de 2014, de periodicidade mensal, e a serem pagas, impreterivelmente, até ao último dia do mês a que respeitam.
O momento de vencimento de cada uma das quotas devidas ao condomínio ocorre na data em que as mesmas são devidas e cada uma delas encontra-se sujeita, de per si, ao prazo prescricional de 5 anos (cf. art.º artigo 310.º, alínea g), do Código Civil).
Como decorre do facto apurado em 12), a recorrente instaurou ação de impugnação das deliberações tomadas em assembleia de condóminos de 19 de fevereiro de 2014, donde emerge a dívida cujo pagamento ora vem reclamado.
Está também provado – em face dos factos supra aditados – que tal ação foi proposta contras as duas sociedades acima identificadas e que eram representadas pela administradora do Condomínio - a sociedade “D…, Ldª” – que nesta mesma ação assume a representação daquele.
Naquela ação as rés foram citadas, e, representadas pela administração do condomínio, apresentaram contestação em 6 de março de 2015, o que evidencia, com suficiente clareza e certeza, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência, a intenção daquela sociedade representante vir a exercer perante a ali autora e aqui ré, o direito do condomínio obter o pagamento das quotizações ordinárias que foram aprovadas na referida assembleia de condóminos, facto de que a ora ré e ali autora teve conhecimento, em data necessariamente anterior a 1 de setembro de 2015, momento em que apresentou resposta à contestação.
Deste modo, o conhecimento de que o condomínio pretendia exercer aquele direito foi dado a conhecer tacitamente à ora recorrente através de ato judicial (contestação), sendo que para que ocorra a interrupção da prescrição,  “ (…) não é necessário que a citação ou notificação tenha lugar no processo em que se procura exercer o direito. (…) basta que o acto do titular do direito, objecto da citação ou notificação, exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito”.[17]
Assentemos, pois, que em data não apurada, mas necessariamente anterior a 1 de setembro de 2015, ocorreu a interrupção da prescrição do direito do autor, relativamente a cada uma das quotizações devidas até ao final do ano de 2014.
Dispõe o art.º 326º, nº 1, do CC, que a “… ininterrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte”.
Ora, nos termos do nº 1, do art.º 327º, do CPC, quando a “(…) interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado(…) o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”.
A decisão que pôs termo ao processo no âmbito do qual ocorreu a interrupção do prazo prescricional do direito do autor – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a sentença de 1ª instância – foi proferida em 28 de junho de 2018, e muito embora não se tenha apurado a data do respetivo trânsito, sabe-se que o mesmo é necessariamente posterior àquela data, pelo que o novo prazo de prescrição começou a contar, de novo, e sempre, a partir daquele marco temporal.
A presente ação deu entrada em 21 de março de 2023, motivo pelo qual e pelos fundamentos constantes da decisão de 1ª instância, que, no mais, se acompanham, tem de julgar-se como improcedente a apelação.
Decisão
Em face do exposto, e pelas razões indicadas, acordam os juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação e em confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante (art.º 527º, nº 1, do CPC).
Notifique.

Lisboa, 5 de dezembro de 2024
Cristina da Conceição Pires Lourenço
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
Rui Manuel Pinheiro de Oliveira
_______________________________________________________
[1] In, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 2ª Edição, Almedina, pág. 813.
[2] In, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, Coimbra, 1984, pág. 140.
[3] In, “Código Processo Civil”, pág. 297
[4] In, “Código de Processo Civil anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 669.
[5]  Cujo texto integral está acessível em www.dgsi.pt
[6]   Proferido no processo nº 3157/17.8T8VFX.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[7] In, “Recursos em Processo Civil”. 6ª Edição, págs. 199-200.
[8] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra, 1984, pág. 141.
[9]   António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa, “O Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2ª Edição, pág. 753.
[10] Anselmo de Castro, Direito Processual Civil declaratório, II, Livraria Almedina, Coimbra, pág. 168.
[11] João de Castro Mendes, in “direito processual civil IIº Vol.” Edição AAFDL, 1987, pág. 187.
[12] In, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1985, págs. 129, 134 e 135.
[13] Vide Freitas, José Lebre de, “Código de Processo Civil anotado”, vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 51.
[14] João de castro Mendes, ob. cit., pág. 215.
[15] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/10/2018, proferido no processo nº 5297/12.0TBMTS.P1.S2, acessível  no sítio da internet dgsi.pt.
[16] Acórdão de 4/10/2021, proferido no processo 1910/20.4T8PNI.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[17] Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª Edição, Coimbra Editora, pág. 290.