REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL
REVISÃO FORMAL
Sumário

Na concepção vigente no Direito português, a reserva de ordem pública internacional só intervém a posteriori, quando a solução material concreta a que o Direito estrangeiro ou transnacional conduz é intolerável face a certos princípios e normas da ordem jurídica portuguesa

Texto Integral

I- RELATÓRIO

Acordam os juízes na 2.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

“A”, com os sinais dos autos (representada pelo ilustre advogado “F”, com escritório no Funchal, conforme  procuração de 15/4/2024 junta aos autos), propôs, acção declarativa com processo especial nos termos dos art.ºs 978 e ss. do Código de Processo Civil, contra “B” com identificação e morada desconhecidos pela requerente, pedindo a revisão e a confirmação da sentença estrangeira proferida aos 25 de Setembro de 2015, no âmbito do Processo n.º (…)/15 proferida pelo Tribunal do concelho de Kievo-Sviatoshynsky da região de Kiev, por acção interposta por “A” (patronímico: (…)) contra “B” (patronímico: (…)), com terceiro: Autoridade de Tutela da Administração Estatal da freguesia de Dniprovsky da cidade de Kiev, sobre a privação dos direitos paternais. Com a Decisão o Sr. “B” (patronímico: (…)), nascido a 09 de Julho de 1983, NIF: 3050524438, ficou privado dos direitos parentais em relação ao seu filho, “C” (patronímico: (…)). A 12 de Novembro de 2010 fora registado o casamento entre a Requerente e o Requerido, segundo a Certidão de Casamento emitida em 12 de Novembro de 2010 pelo Registo Civil da Direcção-Geral da Justiça da freguesia de Obolonsky da cidade de Kiev, o que foi registado no Livro de Registo de Casamentos em 12/11/2010 sob o número (…)63; aos 7/12/2010 nasceu um filho “C” (patronímico: (…)), certidão de nascimento, emitida em 04 de Janeiro de 2011, pelo Registo Civil da Direcção-Geral da Justiça, da freguesia de Desniansky, da cidade de Kiev, o que foi registado no Livro de Registo de Nascimentos em 04 de Janeiro de 2011, sob o número 4, conforme assento de nascimento e descrito na sentença. Em 04 de Setembro de 2014 as partes divorciaram-se, tendo o filho ficado a residir, desde então de forma ininterrupta, com a requerente e totalmente sustentado pela mesma, sendo que, o pai e a mãe da criança não moram juntos desde o Janeiro de 2014, conforme descrito na sentença, foram realizados os procedimentos exigidos por lei em matéria de Regulação de Responsabilidades Parentais, foram observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes. A referida decisão consta dos documentos juntos, que aqui se dão por reproduzidos, cuja autenticidade e justeza não deixam dúvidas, o tribunal era competente segundo as leis da Ucrânia, competência essa que não foi provocada com fraude à lei e não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses, não existem excepções, não contém decisões contrárias à Ordem Pública Portuguesa, nem ofende as disposições do direito privado português. Porque o requerido “B”, a identificação e a morada são desconhecidos pela Requerente, tendo o mesmo sido julgado à revelia, conforme sentença de que se pede revisão/confirmação, pede quer o mesmo seja citado à revelia.
Em face do desconhecimento da morada do requerido, tal como alegado, foi ordenada a recolha de informações ao abrigo do disposto no art.º 236, do CPC, e, em face da falta de elementos de identificação mais completos foi ordenada  citação edital a que se procedeu com publicação e anúncios, aos 23/4/2024 e nomeação de defensor ao requerido que se veio a efevtivar na pessoa da ilustre advogada “E” que veio a apresentar oposição nos seguintes termos: “Compulsado os autos, verifica-se que, após averiguação encetada à verificação da residência do Requerido em território nacional, concluiu-se que “nada consta” no nosso país, «em virtude de o Requerido ser cidadão estrangeiro e não possuir Cartão de Cidadão nem NIF». Condição esta que afasta de imediato a aplicação directa do preconizado no predito artº 979º, exigindo a remessa para as regras previstas nos nºs 2 e 3 do artº 80.º mencionado supra. Acontece, porém, que a Requerente não indica qual a residência que o Requerido tenha na Ucrânia e os documentos carreados no petitório são omissos ao facto, sendo que apenas revelam o número de contribuinte do progenitor naquele país, o que deveria ter feito ao abrigo dos princípios mínimos de verdade, de boa-fé e de colaboração processual e não de supressão do contraditório como se revela no seu petitório. A Requerente nada refere na sua petição, se, quando e como indicou ao Tribunal ucraniano as moradas ou domicílios do pai do menor visado, e sobre isto omite totalmente a este Tribunal qualquer facto ou indício adjacente, sabendo que a lei portuguesa é clara sobre o facto de, ao tornar a prova do Requerido difícil ou impossível com tal comportamento processual, existe inversão do ónus da prova (artº 344º do CC). E o facto da decisão em causa revelar que o julgamento em Kiev se processou sem a presença do Requerido, «que não compareceu à sessão do Tribunal», não permite anuir da falta de residência do progenitor nesse país, ou de aí ser incerto ou ausente cá ou lá. Até porque, também nessa «sessão do Tribunal» de Kiev não compareceu o «representante da Autora», a aqui Requerente, nem o «representante do terceiro», e, ainda, porque preliminarmente não foi invocado e provado pela Requerente, no seu petitório que deu origem a estes autos, que o progenitor demandado seja incerto ou ausente naquele país de origem, parecendo-nos, salvo o devido respeito, que seja impossível a Requerente desconhecer a identificação e morada/residência na Ucrânia de seu ex-marido e pai de seu filho, ou de conseguir alguma informação sobre tal, com vista a conseguir que a sentença revidenda seja acolhida pela jurisdição portuguesa, até porque, com quase toda a certeza seria fácil na Ucrânia (Kiev), através do NIF: (…) do Requerido, consultar o seu cadastro fiscal e aí obter a certidão confirmativa da sua morada fiscal naquele país, permitindo-se assim saber se o mesmo teria de ser demandado no Tribunal onde aí se encontrasse, ou não sem que esteja definitivamente apurada a residência do Requerido naquele país de origem da sentença em causa, não pode pura e simplesmente aferir-se da competência deste Tribunal aos pretendidos efeitos peticionados, pela imposição de cumprir-se com o estatuído das supramencionadas regras legais, o Requerido terá nesta altura 41 anos de idade (nascido em 09/07/1983 - cfr. Doc incluso na pi), o que significa que pelo menos desde o início da guerra desse país com a Rússia, o mesmo integra obrigatoriamente as forças armadas ucranianas como militar de um qualquer ramo das preditas forças armadas, como é do conhecimento público e geral, até junto do Ministério adstrito à Administração Interna daquele país, a Requerente poderia com facilidade saber se o pai de seu filho é morto, é vivo, e neste caso onde permanece, ou onde pode ser encontrado no âmbito do seu desempenho militar adstrito (companhia, pelotão, batalhão, base, etc). Isto não se verificando, fica em crise a legitimidade deste Tribunal para conhecer do pedido, como se reclama e requer com o douto suprimento de V. Ex.ª a Convenção da Haia sobre o Reconhecimento dos Divórcios e das Separações de Pessoas, publicada no Diário da República I, n.º 275, de 27/11/1984, é inaplicável no que diz respeito a decisões relativas a menores e alimentos, e por isso a sentença revidenda não pode ser conhecida por este Douto Tribunal, porquanto, o Tribunal Português tem de conhecer, para decidir se o resultado da aplicação da sentença estrangeira, é bom ou mau, ou compatível ou incompatível com os princípios do Estado Português e necessita de ponderar e conhecer o resultado, sendo que, este resultado de coercibilidade executiva compulsória de pensão de alimentos decretado em divórcio ao filho menor visado, nos termos em que vem decidida pelo Tribunal de Kiev, também não pode ser conhecida e aplicada em território nacional. É que a sentença revidenda compõe-se dessa primeira parte de condenação executiva compulsória dos alimentos atribuídos ao filho menor de ambos, e de uma segunda parte sobre a «privação dos direitos parentais» ao Requerido, decidida ao abrigo do que é disposto nos “artigos 164º, 165º do Código da Família da Ucrânia e nos pontos 4 e 5 do Artigo 19º do Código Civil da Ucrânia”, como se lê na tradução da sentença, para conhecer tal resultado tem de se conhecer sobre o que foi apresentado pela Requerente nestes autos de revisão de sentença estrangeira tão só por si, pois como se depreende da visada sentença não foi a mesma precludida do princípio do contraditório. Tão pouco o será cá, porquanto o Requerido não “consta”, ou “não existe” em Portugal, e pese embora esteja patrocinado oficiosamente através da ora signatária, a mesma não tem qualquer viabilidade ou meio de poder alegar, invocar, ou por qualquer modo ou meio dizer o que quer que seja em sua defesa, por razões que dispensam argumentação. A sentença estrangeira condenou o Requerido em ficar totalmente privado dos direitos parentais relativamente ao filho menor visado na predita sentença, filho menor este que, ao que parece, reside em território nacional e perante o Tribunal de Família português, adstrito ao local dessa sua residência, pode ser suscitada a respetiva regulação das responsabilidades parentais correspondentes, independentemente de ter nacionalidade estrangeira tal qual seus progenitores. Não pode a Requerente pretender que este Tribunal condene o Requerido nos exactos termos em que este foi condenado no seu país de origem, e fique duplamente privado dos direitos paternais em causa, na Ucrânia como em Portugal, visto que a legislação e a jurisprudência portuguesa não privam qualquer progenitor dos seus direitos parentais quando não pague alimentos, ou quando não acompanhe o seu filho menor. A “nova Lei de Família” que introduziu a grande e última reforma no CC em matéria de família e menores, acolhe exactamente o oposto, ou seja, afasta-se da noção tradicional de “poder paternal”, e antes abraça a nova concepção de “responsabilidades parentais” numa posição igualitária e equitativa perante ambos os progenitores, não sendo nenhum deles privado dessa prerrogativa, excepto, naturalmente, em casos muito graves de actuação criminal de qualquer deles. é modesto o entender da ora signatária, por cerceada em representar plena e condignamente a defesa do Requerido, que a sentença que a Requerente quer ver revista e reconhecida por os Tribunais portugueses contém decisão cujo reconhecimento conduz a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português. Por isso, ponderando todos os factos trazidos a pleito e considerando todas as circunstâncias processuais em causa, não merece a sentença revidenda ser revista e confirmada pelo ordenamento jurídico português, como se reclama e requer.”
Ordenado o cumprimento do art.º 982 do C.P.C. a requerente sustenta a viabilidade do pedido tal como a Ex. Procuradora Geral Adjunta. A ilustre defensora nomeada ao requerido reiterando o que dissera na oposição, alega, entre o mais que, a haver lugar a qualquer decisão sobre tal regime parental relativamente ao menor visado, a mesma não passa pela revisão da predita sentença, mas, antes, por decisão adstrita ao Tribunal de Família português afecto ao da localidade de residência do menor, que averigue e avalie sobre o exercício e a respetiva regulação das responsabilidades parentais correspondentes, independentemente de o menor visado ter nacionalidade estrangeira tal qual seus progenitores. O requerido não pode ficar duplamente privado dos direitos paternais em causa, uma vez que a legislação e a jurisprudência portuguesa exigem o escrutínio dessas “responsabilidades parentais” numa posição igualitária e equitativa perante ambos os progenitores e só em caso de inibição, inabilitação ou de paradeiro incerto é que assim não acontece, e não é esse o caso dos presentes autos, em tudo o mais mantendo-se o antes alegado em sede de oposição já apresentada.
O Tribunal é o competente.
Questão da legitimidade do tribunal para conhecer do pedido por não vir indicada a morada do requerido:
A ilustre defensora oficiosa nomeada ao requerido, dizendo desconhecer em absoluto onde o mesmo reside, sem arguir expressamente qualquer nulidade da citação edital, tal como foi realizada, o que diz é que sem quaisquer outros elementos de identificação para além daqueles referidos na sentença revidenda não é possível fazer as diligências necessárias à sua localização se bem que tais diligências pudessem ter sido feitas pela própria requerente que esteve casada como o mesmo encontrando-se divorciada ao abrigo de decisão judicial ucraniana (não reconhecida em Portugal).
A citação constitui o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e este é chamado ao processo para se defender, empregando-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa (vd. n.º 1 do artigo 219.º do Código de Processo Civil – “CPC”). A citação pode ser pessoal, quando seja feita na pessoa do citando ou seu representante, ou edital, por via da publicação de um edital, encontrando-se estas modalidades reguladas nos artigos 225.º e segs. do CPC. Quando o citando resida no estrageiro, é aplicável um regime específico, previsto no artigo 239.º do CPC, e que desde logo determina que, em primeiro lugar, se deve observar o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais. Na falta de tratado ou convenção internacional, esta norma do CPC privilegia a promoção da citação pessoal, prevendo-se no n.º 2 que a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de receção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais. Caso não seja possível ou se frustre a citação postal, procede-se à citação por intermédio do consulado português mais próximo, se o réu for português; se o réu for estrageiro, ou não sendo viável o recurso ao consulado, realiza-se a citação por carta rogatória, ouvido o autor (cf. n.º 4 do artigo 239.º do CPC). Por fim, constatando-se que o réu se encontra em parte incerta, deverá, só então, proceder-se à sua citação edital, averiguando-se previamente a última residência daquele em território português e procedendo-se às diligências a que se refere o artigo 236.º do CPC (relativo à citação de citando em parte incerta).
A questão que se coloca é desde logo a possibilidade da citação pessoal do requerido. É a própria requerente que refere que tendo sido casada com o requerido, dele se encontrando divorciada por divórcio que teve lugar na Ucrânia desde 2014, vivendo vidas separadas, não havendo contactos com o mesmo ou sequer do menor com pai, não indicou a morada do mesmo por desconhecer em absoluto o seu paradeiro. Presume a ilustre defensora que o mesmo tenha sido mobilizado à força como todos os homens naquele escalão etário do requerido para a Guerra com a Rússia e que a requerente pode obter com facilidade essas informações junto das entidades oficiais ucranianas, por outro lado admite que possa não estar vivo. Salvo o devido respeito, trata-se de presunções que a ilustre defensora retira das circunstâncias actuais que na Ucrânia se vivem e que nenhuma relevância têm para a conclusão de que este Tribunal não tem legitimidade para apreciar o pedido de revisão e confirmação da sentença.
Sobre a necessidade de propor acção de regulação de responsabilidades parentais em Portugal
Verdade que a sentença de divórcio referida pela Autora e evidenciada na sentença de privação dos direitos parentais sob apreciação não se mostra ter sido revista e conformada em Portugal mas a Autora não pede tal e verdadeiramente não se vê que seja necessário que previamente se peça o reconhecimento da decisão de divórcio e que subsequentemente a Autora proponha acção de regulação as responsabilidades parentais relativa filho e que tal satisfaça os propósitos da requerente.
Saber se não é possível rever a decisão no segmento relativo a alimentos devidos ao filho
A decisão revidenda não contém no dispositivo qualquer referência a alimentos, não se percebendo o alcance da alusão feita.
Saber se a sentença que a Requerente quer ver revista e reconhecida por os Tribunais portugueses contém decisão cujo reconhecimento conduz a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português
O conceito de ordem pública interna e internacional não coincide, sendo este mais restrito do que aquele em função da “maior tolerância” para com as regras do sistema jurídico estrangeiro que é própria do Direito Internacional Privado. Aliás, a concepção apriorística da ordem pública internacional (essencialmente defendida em finais do sec. XIX e princípios do sec. XX) e que pressuporia que se encarassem as “normas de aplicação necessária” como normas da ordem pública internacional, tem vindo a ser posta de parte, referindo Lima Pinheiro  [1] que, «na concepção vigente no Direito português, a reserva de ordem pública internacional só intervém a posteriori, quando a solução material concreta a que o Direito estrangeiro ou transnacional conduz é intolerável face a certos princípios e normas da ordem jurídica portuguesa», ideia que repete [2], referindo que « é justificada a tendência para separar a ordem pública internacional da temática das normas susceptíveis de aplicação necessária». E nesta lógica - e fazendo notar [3] ter já defendido «em obras anteriores que as normas de aplicação necessária (…) são uma modalidade de normas autolimitadas: aquela em que a norma reclama uma esfera de aplicação mais vasta do que aquele que decorreria do Direito de Conflitos geral», mas que, o desenvolvimento da tipologia das normas “autolimitadas» o levou a rever essa posição - apela para uma melhor delimitação da “norma de aplicação necessária” referindo que a mesma «sobrepõe-se ao sistema de Direito de conflitos por força de uma norma de conflitos unilateral que prevalece, como norma especial, sobre a norma de conflitos geral ou de uma valoração casuística».Daí que conclua que as normas “autolimitadas” são «excepcionais  - não se encontra aqui, portanto, uma alternativa global ao sistema de Direito de Conflitos, mas um limite ao funcionamento deste sistema que só se verifica em casos excepcionais.
Decorre do respectivo artº 36º ( nºs 3 e 5 ) que “Os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos”, e que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.” Por seu turno artº 1901º, do CC, no seu nº 1, que “Na constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais”, e , bem assim, que “ Os pais não podem renunciar às responsabilidades parentais nem a qualquer dos direitos que ele especialmente lhes confere, sem prejuízo do que neste Código se dispõe acerca da adopção” – artº 1882º. Em caso de divórcio ou separação mantem-se a regra do exercício em comum das responsabilidade parentais tanto para questões de particular importância como para os actos de vida corrente (aqui reservado ao progenitor com quem o menor estiver nos termos do n.º 2 do art.º 1906 do CCiv) salvo se for julgado contrário aos interesses do menor por decisão judicial (art.ºs 1904-a/5, 1906 do CCiv). O art.º 1913 enumera as situações em que de pleno direito o ou os pais ficam inibidos de pleno direito do exercício do poder paternal o que no caso se não verifica e o art.º 1915/1 do CCiv estatui que a requerimentos da pessoas aí indicadas pode o tribunal decertar a inibição do exercício das responsabilidades parentais “quando qualquer dos pais infrinja culposamente os deveres para com os filhos, com grave prejuízo destes, ou quando, por inexperiência, enfermidade, ausência ou outras razões se não mostre em condições de cumprir aqueles deveres”, podendo a inibição ser total ou limitar-se à representação e administração dos bens dos filhos, podendo abranger ambos os progenitores ou apenas um deles e referir-se a todos os filhos ou apenas a algum ou alguns”, podendo essa inibição decertada pelo tribunal ser levantada quando cessem as causas que lhe derma origem, podendo o levantamento ser pedido pelo Ministério Público ou por qualquer um dos pais passado um ano sobre o trânsito em julgado da sentença de inibição ou da que houver desatendido outro pedido de levantamento.(n.º 2) O que ocorre na decisão revidenda? Dando procedência à acção proposta pela ora Autora “A” contra “B” e terceiro (Autoridade de Tutela de Administração Estatal) sobre privação de direitos parentais decretou-se “...privar dos direitos parentais do “B”...nascido a 9/7/1983...em relação ao seu filho “C”..nascido a 7/12/2010...”. Da mesma decisão de 2015 consta além do mais que em 4/12/2014 “as partes divorciaram-se. O filho reside com a Autora e fica sustentado pela mesma. O pai e mãe da criança não moram juntos desde Janeiro de 2014. Durante este período o pai não presta apoio material ao filho. Segundo a decisão à revela no processos...que entrou em vigor em 8/1/2015, o Departamento...com base no título executivo...iniciou o processo executivo sobre a cobrança compulsória de pensão alimentícia. Em 2015 o atraso nas pensões alimentícias do Réu era de 10.500 hryvnias...o réu evita cumprir os seus deveres parentais de criação do filho, nunca se interessou pela sua vida, não o visitou e continua a não o visitar em casa, estabelecimento escolar ou estabelecimento de saúde...o Réu não compareceu à sessão do Tribunal. O dia hora e local da audiência no processo foram divulgados nos meios de comunicação de massa. As razões para não comparecer em tribunal são desconhecidas...nos termos do art.º 165 do Código de Família da Ucrânia têm o direito de requerer ao Tribunal a privação dos direitos parentais as seguintes pessoas...um dos pais...nos termos dos números 4 e 5 do art.º 190 do Código Civil da Ucrânia é obrigatória a participação do órgão de tutela quando o Tribunal considera litígios relativamente à participação de um dos pais na criação do filho...à privação e restauração dos direitos parentais...segundo a característica n.º 59/01 emitida pela instituição de ensino pré-escolar...a encarregada de educação do “C” é a sua mãe “A” que participa activamente na vida da criança. Interessa-se em seus estudos no estabelecimento de ensino pré-escolar. Durante os estudos da criança, o pai, “B” não aparece no estabelecimento de ensino pré-escolar...a sua mãe “A” e a sua avó “D”...estão a cuidar da criança...”
O ora réu – réu também na decisão recorrida- foi convocado para o julgamento nos termos mencionados declarados o tribunal recorrido desconhecer as razões pelas quais não compareceu, resultando das decisões mencionadas na sentença revidenda que o mesmo, nessa acções foi julgado à revelia. Com base nesses elementos não é possível concluir que foi preterido o contraditório, sendo absolutamente inegável que no nosso regime o pai contra quem é requerida a inibição deve ser citado (art.º 54/1 do RGPTC). O art.º 164 do Código de Família da Ucrânia prevê a inibição do poder paternal em situações similares às previstas na nossa lei em acção contra o progenitor cuja privação d direitos se requer naturalmente a ser citado. De acordo com o art. 168 do mesmo diploma o progenitor privado do acesso ao filho pode intentar acção com vista à recuperação dos seus direitos parentais, o que também está de acordo com o nosso direito. Não é evidente dos elementos constantes dos autos que o Réu “B” não tenha sido citado na acção de privação cuja sentença se pretende rever, resulta que o mesmo foi citado nos termos ali referidos por isso não é possível concluir que tenha havido preterição do contraditório. Os fundamentos da decisão revidenda no sentido da privação dos direitos parentais do mencionado “B” e ao abrigo da legislação Ucrânia encontram reflexo na nossa legislação o mencionado art.º 1915, do CCiv, já que o ora réu- e também ali réu- não visita, não cuida, não paga os alimentos, não vai sequer ao estabelecimento, de ensino do menor, ou seja, alheou-se completamente da vida do filho, com grave prejuízo para o desenvolvimento do mesmo, podendo, eventualmente, discutir-se se esses fundamentos ali provados seriam suficientemente graves, face à nossa legislação, para decretar a inibição/privação dos direitos parentais do progenitor, todavia, não é possível concluir que o resultado a que se chegou na decisão revidenda ofende de forma intolerável intolerável certos princípios e normas da ordem jurídica portuguesa, circunstância que a verificar-se impedir a revisão e a confirmação do decidido.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Resulta provado com relevo para a decisão:
Por decisão proferida aos 25/9/2015 transitada em julgado aos 28/9/2015 pelo Tribunal do Concelho de Kievo-Sviatoshinksy, da Região de Kiev Ucrânia no processo (…)/15-u foi decidido “...satisfazer a acção de “A” contra “B” com terceiro Autoridade de Tutela da Administração Estatal da freguesia de Dniprovsky da cidade de Kiev sobre a privação de direitos parentais. Privar dos direitos parentais do “B”...nascido a 9/7/1983...em relação ao seu filho “C”.nascido a 7/12/2010...”.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A revisão de sentença estrangeira ou acto equiparado com vista a operar efeitos jurisdicionais na ordem jurídica nacional é de natureza formal, envolvendo, tão-só, a verificação da regularidade formal ou extrínseca da sentença revidenda, não pressupondo, por isso, a apreciação dos fundamentos de facto e de direito da mesma.
Atento o disposto no art.º 1096, do C.P.C, constituem requisitos de revisão:

  • Ausência de dúvidas sobre a autenticidade e sobre a inteligibilidade do documento de que conste sentença;
  • Trânsito em julgado da sentença;
  • Sentença de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada com fraude à lei e que não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
  • Que não possa invocar-se as excepções de litispendência ou caso julgado, com fundamento em causa afecta a tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;
  • Citação do réu, nos termos da lei do país de origem e observância dos princípios do contraditório e da igualdade das partes;
  • Não conter a sentença decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado Português;
    Sabendo-se que se impõe ao tribunal o conhecimento oficioso da verificação dos pressupostos a que se referem as alíneas a) a c) e f) do art.º 980 do C.P.C., há que concluir que na situação em apreço se verificam todas as condições exigidas pela lei para a revisão e confirmação da sentença estrangeira.
    Não se suscitam dúvidas quanto à autenticidade e inteligibilidade dos documentos juntos pela requerente; por outro lado, ainda, a decisão do tribunal estrangeiro não conduziu a um resultado incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado português, como se explicou acima.
    No que concerne aos restantes pressupostos, ou seja, o cumprimento dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, inexistência de situação de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a um tribunal português, trânsito em julgado da sentença revidenda, face aos elementos documentais juntos aos autos é de entender que estão verificados. Não existe fundamento para considerar que a competência do Tribunal ucraniano, foi determinada em fraude à lei.
    A revisão é meramente formal como resulta da lei e é reconhecido pela doutrina e jurisprudência.
    Verificam-se, pois, os pressupostos legais da revisão e de confirmação da sentença em análise, procedendo a acção.

    IV- DECISÃO
    Pelo exposto, julga-se procedente a pretensão de revisão de sentença, pelo que se confirma a sentença de 25/9/2015, transitada aos 28/9/2015, proferida pelo Tribunal do Concelho de Kievo-Sviatoshinksy, da Região de Kiev Ucrânia no processo (…)/15-u onde foi decidido “...satisfazer a acção de “A” contra “B”..com terceiro Autoridade de Tutela da Administração Estatal da freguesia de Dniprovsky da cidade de Kiev sobre a privação de direitos parentais. Privar dos direitos parentais do “B”.nascido a 9/7/1983...em relação ao seu filho “C”.nascido a 7/12/2010...”.
    Valor da acção: 30.000,01 euros. As custas são da responsabilidade do réu que decai e porque decai (art.º 527/1 e 2). Cumpra oportunamente o disposto no art.º 78 do CRgC.

    Lisboa, 05-12-2024,
    Vaz Gomes
    Higina Castelo
    Pedro Martim Martins
    ______________________________________________________
    [1]-  «Direito Internacional Privado», Vol I, 2ª ed , p 589
    [2] - Obra atrás citada, p 591
    [3] - Obra citada, p 245